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A Jurema encantada para contrabaixo solo de Danilo Guanais: considerações sobre o trabalho colaborativo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ESCOLA DE MÚSICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

AÍRTON FERNANDES GUIMARÃES FILHO

A JUREMA ENCANTADA PARA CONTRABAIXO SOLO DE DANILO GUANAIS:

Considerações sobre o trabalho colaborativo

NATAL-RN 2019

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AÍRTON FERNANDES GUIMARÃES FILHO

A JUREMA ENCANTADA PARA CONTRABAIXO SOLO DE DANILO GUANAIS:

Considerações sobre o trabalho colaborativo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na linha de pesquisa – Processos e Dimensões da Produção Artística, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Música.

Orientador: Prof. Dr. Fábio Soren Presgrave.

NATAL-RN 2019

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Catalogação de Publicação na Fonte

Biblioteca Setorial Pe. Jaime Diniz - Escola de Música da UFRN

Elaborada por: Elizabeth Sachi Kanzaki – CRB-15/Insc. 293 G963j Guimarães Filho, Airton Fernandes.

A Jurema encantada para contrabaixo solo de Danilo Guanais: considerações sobre o trabalho colaborativo / Airton Fernandes Guimarães Filho. – Natal, 2019.

101 f.: il. ; 30 cm.

Orientador: Fábio Soren Presgrave.

Dissertação (mestrado) – Escola de Música, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019.

1. Música para Contrabaixo – Dissertação. 2. Composição Musical – Colaboração Compositor e Intérprete – Dissertação. I. Jurema encantada. II. Presgrave, Fábio Soren. III. Título.

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AÍRTON FERNANDES GUIMARÃES FILHO

A JUREMA ENCANTADA PARA CONTRABAIXO SOLO DE DANILO GUANAIS:

Considerações sobre o trabalho colaborativo

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na linha de pesquisa – Processos e Dimensões da Produção Artística, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Música.

Aprovada em: ___/___/___

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________________ PROF. DR. FÁBIO SOREN PRESGRAVE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UFRN) ORIENTADOR

_________________________________________________________ PROF. DR. ALEXANDRE SILVA ROSA

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA (UNESP) MEMBRO DA BANCA

_________________________________________________________ PROF. DR. MÁRIO ANDRÉ WANDERLEY OLIVEIRA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UFRN) MEMBRO DA BANCA

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha esposa Lívia e ao meu filho Gabriel, porto seguro em todos os momentos da minha vida; aos meus irmãos Joel, Maura, Lêda e Soraia; a todos os meus sobrinhos, querida geração que vai chegando; à minha Avó Maura (in memoriam), à minha mãe Christina (in memoriam), e ao meu Pai Aírton por terem sempre apoiado os meus estudos, o que possibilitou chegar onde estou hoje, minha eterna gratidão e amor.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Dr. Danilo Guanais pela generosidade em aceitar o desafio de escrever uma obra para o contrabaixo, possibilitando não só a minha pesquisa, mas também uma contribuição inestimável para o repertório do nosso instrumento; ao meu orientador professor Dr. Fábio Presgrave, por ter me aceitado como seu orientando, o que para mim já é uma grande honra, como também pelo apoio inestimável nos momentos mais difíceis; ao querido primo Sandro Guimarães, pelo seu brilhante livro: A Jurema Encantada, que contando a história da Paraíba, inspirou todo o nosso trabalho de pesquisa; à professora Dr. Luciana Noda, pelas inestimáveis contribuições ao meu trabalho, minha eterna gratidão; aos professores Dr. Cleber Campos e Dr. Mário André, por toda a ajuda e orientações em minha qualificação serei sempre muito grato; ao professor Dr.Alexandre Rosa, pelas orientações e disponibilidade em todos os momentos; ao professor Ms. Ronaldo Ferreira pelo apoio e ajuda em vários momentos da minha vida acadêmica e pessoal; ao professor Manoca Barreto (in memoriam), por toda amizade e exemplo de generosidade para com todos que o cercavam como verdadeiros discípulos; a Paulo Henrique Dantas pela edição dos áudios coletados para esta pesquisa; a Alexandre Maiorino e ao Studio Humberto Luiz pelo trabalho primoroso de gravação e edição de áudios e vídeos que foram de grande importância para a minha pesquisa. Dedico este trabalho igualmente a todos os professores da Escola de Música da UFRN, um grande privilégio trabalhar ao lado de tanta gente talentosa e dedicada ao ensino e ao fazer musical nos seus mais diversos aspectos.

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“Nenhum de nós pretende ser “primitivo”: o que procuramos é mergulhar nessa fonte inesgotável, em busca das raízes, para unir nosso trabalho aos anseios e ao espírito do nosso Povo, fazendo nosso sangue pulsar em consonância com o dele e revigorando nosso pulso ao contacto com aquilo que tais artes e espetáculos têm de festa – entendida no sentido latino-americano de celebração e sagração dionisíaca do Mundo”.

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RESUMO

Este trabalho investiga o processo de colaboração entre compositor e interprete na elaboração da Jurema Encantada para contrabaixo solo, do compositor Danilo Guanais. Apresenta-se a linguagem musical, criada a partir do trabalho colaborativo. Averiguaram-se os aspectos que consideramos inovadores na construção da peça. Para isso, apresenta-se o processo colaborativo que resultou na construção musical e idiomática da Jurema Encantada em seus três movimentos, I (O Casamento), II (O Rapto) e III (A Guerra), como também os respectivos áudios, para que se possa ter uma maior compreensão dos aspectos musicais da peça. A fundamentação teórica ampara-se nos estudos feitos por Rucker Queiroz (2002), Erickinson Lima (2014), Mariana Holschuh (2017) e Leonardo Ventura (2007), sobre o movimento armorial e a sua influência na obra de Guanais. A bibliografia sobre o trabalho colaborativo apoia-se em Fausto Bórem (1998), Rodrigo Lobo (2016), Rodolfo Borges (2017), Herivelto Brandino (2012), Sônia Ray (2010) e Catarina Domenici (2011). No anexo C, encontra-se disponível a edição final da partitura, apresentando aspectos da linguagem idiomática para o contrabaixo, construídos a partir do trabalho colaborativo, também foi disponibilizado uma gravação em áudio e vídeo para divulgação da peça, em complemento ao recital público da estreia da obra.

Palavras-chave: Colaboração compositor e intérprete. Contrabaixo solo. Jurema encantada.

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ABSTRACT

This work investigates the process of collaboration between composer and interpreter in the elaboration of Jurema Encantada for double bass, by composer Danilo Guanais. It seeks to present the musical language, created from collaborative work. Find out the aspects that we consider innovative in the construction of the piece. For this, we present the collaborative process that resulted in the musical and idiomatic construction of Jurema Encantada in its three movements, I (O Casamento), II (O Rápto) and III (A Guerra), as well as the respective audios, so that one can have a greater understanding of the musical aspects of the play. The theoretical foundation is supported by studies by Rucker Queiroz (2002), Erickinson Lima (2014), Mariana Holschuh (2017) and Leonardo Ventura (2007), about the armorial movement and its influence on Guanais's work. The bibliography on collaborative work is supported by Fausto Bórem (1998), Rodrigo Lobo (2016), Rodolfo Borges (2017), Herivelto Brandino (2012), Sônia Ray (2010) and Catarina Domenici (2011). In annex C, the final edition of the score is available, presenting aspects of the language for the double bass, built from the collaborative work, an audio and video recording was also made available to publicize the piece, in addition to the public recital of the premiere of the work.

