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Academic year: 2017

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(1)

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA HUMANA

Lúcia Cavalieri

Migração e reprodução social: tempos e

espaços do cortador de cana e de sua família

(2)

LÚCIA CAVALIERI

Migração e reprodução social: tempos e

espaços do cortador de cana e de sua família

Tese apresent ada ao Depart ament o de Geografia da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do t ít ulo de Dout ora em Geografia Humana.

Área de concent ração: Geografia Agrária

Orient adora: Profa. Dra. M art a Inez Medeiros Marques

(3)

FOLHA DE APROVAÇÃO

Lúcia Cavalieri

Migração e reprodução social: t empos e espaços do cort ador de cana e de sua família

Tese apresent ada ao Depart ament o de Geografia da Faculdade de Filosofia

Let ras e Ciências Humanas da

Universidade de São Paulo para obt enção do t ít ulo de Dout ora em Geografia Humana.

Aprovada em:

Banca Examinadora

Prof. Dr.___________________________________________________________

Inst it uição:_________________________ Assinat ura:_______________________

Prof. Dr.___________________________________________________________

Inst it uição:_________________________ Assinat ura:_______________________

Prof. Dr.___________________________________________________________

Inst it uição:_________________________ Assinat ura:_______________________

Prof. Dr.___________________________________________________________

Inst it uição:_________________________ Assinat ura:_______________________

Prof. Dr.___________________________________________________________

(4)
(5)

Agradeço,

aos moradores de Araçuaí, em especial aos de Engenheiro Schnoor e Alfredo

Graça por t odo o carinho recebido, pelos moment os compart ilhados e por revelarem

aspectos t ão especiais (e doloridos) de suas vidas.

a Rosa, Luzia, Val, Dona M ariana, Lena, Ilma, M aiúsa, It amar, Tinha, Adhemar,

Margarida, Dendeca, Oswaldo, Téia, Aline, Seu João, Beu, Lia, Tibau, Dona Nezinha,

Donana....

a Dolores da Emat er, a Cléa da Cáritas e especialment e a irmã Sandra do SPM de

Araçuaí pela at enção dispendida à pesquisa. Regist ro minha admiração pelo trabalho

realizado por elas.

aos amigos mais ant igos da Geografia, da época da graduação, agradeço a

cumplicidade, a admiração e o amor que perdura.

aos amigos queridos de viagens e da vida t oda.

ao Xico amigo pra sempre, pelos mapas.

ao Campo em Moviment o e aos colegas do laborat ório de agrária por t odas as

conversas, cont ribuições, est udo e risadas.

a leit ura at ent a e carinhosa de Ari e Dieter durant e a qualificação.

à minha família, próxima nos moment os de alegria e de sufoco: da vida e da t ese.

à minha mãe que me ajudou muit íssimo nos moment os finais pegando estrada

t oda semana, cuidando do Tin e fazendo docinhos.

à Marta, orient adora querida, com quem pude compart ilhar momentos de

descobert a e admiração ao longo da pesquisa.

ao Zé, meu marido amado, por t udo: generosidade, confiança, companheirismo

firme e grande amor.

(6)

RESUM O

CAVALIERI, L. M igração e reprodução social: t empos e espaços do cort ador de cana e de sua família. 2010. Tese (dout orado em Geografia Humana) Depart ament o de Geografia da Faculdade de Filosofia Let ras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

Est a pesquisa tem por objet ivo entender como ocorre o processo cont radit ório da

reprodução social das comunidades rurais à luz de uma análise das prát icas cot idianas e

das est rat égias de reprodução social da família do migrante, cort ador de cana do Vale do

Jequit inhonha. Os homens migrant es vivem ora mais próximos da condição camponesa,

ora sorvidos como prolet ários na cana. Não se realizam plenament e em nenhuma das

duas condições. No t erritório da cana est ão prolet ários; no t errit ório camponês não têm

mais t erras para o t rabalho e a família não cont a com os homens em suas prát icas

cot idianas. Esses camponeses-migrant es encont ram-se na margem. A pesquisa de campo

se realizou em duas comunidades rurais: Alfredo Graça e Engenheiro Schnoor localizadas

no município de Araçuaí, no Vale do Jequit inhonha. Est as comunidades t êm algumas

caract eríst icas comuns: a migração dos homens para o cort e de cana em São Paulo e uma

série de cust os imput ados à família, em especial às suas mulheres. Nosso int eresse

consist e em ent ender como esse sujeit o, na condição de camponês-migrant e, perdura no

t empo e quais são as fissuras que essa condição provoca em sua família e em seu

t errit ório.

(7)

ABSTRACT

CAVALIERI, L. M igração e reprodução social: t empos e espaços do cort ador de cana e de sua família. 2010. Thesis (doct orat e in Human Geography) Depart ament o de Geografia da Faculdade de Filosofia Let ras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

This research aims t o understand how does t he cont radict ory process of social

reproduct ion occurs, by means of analysing day-t o-day pract ices and t he social

reproduct ion st rat egies of t he migrant sugarcane harvest er’s family living at

Jequit inhonha Valley. The migrant men live sometimes closer t o peasant ry condit ion, and

somet imes absorbed as sugarcane prolet arians. They do not live fully in neit her of those

condit ions. At sugarcane t errit ory t hey live a prolet arian condit ion, alt hough at peasant s

t errit ory t hey do not have land for working any more and t heir family can not count on

t hem for day-t o-day pract ices. These peasant s-migrant s are at t he margin. The fieldwork

was done at t wo rural communit ies: Alfredo Graça and Engenheiro Schnoor, locat ed at

Araçuaí, MG, in t he Jequitinhonha valley. These communit ies have some commom

feat ures: the men’s migrat ion for sugarcane harvest at São Paulo and a number of cost s

imposed t o t heir families, part icularly t o t heir wives. We focus on underst anding how t his

subject , in a peasant -migrant condit ion, persists in t ime and wich are t he fract ures t hat

t his condition produces t o his family and his t erritory.

(8)

LISTA DE SIGLAS

ACESITA  Aços Especiais It abira

AMEJE  Associação dos municípios de microrregião do Médio Jequit inhonha

AMOVAJE  Associação das mulheres organizadas do Vale do Jequit inhonha

APA Área  de Preservação Ambient al

ASA  Associação do semi-árido

ASSOCIAR  Associação Comunit ária e Infant il de Araçuaí

BBB  Big Brot her Brasil

BNDES  Banco Nacional de Desenvolviment o Econômico e Social

CEM  Cent ro de Estudos Migrat órios

CEMIG  Companhia de Energia de Minas Gerais

CONTAG  Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

CPCD  Centro Popular de Cultura e Desenvolviment o

CPT  Comissão Past oral da Terra

DIEESE  Depart amento Intersindical de Est at íst ica e est udos econômicos

EFBM  Est rada de Ferro Bahia- M inas

EM ATER  Empresa de Assist ência Técnica e Extensão Rural.

