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"Eu queria conseguir ir até os 60...": relações entre trabalho e envelhecimento no setor dos transportes de mercadorias perigosas

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Academic year: 2021

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i MESTRADO

PSICOLOGIA

“Eu queria conseguir ir até os 60...”:

Relações entre trabalho e

envelhecimento no setor dos

transportes de mercadorias perigosas

ELISA JERONIMO AIRES LEITE

M

2019

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ii

“EU QUERIA CONSEGUIR IR ATÉ OS 60...”: RELAÇÕES ENTRE TRABALHO E ENVELHECIMENTO NO SETOR DOS TRANSPORTES DE MERCADORIAS

PERIGOSAS

ELISA JERONIMO AIRES LEITE

Outubro 2019

Dissertação apresentada no Mestrado em Temas de Psicologia, área de Psicogerontologia, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, orientada pela Professora Doutora Liliana Cunha (FPCEUP).

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Avisos Legais

O conteúdo desta dissertação reflete as perspectivas, o trabalho e as interpretações do autor no momento da sua entrega. Esta dissertação pode conter incorreções, tanto conceptuais como metodológicas, que podem ter sido identificadas em momento posterior ao da sua entrega. Por conseguinte, qualquer utilização dos seus conteúdos deve ser exercida com cautela.

Ao entregar esta dissertação, o autor declara que a mesma é resultante do seu próprio trabalho, contém contributos originais e são reconhecidas todas as fontes utilizadas, encontrando-se tais fontes devidamente citadas no corpo do texto e identificadas na secção de referências. O autor declara, ainda, que não divulga na presente dissertação quaisquer conteúdos cuja reprodução esteja vedada por direitos de autor ou de propriedade industrial.

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iv

Agradecimentos

Agradeço a todos que fizeram parte desta pesquisa:

À professora Liliana Cunha pelos ensinamentos durante a minha jornada. Sua paciência, disponibilidade para se reunir sempre que necessário, transmitindo seus conhecimentos de forma clara e precisa, além das excelentes orientações, corrigindo e direcionando meu trabalho, formaram um grande contributo para esta pesquisa e meu enriquecimento acadêmico e profissional.

Ao Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas pelo interesse pela pesquisa. Sua cooperação em fornecer dados, disponibilizar contato dos motoristas foi essencial para a construção desta investigação.

Aos motoristas de matérias perigosas pela disponibilidade, interesse e respeito pela pesquisa, fez deste percurso em campo uma experiência enriquecedora.

À minha querida tia Sonia Jerônimo pelo auxilio estatístico e nos feitos dos gráficos. À amiga Marianna Tamborindeguy pela preciosa ajuda nas traduções.

Às amigas Graziele Baronio e Loa Nadny pelo companheirismo, troca e acolhimento, essencial ao percurso vivenciado.

Um agradecimento especial àqueles que participam da minha vida e deste trabalho de forma indireta:

Ao meu amor, meu filho Tomás, agradeço todo dia poder compartilhar cada momento da minha trajetória com você. Seu sorriso deixa tudo mais fácil.

Ao meu parceiro de vida, Sérgio Silva, pelo companheirismo, compreensão, por ser o melhor pai e me proporcionar o tempo necessário para a construção deste estudo.

À minha sogra Eduarda por cuidar do meu filho com todo amor, sempre que foi necessário.

Às Jeronimas, minha inspiração de vida. Minha mãe Kau, minhas tia Lou, Soti, Cê e Bebe, minha prima e comadre Carol, meu agradecimento por serem meu alicerce.

A meu irmão Felipe e minha cunhada Su, pelo amor e companheirismo, mesmo a distância.

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v

Resumo

O primeiro semestre do ano de 2019 foi marcado pelo debate público sobre os motoristas de matérias perigosas, que conferiu visibilidade a algumas reivindicações no contexto de uma greve em prol da melhoria das suas condições de trabalho. Os condutores, que são os principais atuantes da categoria de transporte de mercadorias, estão sujeitos a uma conjuntura própria das condições de trabalho que favorecem e potencializam riscos profissionais, agravados pela periculosidade da matéria transportada. A exposição prolongada a riscos e constrangimentos tem impacto no processo de envelhecimento do trabalhador, podendo acelerá-lo. Com as transformações demográficas observadas, os sistemas de pensão em toda a Europa têm vindo a registrar uma tendência para o prolongamento da vida no trabalho, aumentando a idade para a reforma. Identificar quais constrangimentos e penosidades são vivenciadas nesta atividade proporciona ampliar o debate sobre as reivindicações protagonizadas pelos motoristas, a fim de situar o envelhecimento no e pelo trabalho e sua relação com a saúde, para se pensar sobre a sustentabilidade desta profissão até a idade da reforma atual. Para a melhor compreensão do real desta atividade foi elaborada uma pesquisa, tendo como participantes os motoristas de matérias perigosas, seguindo uma proposta metodológica de cariz qualitativo e quantitativo, feita por via de entrevistas e da aplicação do Inquérito Saúde e Trabalho (INSAT, 2016). Os resultados demonstram que os principais fatores de riscos e constrangimento declarados por estes trabalhadores advém do acúmulo de tarefas, excesso de carga horária pelo prolongamento da jornada de trabalho, e falta de reconhecimento do seu trabalho

Ora, a exposição continuada a fatores de risco não se faz sem impacto direto a saúde. E são precisamente os efeitos na saúde que justificam a perceção por parte dos trabalhadores de que não é possível manter-se na atividade até aos 60 anos, e muito menos até à idade da reforma. Estes dados apontam para uma necessidade de se repensar as políticas públicas para os motoristas que transportam matérias perigosas, já que estas abarcam sobretudo os riscos profissionais ligados a acidentes rodoviários, não contemplando outras dimensões da sua situação de trabalho. Também se entende como necessário o debate com os parceiros sociais relativamente ao prolongamento do tempo de trabalho destes profissionais.

Palavras-chave: motoristas de matérias perigosas, trabalho, saúde, riscos profissionais, penosidade, envelhecimento, idade da reforma.

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vi

Abstract

The first half of 2019 was marked with the public debate considering dangerous goods drivers, giving visibility to some of the claims announced in the context of a general strike to improve their working conditions. The conductors, main actors when we talk about product transportation, are subject to a conjuncture of its own work conditions that favor and potentialize professional risks, aggravated by the material transported. The prolonged exposure to risks and constraints has an impact on the aging process and may accelerate it. With the demographical changes observed, the pension models throughout Europe is registering a tendency to prolong work life, increasing retirement age. The identification of constraints and penalties painfulness which are part of this specific work category provides for broadening the debate on drivers claims, locating the aging process at work and because of work and its relation to health, in order to think the sustainability of this profession until the current retirement age. A research was prepared for best comprehension of this activity, with the participation of the dangerous goods drivers, following a methodological proposal of qualitative and quantitative nature, through interviews and the application of INSAT, 2016 (Work and Health Survey). The results demonstrate that the main factors of risks and constraints declared by these workers come from accumulation of tasks, overtime due to prolonged working hours and lack of professional recognition..

Now, this continued exposure to these risk factors is not without direct health impact. And it is precisely the health effects that justify workers’ perception that it is not possible to remain in business until age 60, much less until retirement age. These data point out the need to rethink public policies for drivers who carry hazardous materials, as they mainly cover only professional risks related to road accidents, not considering other dimensions of their work situation. As well as the necessity of discussion with social partners regarding extension of the working time of these professionals.

