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4 A CRIMINALIZAÇÃO DAS CONDUTAS DISCRIMINATÓRIAS:

4.2 ESTATÍSTICAS SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A POPULAÇÃO LGBT

Destarte já se ter verificado que o comportamento heterodiscordante e as transgeneralidades não constituírem doença ou um comportamento social desviante, as estatísticas, mesmo que não oficiais em sua grande parte, nos servem como importante base para justificar o motivo pelo qual a homofobia deve constar no rol de crimes elencados pelo nosso ordenamento penal. Primeiramente, faz-se imperioso categorizar e compreender o que são, de fato, as condutas discriminatórias contra a

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diversidade sexual e às transgeneralidades, bem como suas origens e reflexos para com aqueles que são alvo do preconceito.

O ideal do ser hipermasculinizado, do “macho”, o próprio conceito heterosexista em si, é um dos principais responsáveis pela imposição da cultura machista e que causa a repressão de mulheres e homens, sendo a Criminologia uma ciência de fundamental importância para a compreensão deste fenômeno. De acordo com Salo de Carvalho (2012a, p. 2-3):

[...] A cultura ocidental é regida por uma espécie de ideal do macho ou

vontade de masculino que institui como regra a masculinidade heterossexual

e que provoca, como consequência direta, a opressão da mulher e a anulação das masculinidades não-hegemônicas (diversidade sexual). A instrumentalização desta hipermasculinidade no cotidiano ocorre mediante formas conhecidas de violência: violência de gênero e homofobia. [...] Compreender a construção das masculinidades hegemônicas e as suas formas de produção de violência (interpessoal, institucional e simbólica), parece ser, portanto, um dos desafios urgentes das ciências criminais contemporâneas. O olhar feminista no que diz respeito ao patriarcalismo e à misoginia[...] sobre a heteronormatividade e as masculinidades (não)hegemônicas, convocam as ciências criminais a mergulhar no empírico para sofisticar sua compreensão sobre os inúmeros fatores que tornam determinadas pessoas e grupos sociais vulneráveis aos processos de vitimização e criminalização, notadamente aqueles estigmatizados pela sua orientação sexual.

O termo homofobia, que une os radicais gregos homós (semelhante) e

phobos (medo, pavor), se traduz como a aversão àqueles que relacionam-se com

pessoas do mesmo sexo, sendo elas homo ou bissexuais. Já a transfobia, neologismo criado recentemente no mesmo sentido da homofobia onde o termo homo é substituído por trans, remete à repulsa pela figura do transexual, pessoa que adota uma postura e comportamento relativo ao sexo e gênero contrário, ao qual a este julga pertencer (MARQUES, 2008).

A luta LGBT pela criminalização das condutas discriminatórias se dá pelo fato de, apesar da orientação sexual e a identidade de gênero pertencerem à seara personalíssima do indivíduo, elas se perfazem como um obstáculo para consolidação dos seus direitos. O Brasil possui uma realidade marcada por altos índices de violência e violações aos direitos sociais pela orientação sexual não-heterossexual e transgeneridades, ocupando lugar de destaque no ranking mundial. Com isso, não há como fechar os olhos para a questão LGBT, seja pelo crescente movimento civil em prol destas minorias, seja pelo enfrentamento necessário da intolerância e da violência que assola este grupo minoritário (MASIERO, 2016).

Historicamente falando e sob a perspectiva dos direitos humanos, os grupos LGBT possuem a mesma capacidade de postular suas pautas reivindicatórias de criminalização, assim como o movimento negro e o feminista. No registro histórico, existe um débito alto para com estas minorias discriminadas que legitima a busca pela tutela jurídica pretendida, principalmente no âmbito protecional. Defender uma nominação legal para efetivar o reconhecimento formal pelo Poder Público tem o condão de retirar estes grupos da marginalização e da invisibilidade (CARVALHO, 2012b).

No Brasil, a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SDH), órgão ligado ao Ministério da Justiça, emite relatórios sobre a violência homofóbica e transfóbica desde 2011 com o intuito de colocar a questão em evidência dentro do cenário social brasileiro e deles serão extraídas as estatísticas que irão embasar a justificativa sobre a criminalização das condutas discriminatórias.

Estes relatórios são baseados em análises colhidas em diversas fontes, a saber (BRASIL, 2013):

a) Disque Direitos Humanos – Disque 100: serviço de denúncia vinculado à SDH, onde, desde dezembro de 2010, oferece opção específica para denúncias de casos envolvendo desrespeito a população LGBT;

b) Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180: recebe denúncias ou relatos de violência, reclamações sobre os serviços públicos e orientações sobre direitos das mulheres;

c) Disque Saúde e Ouvidoria do SUS: serviço do Ministério da Saúde, oferece informações sobre doenças e recebe denúncias de mau atendimento no SUS;

d) E-mails e correspondência direta para o Conselho Nacional de Combate à Discriminação – LGBT e para a Coordenação-Geral de Promoção dos Direitos de LGBT, órgãos ligados ao Ministério da Justiça.