FERAESP  Federação dos empregados rurais do est ado de são Paulo

IDENE  Inst it ut o de Desenvolviment o do Nort e e Nordest e de Minas

IPCC  Painel Int ergovernament al sobre M udanças Climát icas da ONU

MDA  Minist ério de Desenvolviment o Agrário

PRONAF  Programa Nacional de Fort aleciment o da Agricult ura Familiar

SINGA  Simpósio Internacional e Nacional de Geografia Agrária

SPM  Serviço Past oral do Migrant e

UC  Unidade de Conservação

UNICA  União da Indúst ria de Cana-de-açúcar

(9)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. M apa de Minas Gerais: Vale do Jequitinhonha e Araçuaí 23

Figura 2. Imagem de sat élit e da região de Araçuaí 23

Figura 3. Imagem de sat élit e da comunidade do Graça. 24

(10)

SUM ÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1

A pesquisa em curso

20

1.1 Algumas premissas sobre as t eorias migrat órias 33

2

Panorama da produção de agrocombustíveis

41

2.1 Ant ecedent es ambient ais 43

2.2 Agrocombust íveis 46

2.3 A conivência do Est ado brasileiro 53

2.4 As alt ernat ivas à produção dos agrocombustíveis 65

3

Araçuaí

70

3.1 Impressões 74

3.2 Exploração 76

3.3 Migração 97

3.3.1 Remessas 103

4

Das práticas cotidianas

111

4.1 As águas e a sequidão 113

4.2 Represent ações sobre a miséria e a import ância das usinas 117

4.3 O ordinário e o Ext ra-ordinário 123

4.3.1 Tempo do Ext ra-ordinário 126

5

Das festas

134

5.1 Experiência do sagrado 136

5.2 Virgem da Lapa 139

5.3 São Sebast ião: casa que t em bandeira nunca é pequena 141

5.4 Menino Jesus 143

5.5 Solução de cont inuidade 145

6

Engenheiro Schnoor

148

6.1 Campesinidade nos quint alinhos 152

6.2 Sobre a solidão, a vigilância e alguns assunt os do coração 159

6.2.1 Se você t iver um, na boca do povo t em dez; se t iver dois, t em mil 173

6.3 Trabalho e sociabilidade 179

7

Alfredo Graça

194

7.1 Assent ament o Para a Terra 196

7.2 Mulheres plurais 203

7.3 Est ado, migração, recursos 208

CONSIDERAÇÕES FINAIS 217

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 223

BIBLIOGRAFIA COM PLEM ENTAR 230

(11)

Introdução

Oco de pau que diz: Eu sou madeira, beira Boa, dá vau, t rizt riz Risca cert eira Meio a meio o rio ri Silencioso, sério Nosso pai não diz, diz: Risca t erceira

(12)

objet ivo dest a pesquisa de dout orado consist e em ent ender como ocorre o

processo cont radit ório da reprodução social das comunidades rurais do Vale do

Jequit inhonha à luz de uma análise das práticas cot idianas e das est rat égias de

reprodução social da família do migrant e, cort ador de cana em São Paulo.

Após cerca de set e anos pesquisando as comunidades caiçaras, sent i que era hora

de olhar um pouco para o ‘sertão’ e confront ar o aport e teórico que foi sendo

incorporado em minhas duas pesquisas iniciais com uma realidade por mim desconhecida.

Em 1999, apresentei a pesquisa int it ulada: “ Caiçaras da Juat inga: cult ura, conflit os

e sonhos” como Trabalho de Graduação Individual (TGI). Nessa primeira pesquisa

invest iguei o processo de grilagem das t erras de duas comunidades de Parat y (RJ), a

t ransformação da região em Unidade de Conservação - Reserva Ecológica da Juat inga -, a

legislação ambient al e o modo de vida caiçara.

No mest rado, t ambém orient ado pelo professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira,

intit ulado “ A comunidade caiçara no processo de reclassificação da Reserva Ecológica da

Juat inga” (2004), a pesquisa iniciada no TGI foi aprimorada. Os principais t emas t rat ados

foram: regularização fundiária; embat e ent re os direitos de posse e de propriedade

levado ao tribunal; a leit ura - inserida no cost ume - que fazem as comunidades acerca da

propriedade da t erra; e a aliança, ainda não duradoura, entre a lut a pela terra e a

conservação da nat ureza. Uma das caract eríst icas mais relevant es das sociedades

camponesas foi t ambém analisada por esse t rabalho: a relação t erra, t rabalho e a família,

formando a base para a consolidação do t errit ório camponês. A reprodução social do

campesinat o t ornou-se para mim uma quest ão cent ral desde ent ão.

(13)

O sert ão escolhido para uma pesquisa de doutorament o foi o Vale do

Jequit inhonha por alguns mot ivos: (a) o prazer em ler livros de Guimarães Rosa - o sert ão

roseano encont ra-se um pouco mais a lest e, mas no Vale t ambém há a cult ura do sert ão

mineiro; (b) as aulas da professora Margarida M aria Moura sobre o campesinat o e as

lut as do camponês do Vale cont ra os projetos de modernização, sobret udo os das

empresas papeleiras com a monocult ura do eucalipt o; (c) a vont ade de conhecer, de fat o,

uma realidade muit o dist int a daquela conhecida por mim durant e a graduação e o

mestrado.

No primeiro trabalho de campo, realizado em 2005, foram percorridas set e

cidades do Vale do Jequitinhonha, descendo o rio de mesmo nome a part ir de sua

nascent e ent re os municípios de Diamant ina e Serro em busca das feiras de sábado, das

comunidades rurais e dos mercados municipais. Feiras e mercados compunham uma

part e da problemát ica do primeiro t ema pensado para a pesquisa do dout orado.

Quando eu buscava, na feira, conhecer as comunidades rurais e me apresent ava

como professora e aluna em São Paulo, muit os pergunt avam se eu conhecia o parent e

que migrara definit iva ou t emporariament e para o est ado de São Paulo1.

O t rabalho de campo fez com que o projet o de pesquisa t ivesse que ser

repensado. Eu pergunt ava sobre a produção agrícola, as t erras, as relações sociais; eles

cont avam hist órias de migração, most ravam fotos dos parent es dist ant es, exibiam as

mercadorias compradas com o dinheiro do corte da cana e perguntavam sobre a vida na

cidade. Assim, um novo t ema para a pesquisa de dout orado se anunciava: ‘as migrações

do Vale do Jequit inhonha’, e as primeiras pergunt as eram: Quem fica, fica por quê? Qual a

1 Exceção se fez na cidade de Serro, Alto do Jequitinhonha, em que a rot a migratória se estabelece com os

(14)

relação entre quem vai e quem fica? Como se relaciona a reprodução social do

campesinat o com as t emporalidades e t errit orialidades vividas pelo cort ador de cana e

sua família?

A observação de duas comunidades, Engenheiro Schnoor e Alfredo Graça, no

município de Araçuaí (médio Jequit inhonha), ajudou na formulação das pergunt as

nort eadoras da t ese, quais sejam: (a) como as mudanças advindas da migração

(sobretudo a ausência dos homens e a ent rada do dinheiro do corte de cana, compondo

uma import ant e part e da renda familiar) afet am a reprodução social do grupo, (b) de que

forma as t ransformações nas prát icas cot idianas devidas à migração se expressam na

t errit orialização das comunidades rurais do Vale.

A preocupação em deslindar o campo brasileiro com a at enção volt ada aos

meandros ent re o moderno e o tradicional; e as t ensões ent re o modo de vida camponês

e as relações econômicas é um dos mot es do grupo de leitura e est udo, “ Campo em

Moviment o” , do laboratório de geografia agrária, sob a coordenação da professora

Mart a I. M. Marques. Sob a orient ação da professora Mart a, somos inst igados a pensar o

campo brasileiro sob a ót ica da subordinação econômica e das est rat égias de lut a do

campesinat o se afirmando como classe social e modo de vida. Somos t ambém

est imulados a pensar o campesinat o em suas diversas possibilidades de relação com a

sociedade dominant e, com inserções dist intas a part ir de seu ‘fazer-se’2 em diferentes

escalas espaço-t emporais.

Incorporar o ‘fazer-se’ dessa classe social implica ent ender o campesinato em

relação a t odas as subordinações econômicas, polít icas e cult urais do mundo moderno.

