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A criminalização dos atos discriminatórios contra a diversidade sexual e transgeneridades à luz do princípio da dignidade humana

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA PAULO LUIS SCHULTZ

A CRIMINALIZAÇÃO DOS ATOS DISCRIMINATÓRIOS CONTRA A DIVERSIDADE SEXUAL E TRANSGENERIDADES À LUZ DO PRINCÍPIO DA

DIGNIDADE HUMANA.

Florianópolis 2016

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PAULO LUIS SCHULTZ

A CRIMINALIZAÇÃO DOS ATOS DISCRIMINATÓRIOS CONTRA A DIVERSIDADE SEXUAL E TRANSGENERIDADES À LUZ DO PRINCÍPIO DA

DIGNIDADE HUMANA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Maria Lúcia Pacheco Ferreira Marques, Drª.

Florianópolis 2016

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Em homenagem a todas as pessoas que sofrem o estigma obscuro do ódio, do preconceito e da intolerância presente na nossa sociedade.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, aos meus pais, os maiores exemplos de amor incondicional que já passaram pela minha vida e que, sem o apoio dado, jamais teria chegado aos momentos finais do curso de Direito.

Agradeço também à minha orientadora, prof.ª Maria Lucia Pacheco, pela valiosa colaboração na elaboração desta monografia.

À prof.ª Andréia Cosme, pelas orientações a respeito da metodologia na elaboração do trabalho e pela paciência.

Por fim, um agradecimento muito especial à minha colega Eteuane Stamm, pelos momentos de descontração e pela ajuda mútua a qual prestamos um ao outro, que fizeram o período de elaboração deste trabalho muito mais prazeroso.

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“Em si, a homossexualidade é tão limitada quanto a heterossexualidade – o ideal é ser capaz de amar um homem ou uma mulher sem sentir medo, repressão ou obrigação. O ideal do amor e da verdadeira generosidade é dar tudo de si, mas sempre sentir como se isso não houvesse lhe custado nada. ” (Simone de Beauvoir).

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RESUMO

Os ataques à dignidade humana da população LGBT no Brasil carecem de uma efetiva proteção penal por parte do Poder Público, que não parece interessado em contrariar os interesses das comunidades heteronormativas instaladas em seu seio. Diante disso, o presente estudo visa identificar a necessidade da criminalização dos atos que discriminem as relações sexuais e afetivas entre pessoas que não se enquadram no eixo heterossexual, aos seres humanos que não se identificam com seu sexo originário, seus reflexos na ideologia da proteção à dignidade da pessoa humana em suas características mais fundamentais e analisar criticamente a melhor estratégia legal para promover a sua proteção. Utilizou-se de abordagem dedutiva, procedimento monográfico, além de técnicas bibliográficas e documentais de pesquisa. Também foram trabalhados conceitos intrínsecos à sexualidade humana, como a definição de orientação sexual e identidade de gênero e seus respectivos tipos de manifestações, como a homossexualidade e a transexualidade. A necessidade de proteger a dignidade humana da comunidade LGBT na esfera penal é urgente e não pode mais permanecer invisível aos entes estatais, principalmente no que tange ao dever constitucionalmente imposto ao Poder Legislativo de representar a sociedade e debater sobre os seus interesses.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Esqueleto de suposto homossexual encontrado em sítio arqueológico Tcheco em 2001 ... 16 Figura 2 – Representação artística de ato homossexual em cerâmica grega, atribuída a Brygos, datada de 470 a.C, aproximadamente ... 18 Figura 3 – Cálice de Warren, representando relação homossexual, datada de aproximadamente 15 a.C, exposta no Museu Britânico, em Londres. ... 20 Figura 4 – Gravura da Idade Média ilustrando a fuga de Ló antes da destruição de Sodoma, datada de 1493 ... 23 Figura 5 – Gravura retratando dois homens sendo queimados na fogueira pelo crime de sodomia, datada de 1843 ... 24 Figura 6 – Bordel masculino inglês ao estilo molly house, retratado pelo francês Léon Choubrac na obra La prostitution contemporaine, de Léo Taxil, datado de 1884 ... 26 Figura 7 – Fotografia de grupo sendo repreendido por policiais na revolta de Stonewall, publicada no jornal The New York Daily News em 1969 ... 29 Figura 8 – Esquema ilustrativo sobre a diferença entre sexo biológico, identidade de gênero, orientação sexual ... 32

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Percentual de vítimas de acordo com a orientação sexual com base nos dados do relatório do GGB de 2012 ... 58 Gráfico 2 – Faixa etária das vítimas assassinadas ... 60

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Quadro comparativo entre os dados de 2011 e 2012 sobre o relatório sobre violência homofóbica e transfóbica no Brasil... 56 Tabela 2 – Quantidade de vítimas por estado e orientação sexual, de acordo com o relatório do GGB de 2012. ... 58

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

2 AS MANIFESTAÇÕES HETERODISCORDANTES NOS REGISTROS HISTÓRICOS ... 14 2.1 PRÉ-HISTÓRIA ... 15 2.2 IDADE ANTIGA ... 17 2.2.1 Grécia ... 17 2.2.2 Roma ... 19 2.3 IDADE MÉDIA ... 21

2.4 IDADE MODERNA E CONTEMPORÂNEA ... 24

3 CONCEITOS SOBRE AS MANIFESTAÇÕES HETERODISCORDANTES E TRANSEXUALIDADES. ... 32

3.1 ORIENTAÇÃO SEXUAL ... 34

3.1.1 Heterossexualidade ... 35

3.1.2 Homossexualidade ... 36

3.1.2.1 As teorias médicas sobre a homossexualidade. ... 37

3.1.2.2 A homossexualidade sob a ótica da psicologia freudiana ... 38

3.1.3 Bissexualidade ... 39

3.2 IDENTIDADE DE GÊNERO ... 40

3.2.1 Transexualidade ... 42

3.2.2 Travestilidade ... 44

3.2.3 Androginia ... 45

4 A CRIMINALIZAÇÃO DAS CONDUTAS DISCRIMINATÓRIAS: POSSIBILIDADES E REFLEXOS ... 48

4.1 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA COMO BASE PROTECIONAL ... 48

4.2 ESTATÍSTICAS SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A POPULAÇÃO LGBT ... 53

4.3 O FAMOSO PL 122/06 E A VIABILIDADE DE CRIMINALIZAR O PRECONCEITO HOMOTRANSFÓBICO NO BRASIL: UMA ANÁLISE CRÍTICA ... 61

5 CONCLUSÃO ... 64

REFERÊNCIAS ... 66

ANEXOS ... 74

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1 INTRODUÇÃO

A população heterodiscordante e transgênera no Brasil é alvo dos mais diferentes tipos de ataques discriminatórios. Qualificadas etimologicamente como homofobia e transfobia, a aversão ao comportamento homoafetivo e à identidade de gênero, respectivamente, é sem dúvidas, um problema social que afeta, mesmo que indiretamente, a maioria dos integrantes destes grupos sociais minoritários. A cada ano que passa as agressões físicas, morais e psicológicas crescem em escala quase exponencial, colocando estes grupos em um campo de insegurança social.

Como se a rejeição social não fosse suficiente, o conservadorismo político no cenário político brasileiro, formado principalmente pelas bancadas religiosas em evidência no âmbito legislativo, atrasa de modo inquestionável o avanço de conquistas protetivas à minoria homossexual, onde projetos de lei, como o da criminalização do comportamento homotransfóbico proposto pelo PL/122 de 2006, acabam arquivados por falta de apoio parlamentar.

O alicerce principal de uma sociedade civilizada é o respeito à dignidade da pessoa humana. Portanto, o pensamento de que as relações homoafetivas e a identificação com gênero diverso do biologicamente estabelecido são “anormais”, “vergonhosas” ou “indignas” e precisa ser extirpado do seio social em caráter de urgência. Esta discriminação deve ser atacada e punida com uma penalização justa e socializadora, pois não se pode mais silenciar a voz de poucos com o intuito de garantir o falso moralismo da “família tradicional”, construído em bases de cunho machista e preconceituoso em detrimento dos direitos e garantias fundamentais e, principalmente, da dignidade da pessoa humana destas minorias.