Keywords: Collaboration composer and interpreter. Double bass solo. Jurema Encantada.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Uso de efeito percussivo com a mão esquerda (trecho indicado pelas setas)..34

Figura 2 - Exemplo da “levada” do triângulo e zabumba no Baião...35

Figura 3 - Acento característico da zabumba sem o bacalhau...35

Figura 4 - Zabumba Nordestino com baqueta e bacalhau...35

Figura 5 - Baqueta do Zabuma...36

Figura 6 - Bacalhau...36

Figura 7 - Uso de nota rebatida, juntamente com o pizzicato de efeito percussivo (trecho indicado pelas setas)...37

Figura 8 - Uso de nota rebatida, juntamente com nota pedal e pizzicato de efeito percussivo (trecho indicado pelas setas)...38

Figura 9 - Nota pedal com uso de pizzicato com mão esquerda na região do capotastro...39

Figura 10 - Uso do pizzicato/percussão em região do capotastro...40

Figura 11 - Fotografia de encontro presencial entre compositor e intérprete...41

Figura 12 - Fotografia de encontro presencial entre compositor e intérprete...42

Figura 13 - Fotografia de encontro presencial entre compositor e intérprete...43

Figura 14 - Exemplo do uso de GEs (Ritmo de Baião), na partitura para os compassos 62 a 92...47

Figura 15 - Exemplo do uso de GEs (Corda dupla com som de rabeca), na partitura para os compassos 93 a 112...47

Figura 16 - Esboço do projeto Tracunhaém...49

Figura 17 - Esboço do projeto Tracunhaém...50

Figura 18 - Esboço do projeto Tracunhaém...51

Figura 19 - Primeiro compasso, oitavação da nota pedal G...53

Figura 20 - Primeiro compasso corrigido...53

Figura 21 - Oitavação da nota pedal Sol e uso de técnicas estendidas...54

Figura 22 - Formação de bicorde com uso do polegar...54

Figura 23 - c. 19, 20 e 21 como escrito originalmente...54

Figura 24 - c. 19 corrigido...55

Figura 25 - c. 20 e 21 corrigido...55

Figura 26 - c. 28 no 1º e 2º tempo, como escrito originalmente...55

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Figura 28 - Modificação no tricorde do c. 32...56

Figura 29 - c. 32 Revisado...56

Figura 30 - Escala nordestina Lídio b7 ou Mixo #4...56

Figura 31 - Escala nordestina Lídio b7 ou Mixo #4...57

Figura 32 - Motivo sem a modificação...58

Figura 33 - Motivo revisado...58

Figura 34 - Motivo Lídio b7, presente no primeiro movimento...58

Figura 35 - Variação do Lídio b7 reaparecendo no segundo movimento...58

Figura 36 - Uso de nota pedal...59

Figura 37 - Uso de efeito percussivo na mão esquerda...60

Figura 38 - Preparação para a Guerra...62

Figura 39 - Tensão gerada pela série harmônica Ré-Dó# e a nota pedal Ré...62

Figura 40 - derivação do Mt. 2...62

Figura 41 - Construção da Série dodecafônica...64

Figura 42 - Ilustração dos tetracordes e exacordes da Séria Dodecafônica...65

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Processos de envio da obra pelo compositor...27

Tabela 2 - Envio de áudios e vídeos para o compositor...28

Tabela 3 - Etapas de construção e discussão com o compositor da Jurema Encatada...43

Tabela 4 - Divisão da partitura em motivos...45

Tabela 5 - Estudo mental para a mão esquerda na Jurema Encantada...46

Tabela 6 - Estudo mental para a mão direita na Jurema Encantada...46

Tabela 7 - Graus e semitons da Série Dodecafônica...65

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEM - Associação Brasileira de Educação Musical Mt. - Motivo

Fig - Figura C. - Compasso Tab. - Tabela

Lídio b7 - Quarto modo da escala maior, com o sétimo grau bemol Mixo #4 - Quinto modo da escala maior, com o quarto grau sustenido TE - Técnica estendida

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... Error! Bookmark not defined. 2 REVISÃO DE LITERATURA ... Error! Bookmark not defined. 2.1 Danilo Guanais ... Error! Bookmark not defined. 2.2 O Movimento Armorial ... Error! Bookmark not defined.

2.2.1 A sonoridade armorial ... 20

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 22

3.1 Sobre o trabalho colaborativo...22

3.2 O conceito de técnicas estendidas...29

3.3 Interações entre compositor e intérprete...31

4 METODOLOGIA...41

4.1 O processo de memorização e o estudo mental...43

4.2 Entrevista com o compositor ... 48

5 O PROCESSO COLABORATIVO NOS TRÊS MOMENTOS DA JUREMA ENCANTADA...53 5.1 O Casamento ... 53 5.2 O Rapto ... 57 5.3 A Guerra ... 60 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 67 REFERÊNCIAS...69

APÊNDICE A – Entrevista fornecida pelo compositor...74

ANEXO A – Partitura da Jurema Encatada I mov. (Primeira versão)...75

ANEXO B – Partitura da Jurema Encantada I mov. (Segunda versão) e II mov. (Primeira versão)...77

ANEXO C – Partitura da Jurema Encantada III mov. (Primeira versão)...84

ANEXO D – Partitura da Jurema Encantada I, II e III movimentos (Versão final com sugestões de digitações e arcadas)...89

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho trata do processo colaborativo entre compositor e intérprete, e apresenta como resultado da colaboração, a peça “Jurema encantada” para contrabaixo solo do compositor Danilo Guanais. A delimitação se refere à construção de uma interpretação da peça por meio do trabalho colaborativo. O objetivo principal foi investigar o processo de colaboração entre compositor e interprete na elaboração da Jurema Encantada. Evidenciaram-se os aspectos estilísticos emergentes do processo colaborativo, que Evidenciaram-se mostrarem inovadores, a partir da estética armorial. A apresentação pública da obra e sua disponibilização em partitura editada com arcos e digitações faz parte da estrutura do trabalho. A justificativa para a escolha do tema é a necessidade de ampliação do repertório para o contrabaixo, por intermédio do trabalho colaborativo, o que possibilitou a inserção de elementos inovadores propostos pelo compositor, sendo o intérprete um aliado importante do compositor na procura de soluções técnicas e musicais dos idiomatismos próprios do contrabaixo. As ferramentas metodológicas utilizadas foram a revisão bibliográfica, reuniões com o compositor, entrevistas presenciais e por meio eletrônico, bem como a análise e edição da partitura visando à performance.

O trabalho será dividido em seis capítulos: 1. Introdução; 2. Revisão de Literatura; 3. Fundamentação Teórica; 4. Metodologia e 5. O processo colaborativo nos três momentos da Jurema Encantada e 6. Considerações finais.

As referências para o nosso trabalho em relação ao processo colaborativo entre compositor e intérprete se apoiarão nas publicações de Borém (1998), Lobo (2016), Borges at al (2017), Domenici (2010) e Ray (2010).

Sobre o Movimento Armorial, as nossas referências serão Lima (2014), Queiroz (2002), Holschuh (2017) e Ventura (2007).

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2 REVISÃO DE LITERATURA

Neste capítulo, retrata-se a história musical do compositor Danilo Guanais, bem como as características da música armorial presentes em sua obra. Apresentamos também uma entrevista feita com Guanais a respeito da estrutura pensada para a sua peça “A Jurema Encantada”.

2.1 Danilo Guanais

[...] Danilo Guanais é um músico da mais alta importância para o nosso país. Eu admiro tanto Danilo [...] e, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, está apoiando e prestigiando o [seu] trabalho, isso é uma coisa muito importante [...] (SUASSUNA apud LIMA, 2014, p. 31).

Danilo Guanais tem uma carreira consolidada como compositor, violonista e, atualmente, é professor doutor da EMUFRN, lecionando Linguagem e Estruturação Musical naquela universidade, segundo Lima: “O paulistano mais potiguar que São Paulo já produziu”, nasceu em 29 de março de 1965, sua família mudou-se para Natal, Rio Grande do Norte, antes dele completar um ano de vida.” (LIMA, 2014, p. 32).

Compõe para diversas formações da música erudita. Além de arranjador, tem composto “diversas trilhas sonoras para teatro, cinema e dança, e até pela literatura” (QUEIROZ, 2002, p. 21). Guanais recebeu diversos prêmios, sendo dois internacionais (V Festival Internacional de Teatro em Pelotas - RS e II Festival Internacional de Artes Cênicas de Resende - RJ)” (NÓBREGA, 2000, p. 114).

A influência do armorial em sua carreira é destacada por Lima (2014) e Queiroz (2002) em suas dissertações de Mestrado. No trabalho de Queiroz (2002), está disponível um catálogo de obras de Guanais, no qual se destacam obras compostas em estilo Armorial. De acordo com Holschuh (2017), três dentre suas composições mais importantes são consideradas como fazendo parte desse estilo. São elas: a Missa de Alcaçus de 1996, a Sinfonia n. 1 de 2002 e a Paixão segundo Alcaçus de 2013 (HOLSCHUH, 2017, p. 36-37).