2 A idéia de uma classe se afirmando no seu ‘fazer-se’ vem da obra de Thompson. ‘Fazer-se’, no cont exto de

(15)

Shanin (2005) compreende o campesinat o como classe social e modo de vida. Result a da

apropriação dest es dois conceit os o reconheciment o do prot agonismo do campesinato e

de sua potencialidade de exist ência e resistência.

As previsões de que o campesinat o se extinguiria dando lugar a prolet ários, ou a

capit alistas no campo, não se efet uaram no século XX como fora previst o t ant o no

interior do marxismo como fora dele - por caminhos e com int enções polít icas dist int as.

No espaço agrário brasileiro, uma de suas maiores cont radições é a criação e recriação do

campesinat o. Não rest a dúvida de que os camponeses est ão present es, recriando-se com

graus diferent es de campesinidade3. No seio do capit alismo pode ocorrer a formação do

campesinat o. No Brasil, as obras das décadas de 1970 a 1990 de José de Souza M art ins4

são básicas para fundamentar a idéia de criação e recriação do campesinat o. Ariovaldo

Umbelino de Oliveira (1995, 1999,2005) estuda também a criação e recriação do

campesinat o sob o signo do desenvolviment o combinado e cont radit ório do capit alismo.

A ét ica camponesa, com uma inserção específica no modo de produção capit alist a,

se define a part ir das relações t ravadas por esse grupo social no int erior da sociedade,

com o fim de sua reprodução social. Para a compreensão do modo de vida camponês, do

seu ‘fazer-se’ como classe social e das formas como a vida é vivida no conjunt o de um

t ecido social mais amplo, o tripé t erra/família/t rabalho, compost o por valores cent rais de

sua ét ica, é um fundament o que se apresent a sempre e se rearranja cont inuadament e de

maneira diversa, orient ando-se pelo costume e realizando-se nas prát icas cot idianas.

3 Os conceit os de campesinidade bem como o de ordem moral aparecerão algumas vezes ao longo do

texto. Nos capítulos Schnoor e Graça, os conceitos de campesinidade e de ordem moral elaborado por Klass Woortmann (1990a) serão vistos em seu detalhe

4 Entre elas: Cativeiro da Terra (1979), Os camponeses e a política no Brasil (1981), Não há terra pra se

(16)

Retomando o t ema desta pesquisa, “Migração e reprodução social: t empos e

espaços do cort ador de cana e de sua f amília” , organizamos o conjunt o de reflexões

paut adas no est udo da t eoria e na observação, em campo, das prát icas cot idianas das

comunidades, que serão apresent adas ao longo de sete capít ulos.

No primeiro capít ulo, “A pesquisa em curso”, apresent amos os meandros da

pesquisa, os mot ivos da escolha das comunidades Alfredo Graça e Engenheiro Schnoor e

a chegada da pesquisadora no Vale com os seus est ranhament os.

Também explicit amos como foi realizado o t rabalho de campo e os mét odos de

coleta e registro de informações. Algumas premissas t eóricas acerca da migração são

apont adas nesse capít ulo como pont o de part ida para a leit ura dos capít ulos seguint es.

Para ent ender a territ orialização cont radit ória do camponês-migrant e e sua

t ransformação em força de t rabalho mobilizável, t rat amos no segundo capít ulo,

Panorama da produção de agrocombust íveis” , de uma série de expropriações que

incidem sobre o campesinat o do Vale do Jequit inhonha relacionadas à expansão da área

cult ivada de cana-de-açúcar, com a finalidade de produzir o açúcar e o et anol dedicado à

produção de energia. O set or sucroalcooleiro é paradigmát ico para compreendermos as

cont radições que envolvem a produção, o consumo de energia e a conservação do meio

ambient e, que se intensificam na década de 1970 e que ganham um novo impulso nessa

primeira década do século XXI. Contemporaneament e à t errit orialização do monopólio e

à monopolização do t errit ório pelo set or sucroalcooleiro - diferença explicit ada nesse

capít ulo -, desde a década de 1970, constat a-se um grande fluxo migrat ório de

t rabalhadores de várias regiões do Brasil para o cort e de cana em São Paulo.

Esse segundo capít ulo t ambém aborda: os ant ecedent es ambient ais da produção

(17)

ocorridas e ainda em curso no Vale, e uma crít ica à lei 11.241/02 que est ipula uma dat a para

o fim das queimadas da palha de cana no est ado de São Paulo.

Em “Araçuaí” , o t erceiro capít ulo, nos debruçamos sobre um t ema caro à

compreensão da quest ão agrária brasileira: as f ormas como posseiros e propriet ários de

t erra disput am o t errit ório brasileiro. O Vale do Jequit inhonha não escapou à sanha de

reprodução de capit al que precisa dar cont a de seus excedent es produzindo, colonizando

e se expandindo para novas t erras. As marcas da chegada mais feroz do capit alismo no

campo se fazem present es com a consolidação da fazenda de gado e de eucalipt o e com

a int erdição do uso da t erra em comum das chapadas. Segundo M oura (1988) as décadas

de 1960 e 1970 são emblemát icas para compreendermos como quest ão de t erra se

t ransformou em quest ão trabalhista; como os t ratos (ent re sit uant es, posseiros,

moradores de condição e propriet ários de terra) se t ransformaram em dist rat os.

A perda das terras lançou milhares de camponeses do Vale à migração. Em Araçuaí

o processo não foi muit o diferent e, em várias de suas 66 comunidades rurais, há

posseiros que, na negociação (ou no dist rat o) com o fazendeiro, rest aram com uma casa

com quint al na “ rua” ou no cent ro da comunidade.

Est a migração “ provisória consolidada” cont a com as remessas enviadas pelos

homens ao Vale, com uma pequena produção agrícola da mulher e dos filhos nos quint ais

e com uma rede social que se t ece a part ir de duas direções: de um lado, o “ gat o” que

arregiment a nas comunidades os bons t rabalhadores (jovens e fort es) para a usina; de

out ro lado, os homens que part em junt os a fim de recriar uma sociabilidade possível

durant e os nove meses no cort e de cana.

O quart o capít ulo, “ Das práticas cot idianas” , principia a exposição de cunho mais

(18)

t ão cont radit ória t ant o no mundo da produção e consumo de mercadoria, como no

mundo camponês.

Os homens migrant es vivem ora mais próximos da condição camponesa, ora

sorvidos como prolet ários na cana. Não se realizam plenament e em nenhuma das duas

condições. No t errit ório da cana est ão prolet ários, no Vale não cont am mais com a t erra

de cult ivo mas paut am a vida numa ordem informada pelo cost ume camponês.

Na sit uação em que se encont ram, est ão na margem de dois mundos: int egram-se

precariament e à sociedade capit alist a e ao “ mundo” camponês, est ão na margem

vivendo uma condição ambígua e não na t ransição. Ent re uma condição e out ra exist em

horas de est rada, exist em dois mundos diferentes e profundament e ligados vividos pelas

famílias. Opt amos assim em chamá-los de camponeses-migrant es. O uso do hífen visa

demonst rar o quanto os dois t ermos est ão ligados.

Ainda nesse capít ulo, o trabalho realizado pelos homens nas usinas em São Paulo

foi por nós apreendido por meio de algumas ent revist as no Vale e pela leit ura de aut ores

que se debruçam mais sobre as condições de t rabalho no t recho: M aria Aparecida Moraes

Silva e Francisco Alves.

As ent revist as com as mulheres e a observação das prát icas cot idianas no Vale nos

fizeram pensar nas diferenças ent re o t rabalho ordinário cíclico do campesinat o, que no

Vale se ressente, claro, da ausência do homem, e o t rabalho Extra-ordinário realizado na

cana, por nós assim denominado, para dar cont a de explicit ar as diferenças ent re eles e

sublinhar o carát er de monst ruosidade deste.