Em vista disso, além da própria vivência pessoal do pesquisador como homossexual e as diversas formas de intolerância sentidas que motivaram a elaboração deste trabalho, é imperiosa a necessidade do debate a respeito da criminalização dos atos contra a população heterodiscordante, tendo em vista que o enraizamento do preconceito que está cada vez mais evidente no âmbito familiar e social. Também necessária se faz a pesquisa sobre o comportamento social de repulsa à homoafetividade e à identidade transgênera no decorrer da história humana, com o objetivo de delinear e materializar o conhecimento.

O método que embasou a realização do estudo foi o método de abordagem dedutiva, procedimento monográfico e utilizando técnica bibliográfica e documental

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partir da interpretação das leis gerais, teoria e princípios, que permitiram realizar o raciocínio lógico da verificação e possibilidade sobre a positivação das condutas consideradas discriminatórias contra a população homoafetiva e transgênera na lei penal brasileira. Utilizou-se ainda as técnicas de consultas bibliográficas, análises de artigos científicos, doutrinários, jurisprudenciais, legislações, relativos a matéria abordada.

No primeiro capítulo de desenvolvimento será contextualizada uma breve sistemática histórica sobre a presença do comportamento heterodiscordante no âmbito social humano, bem como os principais eventos que colaboraram para inserir a figura deste comportamento dentro dos registros históricos da sexualidade humana, indo desde os primeiros registros pré-históricos sobre o assunto até período contemporâneo.

Em seguida, serão abordados os principais conceitos sobre a sexualidade humana com ênfase no contexto diverso da heterossexualidade e transgênero, pilares basilares para o desenvolvimento do presente trabalho, onde serão esmiuçadas as características inerentes, os desdobramentos comportamentais, bem como a gama de componentes que podem influenciar na formação da sexualidade no ser humano.

Por fim, o trabalho se encerra na tratativa sobre a dignidade humana em seu conceito mais amplo, permeando os preceitos constitucionais elencados na Carta Magna Brasileira de 1988. Serão abordadas também as estatísticas sobre a violência contra a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) no ano de 2012, bem como uma análise crítica sobre a penalização da discriminação contra a diversidade sexual e de identidade de gênero como meio de garantia da dignidade humana dos personagens heterodiscordantes e transgêneros, especificamente.

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2 AS MANIFESTAÇÕES HETERODISCORDANTES NOS REGISTROS HISTÓRICOS

Abordar a história do comportamento heterodiscordante nos diferentes lapsos temporais da história do homem é crucial para compreender o quão natural eram encaradas estas manifestações de sexualidade da raça humana e como este comportamento pode, e deve, ser respeitado dentro dos contextos socioculturais mundiais da atualidade.

Tratando-se da homossexualidade humana, por exemplo, não há que se falar em “inovação” no sentido literal do termo. As manifestações afetivas e sexuais dirigidas a pessoas do mesmo sexo são comprovadamente tão anteriores quanto à própria humanidade. Tampouco existe exclusividade com relação aos humanos em termos de práticas homossexuais, onde percebem-se relações entre machos ou fêmeas dentro da mesma espécie no mundo animal. Spencer (1999 apud MOREIRA FILHO; MADRID, 2009, p. 17) explica a razão deste comportamento:

O comportamento que se verifica, com relação à homossexualidade entre os animais se dá em razão, de que a fêmea necessita do macho tão somente para procriação, contudo, dentre inúmeros indivíduos de um grupo qualquer de animais, apenas os mais velhos e mais fortes é que podem copular com uma fêmea no cio, porém os demais machos do grupo que não podem copular com as fêmeas, apenas por motivo de serem mais fracos ou submissos ao líder, não significando que os mesmos não possam procriar, já que o processo de produção de sêmem [sic] é continuo e ilimitado; de tal forma que estes machos tendem a eliminar o excesso de sêmem [sic], podendo ser em atividades homossexuais, heterossexuais, exibicionista e masturbatórias.

O relacionamento entre primatas do mesmo sexo é uma solução para os conflitos entre jovens e maduros da espécie, pois já que o macho dominante do grupo apropriou-se das fêmeas, os machos mais jovens buscam proteção dos sêniores adotando uma postura feminizada, tornando-se alvos sexuais, tanto reais quanto simbólicos (MOREIRA FILHO; MADRID, 1999).

Com isso, evidencia-se a naturalidade da questão homossexual no ambiente animal, que pode ser perfeitamente estendida ao contexto humano por razões óbvias de comparação.

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2.1 PRÉ-HISTÓRIA

A homossexualidade é um fato social histórico que remonta desde a própria origem do ser humano. Infelizmente, poucos registros efetivos existem acerca da prática homossexual no período da pré-história. O que se possui são estudos e teorias a respeito de como teriam ocorrido as relações homoafetivas nesta época da história. Pinturas rupestres, como as encontradas nas cavernas de San onde residiam tribos da África Austral e datadas de 15 mil anos atrás, evidenciam a prática sexual do sexo anal grupal nos coletivos masculinos (MOTT, 2005).

Proposições também mostram a prática de atos ritualísticos envolvendo a homossexualidade, onde os jovens das tribos tinham relações sexuais passivas com os tios maternos para que o esperma proporcionasse força e vitalidade, permitindo a passagem da vida jovem para a adulta (MOREIRA FILHO; MADRID, 2009).

Recentemente, em meados de 2011, arqueólogos tchecos encontraram restos mortais do que acreditam ser um homossexual pré-histórico. De acordo com a reportagem da BBC Brasil, que divulgou o fato (BRITISH BROADCASTING CORPORATION, 2011):

Os restos são de um membro da cultura da cerâmica cordada, que viveu no norte da Europa na Idade da Pedra, entre 2.500 A.C e 2.900 A.C. Neste tipo de cultura, os homens normalmente são enterrados sobre o seu lado direito, com a cabeça virada para o oeste, juntamente com ferramentas, armas, comida e bebidas. As mulheres, normalmente sobre o seu lado esquerdo, viradas para o leste e rodeada de jóias e objetos de uso doméstico. O esqueleto foi enterrado sobre o seu lado esquerdo, com a cabeça apontando para o oeste e cercado de objetos de uso doméstico, como vasos. "A partir de conhecimentos históricos e etnológicos, sabemos que os povos neste período levavam muito a sério os rituais funerários, portanto é improvável que esta posição fosse um erro", disse a coordenadora da pesquisa, Kamila Remisova Vesinova.

Figura 1: Esqueleto de suposto homossexual encontrado em sítio arqueológico Tcheco em 2011.

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Fonte: British Broadcasting Corporation, 2011.

Teoricamente, podemos perceber que a evolução da espécie humana nesta fase histórica ocorreu sob a pressão da sobrevivência. Neste sentido, o homem não possuía discernimento suficiente para estabelecer a relação entre sexo e procriação, conforme explica Luiz Carlos Cappellano (2004, p. 2-3):

Alimentando-se de vegetais, frutas e tubérculos, vivendo em bandos e migrando através das pastagens e savanas primitivas atrás de alimento, o ser humano primitivo dava plena vazão aos seus instintos e, neste sentido, não devia ter grandes escolhas em relação ao objeto do seu desejo. Tanto indivíduos machos quanto fêmeas eram então completamente bissexuais, pois não havia diferenças anatômicas tão marcantes em relação aos sexos e também a busca constante de alimentos e a fuga de animais carnívoros limitavam bastante as oportunidades de acasalamento. Estes indivíduos evidentemente ainda não haviam estabelecido um vínculo causal entre a cópula e a reprodução, ou seja, a razão pela qual as fêmeas engravidavam e davam a luz era tão vaga para eles quanto a razão do sol nascer aparecer e desaparecer no horizonte todos os dias. Durante a terceira glaciação este panorama edênico se altera drasticamente. [...] O homem tem de procurar abrigo nas cavernas e, após descobrir o fogo, passa a se alimentar também de carne, tornando-se caçador. [...] O principal enigma ligado à mulher continuou a ser a reprodução. Nas primeiras vilas o universo masculino e o feminino se separaram súbita e drasticamente: o homem dedicou-se à caça e ao cuidado com os rebanhos (o que implicava em que ele estivesse constantemente fora de casa) e a mulher, responsável pela vida e a fertilidade, dedicou-se à agricultura. A separação prolongada entre os sexos foi que levou o homem a deduzir da sua participação na concepção, já que percebeu que as mulheres que não tinham relações sexuais com homens não engravidavam. Podemos deduzir também que os longos períodos de isolamento entre homens e mulheres tenham engendrado também, neste momento, uma maior frequência nas relações homossexuais.