Em 2012, o poder público registrou 3.084 denúncias de violações à população LGBT, com 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos, um aumento de 166,09% de denúncias e 46,6% de violações, quando comparado ao ano de 2011, onde 1.159

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denúncias de violações aos direitos humanos contra LGBT’s foram notificadas, envolvendo 1.713 vítimas (BRASIL, 2013).

Tabela 1: Quadro comparativo entre os dados de 2011 e 2012 sobre o relatório sobre violência homofóbica e transfóbica no Brasil:

Fonte: SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório sobre violência homofóbica no

Brasil: ano de 2012. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2013. p. 18.

Questão também digna de preocupação é a subnotificação de dados relacionados a este tipo de violência em particular. Muitas vezes, a violência é tratada como algo natural a própria vítima sente-se culpada pelo ato sofrido. Convém salientar que as estatísticas aqui analisadas referem‐se apenas às violações devidamente registradas, não englobando as violências ocorridas cotidianamente contra LGBT’s e que não chegam ao conhecimento do poder público (BRASIL, 2013).

Traçando-se um perfil geral das vítimas que efetuaram as denúncias ao poder público, estas se caracterizam por serem de maioria masculina (71,3%) homossexuais (60,4%) de cor parda (33%) e com idade entre 15 e 29 anos (61,1%). Em se tratando do tipo de violência praticada, a psicológica aparece no topo com 83,2% dos casos, onde a humilhação (35,3%) e a hostilização (32,2%) constam como os principais meios violentos, sendo a discriminação pela orientação sexual do sujeito (76,3%) a ocorrência mais relatada. Demograficamente, São Paulo foi o estado que mais efetuou denúncias de violações dos direitos LGBT, com um total de 409 ocorrências em 2012 (BRASIL, 2013).

O Grupo Gay da Bahia (GGB), organização não governamental sediada em Salvador - BA, é pioneira no levantamento de estatísticas e estudos sobre violações e defesa dos direitos no âmbito LGBT. Em 2012, lançou um relatório específico sobre as mortes motivadas por ódio ocorridas naquele ano entre população homoafetiva e transgênera, confirmando mais uma vez o quanto a intolerância marca a cultura brasileira em relação à diversidade sexual e de gênero.

Os dados levantados pelo GGB não são oficiais e são obtidos pelo levantamento de notícias veiculadas nas diferentes mídias sobre crimes praticados contra homossexuais e transgênero, principalmente aqueles que possuem o resultado morte. Isso ocorre por um motivo fundamental: os crimes específicos contra a população LGBT, desde os crimes contra a vida até os lesivos à honra, não possuem apuração oficial em virtude da própria falta de legislação que criminalize as condutas discriminatórias contra estas minorias, o que leva a uma ausência de levantamento específico por parte dos setores de Segurança Pública. Sendo assim, estes atos criminosos podem estar em número muito maior do que os informados pelos relatórios emitidos pelo GGB, o que coloca a situação em agravamento acentuado (WENDT, 2015).

O Brasil está em primeiro lugar no ranking mundial em assassinatos contra a população LGBT, concentrando 44% das mortes no mundo por motivação homofóbica e transfóbica. A estatística acende o alerta sobre o tema: em 2012, ocorreu uma morte a cada 26 horas, totalizando um montante de 338 vítimas, onde 207 delas eram homossexuais, eram 128 travestis/transexuais e 2 bissexuais, além de 1 heterossexual que foi confundido com um homoafetivo em virtude de estar abraçado ao seu irmão (GRUPO GAY DA BAHIA, 2012).

Gráfico 1: Percentual de vítimas de acordo com a orientação sexual com base nos dados do relatório do GGB de 2012.

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Fonte: Elaboração do autor, 2016.

O estado de São Paulo registrou o maior número de casos de violência fatal contra homossexuais e transgêneros em 2012, com 45 vítimas, em contrapartida do Acre, que não possui nenhum registro de morte. Porém, em números absolutos, a região Nordeste foi a mais perigosa para a população LGBT, com 45% das mortes registradas, seguido de 33% das regiões Sul e Sudeste e 22% nas regiões Norte e Centro Oeste do Brasil. Traçando uma comparação entre número de assassinatos e a densidade demográfica das capitais, Teresina consolidou-se como a mais violenta do Brasil para homossexuais e transgêneros, com 15,6 homicídios para uma população de 800 mil habitantes. Em seguida, João Pessoa registrou 13,4 mortes para 700 mil pessoas. Maceió ocupou o terceiro lugar, com 10,4 assassinatos para pouco mais de 900 mil habitantes, Para noção de comparação da intolerância regional, a cidade de São Paulo teve 12 mortes, ilustrando 1,05 morte para uma população que ultrapassa 11 milhões de moradores. (GRUPO GAY DA BAHIA, 2012).