“ Das fest as” , o quint o capít ulo, discut e como os t empos-espaços dos cort adores

(19)

A reprodução da vida envolve a reprodução da força de t rabalho. Cont udo, a vida

é mais que força de t rabalho, é com t oda a vida que se lut a, se vive e se “ fest a” . Ainda

que submet idos ao Ext ra-ordinário, ou seja, t rat ados como força de t rabalho crua,

buscam a referência, que os situa no mundo, no modo de vida camponês. Modo este que

se reinventa, ent re embat es para afirmar uma visão de mundo e uma ordem moral, em

meio a t ant as cont radições.

É a relação ent re fest a, migração e a import ância do fluir do t empo ordinário

cíclico que se coloca no cent ro do capít ulo. Três fest as foram observadas: Virgem da Lapa

e Reza do M enino Jesus na comunidade do Graça e fest a de São Sebast ião na cidade de

Araçuaí.

Pensar sobre as fest as nos fez entender como a “ experiência do sagrado” pode

orient ar as prát icas camponesas e como o camponês-migrant e pode se aproximar de um

t empo e de uma vida Ext ra-odinários quando a fest a vira um evento, um espet áculo.

Ant es dos capít ulos mais específicos sobre as duas comunidades, Engenheiro

Schnoor e Alfredo Graça, discut imos algumas caract eríst icas do modo de vida camponês

para orient armos a leitura dos últ imos capít ulos a fim de ent endermos a condição

camponesa-migrant e vivida por muit as das famílias do Vale.

As comunidades encont ram-se no sext o e sétimo capít ulos. No capít ulo dedicado a

“ Engenheiro Schnoor” descobrimos a campesinidade presente nos quint ais, as relações

paut adas na reciprocidade camponesa e t ambém a solidão vivida pelas mulheres. Essa é a

maior t ensão que o capít ulo revela: um modo de vida se realizando fragilment e em meio a

t ant as rupt uras e mulheres dilaceradas.

Finalment e, no últ imo capítulo, “ Graça” , apresent amos a experiência de um

(20)

t ambém já migraram após receberem a t erra, para darem cont a, no ret orno, da produção

em seus lotes. A migração nesse cont ext o reflet e, mais uma vez, as opções realizadas

pelo Est ado brasileiro: a falt a de polít icas que acredit em e viabilizem a agricult ura

(21)

1

A pesquisa em curso

Cert o. O senhor vê. Cont ei tudo. Agora est ou aqui, quase barranqueiro. (...) Amável senhor me ouviu, minha idéia confirmou: que o Diabo não exist e. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspect o.

Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se fôr ... Exist e é homem humano. Travessia.

(22)

município de Araçuaí, no médio Jequit inhonha (Figuras 1 e 2), foi o lugar

escolhido para um est udo mais aprofundado dent re os visit ados no primeiro t rabalho de

campo, pois foi nest e que pude conhecer algumas comunidades rurais graças ao Serviço

Past oral dos M igrant es (SPM ) e à ONG Centro Popular de Cult ura e Desenvolviment o

(CPCD). O acaso t ambém ajudou: fez com que eu conhecesse, no ônibus, dois cort adores

de cana que est avam volt ando para casa e me convidaram para passar o dia nas suas

casas, na comunidade rural de José Gonçalves, à beira do rio Piauí.

A est ranheza das famílias da primeira comunidade rural visit ada, José

Gonçalves/Piauí em Araçuaí, diant e de uma mulher sozinha, “ sem parent es e vinda lá da

capit al” , sem aliança no dedo, de cabelos curt os, pergunt adeira e observadora, era

grande. A pergunt a que eu mais ouvia era: “ a senhora t rabalha de quê?” . Eu t inha que a

cada dia, até o últ imo t rabalho de campo, est ar pront a para conhecer o novo, est abelecer

a agenda de t rabalho e refazer perguntas. Aprender a me comunicar com o campesinat o

do Vale, entregar-me à paisagem mais árida.

Ao t odo, foram quat ro trabalhos de campo que somam cerca de 60 dias de

observação nos municípios do Médio Jequit inhonha, sendo que à Araçuaí foram

dedicados mais de 40 dias. Em dois desses trabalhos de campo, os homens est avam em

casa, nos out ros dois, est avam no t recho.

No primeiro t rabalho de campo t ema “ Tempos e espaços do cort ador de cana e de

sua família” já definido optei em conhecer a cidade e todas as inst it uições que pudessem

(23)

colaborar com a pesquisa. Nesse primeiro campo e nos seguint es fui conversar e colet ar

dados com o Serviço Past oral dos M igrant es (SPM), Cárit as, Emat er, Câmara dos

Vereadores, gerentes de banco, ONG´s, associação dos art esãos, produt ores no mercado

e na feira, Secret aria Municipal de Planejament o, Secret aria M unicipal de Agricult ura,

Bibliot eca M unicipal, acervo das faculdades part iculares (como a FEVALE), sindicat o dos

t rabalhadores rurais e Associação dos Municípios do Médio Jequit inhonha (AMEJE)5.

Após conhecer as mulheres da cooperat iva organizada pela Associação dos

Moradores e Amigos de It inga (AMAI) e pela Associação das M ulheres organizadas do

Vale (AMOVAJE), que se reúnem e se organizam com o apoio do SPM (irmã Sandra, em

especial); as comunidades rurais de José Gonçalves (no rio Piauí); Gravat á, Alfredo Graça

e Engenheiro Schnoor (as t rês últ imas no rio Gravat á), opt ei por estas duas últ imas para

um t rabalho de campo mais det alhado (Figuras 3 e 4). A distinção de cont eúdos e

proximidade física delas, a primeira dist a cerca de 40 km, percorridos em uma est rada de

t erra a part ir do cent ro de Araçuaí e a segunda comunidade dist a 60 km seguindo a

mesma est rada, a mont ant e do rio Gravat á, chamaram a at enção.

As duas, ademais da proximidade, têm característ icas peculiares: enquant o

Alfredo Graça, ou simplesment e Graça, t em uma produção agrícola mais int ensa, é a

comunidade que tem a maior produção de farinha de mandioca do vale do Gravat á;

Engenheiro Shnoor, elevado à dist rit o, revela-se mais urbanizado. Nas duas é freqüent e a

migração dos homens para o cort e de cana em São Paulo.

5 Sublinho que em alguns casos, era uma mesma pessoa que respondia por diferent es instit uições como,

(24)

Figura 1. Mapa de Minas Gerais: Vale do Jequit inhonha e Araçuaí.

Font e: Adapt ado de IBGE <WWW.ibge.gov.br/> Acesso em 2009. Elaborado por Carlos Tadeu C. Gamba.

Figura 2. Imagem de sat élit e da região de Araçuaí

(25)

Figura 3. Imagem de sat élit e da comunidade do Graça.

Font e: composição colorida Landsat 5 TM, Órbita 217, Ponto 072, Bandas 1 (Azul), 2 (Verde) e 3 (Vermelho), de 01 de julho de 2007. Elaborado por Carlos Tadeu C. Gamba.

Figura 4. Imagem de sat élit e da comunidade de Schnoor.

(26)

Nas comunidades de Graça e Engenheiro Schnoor, ou só Schnoor, eu dormia na

residência de alguns dos ent revist ados e ajudava na lida da casa6; conversava com

part eira, ex-vereador, enfermeiras, crianças, assent ados, com os agricult ores mais velhos

(alguns com mais de 80 anos) e com as mulheres.