Deste modo, a soma destes fatores de sobrevivência no período pré-histórico, como a falta de conhecimento a respeito da concepção e as intempéries climáticas da época, moldaram de forma incisiva e evolutiva o caráter sexual do

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homem, não incidindo conceitos como moral ou bons costumes para determinar tais atos como corretos ou não.

2.2 IDADE ANTIGA

Ao contrário da era pré-histórica, a Idade Antiga possui diversos registros a respeito da homossexualidade, tendo como ponto principal a cultura grega e romana, basilares para o desenvolvimento da cultura moderna e contemporânea.

2.2.1 Grécia

Na Grécia, a cultura homossexual era exaltada, fazendo parte do cotidiano de reis, heróis e até mesmo deuses, através dos contos mitológicos. A heterossexualidade, ao contrário, era depreciada e tratava apenas dos fins procriatórios a que se destinava. Considerada uma necessidade natural do homem, a homossexualidade era pertencente aos redutos culturais, como legítima manifestação da libido, um privilégio dos bem nascidos. Qualquer cidadão masculino poderia exercer sua sexualidade livre, não sendo considerado imoral ou depreciativo. Era abertamente aceito ser ora homossexual, ora heterossexual, dois termos inexistentes para a época, por sinal. Nas representações teatrais, inclusive, os papéis femininos eram interpretados por homens travestidos, evidenciando também a presença da cultura transgênera (DIAS, 2009).

Para os gregos, a verdadeira virtude era o culto ao belo, a intelectualidade, a estética corporal e a ética comportamental, independente da orientação sexual do indivíduo. A manifestação mais clara com relação a este culto ao estético perfeito eram as Olimpíadas, onde os homens competiam totalmente nus, exibindo seus corpos moldados para as competições. Por não serem consideradas aptas para a apreciação do belo, a participação das mulheres era vetada (BRANDÃO, 2002).

Figura 2: Representação artística de ato homossexual em cerâmica grega, atribuída a Brygos, datada de 470 a.C, aproximadamente.

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Fonte: Ashmolean Museum of Art and Archaeology, 2016.

Em Esparta, que priorizava o desenvolvimento militar propriamente dito, o amor entre os homens possuía um status ainda mais diferenciado. A tradição espartana estimulava a homossexualidade dentro do Exército, mas com um fim muito específico, como nos ensina Maria Berenice Dias (2009), pois quando o soldado ia para a guerra, não estaria lutando apenas pela sua cidade-Estado; lutava também para proteger a vida do seu amado, aumentando o grau de dedicação e empenho do combatente.

A homossexualidade na Grécia Antiga também possuía características de atos ritualísticos para iniciação dos jovens à vida adulta. Em um modelo claramente pedófilo, os efebos, como eram chamados os adolescentes, eram escolhidos por preceptores, homens mais velhos e de grande sabedoria, que se dispunham a transmitir seus conhecimentos ao mais jovem escolhido. Os preceptados tinham como obrigação servir ao mais sábio efetuando um papel feminino na relação, obtendo habilidades políticas e preparatórias para a guerra, culturas predominantes na Grécia Antiga. Estas relações tinham caráter iniciatório e estavam restritas ao homem mais velho junto ao jovem escolhido, com o objetivo de prepará-lo para a vida pública, pois antes de ser reconhecido como um adulto, o impúbere devia conhecer o próprio gênero o mais amplamente possível (FERNANDES, 2004).

No ambiente cultural grego, a prática do sexo anal propriamente dito era incomum. O que ocorria, de fato, era a masturbação mútua ou a penetração intrafemural (entre as pernas). Luiz Carlos Pinto Corino (2006, p. 23) nos esclarece:

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Em matéria de sexo, esse relacionamento tinha também seus critérios, pois o jovem tinha que manter sua condição de passivo, e o mais velho buscava a satisfação por meio da masturbação ou na posição intrafemural. Há controvérsias sobre a prática de sodomia entre os parceiros, e é provável que não existisse, pois nesse ato um dos parceiros teria que ficar em posição de submissão, próprio de mulheres, além de não se ter notícia de iconografia mostrando tais práticas.

Diante disso, extrai-se que a cultura grega encarava a prática homossexual com certa nobreza. Mesmo com a criação do pensamento moral filosófico que surgiu nesta época, não se colocava a homoafetividade em um patamar inferior. Pelo contrário: existia um papel socializador e preparatório para o amadurecimento dos mais jovens, contundente com o pensamento da época.

2.2.2 Roma

A cultura romana, diferentemente da grega, não visualizava a homossexualidade de forma tão liberta. Apesar de estar caracterizada no mesmo patamar das demais relações sociais, o pólo passivo representado pelo jovem da relação era visto com certa discriminação.

Entre os romanos, pertencer ao pólo ativo da relação era a posição respeitada. Portanto, não havia uma reprovação à homossexualidade na Roma antiga, mas sim ao modo efeminado e ao ato sexual passivo. Figurar nesta posição era sinônimo da falta de virilidade, virtude muito valorizada em uma sociedade que não fazia distinção dos comportamentos modernamente ditos homossexuais ou heterossexuais, mas que não enxergava com bons olhos os modos efeminados, como gestos corporais ou modos de se vestir (POSSAMAI, 2010).

Figura 3: Cálice de Warren, representando relação homossexual, datada de aproximadamente 15 a.C, exposta no Museu Britânico, em Londres.

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Fonte: Wikipédia, 2016.

Adotar uma postura passiva nestas relações era se equipar a um escravo, que devia submissão e total servidão ao seu amo. Neste sentido, contribui Helton Gomes Chaves (2007, p. 3):

A moral sexual considerava que devia haver dois parceiros, um passivo que deveria fornecer prazer e sofrer a lei da virilidade e o outro, o senhor, o ativo que impunha seu domínio enquanto era servido. Podemos dizer em uma categoria sexual, dividido entre ativo e passivo, tendo a imagem de virilidade associada à força física, à superioridade bélica, ao caráter e à sexualidade do cidadão romano. Ser ativo era ser o macho, que deveria penetrar para ser considerado homem de verdade, seja qualquer que fosse o sexo do parceiro passivo. Sodomizar seu escravo era coisa inocente, secundária e não vista como um problema ou um desvio social e moral. A submissão sim considerada antinatural para o cidadão, ser penetrado por seu escravo ou por qualquer outro homem seria considerado um ato atentatório, pois se considerava a passividade uma consequência da falta de virilidade. Sendo esta uma virtude que deveria ser intrínseca ao homem cidadão de Roma e a falta da mesma era repudiada e o homem não viril desprezado.

Ainda de acordo com Chaves (2007), verifica-se que a questão da moral sexual variava como um pêndulo: ser ativo era o status supremo, simbolizado pela virilidade, pela postura ativa na relação sexual propriamente dita; por outro lado, ser passivo era a consagração da vergonha, da submissão, a corporificação da servidão ao senhor que lhe possuía. Os romanos não se posicionavam contra aos atos homossexuais, mas existiam regras sociais rígidas neste quesito. Aceitava-se como natural que um homem tivesse relações com mulheres ou com homens na elite romana, por exemplo, o patrão com seus escravos ou escravas, desde que impusesse

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sua virilidade e caráter dominatório. De acordo com os gostos pessoais, cada um optava pelo homem, pela mulher ou pelos dois.

Porém, é importante frisar que, independente das variantes no que concerne à moral romana, as relações homossexuais não eram abominadas, por si só. Sentir-se atraído por outro homem era visto com certa naturalidade, diferente dos dias atuais, onde a relação homoafetiva é atacada em ambos os pólos.

2.3 IDADE MÉDIA

A Idade Média consagrou a perseguição e a criminalização das relações homoafetivas em todos os seus aspectos socioculturais.

Com a queda do Império Romano e a ascensão do Cristianismo, a Igreja Católica surgiu e ampliou de forma exponencial sua influência no mundo ocidental em questão de poucos séculos, como nos esclarece Hilário Franco Júnior (2001, p. 90-96):

Nascida nos quadros do Império Romano, a Igreja ia aos poucos preenchendo os vazios deixados por ele até, em fins do século IV, identificar-se com o Estado, quando o cristianismo foi reconhecido como religião oficial. A Igreja passava a ser a herdeira natural do Império Romano. [...] No começo do século V ela tinha sido a segunda maior proprietária imobiliária do Ocidente, depois do Estado Romano, e tornou-se a maior desde fins daquele século, com o desaparecimento do Império. De fato, a chegada dos bárbaros [em Roma] não a prejudicou, pelo contrário, muitos indivíduos, diante da insegurança geral de então, entregaram suas terras ao patrocínio da Igreja.

