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4 A CRIMINALIZAÇÃO DAS CONDUTAS DISCRIMINATÓRIAS:

4.3 O FAMOSO PL 122/06 E A VIABILIDADE DE CRIMINALIZAR O

Em que pese o Brasil ser campeão mundial em crimes homotransfóbicos e ser notoriamente um país com uma cultura machista, fundamentalista e misógina, já houveram tentativas legislativas de colocar a questão da criminalização do preconceito contra os LGBT em pauta. A mais famosa delas, o Projeto de Lei da Câmara 122/2006, ganhou destaque pelo conturbado debate travado entre a bancada religiosa do Congresso Nacional e os defensores da visibilidade LGBT no Código Penal do Brasil.

Em 07 de agosto de 2011, a então senadora Iara Bernardi, integrante do Partido dos Trabalhadores, apresentou em plenário o Projeto de Lei Nº 5.003/2001, que ficou conhecida como a “PL da Homofobia”. Este projeto, no entanto, foi aglutinado com outros que tratavam sobre o mesmo tema, originando um novo texto: o PL 5/2003, PL 381/2003, PL 3.143/2004, PL 3.770/2004 e o PL 4.243/2004. Após acaloradas discussões entre fundamentalistas religiosos e ativistas LGBT, o projeto foi aprovado, com elevada demora, em 23 de novembro de 2006, de onde seguiu para o Senado Nacional, agora em definitivo como PLC nº 122/06. Entre pedidos de vista e adiamentos por parte da bancada conservadora contrária ao projeto, além de solicitações para que tramitasse em diferentes Comissões dentro da Casa, o mesmo permaneceu parado em 2010 e acabaria sendo arquivado em 2011 e desarquivado posteriormente a pedido da Senadora Marta Suplicy em 2012, onde foi sugerida uma nova versão do texto, mas que não chegou a ser votada ou discutida no Senado. Em virtude da demora, o projeto acabou sendo definitivamente arquivado em 2015, pois as regras do Regimento Interno do Senado determinam que todas as propostas que tramitam há mais de duas legislaturas devem ser arquivadas (RANGEL, 2013).

Primeiramente, é interessante analisar o conteúdo da proposição legislativa que foi discutida. O texto original, em resumo, dispunha que seria criminalizada a discriminação por sexo, gênero, orientação sexual e identidade de gênero, equiparando-a à discriminação por raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, através da alteração da lei que define os crimes por discriminação racial ou por cor

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(Lei Caó, nº 7.716/89), do Decreto-Lei nº 2.849/40 (Código Penal) e da Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452/43), alterações que podem ser melhor visualizadas no Anexo I deste trabalho, onde consta o texto do PL 122/06 na íntegra. Na seara do Direito, um dos debates é relativo ao princípio do direito penal mínimo, que refere-se ao fato de que aplicar uma sanção legalmente prevista ao indivíduo seria considerado o último recurso a ser adotado. No caso de criminalizar a homotransfobia nos moldes do PL 122/06, estaria se adotando justamente o princípio inverso, o direito penal máximo, instituindo novos tipos penais amplos para a coibição da conduta discriminatória (CARVALHO, 2012a).

O que se infere deste argumento é que se incluiria mais um crime no rol penal, inflando ainda mais o sistema criminal. Diante da realidade brasileira, onde presídios com superlotação e ineficiência no sentido de reabilitar o transgressor, o ideal seria justamente evitar a criação de mais normas jurídicas punitivas, realizando investimentos em educação e cultura para promover a socialização dos indivíduos e a inclusão dos grupos homo e transexuais no contexto social, realizando aquilo que, de fato, o Estado foi criado para fazer. Agarrar-se na cultura do “garantismo penal”, acreditando que o Direito, por si só, irá resolver as mazelas criminais do país é ledo engano (PEREIRA, 2014).

Sobre a homotransfobia, entende-se que a via adotada pelo PL 122/06 foi equívoca e alguns aspectos contribuem para este entendimento. Primeiro, percebe- se como errôneo adotar uma técnica legislativa que crie tipos penais específicos para homotransfobia, pois as condutas, no sentido amplo do termo, às quais se pretende impor uma sanção já existem no ordenamento jurídico penal, não havendo motivo para inovar neste sentido (CARVALHO, 2012a).

A exemplo da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), que alterou os artigos 61 (institui a violência contra mulher como agravante de pena) e 129 (preconiza o aumento de pena nos casos de lesão corporal contra mulher) do Código Penal, o ideal seria trazer a visibilidade do problema para dentro da legislação punitiva, sem contudo, instituir tipificação específica de condutas. Como exemplo, Salo de Carvalho nos explica (2012a, p. 204):

“A técnica legislativa poderia ser restrita à identificação desta forma de violência [...] através da remissão da sanção ao preceito secundário do tipo penal genérico – por exemplo, caput do art. 121 do Código Penal: “matar alguém: Pena – reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos”; inclusão de parágrafo intitulado “homicídio homofóbico”: “nas mesmas penas incorre quem praticar

a conduta descrita no caput por motivo de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero”. No máximo, seguindo a o caminho trilhado pela Lei Maria da Penha, a inserção da motivação homofóbica como causa de aumento de pena no rol de agravantes genéricas”.

Ainda segundo o pensamento de Salo de Carvalho (2012a), o caminho escolhido pelos movimentos LGBT através do PL 122/06 foi inadequado, pois, alterando a Lei 7.716/89, dilui-se a discriminação racial de cor com o preconceito motivado pela orientação sexual e identidade de gênero. Por mais que a homotransfobia identifique-se como um crime de ódio comparado a xenofobia, o racismo e o antissemitismo, cada manifestação deve ser analisada de forma cuidadosamente individual antes de ser inserida no ordenamento legal. Em segundo plano, existe também o fato de que o PL 122/06 não nomeia de forma explícita os atos de preconceito contra os LGBT como “crime homofóbico” ou “crime de motivação homotransfóbica”, dado essencial para colocar a problemática em evidência dentro dos campos da Segurança Pública, o que seria uma das principais reivindicações dos grupos a favor da criminalização.

Infere-se do capítulo ora trabalhado que a criminalização dos atos que importem no atentado à dignidade da pessoa humana da população LGBT merecem mais atenção do poder público no sentido de criminalizá-los, não só viés punitivo propriamente dito, mas também pelo efeito social que tal ato proporciona visando proporcionar às minorias heterodiscordantes uma visibilidade sociojurídica mais abrangente e definitiva.

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