Tabela 2: Quantidade de vítimas por estado e orientação sexual, de acordo com o relatório do GGB de 2012.

(continua)

Gay Travesti Lésbica Bissexual Hétero Total

São Paulo 14 28 1 2 0 45 Pernambuco 23 8 2 0 0 33 HOMOSSEXUAIS 61,24% BISSEXUAIS 0,59% HETEROSSEXUAIS 0,30% TRAVESTIS/TRANSEXUAIS 37,87%

(conclusão)

Gay Travesti Lésbica Bissexual Hétero Total

Bahia 20 3 5 0 1 29 Paraíba 8 6 5 0 0 19 Paraná 7 11 0 0 0 18 Alagoas 15 3 0 0 0 18 Piauí 9 4 2 0 0 15 Amazonas 10 4 1 0 0 15 Pará 10 4 0 0 0 14 Ceará 9 5 0 0 0 14 Minas Gerais 8 5 0 0 0 13 Rio De Janeiro 10 3 0 0 0 13 Goiás 4 8 0 0 0 12

Rio Grande Do Norte 7 3 0 0 0 10

Mato Grosso 2 6 1 0 0 9

Sergipe 5 3 1 0 0 9

Rio Grande Do Sul 5 3 0 0 0 8

Espirito Santo 3 4 0 0 0 7

Santa Catarina 2 4 0 0 0 7

Rondônia 3 3 0 0 0 6

Mato Grosso Do Sul 2 4 0 0 0 6

Maranhão 4 1 0 0 0 5 Tocantins 5 0 0 0 0 5 Distrito Federal 2 2 0 0 0 4 Roraima 2 1 0 0 0 3 Amapá 0 1 0 0 0 1 Acre 0 0 0 0 0 0

Fonte: GRUPO GAY DA BAHIA (GGB). Assassinato de Homossexuais (LGBT) no Brasil: Relatório 2012. 2012, p. 6.

Com relação à faixa etária das vítimas, a que apresenta maior risco de assassinato são os adultos jovens, que se situam entre 20 e 40 anos, com percentual de 57%. Menores de idade também constam neste triste índice, onde 7% das vítimas tinham menos de 18 anos ao serem assassinadas, assim como idosos, que representaram 4% desta estatística (GRUPO GAY DA BAHIA, 2012).

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Fonte: GRUPO GAY DA BAHIA (GGB). Assassinato de Homossexuais (LGBT) no Brasil: relatório 2012. 2012, p. 7.

Outro dado que corrobora com a indicação de que os crimes homofóbicos e transfóbicos possuem alto teor de ódio são as características com as quais são executados. Ainda de acordo com o relatório, 115 dos assassinatos foram praticados com armas de fogo, 88 com arma branca, como facas, punhais, foices e machados, 50 espancamentos executados com pauladas, pedradas ou marretadas e 8 das vítimas morreram carbonizadas. Constam ainda afogamentos, atropelamentos, enforcamentos, degolamentos, asfixia, empalamentos (introdução forçada de objeto na região anal) e violência sexual, além da prática de tortura propriamente dita. Para se obter uma noção da violência dos crimes, uma vítima baiana chegou a ser alvejada com 19 tiros, enquanto outra, natural da Paraíba, recebeu mais de 30 facadas. Outra vítima, de Alagoas, foi amordaçada e teve o pênis queimado com álcool, morrendo posteriormente por infecção generalizada após passar por cirurgia para remover do seu intestino grosso um pedaço de madeira de 15 centímetros introduzido em seu ânus (GRUPO GAY DA BAHIA, 2012).

Paradoxalmente com o fato de ser o país mais violento com a cultura LGBT no mundo, o poder público, destaque para o Legislativo, ainda não se sensibilizou com a situação das minorias homoafetivas e transgêneras, inexistindo uma legislação penal que as proteja e estabeleça um círculo de segurança e representatividade

23 127 64 30 17 7 3 0 20 40 60 80 100 120 140

Até 18 anos 19-30 anos 31-40 anos 41-50 anos 51-60 anos 61-70 anos 71-80 anos

jurídica. Mas já existiram projetos de lei que tentaram suprimir esta carência protecional, os quais serão abordados em sequência.

4.3 O FAMOSO PL 122/06 E A VIABILIDADE DE CRIMINALIZAR O

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