Não só no terreno material, a Igreja Católica expandiu também sua influência social e ideológica por todo o mundo ocidental da época. Sendo considerada a própria “voz de Deus”, consagrava-se o domínio dos povos através da crença de um ser superior que castiga e condena quem for de encontro à sua vontade. Nas palavras de Maria Berenice Dias (2009, p. 38):

A expressão vox populi, vox Dei tem uma razão de ser. Como por meio da evangelização se ditava a “voz de Deus”, a palavra da Igreja acabava sendo a voz do povo. Essa fórmula acabava garantindo da Igreja, assegurando a aceitação de seus dogmas e mandamentos. Deste modo, qualquer atitude em descompasso com a maioria estava em desarmonia com a vontade divina e, por consequência, as minorias deveriam ser castigadas por implícito atentado a Deus.

Desde o modo de agir em sociedade até os atos da vida íntima, a Igreja Católica ditava qual o caminho deveria ser seguido. No tocante ao sexo, não era

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diferente. Todo ato carnal que fugisse do objetivo procriatório era terminantemente condenado, pois fugia à ordem natural de Deus: crescei e multiplicai-vos. (DIETER, 2012).

Paulo Roberto Vecchiatti (2008 apud DIETER, 2012, p. 3) descreve este cenário:

[...] Qualquer ato sexual praticado fora do casamento e, ainda que nele, sem o intuito da procriação, passou a ser condenado [...], fosse esse ato homo ou heteroafetivo – condenava-se a libertinagem, mas não determinado tipo de amor, sendo que se considerava como libertina qualquer atividade sexual que não visasse unicamente à procriação. Assim, no que tange à classificação judaico-cristã, o ato sexual realizado fora do casamento, fosse ou não libertino, passou a ser visto como uma “impureza”, que por isso deveria ser combatida.

Outro argumento utilizado na repreensão da prática sexual homoerótica ou qualquer outra sem fins procriatórios era de que o homem não poderia gerar filhos, o que causaria a extinção da humanidade. É preciso ter em mente que a estimativa de vida na girava em torno de 30 anos, devido às pestes, doenças e conflitos beligerantes, tão comuns para a época. Além disso, acreditava-se que o sêmen humano fosse limitado, assim como os óvulos provenientes das mulheres, não podendo, portanto, ser desperdiçado (FERNANDES, 2004).

Analisando o contexto em que foi escrita, aproximadamente em meados de 1100 a.C. até 100 d.C., é possível afirmar que a Bíblia Sagrada Católica seja um dos primeiros documentos escritos que versam sobre a condenação da prática homossexual de forma direta. Antes de ser um livro de histórias sobre o surgimento do mundo e da humanidade, a Bíblia Sagrada Católica é, literalmente, um código escrito sobre as práticas admissíveis ou repulsivas à época. Em diversas passagens, como o livro de Levítico em seu capítulo 18, versículo 22, diz: “Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; é uma abominação” (BÍBLIA, 1982, p. 143).

Também em Levítico temos o capítulo 20, versículo 13: “Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos cometem uma perversidade, e serão punidos com a morte.” (BÍBLIA, 1982, p. 145).

As punições também se fazem presentes nas escrituras bíblicas. A passagem mais famosa a respeito da punição sobre a prática homoafetiva está contida no livro de Gênesis, em seu capítulo 19, que retrata da destruição das cidades de Sodoma e Gomorra, que seriam redutos de perversidades, como a sadismo, a falta de hospitalidade com os imigrantes e a prática da homossexualidade. Através desta

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passagem é que se extrai a criação do termo “sodomia”, que caracterizou e contextualizou a prática da relação homossexual na Idade Média. (LONGARAY; RIBEIRO, 2009).

Na história, as cidades de Sodoma e Gomorra foram destruídas por Deus em uma chuva de enxofre e fogo, onde somente Ló e sua família teriam sido salvos da catástrofe em virtude destes seguirem as leis divinas de acordo com os mandamentos e preceitos dominantes à época (BÍBLIA, 1982).

Figura 4: Gravura da Idade Média ilustrando a fuga de Ló antes da destruição de Sodoma, datada de 1493.

Fonte: Wikipédia, 2016.

Apesar da forma depreciativa como a Igreja considera os homossexuais, nunca houve uma perseguição direta contra este grupo: ela apenas condenava os comportamentos e influenciava os governos a efetuar a devida punição. O próprio Santo Ofício da Inquisição não chegou a iniciar nenhuma Cruzada ou qualquer tipo de perseguição direta. Porém, com o Concílio de Latrão de 1179, houve um determinismo ríspido com relação à moral sexual homoafetiva, quando determinou que religiosos homossexuais fossem encarcerados em monastérios e a excomunhão para os não integrantes do clero, leia-se, os fiéis em geral. Muitas vezes, o crime de sodomia era tratado da mesma forma que os de heresia e bruxaria. (MALUCELLI; FO; TOMAT, 2007).

Figura 5: Gravura retratando dois homens sendo queimados na fogueira pelo crime de sodomia, datada de 1843.

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Fonte: Wikipédia, 2016.

Como reflexo dessa influência religiosa sobre o Estado, diversos países da Europa incluíram legislações severas contra a prática homossexual: na França, um código previa a fogueira para quem reincidisse no crime de sodomia, pena que atingia também as mulheres praticantes do sexo anal. O termo "finocchio", que em italiano significa funcho e é usado pejorativamente para designar homossexuais, deriva do costume de queimar plantas aromáticas nas fogueiras, para encobrir o fedor da carne. O confisco de bens em favor dos governantes era uma das penas acessórias, o que, em algumas épocas, encorajava os monarcas a fazer de tudo para combater a homossexualidade (MALUCELLI; FO; TOMAT, 2007).

A Idade Média, que se encerra no final do séc. XV, deixou marcas históricas profundas no que concerne à liberdade sexual dos indivíduos. Porém, com a entrada da Idade Moderna, juntamente com o advento do Renascimento Cultural e do pensamento Iluminista, provoca-se uma mudança sistêmica no modo de pensar e tem início uma revolução em todos os âmbitos da sociedade ocidental da época.

2.4 IDADE MODERNA E CONTEMPORÂNEA

A ruptura entre Igreja e Estado ocorrida com o advento do movimento Renascentista e do Iluminismo, forçou uma profunda transformação na forma como a

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homossexualidade era tratada no âmbito social. Foram retomados os modelos greco-romanos, onde, mais uma vez, o relacionamento idealizado entre um homem maduro com outro mais jovem, com o objetivo de realizar uma fusão entre erotismo e espiritualidade. Porém, o papel sexual passivo ainda recebia reprimendas sociais, figurando na mesma escala da prostituição e da escravidão. Grandes personalidades artísticas figuraram como expoentes deste novo movimento, compactuando com os ideais de amor homoafetivo, tais como Michelangelo, Leonardo Da Vinci, William Shakespeare e Giovanni Bazzi (MESQUITA, 2008).

A importância dada à recuperação do mundo clássico, com toda a sua sofisticação e civilização, contribuiu para incutir no mundo um sentimento diferente desde a Reforma Protestante, liderada por Martinho Lutero e que resultou no desmembramento da Igreja Católica, até o Iluminismo.

Houve um movimento intenso de recuperação de obras oriundas da Idade Antiga, sobretudo as gregas e romanas, onde foram realizadas as principais traduções na tentativa de reavivar o sentimento de condescendência ao amor entre os iguais, conforme Luciana Ribeiro Marques (2008, p. 25):

As grandes obras da literatura clássica foram recuperadas e traduzidas para as línguas nativas da Europa. Os poetas celebravam o amor entre homens e as sensibilidades dos antigos, incluindo o seu gosto pela forma masculina e por jovens adolescentes, que passaram a penetrar na consciência cultural da Europa. Enfim, entre a utilização do sexo como arma confessional por parte da Reforma e o interesse do humanismo pelo amor viril, as relações entre os homens eram, cada vez mais, objeto de atenção.