Opt ei t ambém em f azer dois t rabalhos de campo em épocas de fest a mot ivada

pela Reza do Menino Jesus vist a em 2008, na comunidade do Graça, e por uma afirmação

de Suzanna Evelyn (1988, p. 26): E assim, enquant o a fest a não migrar t ambém a

migração cont inua provisória recriando, a cada vez, este personagem cont radit ório,

dividido, operário e lavrador que é o migrant e temporário. A fest a como uma

manifest ação cult ural e religiosa confere sentido ao lugar de origem, o qual não se

most rou mít ico como nas análises de uma import ant e referência t eórica dest a pesquisa,

Abdelmaleck Sayad7, mas sim como t errit ório de vida, t errit ório para se habit ar.

As duas fest as religiosas import ant es do médio Jequit inhonha são: Nossa Senhora

do Rosário e a Fest a de Virgem da Lapa. A primeira é organizada pela Irmandade Nossa

Senhora do Rosário, conhecida em t odo o Vale, que cont a hoje com poucos membros.8 A

segunda é mais regional, organizada por várias inst it uições e dura muit os dias.

Para a festa de Virgem da Lapa, em agost o de 2009, t omei o ônibus com dest ino a

Araçuaí na cidade de Ribeirão Preto (SP), junt o com os homens migrant es que t omaram

uma semana ou dez dias de folga nas usinas e iam fest ar. Muit os cort adores, se podem,

encaram as 24 horas de viagem dent ro do ônibus, vão visit ar a família e ir à fest a. Após a

fest a, volt am ao cort e em São Paulo e ret ornam ao Vale somente em dezembro.

6 Aventurando-me a preparar pratos da culinária paulistana.

7Abdelmalek Sayad, estudando os imigrant es argelinos que se est abeleceram na França, foi quem deslocou

o foco dos est udos migratórios na década de 60. Enquant o pesquisas, numa visão et nocêntrica, eram realizadas pensando na adequação (ou não) dos imigrant es à sociedade receptora, ele revelou o emigrant e existente no imigrante, ou seja pessoas com história e lugar de origem.

(27)

Dois homens no ônibus, quando indagados, disseram que t rabalhavam na

mont agem (linha de mont agem em f ábricas), em Campinas e Ribeirão Pret o. Cont udo,

quando coment ei um pouco sobre o calendário agrícola da cana e localização das usinas,

eles sabiam responder e conversavam com muit o ent endiment o. Parecia ser o

t rabalhador rural querendo ser operário, com o dest ino da prolet arização no seu

horizont e, com a vida part ida ent re o “ cá” e o “ lá”9.

As grandes t ensões que vinham sendo observadas nas duas comunidades rurais

est udadas foram expressas por esses homens: (i) prolet ários no t errit ório da cana,

espaço de t rabalho; (ii) camponeses-migrant es, ent re o cá o lá; e (iii) camponeses, em

uma dura lut a para mant er a família na t erra. Sujeit os com uma inserção já longa (desde a

década de 1970) no mundo da indúst ria da cana-de-açúcar como proletários;

camponeses-migrant es, como t ant os milhares que perderam suas t erras em nome da modernização e

da expansão capit alist a no campo, procurando formas para se reproduzir socialment e

com seu grupo familiar; camponeses do Vale forjados ainda na época em que o ouro e

out ros met ais preciosos faziam com que esta região fosse a “ Menina dos olhos” do

Império colonial português.

Ao mesmo t empo, eram homens orgulhosos, criando para si uma realidade

“ única” (a da fábrica ou a da roça), não dando confiança à mulher/pesquisadora.

Nos t rabalhos de campo ant eriores, já havia percebido que a conversa com os

homens era mais delicada: eles devem se apresent ar sempre como vit oriosos e chefes de

família provedores; cont ar a dureza da vida durant e os nove meses de sofriment o para

uma mulher-estranha não é fácil. O mais natural é orgulhar-se da casa equipada com

9 Sendo o “ cá” o destino da migração e o “ lá” a t erra de origem, já tão distant e. São 24 horas separando

(28)

produt os adquiridos com o suor do t rabalho em São Paulo e com as economias realizadas

pela família no Vale.

Sayad (1988), ao estudar o emigrant e-imigrant e argelino observou que uma das

caract eríst icas do fenômeno da emigração é a dissimulação, para os próprios sujeit os, da

verdade de sua condição como “ t ransit ório” . Quando ele est eve na Cabília, região da

Argélia de onde part iram muit os migrant es, observou as aldeias em fest a com a chegada

dos homens: alt os, alt ivos e felizes em ret ornar para suas aldeias, para casament os e

fest as. Na aldeia, os homens falavam do quant o o t rabalho era difícil na França, de t odo o

rest o não falavam. Quando o pesquisador os encont rou na França, viu-os em alojament os

precários, retraídos em suas camas. Num depoiment o colhido pelo aut or, um argelino de

21 anos afirma:

Eles [ os homens mais ant igos que migraram para a França] não servem nem para o t rabalho nem para o combat e; est ão quebrados, só servem para dormir at é a ‘hora mais quent e do meio-dia’. Para est es a t erra serve, agora que da França eles t rouxeram suas carcaças; f oi só o que ela lhes deixou: um mont e de ossos que eles preservaram; só lhes rest a isso, o essencial, o que é ‘vivo’, eles deixaram na França. Aliás, t odos volt aram [ da França] com alguma coisa: alguns, com uma aposent adoria; out ros, uma pensão por invalidez. Eles t rouxeram consigo, ‘da França, sua part e’. (SAYAD, 1998, p. 31 - ent revista concedida em 1975)

Ao analisar as cont radições do processo de expansão do capit alismo na

agricult ura brasileira, M art ins (1986; 1988a) apont a que, no decorrer desse processo,

milhares de camponeses e indígenas perdem suas terras: recriam-se em out ro lugar, em

front eira; podem ser const rangidos à prolet arização, liberando a t erra para a ext ração da

renda fundiária; podem resist ir e lut ar pela t erra. O campesinat o brasileiro encerra todas

(29)

um espaço a out ro, refere-se à passagem de um t empo a out ro: do tempo de produção

camponesa para o t empo de produção e reprodução do capital. O migrant e é o sujeit o

social por excelência que submet ido à lógica de reprodução do capit al vive a t ransição

ent re duas lógicas, dois mundos:

Ser migrant e t emporário é viver t ais cont radições como duplicidade; é ser duas pessoas ao mesmo t empo, cada uma const it uída por específicas relações sociais, hist oricament e definidas; é viver como present e e sonhar como ausent e. É ser e não ser ao mesmo t empo, sair quando est á chegando, volt ar quando est á indo. É necessit ar quando est á saciado. É est ar em dois lugares ao mesmo t em po, e não est ar em nenhum. É, at é mesmo, part ir sempre e não chegar nunca. (MARTINS, 1986, p. 45)

Os cort adores de cana t ambém dissimulam para si mesmos sua condição de

t ransit órios10, revelam orgulho de pertencer à comunidade e orgulho de suas novas mercadorias, duas dimensões da vida indissociáveis no moment o. Escondem o quant o

est ão submetidos à lógica de exploração de seus corpos e de suas vidas como proletários

da empresa capit alist a de cana-de-açúcar. Os homens levam de São Paulo seus corpos

exaust os, quebrados, após o longo período da safra e, levam nos bolsos o acerto de

cont as com a usina (sempre menor que o esperado11) para a compra das mercadorias e

para garant ir a reprodução social de sua família.

José de Souza M art ins (1988a), ao discorrer sobre a compra dos óculos escuros

nas rodoviárias do Brasil, afirmou que as lent es compõem uma máscara que denot a a

t ransição dest e sujeit o. As falas dos migrant es sobre suas novas mercadorias revelam a

10 O termo transição nos parece indicar um sentido único estabelecido para a trajet ória do campesinato, um

ponto de partida e um pont o de chegada, que não corresponde à diversidade de processos sociais existentes no Brasil por isto, optamos por “ transitórios” .