De acordo com Queiroz (2014), sua obra “Paixão segundo Alcaçus” está entre as mais importantes composições em estilo armorial:

Queiroz (2014) menciona, como obras de destaque compostas recentemente sob a influência armorial: o Concerto duplo Armorialis para viola e violoncelo, escrito em 2007, por Eli-Eri Moura (MOURA, 2014); a ópera armorial Dulcinéia e Trancoso, escrita em 2009, também por Eli-Eri Moura com libreto do escritor e teatrólogo

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Waldemar José Solha (MOURA, 2009); e a Paixão segundo Alcaçus, escrita em 2013, por Danilo Guanais (GUANAIS, 2013) (HOLSCHUH, 2017, p. 35).

Sua obra mais antiga em estilo armorial é o Baião de Dois de 1994, para dois pianos (GUANAIS, 2019, informação verbal).

Atualmente, dentre diversos projetos, Guanais se dedica a um conjunto de composições para solistas de instrumentos de corda (Violino, Viola, Violoncelo e Contrabaixo), intitulada “Tetralogia da tragédia”. Compõem essa tetralogia: “Com loro nel

fiume”, para viola solo; “O Caldeirão dos esquecidos”, para violino solo; “Jurema encantada”, para contrabaixo solo; e a última, uma peça para violoncelo solo, com

argumento e nome ainda nãos definidos, até o presente momento1.

A peça “Jurema encantada” para contrabaixo solo tem como argumento um caso ocorrido na Paraíba seiscentista entre os Índios Potiguaras e os colonizadores portugueses2. A história se passa a partir do casamento de Iratembé, realizado na condição de ela permanecer com o marido na tribo, posteriormente porém, o marido foge e a leva consigo. Os irmãos de Iratembé são enviados pelo Pai a Olinda, para tratar com Antonio Salema (Gov. do Província), a devolução de Iratembé, o que ocorreu de fato. No retorno à aldeia, os três irmãos pedem abrigo no Engenho de Tracunhaém, para passar a noite e seguir. O dono do engenho, Diogo Dias, encantado com a beleza de Iratembé, sequestra a indígena e informa aos dois irmãos que eles devem prosseguir sem ela. Retornando à aldeia e narrando o ocorrido, os Potiguaras se organizam num grande grupo de mais de 2.000 indígenas, que vão ao engenho e exterminam todos os quase 600 habitantes.

Esse fato ficou conhecido como a “Tragédia de Tracunhaém” e deu origem à Capitania Real da Paraíba em 1574, como forma de Portugal determinar o controle na região, mas só dez anos depois, efetivou-se a sua ocupação, em 1585, e isso por conta da resistência indígena, de acordo com Gurjão:

As hostilidades dos portugueses com os potiguaras se agravaram muito após a chamada “Tragédia de Tracunhaém”. Esse episódio ocorreu devido ao rapto e posterior desaparecimento de uma índia, filha do cacique potiguar, no Engenho Tracunhaém (Pe.). Após receber a comitiva constituída pela índia e seus irmãos, vindos de viagem, após resgatar a índia raptada, para pernoite em sua casa, um senhor de engenho, Diogo Dias, provavelmente escondeu-a, de modo que quando amanheceu o dia a moça havia desaparecido e seus irmãos voltaram para sua tribo sem a índia. Seu pai ainda apelou para as autoridades, enviando emissários a Pernambuco sem o menor sucesso. Os franceses que se encontravam na Paraíba estimularam os potiguaras à luta. Pouco tempo depois, todos os chefes potiguaras se

1 Informação fornecida por Danilo Guanais, em sua casa, em Natal, em outubro de 2017.

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reuniram, movimentaram guerreiros da Paraíba e do Rio Grande do Norte e atacaram o engenho de Diogo Dias. Foram centenas de índios que, ardilosamente, se acercaram do engenho e realizaram uma verdadeira chacina, a morte de todos que encontraram pela frente: proprietários, colonos e escravos, seguindo-se o incêndio do engenho (GURJÃO, 2001, p. 14, grifo nosso).

Essa, então, é a história que se tornou o argumento para a peça “Jurema Encantada” de Guanais. O trabalho estabelece-se por meio da mediação do processo pelo diálogo entre intérprete/compositor, buscando as possibilidades idiomáticas, estilísticas e técnicas para a construção e interpretação da obra.

2.2 O Movimento Armorial

No início do trabalho colaborativo com Guanais, quando soubemos que a sua peça Jurema Encantada seria em estilo Armorial, pensamos na necessidade de nos aprofundarmos mais sobre as caraterísticas do Movimento, considerando que a obra escrita por Guanais está repleta de referências a esse respeito. A influência do estilo armorial está presente em muitos dos seus trabalhos e na Jurema isso já ficou claro desde o início, embora segundo o próprio Guanais, em entrevista concedida a mim, explique que a Jurema Encantada está “num estilo Armorial que se mescla com aspectos estilísticos da linguagem moderna, ou seja, afastando-se um pouco da sonoridade característica dos primeiros exemplares que são referência do Movimento Armorial” (Apêndice A).

Felizmente, nos últimos anos tem havido um número significativo de publicações sobre esse tema, muitos autores têm se debruçado sobre a história do Movimento Armorial, especialmente sobre as características da arte da música armorial e seu idealizador Ariano Suassuna.

O idealizador do Movimento Armorial, Ariano Suassuna, foi oitavo dos nove filhos de Rita de Cássia e João Suassuna, Ariano nasceu na capital do estado da Paraíba em 16 de junho de 1927. Com a idade de três anos, sua família perde o convívio do pai, que foi assassinado por conflitos no âmbito da Revolução de 1930. A morte prematura “marca profundamente Suassuna e sua obra, que se constrói, de certa maneira, como uma homenagem à memória da figura paterna, como uma busca da recuperação do trauma pelo viés da arte” (SIMÕES, 2016, p. 10).

O Movimento Armorial surgiu em Recife (PE) em 1970. “Sua estreia oficial se deu em 18 de outubro de 1970, com um concerto da recém-criada Orquestra Armorial de Câmara e, simultaneamente, uma exposição de artes plásticas” (NÓBREGA, 2000, p. 2). Segundo

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Ariano Suassuna, o objetivo do movimento seria “[...] realizar uma Arte brasileira erudita a partir das raízes populares da nossa Cultura” (SUASSUNA , 1974, p. 9). Embora o fim do movimento Armorial tenha sido anunciado em 1980, tem havido uma retomada de regravações do repertório armorial, como comprovam compositores como Danilo Guanais, que faz parte do grupo dos vários compositores que têm retomado o legado armorial, segundo Simões: “[...] por volta de 1980, há quem anuncie o fim do movimento. No entanto, outros defendem que há, pelo contrário, um momento de aprofundamento das questões levantadas nos anos anteriores com a chegada de novos artistas na chamada Fase Arraial (SIMÕES, 2016, p. 10)”. As referências utilizadas por nós para o entendimento do estilo armorial, além da Orquestra Armorial e Quinteto Armorial, foi o Quinteto da Paraíba, que representa exatamente uma retomada do repertório armorial nos anos 90.

A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos ‘folhetos’ do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus ‘cantares’, e com a Xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e à forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados (SUASSUNA, 1974, p. 7).

De acordo com Ariano Suassuna, o Movimento Armorial foi criado na década de 70 do século XX e objetivava a construção (a partir da união de artistas e escritores) de uma arte brasileira erudita, fundamentada na raiz popular da nossa cultura. “Procuramos essa arte também com o objetivo de lutar contra o processo de descaracterização e de vulgarização da cultura brasileira.” (SUASSUNA 1974, p. 9). Segundo Lima (2014), sua estreia oficial se deu em 18 de outubro de 1970, “com um concerto e uma exposição de artes plásticas, realizados paralelamente na Igreja São Pedro dos Clérigos, na cidade do Recife - Pernambuco.” (LIMA, 2014, p. 11). A formação do Quinteto Armorial, ocorreu um ano antes, sobre isso relata Suassuna:

Foi em 1969 que começamos, propriamente, o trabalho de composição da música Armorial... realizado para um Quinteto que fundei composto de dois pífanos e duas rabecas. O primitivo Quinteto Armorial, fundado por mim em 1969 era, portanto, composto de duas flautas – por causa dos dois pífanos do “terno” – um violino e uma viola-de-arco - por causa das duas rabecas – e percussão, por causa da “zabumba”. Nesse primeiro Quinteto, algumas coisas não me deixavam inteiramente satisfeito. Uma era, como já disse, a adoção exclusica, nele, de instrumentos refinados, com exclusão dos rústicos. Outra, era o uso de bateria em vez da “zabumba”, para a persussão. E a outra era a ausência da viola sertaneja, que eu considerava fundamental para Música com a qual sonhava desde 1946.