Porém, apesar de parecer diminuída a perseguição aos sodomitas, a Reforma Protestante, que proporcionou o rompimento interno da Igreja Católica, deu continuidade a este processo, em virtude da visão distorcida com a qual os principais líderes do movimento percebiam a relação entre conhecidos artistas pederastas e sodomitas com a Igreja Católica. Nos explica Cappellano (2004, p. 22):

Embora tenha havido a Reforma Religiosa, e o surgimento das Igrejas Protestantes, este fato em nada arrefeceu a caça aos “sodomitas”, pelo contrário, recrudesceu-o. As igrejas reformadas terão posturas ainda mais radicais do que o catolicismo em relação aos “pervertidos”, envolvidos no “vício nefando” e no “pecado contra a natureza”. Esta radicalização se deve, em parte, à relativa tolerância de alguns papas, durante o Renascimento Cultural e Maneirismo, que empregaram artistas como Leonardo da Vinci, Michelangelo Buonarotti, Caravaggio e até Sodoma (cujo codinome não deixa margem a dúvidas) aos seus serviços, identificando para sempre a corte dos papas, no imaginário dos reformadores como Lutero e Calvino, ao “vício grego”.

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A Inglaterra do século XVII, apesar de vivenciar uma época onde reinava o puritanismo, também viu florescer a prática homossexual. Homossexuais se encontravam em clubes, tavernas e bordéis, inclusive travestidos, locais estes conhecidos como molly houses (casas de veados), onde a maioria desses estabelecimentos eram administrados por mulheres. Era comum naquela época que burgueses tivessem jovens criados e solteiros que lhes serviam como amantes, sendo a condição de empregado um disfarce para que pudessem conviver no mesmo ambiente (MESQUITA, 2008).

Figura 6: Bordel masculino inglês ao estilo molly house, retratado pelo francês Léon Choubrac na obra La prostitution contemporaine, de Léo Taxil, datado de 1884.

Fonte: Wikipédia, 2016.

Com a Revolução Francesa, a homossexualidade foi gradativamente sendo excluída dos códigos penais como crime grave. Em quase toda a Europa, deixou de ser tema de âmbito religioso e passou a assunto das autoridades civis. Paris figurava como um grande reduto da subcultura homossexual. Presenciava-se menos execuções do que o século XVII, mas o controle policial continuava rigoroso. Os homossexuais utilizavam vestimentas com as quais podiam reconhecer seus possíveis parceiros, mas que servia também para se fazerem notar pela polícia. Tal

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indumentária, constituída de casacos, gravatas grandes, chapéu-coco e laços nos sapatos, era chamada de “uniforme pederástico”. A maior parte desses acusados era composta de operários e artesãos, sendo poucos os burgueses ou nobres que eram incomodados pela polícia (MESQUITA, 2008).

Somente com o surgimento do movimento Iluminista é que se inicia um processo de mudança na visão com relação ao relacionamento homossexual, quando o discurso religioso dá espaço à teoria científica e racional. Com isso, a homossexualidade deixa de ser considerada como uma prática pecaminosa e passa a ser vista como uma doença típica, a qual precisa de tratamento para ser extirpada do contexto humano. (CAPELLANO, 2004).

Neste contexto, tratamentos surgiram com a intenção de promover uma cura ao comportamento homossexual de forma a trazer de volta o indivíduo afetado ao modo de vida heteronormativo:

[...] o indivíduo homossexual poderia ser facilmente curado através da injeção ou ingestão de hormônios. Na lógica desse tratamento, essas pessoas estariam com uma insuficiência hormonal e, logo, a reposição dos hormônios sexuais poderia torná-los heterossexuais. Apesar da lógica científica presente neste tipo de tratamento, ele apresentou uma série de problemas, uma vez que não ocorria modificações na orientação sexual das pessoas tratadas, mas modificavam-se de acordo com os efeitos gerados pela nova quantidade de hormônios presente em seus corpos, como o aumento do apetite sexual e o surgimento de características sexuais secundárias (barba, músculo, entre outros). Revelando sua falta de eficácia, tal tratamento teve de ser abandonado. (PEDRINI; CORREIA JUNIOR, 2012, p. 5).

Importante frisar que, conforme os aspectos teóricos da época, se considerava que a homossexualidade era uma disfunção de ordem diretamente fisiológica, ou seja, relacionada a má formação cerebral ou anormalidades hormonais, as quais acreditavam-se ser curadas através dos tratamentos tradicionais.

Até então, termos como “homossexualismo” ou “homossexual” não faziam parte da literatura científica mundial. O palavra comumente utilizada era “sodomita”, derivada da passagem bíblica de Sodoma e Gomorra. Entretanto, este quadro se modifica ao final do séc. XIX com o advento dos avanços na área da ciência psiquiátrica, como esclarece Lomando e Wagner (2009, p. 5-6):

A primeira forma de categorizar e “sujeitar” homens e mulheres que têm seu afeto e sua sexualidade voltados para pessoas do mesmo sexo foi médico-psiquiátrica. Porém, existe uma diferença quanto à autoria do termo, sendo atribuída a partir dos artigos do Psiquiatra Westphal em 1870 e R. Von Krafft-Ebing, ambos de origem alemã, e em 1860 pelo austrohúngaro Karoly Maria Benkert.Iniciou-se o uso do termo homossexualismo para identificar pessoas

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que mantinham relação sexual com alguém do mesmo sexo, definindo estas características como de orientação patológica. [...] No século XIX, a entrada do discurso psiquiátrico dá uma nova noção conceitual às relações entre pessoas do mesmo sexo. A psiquiatria também toma estas relações como uma área de trabalho e o qualifica como de ordem patológica. Cria-se, em consequência, a noção de uma sexualidade que é “indevida” e que subordina a todos os grupos que exercem a sua sexualidade de formas diversas.

Cunhava-se, portanto, um novo termo para designar os adeptos do amor pelo mesmo sexo: propriamente científico, mas ainda ligado ao viés totalmente depreciativo sob o ponto de vista patológico. Era iniciado o estudo da homossexualidade no campo psiquiátrico, tratando a suposta doença como uma desordem no âmbito cerebral do ser humano (LONGARAY; RIBEIRO, 2009).

O séc. XX se inicia e traz mudanças com relação ao modo de percepção da homossexualidade e um dos expoentes deste movimento é o médico neurologista e psicanalista Sigismund Schlomo Freud, ou simplesmente, Sigmund Freud. A perspectiva na qual Freud coloca o homossexual é totalmente inovadora e traz um modo de observar a sexualidade humana diferente do que até então era conhecida, como nos ensina Paulo Roberto Ceccarelli (2008, p. 74-75):

A homossexualidade é uma posição libidinal, uma orientação sexual, tão legítima quanto a heterossexualidade. Freud sustenta esta posição [...] fundado sobre a bissexualidade original, como referência central a partir da qual a chamada “escolha de objeto” ou “solução”, que acho mais adequado, vai se constituir. Esta escolha, que não depende do sexo do objeto, é a base dos investimentos futuros. Uma vez que os investimentos libidinais homossexuais estão presentes, ainda que no inconsciente, em todos os seres humanos desde o início da vida, Freud opõe-se com o máximo de decisão, que se destaquem os homossexuais, colocando-os como um grupo à parte do resto da humanidade, como possuidores de características especiais.

A teoria freudiana traz um impacto marcante na significação da homossexualidade. Sendo um psicanalista famoso em todo o mundo, suas ideias foram amplamente divulgadas pelo mundo acadêmico e científico, trazendo uma nova perspectiva analítica com relação ao comportamento homoafetivo.

Porém, pouco se evoluiu efetivamente até a metade do séc. XX e homossexuais continuaram a sofrer com perseguições e tratamentos discriminatórios de toda a sorte. Entretanto, no ano de 1969, ocorre um evento que seria um marco histórico no início das lutas políticas e sociais por parte dos homossexuais em busca do reconhecimento da sua identidade e de seus direitos enquanto seres humanos: a Revolta de Stonewall.

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Ocorrida nos Estados Unidos em 28 de junho de 1969, o que deveria ser apenas mais uma das comuns batidas policiais em repressão à homossexualidade nova-iorquina, transformou-se em um motim de proporções históricas. Com o intuito de interditar o bar Stonewall, em virtude da venda irregular de bebidas alcoólicas (o que já se sabia ser um mero pretexto para a perseguição aos homossexuais nos Estados Unidos), um grupo de policiais de Nova York invadiu o local. Contudo, os ocupantes do local resistiram trancando os policiais dentro do bar e ateando fogo ao recinto (FRY; MACRAE, 1985).