11 Nos boletins de sindicatos rurais e do SPM e nas entrevistas realizadas sempre aparece a denúncia de

(30)

perversidade do fetiche da mercadoria e t ambém escondem t udo o que o migrant e não

expõe facilment e como o sofriment o vivido com as condições de t rabalho, as perdas e as

saudades. A ent rada dos camponeses no mundo do t rabalho assalariado, especificament e

no cort e de cana de açúcar em São Paulo, expõe rudemente a inserção t ão precária e

cont radit ória desses sujeit os no mundo moderno no qual, ent re outras caract erísticas, o

t rabalho deixa de ser um elemento const it ut ivo de um modo de vida e se t orna força de

t rabalho a ser absorvida pelo mercado.

[ ...] o signo do moderno, os óculos escuros, é engolido por uma lógica ant imoderna, embora cont inue parecendo moder no. Est e é o pont o: parecer moderno, mais do que ser moder no. A modernidade se apr esent a, assim, como a máscara para ser vist a. Est á mais no âmbit o do ser vist o do que no do viver. Ora, de qualquer modo, m esmo que o t empo do mascarament o seja esse t empo pret érit o, a máscara é a ident idade superficial e f enomênica própria da modernidade. (MARTINS, 2008a, p. 33)

A análise do processo que t ransforma o camponês-migrant e em consumidor de

mercadorias deve ser analisado com muit o rigor. O campesinat o não part icipa

integralment e da lógica de produção e consumo de mercadorias, dado que o valor de uso

permeia ainda hoje sua vida e suas represent ações. A mercadoria est á disponível para o

campesinat o porém seu fet iche e sua invenção como imprescindível, é vivida por eles de

forma part icular.

Em seus lugares de origem, em suas comunidades, os homens têm casa, muit os

cult ivam roça com a família, são chamados pelo nome, são conhecidos por t odos, não são

submet idos a roupas de t rabalho sufocant es, tomam banho de rio na época das águas,

(31)

suas casas e comunidade. São cont inuidade, pert enciment o, dignidade12, lugar e

moviment o.

Esses mesmos sujeit os, quando em São Paulo, moram em alojament os insalubres,

podem ludibriar os comerciant es locais adquirindo dívidas, são mal-vist os por muit os das

cidades onde se encont ram, não sabem o dia da semana em que se encont ram, recebem

not ícias esporádicas da família e, mais relevant e, est ão na condição de t ransit órios.

Sent em-se t emporários no espaço da cana, a ele não se apegam, apenas o suport am.

Conversar com os homens fora de seu lugar de origem mostrou o quant o eles est ão

deslocados em São Paulo.

Há uma aut o-ident ificação dupla que t raduz as cont radições vividas por est a

parcela do campesinat o: podem definir-se como sendo da “ sua comunidade” e como

cort adores de cana. É nest a dupla afirmação, prolet ários no espaço da cana e

camponeses no Vale, que reside à contradição: o quant o uma ident idade define e

sust ent a a out ra? Vivem numa margem, ent re o local de t rabalho (exploração e dinheiro

para a reprodução de sua família) e o t errit ório de sua comunidade e família.

Mart ins (1988a) salient a que nem sempre a imigração é um problema, ela pode

t ambém represent ar aut onomia para uma parcela camponesa que se libert a do julgo de

dominação de lat ifundiários. Tal constat ação, no ent ant o, não revela que a liberdade

obt ida ao sair do julgo de lat ifundiários é uma liberdade dent ro dos limit es da reprodução

do capit al, ou seja, a liberdade para vender a sua força de t rabalho onde quiser, ou mais

realist icament e, onde o mercado absorvê-la. Para Silva, a condição vivida ant es da década

de 1970 por uma parcela do campesinat o já era uma dominação-exploração capit alist a:

(32)

O que ocorreu foi uma mudança nas relações sociais, no int erior da dominação capit alist a. Os ant igos coronéis e fazendeiros foram subst it uídos pelos usineiros e fazendeiros via novos mediadores, sob a égide do Est ado e dos aparat os jurídicos. (SILVA, 1999, p. 19)

No caso est udado, o mercado principal de absorção da força de trabalho

masculina se encont ra no set or sucroalcooleiro no est ado de São Paulo.

Foi no segundo t rabalho de campo, em julho de 2007, época de cort e, que a

pesquisa se concent rou nas famílias e mulheres dos cort adores de cana. As primeiras

ent revistas, nesta colet a, não foram gravadas por cont a da vergonha/desconfiança que

esse equipament o provocava. Durant e algumas conversas, eu anot ava continuament e a

fala das ent revist adas. Diferent ement e dos homens, as mulheres expuseram suas vidas e

suas prát icas cot idianas na comunidade.

Os mét odos de colet a de regist ros, impressões e informações ut ilizados no

t rabalho de campo foram a observação part icipant e, as entrevistas semi-est rut uradas e

algumas hist órias de vida, sem perder de vist a que t odos os discursos são sempre

mediados por uma série de valores, inclusive o da própria pesquisadora.

As principais pergunt as feit as para as mulheres durant e os trabalhos de campo

foram: como se sent em quando os maridos não est ão em casa, como organizam o

cot idiano, como é a vida na ent ressafra da cana, como administ ram a economia

domést ica familiar, o que esperam para o fut uro de seus filhos.

Ainda em campo, a observação se dirigia às prát icas cot idianas das mulheres, ao

cuidado com a casa e os quint ais, às roças cult ivadas pelos moradores mais velhos, à

(33)

A part ir do conjunt o de observações e ent revistas, das anot ações feit as nas t ant as

cadernetas de campo, do estudo da t eoria, das conversas com a orient adora que

inst igava a revelar o que est ava velado (às vezes as nossas premissas ou o excesso de

cuidado com a pergunt a cent ral da pesquisa formaram véus que nublavam a

interpretação da realidade), novos t emas se revelaram, dent re eles o da

subproletarização e da condição de margem vivida pelas comunidades. “ Terceira

margem.”

Algumas das ent revist as em Engenheiro Schnoor ocorreram em bares, com

cant orias, cerveja e cachaça; out ras, em cozinhas e quint ais preparando a comida, nos

salões de beleza improvisados nas casas ou caminhando pelas ruas. Algumas se t ornaram

hist órias de vida. Escrever sobre est as ent revistas não é tarefa fácil, requer uma at enção

ét ica e humana. As conversas sobre a ausência dos maridos e a vida quando eles est ão

longe foram de tant a intensidade que não foram gravadas e sequer anot adas nos t rês

primeiros t rabalhos de campo, em 2007 e 2008. Até mesmo o regist ro fot ográfico das

mulheres foi evit ado.

Percorrendo a comunidade, ent re uma ent revist a e out ra, ao longo das semanas

passadas ali, observava at ent ament e quem estava nas ruas, como eram as crianças, que

t ipo de comércio se est abelecia, como eram as ruas, calçadas, praças, casas, quint ais e

como as pessoas da comunidade se relacionavam em suas prát icas cot idianas.

No quart o t rabalho de campo, já conhecendo e sendo conhecida por alguns

moradores, as ent revist as puderam ser gravadas. As ent revist as t ranscrit as encont ram-se

na ínt egra no final do volume.

Dada a dureza da realidade relat ada e a garantia de poder dizer t udo o que

(34)

proposit alment e fict ícios. Os relat os foram muit o pessoais e nos preocupamos em

defender a int imidade daquelas que t ant o revelaram, daquelas que encont raram na

pesquisadora - que não é da comunidade, port ant o não compart ilha o conjunt o de

costumes e de valores das pessoas do lugar - um canal para refletir sobre a própria vida.