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Posteriormente, com a formação que gravou o primeiro vinil em 1974, com o repertório Armorial, Suassuna obteve êxito na sonoridade que buscava, como comprova esse depoimento:

A grande vantagem do Quinteto Armorial é que, enquanto os demais grupos, em sua maioria, têm que se valer das músicas alheias – músicas as vezes interessantes, como “Asa Branca”, mas que já faziam sucesso na década de 50 e que, às vezes, são meio falsificadas na linha comercial – nós contamos com compositores que já estão dando o que falar no campo da música brasileira erudita de raízes nacionais e populares. É gente como Antônio José Madureira, Antônio Carlos Nóbrega de Almeida e Jarbas Maciel, isto é, gente que não se limita a repetir, mas leva adiante, aprofundando-as, e numa linha diferente, as experiências de Nepomuceno, Villa-Lobos, Camargo Guarnieri e outros. Foram os compositores armoriais que valorizaram a flauta, a viola sertaneja, a rabeca, o violão e o marimbau nordestino, estranho e belo instrumento, de som áspero e monocórdico, lembrando os instrumentos hindus ou árabes, estes últimos de presença tão marcante no Nordeste, por causa de nossa herança ibérica. (SUASSUNA, 1974, P. 64)

]Suassuna destaca o fato de que, “o Movimento Armorial é um Movimento porque é abrangente, ele atua em vários setores, praticam-se nele vários gêneros de arte, artes plásticas, artes literárias, o Romance, o Teatro, a Poesia, a Pintura, a Escultura, a Gravura, o Tapete, a Cerâmica, e por aí vai (SUASSUNA, 1974 p. 69). Lima (2014) lembra que vários intelectuais reuniam-se desde a década de 40, liderados por Suassuna, buscando construir uma “consciência artística voltada para a arte popular e folclórica, direcionada para a concretização de uma identidade cultural genuinamente brasileira” (LIMA, 2014, p. 11), como afirma Suassuna, “As reflexões teórico-ideológicas referentes à estruturação do Movimento Armorial e, a própria Arte Armorial precediam em anos, o concerto “inaugural” da referente iniciativa artística.” (LIMA, 2014, p. 12).

Na música, foi por meio do trabalho do Quinteto Armorial e da Orquestra Armorial de Câmara, que surgiram “jovens compositores e instrumentistas, dos quais, os nomes basilares são: Clóvis Pereira, Jarbas Maciel, Capiba, Antônio José Madureira, Guerra Peixe e Cussy de Almeida” (LIMA, 2014, p. 13).

O uso do termo Armorial, que batiza o movimento, é encontrado nos dicionários de língua portuguesa como substantivo. “No Houaiss é exposto como “livro em que se registram os brasões da nobreza, relativo à heráldica ou brasões” [...]” (LIMA, 2014, p. 13), o caráter estético do movimento Armorial caracteriza-se pelo “entrecruzar do erudito e o popular brasileiro a partir de raízes folclóricas, calcando estreito paralelismo entre o Movimento Armorial e o Nacionalismo musical brasileiro.” (LIMA, 2014, p. 14).

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Em relação aos aspectos armoriais na obra de Guanais, as investigações de Queiroz (2002), Holschuh (2017) e Lima (2014) foram fundamentais, por tratarem tanto do Movimento Armorial quanto das obras do compositor em tela.

2.2.1 A sonoridade armorial

Do ponto de vista melódico, a Música Armorial se caracteriza também pelo uso de “[...] melodias curtas constituídas de fragmentos que se repetem, muitas vezes em terças, sextas, com timbres diferenciados, havendo uma inexistência de desenvolvimento temático” (NÓBREGA, 2000, p. 62).

Gostaríamos de chamar a atenção para o aspecto da sonoridade armorial, por ser um elemento a ser definido na interpretação da obra de Guanais.

De acordo com Ventura (2007):

Para Ariano, a dimensão sonora do espaço Nordeste deveria sempre apresentar uma certa “aspereza”, de forma a expressar o que haveria de “áspero” no próprio sertão: uma terra de clima seco, paisagens hostis, solo duro, e gente valente. Segundo Ariano, a música armorial deveria refletir nos sons essa dureza primordial do dito “ser nordestino” (VENTURA, 2007, p. 148).

Continuando, afirma Ventura que “Ariano deseja ouvir na música armorial não apenas o timbre dos instrumentos usados nos conjuntos populares de música do Nordeste – o pífano, a viola, a rabeca – mas algo mais – uma certa paisagem sonora que esses timbres parecem evocar” (VENTURA, 2007, p. 137).

Lima (2014) destaca que houve divergências entre o violinista Cussy de Almeida e Suassuna: “Cussy de Almeida era partidário de uma sonoridade mais refinada, erudita; Suassuna insistia em um timbre mais áspero, mais rústico e imitativo da rabeca.” (LIMA, 2014, p. 123).

A posição de Ventura a respeito do assunto aponta para uma variedade que, a nosso ver, parece mais coerente com a diversidade possível, quando se fala em produção musical nordestina:

Discutir os aspectos sonoros espaciais aos quais o Armorial liga sua música não significa comprovar ou não a existência de um ambiente sonoro próprio no espaço Nordeste, pois a possibilidade é que existam nele vários ambientes sonoros distintos, como existem vários espaços – o campo, a praia, a cidade; mas é analisando a forma como o Movimento elege certos sons como sendo próprios, do espaço imaginário Nordeste, que podemos desmontar o discurso que o Armorial constrói como subsídio para a elaboração de uma sonoridade nordestina. (VENTURA, 2007, p. 135).

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Sobre isso, Lima (2014) nos traz a opinião de Guanais a respeito dessa divergência:

Existem [sic] muitas maneiras de pensar nisso. Eu particularmente gosto de pensar dentro da filosofia do que é a estética armorial. A estética armorial tem a pretensão [de,] com base em elementos da cultura popular [,] criar um discurso erudito. Se é um discurso erudito não há preocupação com a sonoridade popular... ...Agora, o intérprete pode propor uma leitura, por exemplo: se o ritmo é um pouco mais flexível ao rubato em determinados momentos e, é comum isso na prática, eu acho que isso pode ser incorporado. Com a questão da sonoridade eu acho complicado […], na minha cabeça o discurso é erudito, a sonoridade popular, a sonoridade cultural do povo ela é peculiar ao povo. A orquestra sinfônica tocando com a sonoridade que é peculiar ao povo, eu acho isso um deslocamento, a não ser que isso seja um efeito buscado em uma peça contemporânea, o que não é o caso. Apenas uma sutil aproximação sonora, não uma imitação. Eu já penso que o elemento da cultura popular serve como uma referência composicional, uma maneira de dizer assim: eu estou em sintonia com a identidade do meu povo (informação verbal) 162. (HOLSCHUH, 2017, p. 80-81).

É interessante notar a respeito disso que as gravações do Quinteto da Paraíba, por exemplo, foram aprovadas por Suassuna, como comprova o seu texto a seguir:

O Quinteto da Paraíba é um dos melhores e mais afinados grupos camerísticos que já ouvi em minha vida, o que, sem dúvida, é motivo de justo orgulho para minha terra natal, cujo nome ele carrega. Conheço-o desde a sua fundação, e sem falar da admiração que lhe tenho, identifico-me demais com a sua linha de trabalho (Encarte do CD Quinteto da Paraíba, A Pedra do Reino, 2001)

O Quinteto da Paraíba regravou diversas composições lançadas pelo Quinteto Armorial e, de fato, o que se percebe é que a sonoridade de câmara do quinteto não sofreu nenhuma crítica por parte de Suassuna, pelo contrário, segundo suas palavras: “Por tudo isso, é com a maior alegria que deixo aqui assinalada minha profunda gratidão a Jarbas Maciel e ao Quinteto da Paraíba por terem sabido valorizar a música feita pelo povo do Brasil real” (Encarte do CD Quinteto da Paraíba, A Pedra do Reino, 2001).

Dessa forma, buscou-se essa sonoridade proposta por interpretações, tanto do Quinteto Armorial, quanto pelo Quinteto da Paraíba, como forma de estar em conformidade com as consepções estéticas do compositor Guanais, como também com as de Suassuna, fundador do Movimento Armorial.