Keywords: Dangerous goods drivers, work, health, professional risks, painfulness, aging,

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Resumé

Le premier semestre 2019 a été marqué par le débat public sur les conducteurs de marchandises dangereuses, ce qui a donné de la visibilité à certaines revendications dans le cadre d'une grève pour améliorer leurs conditions de travail. Les conducteurs, qui sont les principaux acteurs du transport de marchandises, sont soumis à des conditions de travail spécifiques qui favorisent et renforcent les risques professionnels, aggravés par la dangerosité des matières transportées. L'exposition prolongée aux risques et aux contraintes a un impact sur le processus de pénibilité du travailleur et peut l'accélérer. Avec les changements démographiques observés, les systèmes de retraite en Europe ont eu tendance à allonger la vie active et à augmenter l'âge de la retraite. L'identification des contraintes et des difficultés rencontrées dans cette activité élargit le débat sur les exigences des conducteurs, afin de situer le pénibilité dans et par le travail et sa relation avec la santé, et de réfléchir sur la pérennité de cette profession jusqu'à l'âge actuel de la retraite. Pour mieux comprendre la réalité de cette activité, une enquête a été menée auprès des conducteurs de matières dangereuses, suivant une proposition méthodologique de nature qualitative et quantitative, faite par le biais d'entrevues et de l'application de l'Enquête Santé et Travail (INSAT, 2016). Les résultats montrent que les principaux facteurs de risques et constraintes déclarés par ces travailleurs proviennent de l'accumulation des tâches, de la surcharge de travail due à l'allongement de la journée de travail et du manque de reconnaissance de leur travail. Ces facteurs sont le résultat de l'exposition à différents risques professionnels et de leur interaction, vécus comme une source de difficultés.

Toutefois, cette exposition prolongée à ces facteurs de risque ne se produit pas sans impact direct sur la santé. Et ce sont précisément les effets sur la santé qui justifient la perception des travailleurs qu'il n'est pas possible de rester dans l'activité jusqu'à l'âge de 60 ans, ni jusqu'à la retraite. Ces données soulignent la nécessité de repenser les politiques publiques pour les conducteurs transportant des matières dangereuses, car elles couvrent principalement les risques professionnels liés aux accidents de la route et ne prennent pas en compte d'autres dimensions de leur situation professionnelle. Un débat avec les partenaires sociaux sur l'allongement du temps de travail de ces professionnels est également jugé nécessaire.

Mots-clés: conducteurs de matières dangereuses, travail, santé, risques professionnels,

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viii Índice

Introdução... 1

Enquadramento teórico...4

1. Relações entre trabalho e envelhecimento...4

1.1 Políticas públicas sobre envelhecimento...7

1.2 Penosidade e envelhecimento no e pelo trabalho... 9

2. Condições de trabalho no setor dos transportes de mercadorias...11

2.1 Tendências de evolução do setor... 13

2.2 Riscos do trabalho no setor ...14

Metodologia...17

1. Objetivos...17

2. Participantes...18

3. Instrumentos... 19

4. Procedimentos de recolha e tratamento de dados...20

Resultados e discussão...23

1. Marcos históricos do debate protagonizado pelas greves...23

1.1 Cronograma dos acontecimentos pré e pós greves...25

2. Condições de trabalho e os riscos profissionais no contexto da atividade...26

2.1 Ser motorista não é só conduzir: os riscos no trabalho e impactos na saúde...27

2.2 Relações com a empresa. Antiguidade e reconhecimento...39

2.3 Envelhecimento no e pelo trabalho...43

Conclusões...47

Referências bibliográficas...49

Anexos...53

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Índice de Figuras

Figura 1 - Transporte Rodoviário de matérias perigosas pelo tipo de mercadoria...13

Figura 2 - Cronograma de acontecimentos pré e pós greve...24

Figura 3 - Problemas de saúde e sua relação com o trabalho...32

Figura4 - Jornada de trabalho com quantidade de horas extras. Junho de 2019... 37

.

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Índice de Tabelas

Tabela 1 - Caracterização sócio-demográfica da amostra...18

Tabela 2 - Estado civil da amostra...19

Tabela 3 - Riscos relativos ao real da atividade – da condução a funções operativas...28

Tabela 4 - Proteção Individual e Coletiva - Riscos para saúde...30

Tabela 5 - Perceção da saúde e relação com o trabalho...31

Tabela 6 - Fonte de penosidade e constrangimento... 34

Tabela 7 - Perceção sobre as condições de emprego... 41

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Lista de Abreviaturas

ANTRAM Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários e Mercadorias EU-28 União Europeia

FECTRANS Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicação INSAT Inquérito Saúde Trabalho

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1 Introdução

Durante o primeiro semestre do ano de 2019 os motoristas de matérias perigosas chamaram a atenção no espaço público do país ao apresentarem uma série de reivindicações relativas às suas condições de emprego e de trabalho. Essa categoria profissional fez parar o país e, de facto, ganhou notoriedade com suas queixas. As queixas, que podem refletir tanto dor como descontentamento, também se revelam enquanto sinais de alerta para uma situação vivenciada na atividade laboral (Molinié, 2010). Focando esta relação entre as situações laborais e a sua vivência expressa em queixa, a presente pesquisa tenta explorar e compreender que riscos, constrangimentos e penosidades da profissão de motorista de matérias perigosas estão por trás desta Queixa que se tornou visível e impactante no país. Esta indagação, por sua vez, levanta outro questionamento: que aspectos inerentes a estas condições de trabalho impactam na saúde do trabalhador e, em particular, de que forma podem ser associadas a um envelhecimento precoce?

A sociedade europeia atual está vivendo uma crescente transformação a nível demográfico relacionada com o aumento da expectativa de vida e a redução da taxa de natalidade. Essa combinação de fatores tem como efeito um aumento crescente dos mais velhos e uma diminuição do número de jovens na população geral (Eurostat, 2018). O aumento da longevidade pode ser traçado como um fenómeno positivo ao revelar alguns avanços adquiridos na saúde, economia e nos recursos sociais, mas, para além disto, o que de facto se verifica é que um aumento do envelhecimento demográfico traz consigo um paradoxo, já que ao repercutir nas políticas de saúde e segurança social, causa uma transformação nas organizações, apontando para uma urgência na implementação de uma nova configuração social (Cabral & Ferreira, 2013).

Esse novo cenário demográfico começa a apresentar seus impactos no início do século XXI, verificando-se um aumento de estudos sobre o tema que começam a abordar tanto os impactos causados por essa transformação, como as formações de novas diretrizes políticas e sociais capazes de abrangê-la. Na Europa, uma das temáticas que se destacou relaciona-se com a preocupação relativa ao financiamento das pensões, tendo-se iniciado um processo de incentivo ao adiamento da reforma de modo a aumentar o número de trabalhadores ativos e contribuintes e diminuir a incidência de pensionistas (Pestana, 2003 & Volkoff, 2001). Nos últimos anos, os sistemas de pensão em toda a Europa têm vindo a

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registrar uma tendência para o prolongamento da vida no trabalho, aumentando a idade para a reforma (Natali, Spasova, & Vanhercke, 2016).

Porém as políticas relacionadas com as concessões das pensões, ao planear o aumento da idade da reforma, acabaram muitas vezes por não englobar especificidades de algumas atividades, as quais apresentam condições de periculosidade e penosidade como é o caso dos motoristas de matérias perigosas. Trabalhadores que exercem a sua atividade expostos a riscos nocivos e que não são contemplados por um sistema especial de reforma, terão de atingir a idade prolongada do fim da vida ativa, mesmo estando sujeitos aos impactos causados pelas condições de trabalho e aos seus constrangimentos com o passar do tempo (Natali et al., 2016).