Pelo compromisso firmado em campo de t rocar os nomes de algumas mulheres,

opt amos em t rocar t odos os nomes das pessoas das duas comunidades na t ent at iva de

deixar no anonimat o quem pediu, dado que as trajet órias de vida se ent recruzam. Pelo

mesmo mot ivo, opt amos em não colocar nenhuma fot o das pessoas das comunidades.

Durant e os t rabalhos de campo levávamos as f ot os t iradas na t emporada ant erior para

presenteá-los pois sempre era com alegria e orgulho que eles most ravam as fot os da

família.

Na comunidade de Alfredo Graça, as entrevist as ocorreram nas casas ou nos lot es

dos assent ados. Os homens do assent ament o “ Para a Terra” conversaram sem

demonst rar vergonha, se orgulhavam da produção na terra, da vida com suas f amílias e

da lut a.

1.1 Algumas premissas sobre as teorias migratórias

Segundo Vainer (2007) e Póvoa Net o (1997), são t rês as principais corrent es

t eóricas ident ificadas nos est udos sobre a migração, quais sejam: (a)neoclássica, (b)

hist órico-est rut ural e (c) mobilidade do t rabalho.

A liberdade do t rabalhador é uma das premissas da explicação dada pela corrent e

(a) neoclássica. O mercado regularia o fluxo de pessoas livres e o espaço social seria

(35)

t rabalhador livre possui a si mesmo e suas inúmeras capacidades (inclusive a capacidade

do t rabalho) e deve colocá-las à venda.

O mercado orient a os t rabalhador es, que são racionais, a locarem de maneira ót ima o recurso de que dispõem – seu capit al humano. Sendo o mercado o mais eficaz mecanismo para ot imizar a alocação de recursos (inclusive capit al humano, ou a população), qualquer int ervenção ext er na, qualquer t ent at iva de bloquear o livre jogo de ofert a e procura de localizações implicaria em um dist anciament o em relação ao pont o ót imo para o equilíbrio espacial, ót imo para o capit al e, por conseguint e, ót imo para t oda a sociedade. (VAINER, 2007, p. 20)

Em concordância com Vainer, Póvoa Neto afirma que para a concepção

neoclássica, o migrant e seria:

(...) um port ador de t rabalho, um fat or produt ivo que, em combinações adequadas com a t erra e o capit al, apresent a int eresse para os processos de desenvolviment o econômico. (PÓVOA, 1997, p.15)

O raciocínio neoclássico ent ende a liberdade do trabalhador em sua posit ividade:

ele tem sua força de trabalho para ser negociada no mercado de t rabalho.

Não há como invest ir na t eoria neoclássica da liberdade e da regulação do

mercado, pois est a nega qualquer possibilidade e ent endiment o dialét ico da realidade e

seus conflit os13. Para os neoclássicos, se o mercado é o grande regulador, qualquer

est ranhament o vist o na realidade pode ser lido como o moment o de desestrut uração em

vias de equilibrar-se, pois, afinal, est e seria o grande mérit o do mercado.

1313 Tendo em vista t ambém as migrações internacionais e t oda a sua complexidade, não nos parece factível

(36)

No segundo modelo analisado pelos aut ores, denominado (b) est rutural, t ambém

chamado por alguns aut ores de hist órico-est rut ural, os indivíduos não fazem escolhas,

“ (...) é o moviment o do capital, sua expansão e ret rat ação, seu deslocament o ou

permanência que comanda a mobilidade e localização do t rabalho.” (VAINER, 2007, p. 21).

O espaço deixou de ser o espaço social da liberdade individual, agora é o espaço da

est rut ura capit alist a, espaço est rut ural ou est rut urado. O prot agonist a deste espaço é o

capit al.

No modelo hist órico-est rut ural ou estrut ural, os grupos e as classes sociais sofrem

a pressão das est rut uras sociais. Os mot ivos de expulsão no lugar de origem e a sua

função no int erior do sist ema econômico mais amplo são cent rais nos est udos sobre a

migração para esse modelo. No ent ant o, há problemas em conciliar os níveis macro e

micro na análise do fenômeno, segundo Póvoa (1997).

No modelo hist órico-est rut ural, o t rabalhador como indivíduo é soment e port ador

da lógica da est rutura e não mais o sujeit o livre do modelo neoclássico.

Para os neoclássicos, a ‘liberdade’ dos sujeit os era const it uída soment e por sua

positividade. A corrente hist órico-estrut ural most ra a face obscura da liberdade, a sua

negatividade. O conceit o de liberdade negat iva em M arx busca compreender o

t rabalhador como despossuído dos meios de produção e de subsistência, sujeit ado pelo

capit al, sujeit o-sujeit ado.

A crít ica à liberdade negat iva t ende a ser ‘borrada’ conforme o capit al se

espacializa ao longo do t empo. A violência da acumulação primit iva, descrita por M arx, se

nat uraliza. Os t rabalhadores serão educados, disciplinados e exercerão ‘livrement e’ as leis

da est rut ura, t ão ‘livrement e’ que a negat ividade da liberdade deixará de ser frut o de

(37)

Vainer ident ifica nos dois modelos ant agônicos uma convergência: o espaço de

deslocamento, em ambos modelos, é um espaço econômico do mercado ou da estrut ura,

espaço da razão (est rut ural capit alist a ou do mercado). As considerações sobre a

est rut ura do capit al e de sua reprodução est ão f ormuladas em M arx e poderiam se t ornar

at emporais.

Ambas corrent es dispensam um t rabalho de campo que se debruce sobre a

realidade vivida pelos migrant es já que as explicações já est ão dadas.

Os migrant es mobilizados para o cort e não são t ão sujeit os de seu caminho (como

os neoclássicos gost ariam) t odavia t ampouco devem ser vist os soment e como sujeitados

a um modelo econômico como sugere a corrente hist órico-estrut ural.

A cont radição sujeit o/sujeit ado inerent e à atual condição de t rabalhadores

t emporários est á present e nas práticas dos migrant es junt o às suas famílias e

comunidades no município de Araçuaí. A cont radição se expressa nas prát icas cot idianas

desconsideradas pelas duas corrent es.

O t errit ório camponês estudado nas duas comunidades rurais do Vale do

Jequit inhonha (como será apresent ado ao longo da t ese) não é apenas o lócus de

sobrevivência mat erial e de pert enciment o de pert enciment o, é t ambém um lugar de

ação polít ica14 . É a ‘t erra’. Para o campesinat o ela é um dos alicerces que rege t odo um

modo de vida secular e em permanent e t ransformação. À t erra, os camponeses

ret ornam, pois ela guarda sua família, sua ident idade e potencialment e as condições para

a sua realização humana.

Póvoa Net o afirma que est amos diant e de um campo em disputa, “ (...) um campo

de enfrent ament o de posições políticas e met odológicas a respeit o da migração, o qual

14 Exercido nos sindicatos, nos encontros promovidos pela SPM e Cáritas mas que não foi o foco da nossa

(38)

será aqui designado como constit uindo a questão migrat ória” (1997, p.12). Ele apresent a

mais uma possibilidade teórica além da neoclássica e da est rut ural. Para este aut or assim

como para Heidemann (anot ação de aula, 2008), a t erceira corrente assent a-se nas

formulações de Gaudemar (1976) sobre a (c) mobilidade do t rabalho.