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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A literatura que fundamentou o nosso trabalho, refere-se à relação compositor e intérprete e as etapas de construção do trabalho colaborativo. Para isso, dividimos este capítulo em duas partes: “Sobre o trabalho colaborativo”, Interações entre compositor e interprete” e “O processo de memorização da Jurema”. Esses são os pontos centrais do nosso trabalho, que darão suporte para a compreensão da interpretação que se pretende da obra Jurema Encantada.

3.1 Sobre o trabalho colaborativo

O trabalho colaborativo entre compositor e intérprete tem sido objeto de estudo de vários autores no Brasil, a exemplo de Borém (1998), Lobo (2016), Borges et al (2017), Brandino (2012) e Ray (2010). Torna-se importante ferramenta para a efetivação de um repertório que atenda às características idiomáticas do nosso instrumento.

Sobre o surgimento do trabalho colaborativo, Brandino (2012) diz que “Houve um momento em que a tradição ocidental atribuiu funções distintas à interpretação e à composição”, e por causa disso “surgiu a relação intérprete-compositor, da necessidade de manter a coerência e comunicação neste processo.” (BRANDINO, 2012, p. 7).

Um dos principais motivos de termos nos interessado pelo trabalho colaborativo é a oportunidade de contribuir para a realização de obra escrita especificamente para o contrabaixo, por um compositor que estivesse próximo, o que possibilitou o diálogo contínuo em todas as etapas da construção da peça. Dessa forma, foi possível contribuir não só para uma melhor compreensão dos idiomatismos por parte do compositor. A primeira obra solo para o contrabaixo, escrita por um compositor notável, é de 1949, a Sonata para Contrabaixo e Piano de Paul Hindemith, (BORÉM, 1998, p. 49). Antes disso, praticamente todo o repertório para o contrabaixo era escrito por contrabaixistas, que conhecendo os recursos próprios do instrumento, exploravam-nos de forma ampla, facilitando inclusive a sua interpretação por parte dos futuros intérpretes. De acordo com Turetzky, o processo de colaboração para o contrabaixo foi mais tardio que para outros instrumentos de cordas:

Tratava-se de um caso isolado num longo período que termina no final da década de 50, como afirma Turetzky (1989, p. x), pioneiro da música contemporânea para contrabaixo nos Estado Unidos e colaborador em mais de 300 obras, ao mencionar ironicamente as transcrições e composições “concebidas como se fossem para violoncelo uma oitava abaixo e mais lentas”. (BORÉM, 1998, p. 49).

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Turetzky é um contrabaixista/compositor, ele sabe o quanto é importante o aspecto idiomático para o contrabaixo. Muitas vezes, uma obra escrita para o contrabaixo não “funciona”, pelo desconhecimento dos idiomatismos do instrumento, o que acaba provocando situações onde as obras são “concebidas como se fossem para violoncelo uma oitava abaixo e mais lentas”.

Quando decidimos fazer um trabalho de colaboração que resultasse em uma obra inédita, tínhamos claro, a intenção de colaborar para o desenvolvimento do repertório do contrabaixo e temos observado que o trabalho colaborativo tem sido uma forma de ampliação do repertório para o nosso instrumento, mas também a possibilidade tanto do compositor conhecer melhor os idiomatismos do instrumento quanto do performer poder sugerir ao compositor a inclusão das novas técnicas incorporadas ao instrumento nas últimas décadas.

Historicamente, a colaboração entre o compositor e o intérprete pode ser observada durante grande parte da história da música, Lobo cita várias colaborações famosas no século XIX, como no Concerto para Violino de Beethoven, escrito em 1806 para o violinista Franz Clemente, ou Concerto para violino de Felix Mendelssohn, composto em 1845, e que contou com conselhos do violinista Ferdinand David, Lobo (2016).

Lobo pontua, porém, que no processo colaborativo há diferentes tipos de interações, o que pode alterar tanto a composição da obra quanto a sua performance:

Levando em consideração que cada colaboração entre compositor e o interprete é única, os resultados, tanto na composição quanto na performance, podem ocorrer em diferentes níveis. Dessa forma o contato direto do compositor com o intérprete, durante a composição de novas obras, fornece àquele a oportunidade de verificar as possibilidades técnicas a serem utilizadas em sua peça. Já o interprete tem a possibilidade de compreender a linguagem composicional do autor da obra e discutir aspectos do entendimento musical relacionado à peça. (LÔBO, 2016, p. 17).

Também a respeito dos níveis das interações entre compositor e intérprete, Beal e Domenici (2014) definem quatro interações possíveis: “1) o intérprete como executante; 2) o intérprete como consultor; 3) o intérprete como encomendador; e 4) o intérprete como cocriador (BEAL; DOMENICI, 2014, sem paginação). Fazendo um paralelo entre essas possibilidades de interação e o nosso trabalho, percebemos que existem nesse caso, interações nos quatro níveis: 1) Considerando que a nossa pesquisa prevê a interpretação da obra. 2) Sendo um trabalho colaborativo, que é a primeira obra escrita para contrabaixo por Guanias, foi necessário atuar como consultor, auxiliando o compositor nos aspectos idiomáticos do contrabaixo. 3) A obra foi encomendada por nós, que inclusive sugerimos o tema a ser

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abordado, a partir do livro A Jurema Encantada de Salles (2004), no qual se encontra o registro da Tragédia de Tracunhaem e 4 ) A cocriação fez parte do nosso trabalho colaborativo, experimentando e definindo em conjunto situações que demandavam o conhecimento empírico do intérprete.

Esse contato do compositor com o intérprete é mais um facilitador no processo de uso e resolução dos aspectos idiomáticos de uma obra contemporânea, principalmente quando se trata de uma obra escrita para contrabaixo, por um compositor que está estreando uma peça para contrabaixo e ao mesmo tempo, fazendo uso de técnicas estendidas e em estilo Armorial. Praticamente tudo é uma experiência nova, demandando um contato permanente entre as partes, Domenici (2010) defende que “na música contemporânea, quando tradições de performance ainda não estão estabelecidas, o contato [do instrumentista] com o compositor é crucial”, permitindo “o entendimento mais acurado do estilo do compositor, bem como os aspectos que fundamentam tal estilo” (DOMENICI, 2010 apud BORGES at al, 2017, p. 4).

Acreditamos que os resultados obtidos no trabalho de construção da Jurema Encantada só foram possíveis por meio da colaboração. Quando observamos a história da composição para o contrabaixo, sabemos que o repertório mais representativo escrito para esse instrumento foi escrito por contrabaixistas que eram também compositores, por exemplo: Sergei Koussevitzky (1874-1951), Domenico Dragonetti (1763-1846) e Giovanni Bottesini (1821- 1889), esse último escreveu e interpretou uma grande variedade de obras solo para o contrabaixo. Então, percebe-se como era comum a figura do intérprete atuando também como compositor. Sobre isso, Ray afirma que houve uma perda com a separação das funções do compositor e intérprete, pois segundo ela, “é raro, hoje em dia, os músicos terem o domínio da composição e execução” (RAY, 2010, p. 13-14). Domenici, que também está de acordo com a afirmação de Ray, afirma que essa separação começou nos currículos de formação dos músicos, colocando execução e composição como disciplinas em currículos distintos:

Desde a separação das atividades de composição e performance musical em duas disciplinas com currículos próprios que visam o desenvolvimento de habilidades específicas, compositores e performers acumulam experiências diferenciadas que resultam em percepções e sistemas de valores distintos. Desta maneira, o trabalho colaborativo pode ser visto como um esforço para a superação da mútua deficiência de percepção (DOMENICI, 2013, p. 11).

Em contrapartida, “o trabalho colaborativo coloca compositor e performer em uma relação horizontal caracterizada pelas inter-relações entre a oralidade e a notação.” (DOMENICI, 2013, p. 2).

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A ideia de parceria é exposta em um artigo de 1963 escrito pelo compositor e regente Lukas Foss (FOSS, 1963, p. 47). Foss denomina o trabalho colaborativo de compositores e performers “a joint enterprise in new music”, apontando para uma relação fundada sobre o diálogo e a cumplicidade em um contexto que preserva a divisão de trabalho. (DOMENICI, 2013, p. 4-5).