O confronto envolveu milhares de pessoas e durou toda a madrugada do dia 28, prolongando-se até o início do outro mês. Um ano após a rebelião, 10 mil gays, oriundos de todos os estados norte-americanos marcharam pelas ruas de Nova York, exigindo o reconhecimento da igualdade com os demais gêneros sociais. Com isso, o dia 28 de junho foi instituído como o Dia Internacional do Orgulho Gay (SANTOS, 2008).

Figura 7: Fotografia de grupo sendo repreendido por policiais na revolta de Stonewall, publicada no jornal The New York Daily News em 1969.

Fonte: Wikipédia, 2016.

Após o incidente em Stonewall, o movimento pelos direitos dos homossexuais tomou corpo e força, obtendo resultados significativos. Dando sequência às importantes mudanças, em 1974, a homossexualidade deixa de ser

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considerada como uma doença, a ponto de não mais listar no catálogo de perversões do Terceiro Manual Diagnóstico e Estatístico dos Distúrbios Mentais editado em 1987 pela American Psychiatric Association (APA) e, por fim, em 1991, a Organização Mundial de Saúde (OMS) também passa a desconsiderar a homossexualidade como doença, removendo-a do seu Código Internacional de Doenças, o CID. (MARQUES, 2008).

Em contrapartida, os anos 80 foram marcados pelo advento da AIDS, uma doença até então desconhecida, mortal e que estigmatizou ainda mais os homossexuais no período. De acordo com Camargo e Capitão (2011, p. 1):

Os primeiros casos da nova síndrome foram reconhecidos devido à aglomeração de casos de Sarcoma de Kaposi e Pneumonia pelo Pneumocistis carinii em pacientes homossexuais masculinos, procedentes de grandes cidades norte-americanas (Nova Iorque, Los Angeles e São Francisco). Muitos dos pacientes inicialmente diagnosticados eram homossexuais, o que fez suspeitar que a doença estivesse de alguma forma ligada a este estilo de vida. Tratava-se então de uma doença aparentemente ligada a uma conduta sexual, o homossexualismo; e às classes sociais mais abastadas.

A epidemia da doença obrigou a sociedade a discutir sexualidade em todos em aspectos humanos. Independentemente da forma como foi orientada a temática, ela passou a estar presente nas agendas e a ser preocupação para familiares, escolares e estatais. Porém, o surgimento da AIDS abriu espaço para a visibilidade homossexual, ainda que, tenham-se inicialmente refreado as tentativas de mobilizar setores do movimento. A doença foi também uma das principais responsáveis pela força com que esse movimento reemergiu no âmbito mundial na década de 1990 (MOLINA, 2011).

No Brasil, a homossexualidade era considerada doença ou perversão. Homossexuais figuravam apenas em páginas policiais ou reportagens sobre o Carnaval. Para modificar esta visão, uma lenta e gradual movimentação entre os homossexuais no país foi surgindo, culminando na criação do Dia do Homossexual, em 1976, que seria consagrado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, mas que não ocorreu pela repressão policial sofrida. Neste período, encarávamos um período ditatorial, no qual milhares de homossexuais foram expostos e humilhados pelos militares por motivos indiretos, como atentado ao pudor, vadiagem ou consumo de drogas. (MARQUES, 2008).

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Este quadro começa a mudar nos anos 80, com o fim da ditadura e a redemocratização nacional. A militância homossexual reduziu-se a poucos ativistas, mas tinha uma representatividade firmada principalmente pelo Grupo Gay da Bahia. Nos anos 90, a inserção dos homossexuais em diversos campos sociais ficou evidente, principalmente no mercado consumerista, que os identificou como potenciais consumidores, Assim, em todo Brasil, surgiram vários jornais, revistas e produtos dirigidos ao público gay, que passa a ser visto como um consumidor que tem dinheiro (MARQUES, 2008).

Em 1995, em Curitiba, foi criada a ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros, sendo um marco na organização e fortalecimento do segmento, com o objetivo de fazer a sociedade ouvir a causa dos homossexuais. Para se obter uma noção do crescimento da aderência à causa homossexual, a primeira Parada do Orgulho GLBTT (Gay, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros) aconteceu na cidade de São Paulo em 1997, contando a participação de duas mil pessoas. No ano de 2007, esta manifestação social foi considerada a maior do país, alcançando o número de um milhão e meio de pessoas (MOLINA, 2011).

Este movimento objetiva a construção do sujeito, responsável pelas mudanças de visões, posturas, hábitos e transformação das pessoas a partir de um conhecimento de si e do mundo. De forma consciente, o movimento gay surgiu a partir de uma preocupação com o entendimento do mundo, com a tentativa de esclarecer e dominar os parâmetros de sua organização e de classificação da homossexualidade; e com a demanda de desconstruir as identidades homossexuais cristalizadas em busca de possibilidades de vivências mais positivas (MARQUES, 2008).

Concluída a breve análise histórica da presença da homossexualidade e transexualidade na humanidade, percebe-se que este comportamento remonta aos mais antigos tempos já possíveis de serem registrados pela história, se tratando de um comportamento intrínseco ao ser humano. Em seguida, serão abordados as principais conceitos que compreendem a diferença do comportamento heterodiscordante.

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3 CONCEITOS SOBRE AS MANIFESTAÇÕES HETERODISCORDANTES E TRANSEXUALIDADES.

A sexualidade humana se compõe de diversas nuances. A heterossexualidade, a homossexualidade e a transexualidade são somente alguns exemplos de um universo que se estende desde o próprio conceito de sexo biológico até as concepções de identidade de gênero e é necessário compreender como estas formas diferentes do contexto heteronormativo se manifestam para que a proposta do presente trabalho se faça materializar: a criminalização da discriminação homotransfóbica.

De acordo com Cristiane Gonçalves da Silva (2016), a sexualidade e, especialmente, as orientações sexuais heterodiscordantes e identidades de gênero que se opõem o seu sexo biológico nato enfrentam a estigmatização derivadas das moralidades religiosas. Na sociedade brasileira, este quadro se agrava, onde o princípio do estado laico é muito frágil e relativo a cada caso, não conseguindo impedir que a religião influencie as decisões em todas as esferas do governo.

Figura 8: Esquema ilustrativo sobre a diferença entre sexo biológico, identidade de gênero, orientação sexual.

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Vera Lúcia do Amaral (2007, p. 3) contribui para a compreensão a respeito da sexualidade humana, como segue:

O conceito de sexualidade [...] nos remete à compreensão de que o sexo não pode ser encarado como um ato de puro instinto, pois, como já vimos, o instinto é um comportamento inato que serve a uma necessidade. O sexo poderia ser encarado dessa forma, na medida em que serve à reprodução da espécie, como acontece entre animais. No entanto, [...] o homem distingue-se dos animais pela consciência de existir e por suas características de distingue-ser histórico. Portanto, nele os aspectos instintivos são mitigados e transformados. Na questão sexual, a escolha do parceiro é feita muito mais pelo prazer que o objeto da escolha nos proporciona do que pela pressão da necessidade instintiva de reprodução. No homem, o prazer refina o instinto de reprodução, passando a ser mais determinante e fundamental na sexualidade.

Em um primeiro momento, a noção de sexualidade é de que se trata de algo “inato” ao ser humano”. Imaginamos homens e mulheres regidos exclusivamente pelas leis da biologia. No entanto, as diferentes culturas nos mostram que este conceito não é engessado, nos mostrando que a sexualidade é construída de diversos modos e, dentro de uma mesma cultura, há profundas alterações ao longo do tempo e dependendo do lugar onde se vive. (BRASIL, 2010).

Gabriela Barreto Alves (2013, p.15) nos traz uma definição do sexo em seus diferentes âmbitos:

O sexo abrange vários elementos, indicando a existência de vários de seus tipos: genético; morfológico; endócrino; psicológico e jurídico. O sexo genético, ou genotípico, é aquele denunciado pelo par de cromossomos sexuais: em um ser humano não-portador de qualquer síndrome cromossômica, ele seria do tipo XX em mulheres, e XY em homens. Já o sexo morfológico, responsável pela mais fácil distinção entre mulheres e homens, diferencia-se em sexo fenotípico, responsável pelos caracteres sexuais secundários, e em sexo genitálico - pênis e vagina. O sexo endócrino é decorrente da atividade das glândulas sexuais, as gônadas. Nos homens, são chamadas testículos, e produzem o hormônio masculino testosterona, já nas mulheres são chamados de ovários, e são responsáveis pela produção dos hormônios estrogênio e progesterona. O sexo psicológico, talvez o mais complexo, denuncia condições subjetivas dos comportamentos de mulheres e homens, e é eminentemente influenciado pela cultura, educação e vivências pessoais do indivíduo. Nos sujeitos transexuais, ele não corresponde à tradicional identidade de gênero atribuída ao sexo morfológico. [...] Desatrelada das noções de sexo e gênero, a definição da sexualidade vai além do ato sexual e da reprodução. Ela se trata de uma forma de o indivíduo expressar seus afetos e de vivenciar suas relações pessoais e interpessoais a partir de seu papel sexual. A sexualidade englobaria a identidade de gênero, o afeto, as alterações físicas e psicológicas decorrentes do transcorrer da vida, a gravidez, o conhecimento do corpo, doenças sexualmente transmissíveis, transtornos sexuais, entre outros.