O incentivo à permanência ou inserção dos trabalhadores mais velhos nos postos de trabalho tem que ser adequado às vicissitudes do envelhecimento. O envelhecimento ativo está para além da gestão financeira dos sistemas de seguridade social, ele compreende dimensões que abarcam a saúde, o trabalho, a participação e a proteção; a sua gestão nas organizações tem que primar pela permanência na vida profissional ativa, mas em confluência com incentivos adequados que permitem que esses indivíduos mantenham uma boa saúde e um envelhecimento saudável (Carvalho, 2014) – designadamente em matéria de sua prevenção em sua segurança e saúde.

A atividade laboral, por desempenhar inúmeras funções na vida do indivíduo - como identidade social, desenvolvimento de competências e habilidades - e sendo, ainda fonte de estabilidade, conforto e segurança (Marta & Costa, 2018), afeta diretamente a saúde do trabalhador. A exposição a certas situações de trabalho, incluindo a forma como as tarefas são organizadas e realizadas, acarretam riscos e constrangimentos que podem ser responsáveis por acelerar o processo de envelhecimento (Ramos, 2015). A interferência do trabalho no envelhecimento pode ser assumida tanto pelo envelhecimento no trabalho, como no envelhecimento pelo trabalho, situando em que medida o percurso profissional impacta no envelhecimento dos trabalhadores, podendo alterar o estado de saúde e o bem estar destes (Petrus, 2017).

Esta questão apresenta uma relevância pela imaterialidade do conceito de penosidade, já que uma das grandes dificuldades em entender o que há de penoso no trabalho é o facto de, pelo caráter diferido dos efeitos na saúde, muitas vezes essas vivências não serem reconhecidas como penosas por quem as sofre (Barros-Duarte, Cunha & Lacomblez, 2007).

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No caso dos motoristas de matérias perigosas, verifica-se nos estudos recentes que os riscos associados a esta atividade recaem sobre riscos externos, como acidentes e incêndios, porém os trabalhadores em suas reivindicações começam a reconhecer outros pontos críticos da sua atividade, estes relacionados a constrangimentos e penosidades vivenciadas no exercício mesmo da atividade. A insatisfação de uma classe de trabalhadores aponta para a urgência em analisar as condições de trabalho a que estes estão expostos: “não há um só texto, uma só entrevista, uma só pesquisa ou greve em que não apareça sob suas múltiplas variantes, o tema da indignidade operária. Sentimento experimentado maciçamente na classe operária: o da vergonha de ser robotizado(...)” (Dejours, 1987, p. 49).

Assim, a presente pesquisa tem como objetivo analisar a atividade dos motoristas de matérias perigosas, no que concerne ao real da atividade, visando conhecer os perigos, riscos e penosidade a que estes trabalhadores estão sujeitos. Considera-se que o olhar para a atividade permite traçar o aprofundamento das questões que giram em torno do processo de envelhecimento a fim de situar a sustentabilidade dessa profissão até a idade da reforma. Seguindo este objetivo, torna-se necessário estabelecer um debate prévio dedicado às relações entre riscos profissionais, suas possíveis penosidades e constrangimentos e o impacto dessas relações no envelhecimento do trabalhador, situando os marcos históricos dos acontecimentos pré e pós-greve no sentido de articular as reivindicações desta categoria com os riscos profissionais identificados.

Para essa demanda, a pesquisa que se apresenta de seguida, tem como base um plano metodológico de carácter misto, intercalando entrevistas semiestruturadas e a aplicação do Inquérito Saúde e Trabalho (INSAT) (Barros-Duarte et al., 2007), junto de motoristas de matérias perigosas. O INSAT, por ter como objetivo compreender os efeitos das condições de trabalho, seus constrangimentos na saúde e bem-estar do trabalhador, oferece a investigação um suporte para entender os principais fatores de risco da atividade estudada (Barros-Duarte et al., 2007). A articulação do INSAT com as entrevistas aos trabalhadores busca um aprofundamento na compreensão da relação entre saúde e trabalho e os seus possíveis desdobramentos em uma aceleração do envelhecimento, já que se assume que “a experiência operária se constitui como cerne de toda análise sobre o trabalho” (Echternacht, 2006, p. 47).

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4 Enquadramento Teórico

1. Relações entre trabalho e envelhecimento

Apesar do envelhecimento populacional ser um fenômeno observável há várias décadas, os estudos sobre este tema estão tomando uma proporção maior, visto que a sociedade atual está sendo marcada por impactos profundos dessa transformação demográfica vigente. Um dos aspectos analisados na mudança da composição etária da população não está apenas vinculado ao envelhecimento, mas também à diminuição da população jovem nos países desenvolvidos, sobretudo na União Europeia (Pestana, 2003). Esta tendência está em crescente expressão e apresenta uma modificação da relação de dependência da população ativa e inativa, traduzindo-se em um envelhecimento da força de trabalho e, com isso, uma preocupação em relação ao financiamento das reformas dos trabalhadores (Volkoff, 2001). Se, como norma geral, a população ativa e inativa estaria reproduzida por um cenário em que a população mais jovem acabaria por ocupar os postos de trabalho, enquanto os mais velhos entrariam na reforma, esse fenômeno só foi observado na história em períodos em que não houve carência de mão de obra (Moura, 2014).

A requisição social do trabalhador mais velho caminha paralelamente às pesquisas realizadas sobre as relações de trabalho e envelhecimento. Ramos e Lacomblez (2005) discorrem sobre a abertura que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial ao potencial de produtividade de todos os trabalhadores, incluindo os mais velhos. Neste período, o aumento das taxas de mortalidade da população ativa masculina acarretou a crescente inserção dos idosos nos postos de trabalho, algo que foi analisado por estudos sobre a performance dos mais velhos e suas potencialidades para o trabalho. Entretanto, a partir da década de 70, mudanças ocorridas no contexto sociocultural marcaram o declínio do incentivo à participação dos trabalhadores mais velhos no mercado de trabalho e a diminuição dos estudos sobre esse tema, estimulando uma antecipação das reformas, para que a disponibilidade de mão de obra jovem não se traduzisse no aumento do desemprego.

Esta saída antecipada dos trabalhadores mais velhos dos postos de trabalho configurou um comprometimento financeiro do sistema social em vários países, inclusive Portugal (Cabral & Ferreira, 2013). Dessa configuração ancorada às transformações demográficas emergiram duas questões. Uma aponta para a urgência na manutenção e

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inserção dos trabalhadores mais velhos no trabalho e reforça a necessidade de se pensar em como gerir essa população nas organizações. A outra se apresenta como uma interpelação sobre quais as causas que fazem com que esses trabalhadores acabem por antecipar o fim da vida ativa nunca chegando à idade da reforma obrigatória; no caso, mais da metade desses trabalhadores suspendem sua atividade profissional por uma diversidade de razões que precisam ser conhecidas (Ramos, 2015; Marta & Costa, 2018).

Essa fluidez da constituição da mão de obra na sociedade faz com que seja necessário o debate sobre as políticas de emprego, uma vez que a organização do trabalho está sujeita às transformações etárias, trazendo mudanças contínuas ao nível social, econômico e individual. Com a previsão de que o processo de envelhecimento demográfico só se intensifique, pensar no processo de envelhecimento do trabalhador, para que este permaneça ativo por mais tempo, requer também refletir sobre a adequação das opções de organização do trabalho a essa nova configuração que se apresenta atualmente (Ramos, 2015).