Ainda sobre a ideia de parceria, Domenici nos diz o seguinte: “Será que podemos denominar de colaboração uma situação na qual o performer age passivamente esperando que o compositor determine unilateralmente a construção da performance?” (DOMENICI, 2013, p. 8-9). Domenici coloca que na relação compositor-intérprete, há dois modos de se relacionar, que ela chama de vertical (impessoais) ou horizontal, a amizade e afinidade são fatores decisivos nessa relação: “Na contra-corrente das relações impessoais implicadas no modelo vertical de relações compositor-performer, colaborações são frequentemente marcadas por relações de amizade, afinidades de ordem ideológica, estética ou estilística.” (DOMENICI, 2013, p. 9). Desde a sua gênese, a Jurema Encantada foi fruto de relações de amizade e proximidade com o compositor, tanto que a primeira conversa sobre a intenção de sua construção ocorreu na casa do compositor em um encontro informal entre amigos. De acordo com Schwartz e Childs: “os melhores performers são aqueles que são amigos do compositor porque estes são os que compreendem o que o compositor está fazendo” (SCHWARTZ; CHILDS, 1967, p. 368).

O aspecto da importância da presença da amizade no trabalho colaborativo também é abordado por Harvey Sollberger: “...música não é apenas uma transação fria entre unidades econômicas. É a consumação viva de uma conexão social. Dentre os músicos que tocaram o meu quinteto na noite de terça-feira alguns eu conheço há 40 anos.” (SOLLBERGER, 2009).

Como visto, muitos autores evidenciam a importância da necessidade do vínculo de amizade nas relações musicais, Ray também faz referência às situações de afinidade entre compositor-intérprete, como também evidencia outro tipo de relação encontrada hoje no ambiente acadêmico, com um caráter mais científico:

As colaborações compositor-performer no século XXI revelam ao mesmo tempo experimentações intuitivas e colaborações cuidadosamente planejadas e estudadas. O primeiro caso faz referência ao secular processo de afinidade entre músicos contemporâneos, observável na igreja e nas cortes e, mais recentemente, em produções musicais mistas. O segundo caso faz referência a resultados de colaborações entre pesquisadores que mesclam o conhecimento tácito ao científico em busca de novas possibilidades para os dois profissionais envolvidos: performer e compositor (RAY, 2010, p. 1310).

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Para Ray, “As perspectivas para as próximas décadas do século XXI são de que a música composta esteja cada vez mais em relação com a realidade à sua volta. Ou seja, a colaboração compositor-intérprete tende a ser mais informada e sofisticada” (RAY, 2010, p. 4), diferentemente “da busca por novos timbres que dominou a música ‘contemporânea’ do início do século XX” (RAY, 2010, p. 4).

Observa-se nas proposições dos autores citados que a colaboração entre compositor e intérprete apresenta diversas possibilidades tanto para o primeiro quanto para o segundo, no processo de colaboração da peça de Guanais, a importância dessa ferramenta ficou muito evidente. Para Ray, “A colaboração compositor-performer tem se mostrado um fértil caminho para o aprofundamento do conhecimento artístico, particularmente na promoção de novas obras de compositores ativos e no estímulo à ampliação de técnicas de execução instrumental” (RAY, 2010, p. 6).

Outro aspecto levantado por Domenici são as relações que envolvem o trabalho colaborativo, presentes tanto do ponto de vista pessoal como no social, influenciando diretamente nessas relações dos dois atores envolvidos. Ela afirma que: “Na prática colaborativa esse excesso de visão é assegurado não apenas no campo individual, mas também no campo social.” (DOMENICI, 2013, p. 10-11). Para ela, são as relações sociais que estão “estabelecidas na divisão de trabalho entre quem cria/compõe e quem reproduz/toca.” (DOMENICI, 2013, p. 1).

Tanto Ray quanto Domenici veem de forma positiva as práticas crescentes de colaboração entre compositores e intérpretes, para ambas é uma ferramenta a qual permite várias possiblidades para a composição e para a performance.

Ainda sobre as relações que estão presentes no trabalho colaborativo, Argyris e Schön (1974) descrevem dois tipos de interação: “aquelas em que os indivíduos têm papéis fixos e defensivos (tipo I) e aqueles em que as pessoas podem questionar as ideias sobre seu próprio papel (tipo II).” (CARDASSI at al, 2016, p. 77). Penso, em concordância com o autor acima, que o tipo II é o ideal, pois na minha experiência da colaboração com Guanais, a liberdade de questionamento possibilitou uma relação mais produtiva no nosso trabalho.

Percebe-se na fala dos vários autores citados, que o trabalho colaborativo tem sido uma experiência positiva, se de um lado os compositores aprendem e diversificam as diversas possibilidades técnicas do instrumento, do outro lado, o instrumentista tem a possibilidade de assimilar as novas ideias do compositor. O instrumentista também pode propor novas possibilidades que só é possível ao instrumentista, que conhece com profundidade o seu instrumento.

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Durante o período de coleta de dados deste trabalho, documentei as etapas do processo, desde a primeira conversa com Guanais a respeito da composição de uma peça solo, que naquele momento, não tinha ainda título. Dessa forma, fizemos uso da comunicação eletrônica durante todo o processo, com exceção de dois momentos: O primeiro diálogo que tivemos na casa de Guanais e num segundo momento, para fazer uma leitura do início do primeiro movimento. Dessa forma, todo o processo posterior foi executado por meio de recursos eletrônicos de e-mail, WhatsApp e gravações de áudios e vídeos, em sua maioria gravados do celular. Posso dizer agora, após ter a finalizado a partitura, que foi um processo eficiente, considerando que estávamos na mesma cidade. Mesmo que não fosse possível nos encontrarmos com a frequência esperada, aconteciam muitos encontros fortuitos, pelo fato de ter trabalhado como contrabaixista em vários de seus espetáculos nesse período, o que me possibilitava sempre que necessário, aproveitar algum momento para tirar alguma dúvida. Essa relação próxima ao compositor sem dúvida foi um facilitador para o trabalho em colaboração, como dito por Foss: “[...] no trabalho colaborativo de compositores e performers”, há “uma relação fundada sobre o diálogo e a cumplicidade em um contexto que preserva a divisão de trabalho.” (FOSS, 1963, p. 45).

Abaixo, descrevemos como se deu o processo colaborativo em todas as etapas, que teve início em dezembro de 2017. O processo de composição e envio da peça para o intérprete e todos os momentos em que se deu a comunicação colaborativa para a sua construção:

Tabela 1 - Processos de envio da obra pelo compositor Primeiros contatos para tratar do projeto sobre a Jurema Encantada

23 de dezembro de 2017 Esse primeiro contato ocorreu na casa de Guanais, em confraternização do grupo que havia tocado a sua peça “Presente de Natal”. Foi nesse momento em que ele, Guanais, externou a intenção de compor uma peça solo para contrabaixo.

01 de abril de 2018 Envio de diversos textos que tratavam sobre a Tragédia de Tracunhaem”, assunto sobre o qual Guanais se propôs a utilizar como tema da peça. Um dos textos enviados chama-se “À Sombra da Jurema Encantada” (SALLES, 2010), título que Guanais escolheu como tema da peça, que passou a se chamar a Jurema Encantada.

Entrega das partituras

10 de maio de 2018 Envio pelo compositor, do esboço do primeiro movimento.

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29 de maio de 2018 Envio pelo compositor, do primeiro movimento incompleto.

11 de junho de 2018. Encontro com o compositor para fazermos uma leitura juntos do início do primeiro movimento, ainda incompleto.

17 de fevereiro de 2019. Envio pelo compositor, do primeiro e segundo movimentos completos. 24 de junho de 2019 Envio pelo compositor, do terceiro

movimento completo.

27 de agosto de 2019 Envio pelo intérprete das partes dos três movimentos com a versão final editada. A partir dos encontros com o compositor e com as definições das modificações a serem feitas, fizemos uma edição final e enviamos para Guanais.

Fonte: Arquivo do autor.

Tabela 2 - Envio de áudios e vídeos para o compositor

Gravação de áudio e vídeo em estúdio de trechos com maior dificuldade e que precisariam da aprovação do compositor quanto às decisões interpretativas

17 de junho de 2018 Envio de trechos do 1º mov. via WhatsApp. 20 de abril de 2019 Envio de trechos do 2º mov. via WhatsApp.