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Como se observa, a sexualidade humana é tema complexo e que abrange diversos segmentos na sua formação. Para este trabalho, que se propõe a visualizar as diversas faces que compõem o comportamento diferente do heteronormativo e a criminalização dos atos que discriminam as personagens que vivenciam tal realidade, é imperativo que se compreenda as diferentes formas de manifestação da própria sexualidade humana no seu conceito mais amplo e abrangente possível.

3.1 ORIENTAÇÃO SEXUAL

Como recém visto, a sexualidade do ser humano não se compreende somente pelo seu sexo anatômico, formado pelos órgãos sexuais. O âmbito psicológico também contribui para a sua concepção, constituindo um conjunto de variantes que irão determinar o alvo de atração sexual da pessoa. Ao contrário do senso comum predominante, não se trata de uma escolha, mas sim, uma construção que absorve fatores sociais, biológicos e culturais na qual estão envoltos os indivíduos.

De acordo com Fernando Luiz Cardoso (2008) esse conceito está relacionado ao sentido do desejo sexual: se para pessoas do sexo oposto, do mesmo sexo ou para ambos. Aqui se considera a natureza da fantasia sexual de cada indivíduo para identificar a sua orientação sexual. Assim, teoricamente, o desejo sexual é determinado por aspectos psíquicos, pessoais e sociais, compondo um funcionamento físico típico por determinados parceiros sexuais, de práticas sexuais, etc. A excitação física, paralelamente, é caracterizada por respostas literalmente físicas, como a intumescência do pênis para os homens e a lubrificação da vagina para as mulheres. Nessa perspectiva, o desejo sexual difere da excitação sexual, embora sejam interagentes, pois o primeiro é um estado subjetivo e a segunda é uma resposta fisiológica.

O que se entende é que a orientação sexual do indivíduo constitui a atração que o sujeito exterioriza a determinado tipo sexual, ou seja, por qual sexo biológico aparente a pessoa se sente atraída, tanto sexual quanto afetivamente. Como dito anteriormente, não há que se falar em escolhas: estamos diante de construções psicossociais e culturais inerentes ao desenvolvimento do ser humano (BRANDÃO, 2002).

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Ainda de acordo com Cardoso (2008), a orientação sexual do indivíduo está ligada diretamente à psique humana e não depende necessariamente do sexo biológico. As categorias heterossexual (atração por pessoas do sexo biológico oposto), homossexual (atração por pessoas do mesmo sexo biológico), e bissexual (atração por pessoas de ambos os sexos biológicos) são comumente usadas pelos investigadores para diferenciar a orientação sexual humana. Apesar de o conceito orientação sexual ter uma grande variedade de definições na literatura, geralmente inclui um ou ambos dos seguintes componentes: o psicológico e o comportamental.

3.1.1 Heterossexualidade

Até a derrubada de Roma e o advento do Cristianismo e demais religiões monoteístas modernas, não existia uma diferenciação moral do comportamento heterossexual ao heterodiscordante.

A Igreja Católica vem para semear a discórdia e colocar, através das suas concepções morais, a consolidação da heterossexualidade como comportamento padrão a ser adotado pela sociedade. Porém, ironicamente, ínfimos são os registros de pesquisas que procuram uma causa para a heterossexualidade. A maioria volta-se para o conceito heterodiscordante. Corroborado como o comportamento “correto” a ser adotado ao longo da história, o Cristianismo influencia o mundo ocidental com sua moral, partindo do pressuposto de que a prática heteronormativa é a única que deveria ser aceita, pois a prática homossexual era veementemente condenada com o argumento de que não se prestava à reprodução, ferindo a vontade de Deus de crescer e multiplicar (BERGAMIM; ALENCAR, 2013).

O comportamento heterossexual corresponde àquele no qual o indivíduo sente atração física e emocional direcionada exclusivamente para indivíduos do sexo oposto. Homens atraem-se por mulheres e vice-versa. Diferente do que a sociedade prega e propõe, o comportamento heteronormativo não é o padrão, o normal. Aliás, não há que se falar em normalidade com relação à orientação sexual do indivíduo. O ser humano é complexo por sua própria natureza e basear este conceito de normalidade na premissa de que a maioria dos seres humanos do planeta se comporta de uma determinada forma não cabe numa sociedade dita civilizada. As relações sociais vão muito além do que acontece entre duas pessoas, sendo homo ou

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heterossexuais, e por isso, devem ser respeitadas dentro dos seus próprios conceitos, independente do sentido em que a afetividade irá se direcionar (FALQUET, 2012).

3.1.2 Homossexualidade

Como observamos anteriormente, a história mostra que ocorreram diversas tentativas de impor um significado à homossexualidade, tanto de forma religiosa, filosófica ou científica. Atualmente, as ciências biológicas e a psicologia tentam nos dar uma explicação mais racional e sensata do que seriam, como se originam e como se manifestam as características homoafetivas no ser humano.

Etimologicamente, a palavra “homossexual” advém da junção do prefixo

homós, que significa “semelhante” e do sufixo latino sexus, que significa “relativo ao

sexo”. Este termo foi cunhado pelo médico psiquiatra Karoly Maria Benkert em 1869, tendo sido registrado em carta destinada ao Ministério da Justiça da antiga Alemanha do Norte, onde se defendia os direitos dos homossexuais que eram perseguidos naquela região (BRANDÃO, 2002).

Em termos gerais, o homossexual é aquele indivíduo que possui sua atenção afetiva e sexual direcionada para pessoas do mesmo sexo, como expõe Taísa Ribeiro Fernandes (2004, p. 21-22):

Homossexual é o indivíduo cuja inclinação sexual é voltada para uma pessoa do mesmo gênero, o homem que se sente atraído por outro homem e a mulher que se sente atraída por outra mulher. É alguém que não nega a sua formação morfológica, entretanto, seu interesse e sua atividade sexual são voltados, direcionados exclusivamente para quem tem o mesmo sexo que o seu. [...] Podemos definir o sentimento homossexual como a sensação de estar apaixonado, de se envolver amorosamente ou sentir atração erótica por pessoa de sexo semelhante. É uma forma distinta de ser da maioria, somente no que diz respeito à orientação sexual, pois, nos demais aspectos, não há diferença. É a troca de afetos, é o envolvimento íntimo entre duas pessoas pertencentes ao mesmo sexo.

A medicina e a psicologia possuem teorias próprias, nem sempre convergentes, a respeito da gênese da homossexualidade. Uma coloca o foco nas causas fisiológicas do comportamento homoafetivo; a outra comporta em seu arcabouço teórico a conjunção entre os fatores internos ao ser humano e o ambiente externo no qual aquele estaria inserido.

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3.1.2.1 As teorias médicas sobre a homossexualidade.

Historicamente, a medicina tentou buscar diversos fatores que colocassem à luz a gênese da homossexualidade no ser humano. Conclusivas ou não, obtiveram-se evidências interessantes a respeito da diferença que poderia ocorrer no âmbito fisiológico entre pessoas homossexuais e heterossexuais. Nesta perspectiva, a genética, a endocrinologia e a neurociência buscam os fatores de desencadeamento da homossexualidade.

Em 1991, o pesquisador britânico Simon Le Vay encontrou diferenças estruturais com relação ao tamanho do hipotálamo cerebral, a região que está associada ao comportamento sexual, mostrando que esta sessão do cérebro seria menor nos homossexuais em contraste com os heterossexuais (LONGARAY; RIBEIRO, 2009).