Apesar da demanda crescente para a inserção e manutenção dos trabalhadores mais velhos na vida profissional, o envelhecimento ativo não pode ser reduzido apenas a uma participação econômica na sociedade a fim de equilibrar o sistema de segurança social, justificando o adiamento da idade da reforma. O envelhecimento deve ser analisado globalmente, considerando todas suas vicissitudes e os vários aspectos que fazem parte desse processo (Cabral & Ferreira, 2013):

O paradigma do envelhecimento ativo surge, assim, como um programa global de

intervenção na sociedade voltado para a mudança para a condição do idoso,

procurando responder aos problemas do aumento da longevidade. Não é uma mera

justificação para o aumento das carreiras contributivas em virtude do desequilíbrio

entre ativos e inativos, assim como da pressão social e econômica sobre o sistema de

segurança social. Com efeito, o envelhecimento ativo convida a reformular a

articulação entre a atividade e a reforma, entre o trabalho e a saúde, entre a

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Volkoff (2001) antecipa-se sobre a relação entre trabalho e envelhecimento, pondo em questão a contribuição das condições de trabalho para a permanência ou saída antecipada do trabalhador de sua atividade laboral. O autor interpela o que seria necessário em termos de caminhos profissionais, condições de trabalho e exigências que poderiam validar a permanência e alongar a vida ativa, sem que isso fosse prejudicial para a saúde dos trabalhadores, nem durante, nem depois do trabalho, mantendo um sistema de produção eficiente.

Neste contexto é importante ponderar que o conceito de idade está para além de uma abordagem que se concentra apenas na idade cronológica. A idade adquire também um caráter “social” em que diversos fatores se alinham indo além do conceito biológico. Envelhecer está assoiado a fatores culturais, ambientais, sociais e acidentais, sendo um processo desenvolvimental que acontece a partir do nascimento e que depende da vivência subjetiva de cada indivíduo (Ramos & Lacomblez, 2005; Quintela, 2014). É por esse motivo que a relação entre saúde e condições de trabalho se torna crucial para compreender o processo de envelhecimento. As características que certos trabalhos assumem, desempenham um papel neste “envelhecimento diferencial” observando que nem todas as atividades expõem os profissionais às mesmas condições de trabalho e aos mesmos fatores que causam o envelhecimento (Ramos & Lacomblez, 2005 Volkoff, 2001).

Paralelamente às questões relativas à interlocução entre envelhecimento e trabalho, situam-se as mudanças ocorridas nesse último segmento, que traz constantes transformações às exigências profissionais, visto que o trabalho “é um processo dinâmico oscilando diariamente enquanto os trabalhadores vão gerindo as contradições entre a preservação da saúde e a garantia de produtividade, tentando contornar as possíveis fontes de penosidade ou de dificuldade” (Barros-Duarte et al., 2007, p. 55). Os constrangimentos a que outrora os trabalhadores eram expostos são somados, cada vez mais, a outras fontes de nocividade do trabalho, destacando-se as pressões temporais que se relacionam diretamente com a intensificação do trabalho. Esses constrangimentos sobrepõem-se a alguns aspectos do envelhecimento, já que as transformações que acontecem ao individuo no processo de envelhecer o deixam mais suscetível a certos constrangimentos evidenciados pela atividade laboral, podendo causar um efeito ainda mais nocivo do que a idade por si só (Laville & Volkoff, 2007; Ramos & Lacomblez, 2005).

Algumas atividades comportam situações que intensificam o trabalho, como no caso de horários em turnos ou noturnos que, somado às pressões a que os profissionais estão sendo

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cada vez mais submetidos decorrentes de mudanças na organização e realização do trabalho, deixa os trabalhadores mais expostos a fatores psicossociais de risco. Esta situação acaba por representar um impacto maior nos trabalhadores mais velhos que, por serem submetidos ao longo do tempo a condições de trabalho prejudiciais à saúde, encontram dificuldade em permanecer no emprego até a idade da reforma (Vendramin & Valenduc, 2012; Eurofound, 2019). Este tema foi abordado pela Eurofound (2014), constatando que a diminuição da carga de trabalho é um dos aspetos mais desejados pelos trabalhadores mais velhos de todos os países membros da UE-28, mesmo que isso impacte na sua situação financeira.

Pensar sobre as influências das condições laborais na saúde do trabalhador está atualmente no cerne das políticas europeias que buscam, cada vez mais, compreender e enfrentar os desafios relacionados com a saúde dos trabalhadores mais velhos, já que se percebe que este é um fator chave para o prolongamento da vida laboral (Őzdemir, et al., 2016).

1.1. Políticas Públicas sobre envelhecimento

Um dos maiores desafios das políticas públicas relacionadas com o envelhecimento ativo é alinhar o prolongamento da idade da reforma com as condições de trabalho de forma a que isso não confira riscos a saúde do trabalhador. Isto torna-se ainda mais relevante tomando em consideração que as medidas governamentais que apoiam o aumento da idade da reforma parecem ainda estar enfatizando apenas o fator econômico da sustentabilidade financeira da segurança social, visando prolongar as carreiras profissionais contributivas e eliminar os incentivos da reforma antecipada, descurando as relações entre os múltiplos aspetos que integram o processo de envelhecimento (Cabral & Ferreira, 2013).

Atualmente tem direito a pensão de velhice o beneficiário que tiver completado 66 anos e 5 meses (Segurança Social, 2019), porém, até há pouco tempo, as pessoas adquiriam a pensão por velhice mais cedo. A idade de acesso à reforma foi mudando em função de conjunturas econômicas e sociais, tendo sido reformuladas medidas de acesso às reformas antecipadas. Durante o período de recessão econômica dos anos 80 e 90, a fim de facilitar a entrada dos jovens no mundo do trabalho, houve um incentivo às reformas antecipadas e com isso aumento na proporção dos trabalhadores que se reformavam entre os 50 e 60 anos. Este facto, somado ao aumento das pessoas mais velhas nos países da UE-28, fez com que as políticas dos Estados Membros ajustassem os sistemas de pensão, incentivando as pessoas a se retirarem do mercado do trabalho tardiamente (Őzdemir, et al., 2016). Do ponto de vista

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do trabalhador, a questão da permanência no mercado de trabalho por mais tempo pode ser prejudicial caso este experiencie um trabalho penoso ou insatisfatório (Cabral & Ferreira, 2013).

As frequentes mudanças das políticas de pensões que recorrem ao prolongamento da vida ativa podem tornar-se particularmente difíceis para os profissionais em situações de trabalho que ameaçam a preservação da saúde. Na EU-28 existem políticas nacionais, através de planos de pensões especiais, que abarcam os regimes de reforma para os trabalhadores em empregos árduos e perigosos. A reforma antecipada garante ao trabalhador a possibilidade de usufruir do seu direito sem precisar chegar à idade normal obrigatória, caso não tenha mais condições de se manter trabalhando (Natali, Spasova, & Vanhercke, 2016). No caso do Decreto-Lei nº 119/2018, algumas condições são postas de forma a que o trabalhador adquira esse direito diferenciado. Dentre eles, no artigo 22 alínea c) fica estabelecido o direito a reforma antecipada no caso de atividade profissional de natureza especial penosa ou desgastante, desde que as particularidades desgastantes sejam relevantes ao exercício profissional do beneficiário.

Como é reconhecido pela Lei portuguesa, trabalhos de caráter penoso, são passiveis de uma interrupção precoce da atividade, por apresentar certas condições que tornam insustentáveis o longo percurso profissional até a idade da reforma normal. Porém dentro de uma perspectiva histórica a denominação de penosidade só foi atribuída a Lei Portuguesa após reivindicações coletivas de algumas categorias de trabalhadores, que conquistaram o reconhecimento do impacto de suas atividades à saúde, garantindo a estas classes profissionais o direito a reforma antecipada com algumas vantagens fiscais (Petrus, 2017).

De um modo geral, há o reconhecimento da periculosidade de uma ampla gama de atividades que envolvem trabalho árduo e perigoso, mas essas não englobam todas as profissões com essas características. Este regime de reforma antecipada é designado através de certas condições, como é o caso das exigências físicas, de sobrecarga mental (menos frequente), ambiente de trabalho perigoso (por exemplo, manuseamento de material químico, central nuclear, subterrânea e atividades subaquáticas), extenuantes atividades físicas ou mentais (mineração, equipa de aeronaves, dançarinos ou toureiros), porém, por vezes, apesar destas características estarem reunidas em alguns trabalhos, estas não são contemplados por esse regime de flexibilização da idade da reforma (Natali et al, 2016).