Nesse momento, ficamos muito satisfeitos com os resultados iniciais, em grande parte pela aprovação de Guanais, em relação à interpretação que

estávamos construindo. Em resposta à mensagem enviada por mim, ele respondeu o seguinte: “Essa peça vai ficar muito massa, adorei ouvir você tocando” (GUANAIS). Informação verbal.

12 de maio de 2019 Envio da primeira leitura do 3º mov. via WhatsApp 21 de maio de 2019 Gravação em estúdio de vários excertos do 2º e 3º

movimentos da peça, cujos links estão disponíveis no YouTube. Esses excertos foram usados para a qualificação do meu projeto de dissertação. Seguem abaixo os links para audição deles:

Vídeo 1: https://www.youtube.com/watch?v=V08dlMdea6g Vídeo 2: https://www.youtube.com/watch?v=MSXggs_Vk6U Vídeo 3: https://www.youtube.com/watch?v=mbpO31lD47o Vídeo 4: https://www.youtube.com/watch?v=TP9b76a91b0 Vídeo 5: https://www.youtube.com/watch?v=tFpRiOHdDQ4

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Fonte: Arquivo do autor.

As ferramentas utilizadas para a fundamentação teórica, permitiram uma maior organização dos procedimentos durante o percurso de construção da peça de Guanais. O processo de elaboração da obra começou desde a primeira conversa que tivemos com compositor. Apresentar todas as etapas é uma forma de auxiliar os novos intérpretes que venham futuramente a trabalhar num processo colaborativo.

3.2 O conceito de técnicas estendidas

Sobre o conceito de técnicas estendidas, Rosa (2014) compreende que há duas visões atualmente mais aceitas por estudiosos do tema: “elementos inovadores ou elementos tradicionais em contextos diferenciados” (ROSA, 2014, p. 836). Acredito que nas técnicas estendidas aplicadas na Jurema Encantada, encontram-se elementos inovadores para o repertório do contrabaixo.

Ainda sobre a conceituação de técnicas estendidas, Ray (2011) argumenta que autores usam os termos “estendida” e “expandida” com o mesmo significado, seja na referência a técnicas inovadoras na “forma de execução”, seja no “contexto em que são executadas” (RAY, 2011).

Considerando a conceituação de Ray (2011), chamaremos a técnica investigada por nós de estendida, por entender que é o caso de uma técnica de caráter inovador.

De acordo com Ferraz, a expressão “técnicas estendidas” está associada às técnicas de performance instrumental , “se tornou comum no meio musical a partir da segunda metade do século XX” e se referem “aos modos de tocar um instrumento ou utilizar a voz que fogem aos padrões estabelecidos principalmente no período clássico-romântico”. (PADOVANI, J. H., & FERRAZ, S., 2011, p. 11). Ainda de acordo com esse autor, “pode-se dizer que o termo técnica estendida equivale a técnica não-usual: maneira de tocar ou cantar que explora possibilidades instrumentais, gestuais e sonoras pouco utilizadas em determinado contexto histórico, estético e cultural. (PADOVANI, J. H., & FERRAZ, S., 2011, p. 11).

Ferraz lembra que ocorreram várias “transformações importantes na instrumentação e na orquestração desse início de século, as quais viriam a permitir aos compositores explorar novas possibilidades instrumentais na música orquestral, o que acarretou “uma profunda transformação da escritura composicional, seja ela para instrumento solista, para grupo de câmara ou para orquestra”. (PADOVANI, J. H., & FERRAZ, S., 2011, p. 19).

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Sobre o início da utilização de técnicas estendidas no contrabaixo, Rosa (2014) apresenta um dado bastante relevante, havendo registros de sua utilização já no século VII:

No contrabaixo é possível traçar um breve histórico da utilização de TE. Possivelmente o primeiro compositor a utilizar TE no contrabaixo foi Heinrich Ignaz Franz von Biber (1644-1704). Em sua obra Battalia, composta em 1673, Biber lança mão de vários parâmetros que justificam o enunciado anterior, sendo possível perceber um grande interesse na exploração de sonoridades que só voltariam a ser investigadas no século XX. (ROSA, 2014, p. 836).

Biber foi um precursor bastante original do uso de técnicas estendidas, ainda mais quando se observa que essa utilização só voltaria a ser investigada no século XX. De qualquer modo, “toda prática instrumental sempre implicou em técnicas estendidas, resultantes da própria experimentação musical com recursos instrumentais e vocais” (PADOVANI, J. H., & FERRAZ, S., 2011, p. 12). Na música moderna e no caso da Jurema Encantada, por exemplo, há uma dramaticidade que deve ser construída. A peça de Guanais é programática, ela se propõe a contar uma história, Ferraz argumenta que o uso de “diferentes sonoridades, de diferentes tipos de ataque, o som al ponticello (ao cavalete), o som alla tastiera (sobre o espelho), isso não é jamais um fim em si. Na realidade, isso responde sempre, digamos, a um desenho dramático” (PADOVANI, J. H., & FERRAZ, S., 2011, p. 15-16). Borém, em artigo que trata da utilização de TEs em música popular, afirma que:

[...] em relação ao desenvolvimento e utilização da escrita instrumental idiomática conhecida como técnicas estendidas, observa-se que isto é quase inexistente ou, em uma perspectiva otimista, é ainda muito tímida nos arranjos de música popular. Uma das razões para esta carência está no fato dos tratados de orquestração ou referências de instrumentação estarem muito desatualizados. No caso do contrabaixo acústico, que não foge à regra dos outros instrumentos orquestrais, há muito poucas referências. As duas principais não foram escritas por teóricos da orquestração, arranjadores ou compositores de renome, mas por instrumentistas. Estas fontes referenciais surgiram no último quartel do século XX e, ainda hoje, permanecem isoladas como poucas e relevantes referências sobre este assunto. The Contemporary Contrabass, do contrabaixista norte-americano Bertram Turetzky, foi publicado pela primeira vez em 1974 e teve uma edição revisada somente depois de duas décadas (TURETZKY, 1989). Já Modes of playing the double bass: a dictionary of sounds, que é um dicionário de técnicas estendidas escrito pelo contrabaixista francês Jean-Pierre Robert (1995), se tornou o primeiro livro a incluir um CD com áudios ilustrativos dos procedimentos não-tradicionais de mão esquerda e de mão direita no contrabaixo. (BORÉM; CAMPOS, 2016, p. 49).

Temos uma carência de materiais de orquestração atualizados, “onde há muito poucas referências para o contrabaixo” (BORÉM, 2016). Há porém uma produção acontecendo, seja em trabalhos colaborativos entre compositor e intérprete, seja a partir de iniciativas de contrabaixistas como Borém e Rosa, dentre outros.

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3.3 Interações entre compositor e intérprete

Na construção do trabalho colaborativo, observei diversas formas de interações entre o compositor e intérprete, “Argyris e Schön (1974) descrevem dois tipos de interação: aquelas em que os indivíduos têm papéis fixos e defensivos (tipo I) e aqueles em que as pessoas podem questionar ideias sobre seu papel (tipo II)” (CARDASSI at al, 2016, p. 77). Comentando o seu próprio trabalho colaborativo desenvolvido com Celona, Cardassi afirma: “Estávamos abertos para experimentar juntos, questionando nossos próprios papéis no processo criativo ao longo da colaboração.” (CARDASSI at al, 2016, p. 77). E continua, “Há evidentemente muitas maneiras de desenvolver uma colaboração. Este artigo descreve um desses modelos, escolhido por ter sido uma das minhas colaborações artísticas mais recompensadoras.” (CARDASSI at al, 2016, p. 97).

Essa abertura à experimentação é, a meu ver, elemento importante no processo de construção da obra, ela reafirma a interação existente no processo colaborativo, o texto de Cardassi reafirma isso: “Em nossa colaboração, Celona e eu estávamos procurando maneiras novas de criar uma obra de arte [...]” (CARDASSI at al, 2016, p. 89).

É importante lembrar que durante algum tempo, a palavra colaboração não significava necessariamente trabalho compartilhado, “A palavra colaboração foi adotada sem sua implicação de autoria compartilhada e se tornou a regra.”(CARDASSI at al, 2016, p. 84).