Além da origem cerebral, a genética também realizou estudos sobre a transmissão desta característica entre as gerações. Em 1985, Richard Pillard e James Weinrich desenvolveram um estudo pioneiro utilizando árvores genéticas com famílias de homossexuais, focando nos irmãos gêmeos, irmãos fraternos (não-gêmeos) e irmãos adotados. Percebeu-se que homens homossexuais possuíam a tendência de ter mais irmãos também homossexuais, com uma incidência de 22%, enquanto que esta mesma incidência girava em torno de 4% no grupo que incluía os heterossexuais. A base do estudo era a incidência da homossexualidade entre irmãos gêmeos idênticos (ou univitelinos, provenientes do mesmo zigoto), gêmeos não idênticos (ou bivitelinos, originários de zigotos diferentes), irmãos não gêmeos (nascidos em momentos diferentes) e irmãos adotados. Estimava-se que a contribuição genética, caso houvesse, seria maior em gêmeos idênticos, um pouco menor entre gêmeos não idênticos e irmãos não gêmeos e muito pequenas entre irmãos adotados. Os resultados foram expressivos, totalizando um nível de incidência homossexual em 52% nos gêmeos idênticos, 22% em gêmeos não idênticos, 11% entre irmãos não gêmeos e traços menores de 1% em irmãos adotados. Nas mulheres, a homossexualidade era registrada em 48% das gêmeas idênticas, 16% nas gêmeas não idênticas e 6% em irmãs não gêmeas (FORASTIERI, 2006).

A endocrinologia, ciência que estuda a influência dos hormônios no corpo humano, também buscou estudar a gênese da homossexualidade. De acordo com Longaray e Ribeiro (2009), a explicação para a origem da identidade homossexual é

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que que fetos predispostos à homossexualidade masculina não absorvem com eficácia o hormônio testosterona produzido pela mãe durante o seu desenvolvimento, ocasionando uma “falha” no desenvolvimento pela atração ao sexo oposto. A causa considerada é relativa aos níveis de stress a que o feto se encontra exposto durante a gravidez pois, por incrível que pareça, homens que foram concebidos e que nasceram em períodos de grande stress são mais frequentemente homossexuais do que homens concebidos em ambientes calmos. Isto porque, o corpo humano produz o cortisol, o hormônio do stress, a partir da mesma matéria prima que a testosterona. Com isso, acaba sobrando menos quantidade para a transformação desta matéria prima em testosterona. Já para a homossexualidade feminina, a explicação seria dada a partir do mal funcionamento de uma proteína localizada no útero materno que é responsável por proteger os fetos femininos contra a exposição excessiva à reação hormonal masculina. Ou seja, devido a essa “deficiência” em seu funcionamento, tal proteína não protege suficientemente o feto feminino, que fica sujeito à ação dos hormônios masculinos produzidos pela mãe.

3.1.2.2 A homossexualidade sob a ótica da psicologia freudiana

A psicologia, ao contrário das ciências médicas, tem uma visão mais ampla sobre os fatores que deflagram o comportamento homossexual do ser humano. Não se considera um fator isolado, mas sim, uma série de variantes que se encadeiam entre si para determinar a sexualidade do sujeito.

O neurologista e psicanalista Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise, consolidou as bases nas quais a homossexualidade deixaria de ser tratada como doença, conceito enraizado na teoria médica até o início do séc. XX.

A preocupação de Freud não era direcionada à cura da homossexualidade. Mas sim, na importância desta questão no processo analítico. Diversos pacientes passaram por seu consultório e foi possível construir a percepção de como os laços familiares da infância são capazes de influenciar a vida sexual adulta. Em se tratando da homossexualidade propriamente dita, a grande ligação com a figura materna e a autoridade rígida da paterna são essenciais para que ela ocorra, onde o homossexual reprime seu amor pela mãe e acaba produzindo uma espécie de autoerotismo diversificado. (PEDRINI; CORREIA, 2012).

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Como já dito, não há como estabelecer uma direção una sobre a causa da homossexualidade. O que existe é um somatório de fatores biológicos, psíquicos e sociais que interferem diretamente na formação sexual do sujeito. Hélio José Guilhardi (2007, p. 1), mestre em Psicologia Experimental da USP, nos esclarece com precisão a respeito:

Os comportamentos e sentimentos homossexuais são instalados e mantidos como qualquer outro comportamento. São regidos, em suma, pelas mesmas leis e pelos mesmos princípios fundamentais que explicam as ações humanas. Nada os torna peculiares, nem idiossincráticos. Uma questão (não respondida de maneira convincente pela Ciência, até o momento) que se pode propor é se a suscetibilidade aos reforços sexuais é determinada pela constituição genética da pessoa ou é adquirida durante o processo de desenvolvimento comportamental, cognitivo e afetivo da pessoa, através de práticas sociais, culturais e familiares. Mas, sugerir tal dicotomia ("nature" ou "nurture"), não parece um caminho promissor. É mais compatível com o que se conhece sobre os determinantes dos comportamentos e sentimentos humanos enfatizar a influência recíproca, a interação entre os eventos biofisiológicos e ambientais. Como tal, não existe uma única causa ou determinante para os comportamentos homossexuais. São comportamentos multideterminados por complexa teia de contingências de reforçamento, que se influenciam através do desenvolvimento de cada ser humano e que vão formando pessoas em contínuo processo de transformação, e não homossexuais, como uma entidade substantiva que existe à parte dos outros seres humanos.

Como se vê, não há como estabelecer uma causa específica para a homossexualidade. Os esforços, tanto na área médica quanto psíquica, nos servem para apreciar o tema sobre um viés científico. Porém, o importante é frisar que a homossexualidade não pode ser encarada como uma doença, mas sim, como uma mera variante do comportamento sexual humano.

3.1.3 Bissexualidade

No âmbito da orientação sexual, existem também aqueles que se identificam afetiva e sexualmente com os dois sexos de forma indistinta: são os bissexuais. Para eles, não existe uma distinção entre os sexos no que tange ao desejo e atração. Atraem-se pelos dois de forma igual.

Camila Dias Cavalcanti (2007, p. 16) nos apresenta uma definição precisa do que seria o conceito de bissexualidade:

Bissexuais são pessoas que, potencialmente, desejam e relacionam-se emocional e/ou sexualmente com outras pessoas de ambos os sexos, em um mesmo momento da vida ou em distintas fases de sua história individual. Considerar o desejo afetivo não significa englobar, entre as práticas

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bissexuais, relações de amizade, intimidade ou parentesco, mas indivíduos que se sentem atraídos por ambos os sexos e que enxergam nisso a possibilidade de realização desse desejo, onde sentimento e práticas se misturam.

De acordo com Elizabeth Sara Lewis (2012), a etimologia da palavra “bissexual” passa por três momentos históricos de definição: o primeiro, entre os sécs. XVII e XX, onde o vocábulo foi utilizado para definir pessoas portadoras de dois sexos anatômicos, o que conhecemos nos dias atuais como hermafroditismo; o segundo, ocorrido no final do séc. XIX e início do séc. XX, quando a psicanálise tratou a bissexualidade como uma espécie de “hermafroditismo psíquico” ao invés do anatômico, propriamente dito, cientificamente popularizado através da obra de Freud, Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, de 1905; e o terceiro, iniciado em meados da década de 70 e que perdura até os dias atuais, começa após os movimentos de liberação gay ocorridos nos Estados Unidos, onde a bissexualidade começou a ser considerada como uma combinação ou unificação de heterossexualidade e homossexualidade, ou seja, o desejo sexual e afetivo do bissexual passa pela identidade homossexual e heterossexual, ao mesmo tempo.

Com o advento da psicanálise, a bissexualidade é considerada como resultado das identificações masculinas e femininas que constituem o psiquismo humano: todo ser humano possui características psíquicas masculinas e femininas, resultado das identificações e interações com os dois sexos. Ao nascer, o ser humano só possui potencialidade sexual e sua identidade sexuada será construída através dos processos de identificação que decorrem do próprio percurso do desenvolvimento e evolução do ser humano individual (CECCARELLI, 2008).

3.2 IDENTIDADE DE GÊNERO

Outra questão de elevada importância no âmbito da sexualidade e da auto percepção humana é a que se refere à identidade de gênero da pessoa, pois o ser humano possui um reconhecimento peculiar com relação ao seu sexo anatômico e, paralelamente, ao gênero (masculino ou feminino) ao qual este reconhece estar inserido.

Primeiramente, é necessário estabelecer a diferença entre sexo e gênero: no primeiro, existe uma interpretação meramente fisiológica no sentido de distinguir o homem e a mulher, ou ainda, o macho e a fêmea através dos seus órgãos genitais e

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