Apesar de a revisão de determinadas leis do trabalho ser um marco importante para os trabalhadores, seria necessário programas que abordem aspetos das condições de trabalho,

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saúde e bem estar, para que não se criasse uma distância em relação ao que é entendido como necessário para o prolongamento da vida profissional. Este é um dos objetivos da Comissão Europeia que tem adotado quadros estratégicos em matéria de saúde e segurança no trabalho, visando diminuir os impactos negativos da atividade profissional na saúde dos trabalhadores. Para que o trabalho se torne sustentável ao longo do tempo é necessário minimizar as condições prejudiciais à saúde promovendo estratégias para lidar com os riscos associados ao trabalho, sendo essencial compreender as relações entre as condições de trabalho, a saúde e o bem estar dos trabalhadores (Eurofound, 2019).

O Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde(OMS, 2015) já apontava que as políticas públicas deveriam ser estruturadas de forma a permitir que um número maior de pessoas alcançassem trajetórias positivas de envelhecimento. Esta recomendação foi baseada em uma modificação na forma de entender o envelhecimento, não mais só pela idade cronológica, mas baseada em questões multifatoriais, como as influências do campo profissional na saúde que impactaria o processo de envelhecer (Cabral & Ferreira, 2013).

1.2 Penosidade e Envelhecimento no e pelo trabalho

Dois princípios do envelhecimento são perpassados pelo trabalho. O primeiro é o envelhecimento no trabalho, que está ligado às transformações que o trabalhador vai passando ao longo do tempo que modifica sua forma de estar na atividade. Esta mudança pode ser observada tanto em nível de algum desfalque no desempenho do individuo, como velocidade de reação, diminuição da força física, mas também nas competências adquiridas, como a capacidade de integração de saberes, estratégias defensivas, entre outros.

O segundo é o envelhecimento pelo trabalho que se refere aos efeitos a médio e longo prazo das condições de trabalho no estado de saúde do trabalhador. Nesse sentido os constrangimentos a que o individuo é exposto ao longo da sua vida de trabalho podem atuar como aceleradores do envelhecimento do sujeito (Ramos, 2015). Aliás, como referem Laville e Volkoff (2007):

Por um lado, o trabalho e suas condições de execução agem sobre os processos de

envelhecimento, sobre o declínio de certas capacidades e sobre as modalidades de

construção da experiência: trata-se então do envelhecimento “pelo trabalho”. Por

outro, as transformações do individuo facilitam ou tornam difícil a execução nas

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relação” ao trabalho, com consequências negativas (fadiga aumentada, baixa no desempenho, desqualificação profissional) ou positivas (rearranjo eficiente da maneira

de trabalhar, mobilidade ascendente...) (p. 113).

Estas duas formas de envelhecimento apelam à intervenção que viabilize que esses processos sejam minimizados. A organização do trabalho pode criar condições propícias a diminuir os riscos, penosidades e constrangimentos de forma a que se torne possível a manutenção dos trabalhadores na vida profissional e ativa, sem que isso signifique um envelhecimento precoce do trabalhador. O desgaste no dia a dia, a carga psíquica do trabalho, em interação com outros fatores de risco, têm impacto não negligenciável na saúde, e logo no envelhecimento (Boix & Vogel, 2011; Duarte, Cunha, Lacomblez, 2011).

Por exemplo, um nível similar de exposição a agentes químicos tóxicos pode produzir

efeitos diferentes em função da intensidade do trabalho, dos horários, do efeito

acumulado de outros factores de risco, da formação e da informação, etc. Deve

também considerar as expectativas das trabalhadoras e dos trabalhadores, que podem

variar no tempo (Boix &Vogel, 2011, p.8).

O indivíduo em seu contexto laboral é inserido em uma organização de trabalho que pode alterar a forma como ele executa sua função e lida com os riscos e constrangimentos da atividade. Isso causa efeitos, não só para empresa, como para a saúde do próprio indivíduo, que desconhece algumas fontes de sofrimento laboral, podendo considerar apenas como mais um viés da atividade, como um problema intrínseco da profissão (Assunção, 2003; Molinié, 2010).

A complexidade da relação trabalho e saúde está em situar o trabalhador num processo correlacional e dinâmico, em que os riscos estão associados às condições de exercício da atividade. O problema concebido nesta abordagem reside no facto desses riscos muitas vezes não serem nem reconhecidos, nem indemnizados, pois é da queixa do trabalhador que eles podem vir a ser encarados como um constrangimento, passível de ter efeito sobre a saúde. Neste caso, a dúvida recai sobre a declaração do individuo, do qual se questiona se o risco advém realmente do trabalho ou se é externo, corroborando com o silêncio sobre esse sofrimento e com a falta de respaldo por não serem declarados

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(Barros-11

Duarte, 2015; Barros-Duarte, Cunha & Lacomblez, 2011; Barros-Duarte et. al, 2007; Petrus, 2017). De acordo com Petrus (2017) a penosidade pode ser observado em tudo aquilo que “se relaciona com uma condição do trabalho dolorosa, de incômodo, de esforço físico ou mental, de desgaste ou sofrimento decorrentes de situações de trabalho, que causa restrições, desequilibra, ou degrada o estado de saúde do trabalhador” (p.58).

Essas condições ligadas à penosidade no trabalho têm uma peculiaridade que dificulta sua visibilidade, são aspetos que vão afetando a saúde não no imediato, mas ao longo do tempo, sendo seu impacto cumulativo, trazendo consequências irreversíveis para o sujeito, principalmente no que concerne as repercussões para o processo de envelhecimento (Cunha & Lacomblez, 2007; Duarte, 2015; Volkoff, 2001).

As condições de trabalho às quais o trabalhador está submetido podem ter uma influência direta ou gradual no impacto a sua saúde. Elas são ditadas pela organização do trabalho que impõe o ritmo a ser seguido, as normas a serem cumpridas e a forma de se exercer a função. Na sociedade atual, essa organização está assumindo novas formas, sobretudo no que diz respeito às exigências do tempo no trabalho, que buscam acelerar a produtividade e com isso criam um ritmo intenso. Uma elevada carga horária diária a ser cumprida vem sendo respaldada pelas horas extras que o trabalhador pode fazer sobre seu horário normal de trabalho, sendo prescrito muitas vezes um horário irregular e atípico. Paulatinamente, o trabalhador é confrontado com um desgaste diário e o seu efeito cumulativo, que vai ganhando maiores proporções à medida que o indivíduo envelhece e se depara com certos declínios funcionais somados às suas maneiras próprias de trabalhar que embatem nas novas demandas do tempo (Boix & Vogel, 2011; Laville & Volkoff, 2007).

Nesse sentido, os trabalhadores têm de assumir a gestão de injunções contraditórias no trabalho, em que a produtividade precisa estar em consonância com a preservação da saúde, de forma a que os constrangimentos e os focos de penosidade sejam contornados (Duarte, Cunha, Lacomblez, 2007 & Laville & Volkoff, 2007; Volkoff, 2001). Estas contradições podem ser agravadas por riscos inerentes ao real da atividade, como é o caso dos profissionais atuantes nos transportes de mercadorias.