No trabalho colaborativo desenvolvido com Guanais, busquei essa autoria compartilhada da qual Cardassi nos fala. Guanais e eu temos uma relação de amizade de muitos anos. Além disso, trabalhamos juntos na mesma instituição como professores, acredito que isso foi um facilitador no processo de construção da “Jurema Encantada”. Domenici aborda uma forma de relação entre compositor e intérprete que busca a horizontalidade, ou seja, a igualdade de condições para propor, quando necessário: “[...] o trabalho colaborativo coloca compositor e performer em uma relação horizontal caracterizada pelas inter-relações entre a oralidade e a notação” (DOMENICI, 2013, p. 2). A possibilidade de equilibrar essa oralidade (que considero como as contribuições de ambas as partes) e a notação (que é muitas vezes um trabalho próprio do compositor), mas que pode ser muito mais eficiente, do ponto de vista idiomático, como também do ponto de vista musical, quando há a contribuição dos dois lados.

Reforçando a ideia de relação horizontal, “Foss denomina o trabalho colaborativo de compositores e performers “a joint enterprise in new music”, apontando para uma relação fundada sobre o diálogo e a cumplicidade em um contexto que preserva a divisão de

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trabalho.” (FOSS, 1963, p. 47), fazendo um rápido apanhado dos termos utilizados pelos autores citados, temos, por exemplo: “diálogo e cumplicidade”, “divisão de trabalho”, “relação horizontal”, “igualdade de condições para propor” etc. Todos esses termos remetem a um trabalho realizado com uma real colaboração e não apenas uma colaboração com uma divisão clara das funções de cada um. De acordo com Domenici (2013), essa parceria é realmente uma nova maneira de produção musical, um novo caminho a ser desvelado, porque a ideia de parceria, durante muito tempo, não fez parte dos processos produtivos em composição: “De fato, a própria ideia de colaboração vai de encontro à estrutura tradicional da relação vertical compositor-obra-intérprete [...]” (DOMENICI, 2013, p. 5), e continua Domenici, ao abordar uma situação na qual o performer se coloca de maneira passiva:

Será que podemos denominar de colaboração uma situação na qual o performer age passivamente esperando que o compositor determine unilateralmente a construção da performance? Ou ainda que o compositor veja no contato com o performer apenas uma oportunidade ter acesso ao seu arsenal técnico? (DOMENICI, 2013, P. 8-9).

Durante o período de coleta de dados deste trabalho, observei que houve uma divisão do trabalho de forma horizontal, em que tanto busquei ouvir as proposições do compositor, como também pude opinar sobre soluções de problemas técnicos e principalmente musicais, ligados aos idiomatismos próprios do contrabaixo. Penso igualmente que “colaborações são frequentemente marcadas por relações de amizade, afinidades de ordem ideológica, estética ou estilística.” (DOMENICI, 2013, p. 9), esse aspecto esteve presente durante todo o processo colaborativo e norteou a forma como foi sendo construída a peça. Dois aspectos que julgamos relevantes para que seja possível o processo de colaboração é estarmos nós e o compositor num ambiente acadêmico que tem estimulado sobremaneira o contato entre compositores e intérpretes, Ray (2010) chama a atenção para a importância desse fomento que tem ocorrido na academia:

[...] colaborações cuidadosamente planejadas e estudadas também revelam celeiros de criação envolvendo compositores e performers, particularmente no seio acadêmico. A ideia da academia abrigar um músico-pesquisador tem permitido aos compositores o desenvolvimento de suas propostas composicionais, bem como permitido ao performer inserido na academia experimentar novas possibilidades de execução. (RAY, 2010, p. 1-2).

Passaremos agora a apresentar alguns exemplos da “Jurema Encantada” nos quais, por meio da colaboração, foram encontradas soluções musicais que resultaram em linguagem inovadora, do ponto de vista técnico, mas principalmente do ponto de vista MUSICAL. Cada

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exemplo musical é acompanhado do seu respectivo áudio, para uma melhor compreensão do efeito musical resultante.

Tendo a peça de Guanais uma forte influência do Movimento Armorial, um aspecto que nos chamou a atenção foi como funciona a percussão na música do Quinteto Armorial, por exemplo. O Quinteto Armorial pensava na percussão a partir dos próprios instrumentistas que compunham sua formação, não havia um responsável por tocá-la, segundo Antônio Madureira, integrante do Quinteto Armorial desde seu primeiro LP gravado em 1974, “Como a percussão do Quinteto foi sempre sutil, os músicos (violonista, violinista, flautista etc.), nos dividíamos conforme as músicas, para criar a percussão, mas eu não tenho na lembrança quem fazia cada uma das faixas gravadas” (informação verbal). Essa informação foi dada ao bandolinista pernambucano Marcos César, a nosso pedido. Exceções são as gravações do Quinteto Armorial é “Romance ibérico”, recriado pelo músico do Quinteto Armorial, Antônio Madureira, e “Entremeio para Rabeca e Percussão”, de Antônio Carlos Nóbrega, também integrante do Quinteto Armorial, mas nesse caso, a percussão tem função de acompanhamento, diferentemente de quando é executada pelos músicos do Quinteto, em que o elemento rítmico está inserido na construção composicional.

A estética armorial revelou de maneira enfática aspectos do universo artístico popular nordestino [...] (MORAES, 2000, p. 17).

Um exemplo da manutenção desse princípio é a percussão no Quinteto da Paraíba, muitas vezes executada pelo contrabaixo (Zabumbaixo, um conceito criado por Xisto Medeiros, contrabaixista do Quinteto da Paraíba), um exemplo muito característico é “Toré” do compositor Antônio Madureira (1974), regravado pelo Quinteto da Paraíba em 1998.

Guanais, inseriu na Jurema aspectos percussivos de forma inovadora, tendo o intérprete que executar uma linha melódica e um motivo rítmico ao mesmo tempo.

Em seguida, apresentaremos o primeiro exemplo da linguagem musical construída por meio do trabalho colaborativo, entre eu e o compositor.

Na fig. 1, penso que se encontra o exemplo mais significativo do contexto colaborativo em que trabalhamos com Guanais, pode-se dizer que foi o momento no qual surgiu a nossa primeira contribuição significativa para a peça. Como dito anteriormente por Cardassi: “Estávamos abertos para experimentar juntos” (2016). Essa experimentação, sendo baseada no conhecimento empírico da música armorial, deu mais subsídios para as proposições, tanto de Guanais quanto as minhas. Dessa forma, como podemos ver na fig. 1 abaixo, a proposição de Guanais era a execução da percussão com a mão direita, no tampo do instrumento, a nossa sugestão foi a percussão com a mão esquerda no braço do instrumento, o

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que resultou num efeito percussivo mais fluido e ao mesmo tempo bastante inovador, chamaremos esse efeito de pizzicato/percussão. Ele é a junção do pizzicato com a batida da mão esquerda por cima das cordas, a sonoridade que resultou se deve ao uso, inclusive, do som da batida da mão esquerda no espelho do instrumento. Além da partitura, encaminhamos o link para a audição do excerto abaixo, como também dos seguintes:

Figura 1 - Uso de efeito percussivo com a mão esquerda (trecho indicado pelas setas)

Fonte: Guanais (primeira versão do Mov. II).

No exemplo musical de Cortes (2014), temos a figura típica do Baião, que é a nossa referência para a elaboração do que nomeamos de pizzicato/percussão, baseando-nos na rítmica do zabumba com uso do bacalhau:

A zabumba, por sua vez, marca a pulsação através de acentos graves. O zabumbeiro também executa contratempos com o uso de uma baqueta de bambu que tem o nome de “bacalhau”. É preciso deixar claro que o Ex.1 ilustra apenas a condução rítmica mais elementar, visto que há um grande número de variações dessa “levada” nas

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gravações. O zabumbeiro realiza frases utilizando os graves e diferentes acentuações com o “bacalhau” (CORTES, 2014, p. 197).

Figura 2 - Exemplo da “levada” do triângulo e zabumba no Baião

Fonte: Cortes (2014).

A partir do efeito conseguido com essa articulação presente na fig. 1, Guanais ampliou as possibilidades de utilização dessa linguagem, aplicando-a com outros elementos presentes na sua própria escrita. A partir do ritmo apresentado na fig. 2, imaginei o acento grave da zabumba, presente na primeira das duas notas executadas por esse instrumento, assim como descrito por Cortes (2014), na fig. 3 abaixo:

Figura 3 - Acento característico da zabumba sem o bacalhau

Fonte: Cortes (2014).

Figura 4: Zabumba Nordestino com Baqueta e Bacalhau

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