2. Condições de trabalho no setor dos transportes de mercadorias

No setor dos transportes, há inúmeros riscos inerentes a atividade, que muitas vezes são assumidos como algo externo, como no caso de um acidente ou uma explosão, porém, cada vez mais é observado que as condições do ambiente de trabalho influenciam nesses

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incidentes. Em 2004, o tema da segurança rodoviária foi largamente discutido pela OMS, no Dia Mundial da Saúde, com o lema “A segurança rodoviária não é acidental”, em que foi dada a importância à questão dos acidentes rodoviários, não apenas no nível do setor dos transportes, mas principalmente pela saúde pública, já que determinados acidentes ocorridos na via pública teriam condições para serem evitados caso houvesse uma política efetiva de prevenção dos fatores de risco. Destaca-se aqui o cansaço, o estress e a fadiga do condutor e o excesso de velocidade. Assim, a intervenção sobre estes fatores contribuiria para uma possível redução dos acidentes (OMS, 2004).

No caso especifico do transporte de cargas, os perigos relacionados aos acidentes podem ter como agravante o tipo de mercadoria carregada, que podem causar um incêndio após colisão e uma fuga de substâncias perigosas (OMS, 2004). O transporte de mercadorias perigosas1 pode ter consequências graves, devido aos perigos de incêndio e explosão associados a combustíveis líquidos e gasosos (Santos & Gois, 2011). Pela periculosidade da carga, e por representar um risco iminente para o trabalhador do setor, o transporte de mercadorias perigosas por via terrestre necessita de uma garantia de melhores condições de segurança a fim de minimizar os riscos. O transporte rodoviário de combustível enquadra-se no Decreto-lei 41-A/2010, relativo ao transporte de mercadorias perigosas, estabelecendo “regras uniformes, adaptadas ao progresso técnico e científico, harmonizando as condições de transporte de mercadorias perigosas na União Europeia...” (Decreto-lei 41-A/2010).

A questão dos perigos de acidentes no transporte de matérias perigosas estende-se à saúde do trabalhador já que o que é carregado pode ocasionar inúmeros malefícios para a sua saúde. Combustíveis líquidos, gasosos e sólidos, são matérias que necessitam de um cuidado extra ao serem manuseadas. O uso de produtos químicos afeta massivamente os trabalhadores europeus em todos os setores, sendo que até 30% das doenças ocupacionais reconhecidas são causadas pela exposição a substâncias perigosas (ETUI, 2016).

Para aumentar a segurança desse setor é necessário avaliar alguns aspetos condizentes à atividade. Primeiramente, a identificação e caracterização dos diferentes produtos, a formação dos protagonistas da atividade, a disponibilização de equipamentos de apoio e proteção individual do condutor, constituem algumas das medidas de prevenção para

1

De acordo com a Autoridade para as Condições de Trabalho, são consideradas mercadorias

perigosas as substâncias ou preparações que devido à sua inflamabilidade, toxicidade, corrosividade ou radioatividade (por meio de derrame) podem provocar incêndio ou explosão com consequências de elevada gravidade (Gaiola, et al., 2016).

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promover a segurança, com o objetivo de minimizar os riscos e identificar os perigos característicos do transporte rodoviário de mercadorias perigosas (Santos & Góis, 2011).

2.1. Tendências de evolução do setor

Os modos de transporte (ferroviário, rodoviário, aéreo, marítimo e fluvial) variam quanto ao volume global transportado de ano para ano (Eurostat, 2018a). Na UE-28, o ano de 2017 registou um crescimento acentuado no setor de transporte de mercadorias em todos os seus modos (+6,1%), destacando-se o tráfego rodoviário que permaneceu com maior expressão no volume total transportado (+2,9%), o que tem sido decisivo para a evolução do setor como um todo (INE, 2017). Para além dos modos de transportes, os tipos de mercadorias a serem transportadas também se distinguem pelas características próprias de cada tipo de carregamento.

Das cargas transportadas no transporte rodoviário europeu, o transporte de mercadorias perigosas assume uma parcela em crescimento constante, nos países da EU-28. No ano de 2017, a maior incidência de produtos específicos, considerados como matérias perigosas, foi o de líquidos inflamáveis, ocupando mais da metade do total das cargas (54,3%), seguido de outros dois grupos de gases, os gases comprimidos e os gases liquefeitos (13,1%) e os corrosivos (11,3%), conforme o gráfico acima representado (cf. Fig.1). Esses

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dados não divergem dos anos anteriores, em que a distribuição dos tipos de produtos se apresenta sem consideráveis modificações (Eurostat, 2018b).

Nos últimos anos foi constatado que o transporte de matérias perigosas apresentou um aumento significativo na maioria dos Estados Membros da União Européia, de 73 bilhões de toneladas-quilômetro em 2013, para 82 bilhões de toneladas-quilômetro em 2017. A participação da maioria dos países neste tipo de transporte permaneceu em alta, assim como o seu total global (Eurostat, 2018b).

Portugal manteve um crescimento gradual, no transporte de mercadorias perigosas, no decorrer dos anos, atuando maioritariamente no segmento nacional. Apesar do transporte internacional de mercadorias representar mais da metade das cargas transportadas, a maior parte do transporte de mercadorias perigosas é realizado em território nacional, o que acresce na sua relevância na economia do país (Eurostat, 2018b).

O sector dos transportes rodoviários é, dentro da União Europeia, um dos que apresenta maiores perigos relativos a acidentes nas estradas, podendo ter repercussões tanto para o condutor e para a população geral, como para o meio ambiente, sendo as causas desses acidentes muitas, variadas e de gravidades destintas (Gaiola et al., 2016; Santos & Gois, 2011). Projeções estatísticas apontam um crescimento de até 60% no número de acidentes rodoviários até o ano de 2020, o que serve de alerta a diversos setores da sociedade, governo, indústria e saúde pública, para a necessidade de desenvolvimento e implementação de ações de prevenção neste âmbito (OMS,2004).

2.2. Riscos do trabalho no setor

No dia 13 de março de 2018 o Parlamento Europeu votou a favor de novas normas destinadas a modernização na formação dos condutores profissionais, isto porque, nos países industrializados os acidentes rodoviários são a principal causa de morte no trabalho. De acordo com o Eurostat (2019), o objetivo desta proposta está em melhorar a segurança rodoviária mediante uma melhor formação profissional, com o foco na “prioridade à segurança rodoviária, por exemplo, através da proteção dos utentes da estrada mais vulneráveis e da utilização de sistemas de assistência ao condutor, da otimização do consumo de combustível e da introdução de novas tecnologias” (Eurostat, 2019, p.1).

Dados sobre os acidentes rodoviários apontam que o cansaço e o excesso de velocidade do condutor profissional são causas comuns nestes episódios dramáticos, sendo o cansaço um fator determinante em cerca de 20% dos acidentes. Como intervenção nestes

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riscos, a legislação europeia regula as horas trabalhadas pelos condutores profissionais, não podendo passar de 9 horas diárias, com a obrigatoriedade de fazer uma pausa de, no mínimo, 45 minutos, após 4 horas e meia de condução (Eurostat, 2019).

Em relação ao transporte de mercadorias perigosas, de acordo com Santos e Gois (2011), um acidente com um camião de matérias perigosas pode ser extremamente danoso por ser suscetível ao derrame de combustíveis, o que, pela característica de ser altamente inflamável, pode ocasionar um incêndio ou uma explosão. É, por conseguinte, reforçada a necessidade de pensar em estratégias para a prevenção destes riscos, tomando em consideração as condições da via, o clima, estado de manutenção do veículo e a experiência do condutor.

Para a implementação de medidas de prevenção que atuem sobre as fontes de perigo associados ao transporte de combustível é necessário identificar os seus riscos. Podem-se destacar os riscos relacionados com as falhas de equipamento, como falha dos travões; falhas de sistema como escolha inadequada de rota e curto período de descanso dos condutores; eventos climáticos, como neve ou desabamento de terra e os riscos relativos a função do condutor, como por exemplo, o excesso de velocidade e o cansaço (Santos & Gois, 2011), mesmo que não se explorem os seus determinantes.

Para atuação sobre estes riscos que acometem o condutor, a Comissão Europeia preconiza a formação como forma de prevenção de acidentes. “A formação e educação adequadas dos condutores é uma prioridade da política de segurança rodoviária. Condutores com uma formação adequada são condutores seguros” (Eurostat, 2019, p. 1).

Porém, apesar da importância da prevenção de acidentes rodoviários, a noção de risco profissional é bastante complexa já que se associa a diversas nuances das condições de trabalho e do trabalhador. Apesar da visibilidade dos riscos profissionais ser marcada pelos “espetaculares e escandalosos”, como no caso de acidentes de trabalho e doenças profissionais, esses não traduzem os constrangimentos vivenciados ao longo de uma vida de trabalho, nem os efeitos, por vezes mais discretos, que se vão fazendo sentir na saúde (Barros-Duarte, 2005).

A função do motorista não se resume a transportar mercadorias de um ponto ao outro, é uma profissão onde o acúmulo de funções transforma a tarefa principal em secundária. Neste caso, o real da atividade faz com que a função exercida seja mais do que o trabalho prescrito, causando contradições ao trabalhador que precisa usar estratégias

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frequentes na gestão entre o que é da atividade real e o que é definido e prescrito pela organização (Petrus, 2017).

O real da atividade consiste em diversas tarefas de enorme complexidade e responsabilidade que vão sendo orquestradas no dia a dia do trabalhador. Ao motorista de matérias perigosas é atribuída a responsabilidade de fiscalização do veículo, carregamento das cargas, documentação eletrônica e manual, medição dos volumes a serem carregados e na descarga, condução, fornecimento ao cliente da documentação referente a descarga e descarregar o carro. Todas essas tarefas adquirem um carácter mais preocupante, pelo facto da carga manuseada ser um produto com inúmeras especificidades que, para além de ser passivo de perigo iminente, requer um conhecimento técnico específico para que não haja erros na execução da função (Gaiola et al., 2016).

As organizações e políticas públicas visam à intervenção e prevenção primária dos riscos no transporte rodoviário de mercadorias. Porém, fala-se, sobretudo de riscos rodoviários e de acidentes associados a esta atividade, mas que outros riscos a permeiam? É sobre esta questão que se sustenta o fio condutor do estudo empírico que a seguir se apresenta.

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Metodologia

O plano metodológico desta pesquisa foi constituído por uma abordagem mista, quantitativa-qualitativa, privilegiando a associação entre a análise estatística e o ponto de vista do trabalhador sobre a sua experiência em contexto real. A pesquisa foi orientada qualitativamente pela condução de entrevistas semi-estruturadas, orientadas por um guião construído para o efeito. De forma quantitativa, foi utilizado enquanto instrumento de pesquisa o Inquérito Saúde e Trabalho – INSAT, que “se pretende configurar como uma proposta metodológica para a análise dos efeitos das condições de trabalho sobre a saúde” (Barros-Duarte, et al., 2007, p.54). Previamente à utilização do instrumento, foi solicitado às autoras a autorização para uso do INSAT no contexto desta pesquisa, tendo esse pedido sido formalmente aceite.

Todos os participantes receberam, conforme sua participação via inquérito e/ou entrevista, uma declaração de consentimento informado, sendo explicado o carácter voluntário, sem quaisquer beneficio ou prejuízo, sendo que as informações coletadas estariam sob o desígnio de anonimato e confidencialidade (Anexos 1 e 2). Todos aceitaram, de livre e espontânea vontade, participar da pesquisa.

1. Objetivo

Esta pesquisa tem como objetivo analisar as relações entre trabalho, saúde e envelhecimento, considerando os constrangimentos, os riscos profissionais e as penosidades vivenciadas na atividade dos motoristas de matérias perigosas.

Serão analisadas as vicissitudes da atividade, comportando os riscos profissionais abarcados pela periculosidade da carga transportada, assim como as nuances da atividade real que delimitam os caminhos das vivências penosas. Busca-se, com essa análise, compreender que aspetos das condições do trabalho de motorista de matérias perigosas impactam a curto ou longo prazo na saúde e bem estar, e de que forma essas circunstâncias compactuam ou não para uma aceleração do processo de envelhecimento.

Para isso, uma pesquisa de carácter misto, pôde proporcionar a ênfase no olhar do trabalhador na sua atividade, visando que o real da atividade permaneça como cerne da investigação.

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18 2. Participantes

Os participantes da presente pesquisa são motoristas de matérias perigosas, considerados segundo um processo de amostragem não probabilística de conveniência. Foram encetados contactos com o Sindicato dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), e apresentado o projeto de investigação. Os motoristas participantes são, por conseguinte, trabalhadores sindicalizados neste Sindicato.

Os motoristas que participaram da primeira fase de entrevistas, forneceram contactos de outros motoristas que estariam dispostos a participar de forma voluntária da investigação, sob forma de amostragem não probabilística intencional, ou método snowball. Este processo de amostragem foi elegido já que é o que mais se adequa a esta abordagem qualitativa, nomeadamente a reverter o difícil acesso a esta população. Estes motoristas raramente estão disponíveis na empresa, consagrando por via da atividade boa parte do seu tempo à deslocação entre diferentes locais, pelo que é difícil assegurar o seu contacto. A constituição da amostra para as entrevistas teve como critério a antiguidade na função. Assim, foram contatados trabalhadores com mais de 10 anos de antiguidade, que pudessem retratar a atividade pelo ponto de vista da experiência e da longevidade na função.

Integraram a amostra 40 motoristas de matérias perigosas, sendo que destes, todos responderam o inquérito INSAT e 8 participaram em entrevistas de caráter semi-estruturado.

Tabela 1 - Caracterização sociodemográfica da amostra (INSAT, 2016; Entrevistas) Número de

participantes

sexo Idade (anos) Antiguidade na função

Masculino Feminino média

desvio

padrão mínima máxima

média (anos) desvio padrão mínima (anos) máxima (anos) INSAT 40 0 45,73 6,976 29 58 15 9 1 33 ENTREVISTAS 8 0 49,37 6,162 37 57 21,87 7,51 10 33

No que concerne à caracterização da amostra, todos os participantes são do sexo masculino. Dos participantes do INSAT, a média de idade foi de 45,73 (DP=6,976), sendo a idade mínima 29 anos e a idade máxima 58 anos. Em relação à antiguidade, a média de anos na função é de 15 (DP=9), sendo a mínima de anos exercendo a função há 1 ano e a máxima há 33 anos. Já os participantes entrevistados tinham idades compreendidas entre os 37 e os 57 anos, sendo a média de idade de 49,37 (DP=6,162) e os anos de antiguidade na função situada no intervalo de 10 a 33 anos, sendo a média 21,87 (DP=7,51). Os participantes também se dividiram quanto seu estado civil, conforme tabela 2:

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Tabela 2 - Estada Civil da amostra (INSAT 2016)

Estado Civil Motoristas (n) Percentagem Casado/União de facto 35 87,50% Divorciado/ Viúvo 3 7,50% Solteiro 2 5%

Sobre amostra do INSAT, a maioria dos participantes encontra-se atualmente em uma relação de casamento ou união de facto (87,5%), seguido dos viúvos e divorciados (7,5%) e, com uma menor incidência, os solteiros (5%). Dos participantes entrevistados, todos são casados.

3. Instrumentos

Os instrumentos que serviram de suporte à investigação diferem quanto ao método utilizado. Na abordagem quantitativa foi utilizado o inquérito INSAT, que por ser ‘centrado na perspectiva do trabalhador’ propicia meios para que os trabalhadores avaliem as condições e características do trabalho, seu estado de saúde, estabelecendo relações entre sua saúde e seu trabalho. Isto está delimitado através da estrutura do INSAT que abarca as seguintes dimensões: (I) O trabalho; (II) Condições de trabalho e fatores de risco; (III) Condições de vida fora do trabalho; (IV) Formação e trabalho; (IV) Saúde e trabalho; (VI) A minha saúde e o meu trabalho e (VII) A minha saúde e o meu bem-estar (Duarte, Cunha, Lacomblez, 2007).

Na abordagem qualitativa foi utilizado um guião de entrevista, construído com o objetivo de compreender o real da atividade de motorista de matérias perigosas, seu quotidiano, os constrangimentos e riscos, levando em conta o percurso profissional do trabalhador. O conhecimento sobre as reais condições de trabalho e seus impactos na saúde estavam presentes em algumas questões que exploravam o ponto de vista dos trabalhadores relativamente à sustentabilidade da atividade até a reforma e as reinvidicações que fizeram parte das greves. Dentre as categorias de questões contempladas no guião, se destacaram algumas que abarcavam: (I) riscos profissionais, onde se abordou quais as maiores dificuldades da função, que riscos o trabalho impõe e situações em que o trabalho se torna penoso; (II) trabalho e saúde, questionando sobre o que da atividade de trabalho o motorista considera prejudicial à saúde, se observou alguma mudança na saúde no decorrer do percurso profissional, e quais desgastes físicos e psicológicos estão presentes na atividade; (III) trabalho e reforma, considerando se o motorista considera que conseguiria manter a atividade até a idade da reforma, discorrendo sobre as dificuldades enfrentadas no trabalho que

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ocasiona desgastes ao longo do tempo e quais aspectos da atividade que facilitariam continuar nessa função até a reforma; (IV) greves e reivindicações da categoria buscando entender quais as melhorias que os motoristas acham necessárias para que a atividade tenha melhores condições, a principal preocupação da categoria e quais as reivindicações que foram atendidas e o que ainda falta ser mudado.

Após a análise dos resultados do INSAT e da primeira etapa das entrevistas, foi entendido como enriquecedor dos resultados que houvesse um destaque para a carga horária destes trabalhadores, já que este tópico foi um dos mais abordados nas entrevistas como fonte de constrangimento. Assim, na segunda fase das entrevistas, para além do guião que serviu como base para que pudessem falar sobre a atividade, foi elaborado um quadro de horários para que os motoristas pudessem preencher com suas cargas horárias durante o último mês de trabalho. No final, este instrumento só serviu de referência já que os motoristas preferiram enviar por e-mail seus próprios quadros de horário que já tinham preenchido.

Os instrumentos da pesquisa se complementam, já que a partir dos conhecimentos trazidos pelo INSAT é possível integrar os resultados de cariz mais qualitativo, focando no objetivo de compreender quais as questões enraizadas no contexto real de trabalho, e evidenciar as relações menos visíveis entre trabalho e saúde (Duarte, Cunha, Lacomblez, 2007).

4. Procedimento de recolha e tratamento dos dados

O processo de recolha de dados foi elaborado buscando a alternância dos métodos de pesquisa por se compreender que assim haveria um melhor entendimento do real da atividade. Primeiramente, a recolha de dados ocorreu por via de entrevista, seguido de aplicação do Inquérito INSAT, sendo finalizada com mais algumas entrevistas. No final do processo de recolha e tratamento dos dados foi feita uma entrevista com o presidente do SNMMP, que forneceu dados sobre as greves e as reivindicações do setor.

Sendo assim, o processo se iniciou por via de quatro entrevistas de carácter exploratório, buscando a aquisição do entendimento da atividade, seu quotidiano, seus constrangimentos e o que faz diferir o trabalho prescrito do trabalho real. Apesar de serem conduzidas com recurso a um guião, foram criadas condições que possibilitaram ao entrevistado um espaço para discorrer sobre outros temas que achasse adequado ao objetivo da investigação. Este viés espontâneo destaca a importância do que aparece de forma imprevista (Figueiredo, 2007).

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21

No primeiro momento, os motoristas foram abordados e convidados a participar da entrevista, por contacto telefônico, fornecido por um representante do Sindicato SNMMP, sendo marcada posteriormente, com cada um, um dia e horário da sua conveniência. As entrevistas foram gravadas em áudio com a anuência de cada participante, via Consentimento Informado (Anexo 2).

Após esta primeira etapa de entrevistas, houve a aplicação do inquérito INSAT, que ocorreu em três momentos distintos, sendo o primeiro no contexto de um plenário de motoristas de matérias perigosas organizado pelo SNMMP. Neste momento, 18 motoristas de matérias perigosas participaram no INSAT, sendo que destes, 4 motoristas solicitaram que a investigadora lesse as perguntas para eles, pois tiveram dificuldades de compreensão dos conteúdos, tendo sido feito de forma individual com cada um. Os demais se agruparam em pequenos grupos, um grupo de cada vez, para que fosse assegurado o acompanhamento por parte da investigadora, respondendo individualmente, mas sendo orientados quanto ao inquérito e como responder, coletivamente. Essa experiência proporcionou a interação dos motoristas, que por vezes lembravam alguma situação singular, comentando e partilhando a sua experiência concreta.

No tocante aos encontros com os participantes, a investigadora foi convidada a participar do 1º Congresso dos motoristas de mercadorias e matérias perigosas, onde a aplicação do inquérito INSAT teve continuidade. Deste encontro, 20 motoristas responderam o inquérito, sendo o procedimento de aplicação o mesmo que na etapa anterior, em contexto de grupo, apenas divergindo na forma como os motoristas tiravam as dúvidas, sempre em particular com a investigadora, não compartilhando com o grupo. O terceiro momento da aplicação do INSAT foi feito por contacto telefónico e marcação individual com 2 motoristas, que não haviam respondido de forma integral ao INSAT num dos dois momentos anteriores. A análise estatística dos dados do INSAT foi feita mediante a utilização do SPSS statistics

25.

Após o tratamento de dados do INSAT, um segundo momento de entrevistas foi também considerado, tendo sido explorados outros constrangimentos e condições de trabalho tidas como críticas no exercício da atividade. Nesta fase, foram feitos 7 contatos telefônicos, porém apenas 4 motoristas compareceram nas entrevistas. As entrevistas foram baseadas no guião, mas também nesta etapa os motoristas foram orientados a preencher um quadro de horários para que pudessem exemplificar sua carga horária do último mês trabalhado. Esse tema foi abordado pela relevância observada após as primeiras entrevistas e análise dos

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resultados do INSAT. Sobre os dados em relação à carga horária, os trabalhadores entenderam o que era solicitado e preferiram enviar um documento próprio que continha os dados pedidos de forma discriminada.

No final, as entrevistas foram transcritas e foram identificados os registros das verbalizações pertinentes à análise dos dados estatísticos. A importância da transcrição está na interpretação dos dados coletados, sendo uma continuidade do procedimento de recolha dos dados (Manzini, 2010, pp.1-2):

No processo de coleta de dados, o pesquisador necessita focalizar sua atenção no

processo da interação, realizada por meio de perguntas, por meio de interação verbal e

interação social (...). No momento da transcrição, essa meta, em manter a interação já

não está mais presente. O pesquisador se distancia do papel de

pesquisador-entrevistador e se coloca no papel de interpretador de dados. (...) o enfoque será

naquilo que foi ou não falado, pois é isso que é feito numa transcrição (Manzini, 2010.

pp.1-2).

Após as análises estatísticas dos dados serem feitas e terminadas as transcrições, houve um último momento focado na articulação dos dados resultantes das análises qualitativa e quantitativa, tal como a seguir se apresenta.

Referências

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