Gaudemar (1976) resgat a em M arx (especialment e no capít ulo inédit o) a crít ica às

formulações neoclássicas ancoradas em Adam Smit h para erigir o conceit o crít ico de

mobilidade do trabalho. Como muit os dos conceit os em Marx, a mobilidade da força de

t rabalho não deve ser encarada como t ot alment e definida. Gaudemar afirma:

(...) como conceit o que corresponde às formas de exist ência da força de trabalho como mercadoria, surge e impõe-se t ambém a part ir da análise dest as formas propriament e dit as: const it ui o único modo de compreender globalment e aquilo que permit e, na mult iplicidade de seus modos, a submissão do t rabalho ao capital.(1976, p. 341)

Para a compreensão dest a submissão, o aut or resgat a o carát er t riplo da

mercadoria: valor de uso, valor de troca e inserção no mercado. A inserção no mercado

possibilit a o ent endiment o do t rabalho t ransformado em força de t rabalho. O t rabalho

(como nexo de mediação social), diante do capit al, permanece com seu carát er concret o

de produt or de valores de uso e ganha um significado abst rat o: é reduzido a força de

t rabalho e produt or de valor.

A força de t rabalho é uma mercadoria muit o part icular: seu valor de uso possui a

virt ude de ser valor de troca, e ao ser consumida, cria valor – det erminado pelo tempo de

t rabalho socialment e necessário para a sua produção. A força de t rabalho t orna-se uma

(39)

Como força de t rabalho, o t rabalho humano pode ser comprado e vendido dado

que ele é livre (em sua posit ividade e negat ividade). A mobilidade do trabalho, ou da

força de t rabalho, t orna-se condição de exist ência da reprodução ampliada do

capit alismo. Out ra condição para a reprodução é a submissão da mobilidade do

t rabalhador às exigências de organização do t rabalho: duração, int ensidade,

produt ividade, deslocament o espacial. Reside aqui uma das chaves t eóricas, no campo

econômico, para a compreensão da quest ão migrat ória.

Segundo Gaudemar, quanto maior a produção capit alist a, maior a mobilidade

exigida à capacidade de trabalho:

A mobilidade é a capacidade que permit e à força de t rabalho adapt ar-se às variações da jornada de t rabalho, à permut ação dos post os de trabalho, aos ef eit os de uma divisão do t rabalho cada vez maior. (1976, p. 194)

A front eira ent re a abordagem da mobilidade do trabalho e a concepção hist

órico-est rut uralist a parece-nos t ênue. Póvoa (1997) apont a que a primeira enfoca o processo

de acumulação capit alist a em escala ampliada e que a segunda enfoca os problemas

est rut urais causadores dos fluxos migratórios.

Para os que defendem a t eoria da mobilidade do trabalho, uma alt ernat iva se

apresent a: est udar as formas como o capit al mobiliza a t odos nós, como dispõe da força

de t rabalho e como lança mão dos migrant es, na escala (relacional) est udada que for,

para sua reprodução.

A discussão sobre a quest ão migrat ória, como observado até o moment o, t ambém

apresent a seus ‘campos’ e ‘sub-campos’ de disput a. Tomamos de Bourdieu (2004, p. 21) o

(40)

qual se inserem os agent es sociais e as instit uições que o produzem. O campo cient ífico é

um mundo social que t ambém t em suas regras e exigências e const it ui-se num campo de

força, campo de lut as t ant o em sua represent ação como na realidade.

Heidemann15 , além das correntes mais difundidas, apresent a outra possibilidade

de análise: a crise e o fim do t rabalho. O migrant e ‘mobilizado de ant igament e’ t

ornar-se-á, além de mobilizado, flexibilizado.

Abdelmalek Sayad, apont ado como um dos progenit ores dos est udos, chamados

“ culturais” , em t ext os publicados ent re 1975 e 1988, reunidos no Brasil no livro chamado

“ A imigração” (1998), apresent a t emas novos relacionados à lógica do moviment o

migrat ório.

O int elect ual argelino t ambém é um imigrant e, mas numa sit uação privilegiada,

como professor na França. Viveu a década de 1970 ent re a França e a Argélia e conheceu

o processo de desest ruturação pelo qual passaram as comunidades rurais da Argélia,

especialment e da Região Kabila, e a intensa migração desses para a França. Em outros

países da Europa t ambém a migração foi incent ivada at é meados da década de 1960/1970

quando começou a t ornar-se um problema, do pont o de vist a da sociedade recept ora,

que at ualment e mobiliza boa part e do aparat o jurídico e policial destas nações para a

cont enção do fluxo.

Um dos mérit os do aut or foi entender a dimensão simbólica e mat erial do

“ retorno como element o const it utivo da condição do migrant e” (Sayad,2000). Muit os

suport am as agruras da imigração para t erem seu lugar, lugar do emigrant e, garantido

15 Dieter Heidemann ministrou em 2008 o curso: Migração e Dinâmicas Territ oriais nos Processos de

(41)

em sua volt a, ainda que seja como mit o. ‘Ret orno’ que possibilit ará, no caso dos argelinos

est udados por ele, o re-encont ro com a família e com o lugar.

Segundo Sayad, est e ret orno pode se const it uir numa dupla ficção: ficção de uma

volt a que se sabe impossível e a ficção de uma nat uralização ambígua na França.

O ent endiment o dos processos sócio-territ oriais que criam a mobilidade do

t rabalho careceria, para os “ cult uralist as” , de out ras explicações que dêem cont a de

ent ender o que mais est es t rabalhadores são (além de força de t rabalho), o que fazem,

com que sonham e como se t erritorializam.

Ao longo dos capít ulos desta pesquisa analisaremos como o campesinato se

t ornou força de t rabalho mobilizada pelos int eresses de reprodução do capit al e se esses

t rabalhadores garant em, precária e cont raditoriament e, a reprodução social de sua

família.

O caminho teórico-met odológico escolhido foi a análise das prát icas cot idianas

para a crít ica dos processos que mobilizam o camponês do Vale, transformando-o em

(42)

2

Panorama da produção de

agrocombust íveis

. Eu já fui Rei, a minha mulher foi Rainha,

pela mat a eu ia e vinha, livre como animal,

Mas hoje em dia, sou como um bicho acuado,

t rabalhando acorrent ado, preso no canavial

O cort a cana, cort a cana, cort a cana, nego velho,

corta cana no canavial

(43)

ma das cont ribuições que est a pesquisa almeja é revelar um aspect o ainda

não muit o abordado no campo das ciências humanas acerca da quest ão energét ica

brasileira e da opção pela produção do et anol advindo da cana-de-açúcar, qual seja: a

t errit orialização cont radit ória do camponês-migrant e que cort a cana de açúcar em São

Paulo. Esperamos que est a análise da migração venha se somar às reflexões sobre a

quest ão energét ica, sobre o agronegócio e, no campo mais específico da geografia

agrária, possa t razer o t ema da migração e suas implicações nos lugares de origem e na

reprodução social dos camponeses migrant es como cont eúdos relevant es no est udo do

espaço agrário lat ino-americano.

Há aut ores que se debruçaram sobre as condições de t rabalho do migrant e

cort ador de cana em São Paulo e que teceram algumas considerações sobre o seu lugar

de origem t ais como Francisco Alves (2006; 2007) e Maria Aparecida de Moraes Silva

(1999). Entret ant o não conhecemos muit os trabalhos cujo foco de análise seja a

reprodução social do t rabalhador migrant e e sua t errit orialização cont radit ória em seu

lugar de origem, na forma como pret endemos fazer nest e t rabalho.

Tendo como objet ivo secundário da t ese, ent ender como ocorre o processo

cont radit ório da reprodução camponesa em f ace da t errit orialização do gado e do eucalipt o

em Minas Gerais e da cana- de- açúcar em São Paulo nos lançamos nest e capít ulo à

empreit ada de desenhar um panorama da produção de açúcar e álcool em São Paulo - e

seu corolário, a produção da agroenergia e sua demanda por t rabalhadores migrant es -

bem como a cumplicidade do Est ado no processo de territ orialização do agronegócio e

mobilização de força de t rabalho.

(44)

Faremos a seguir algumas observações sobre o agronegócio do set or

sucroalcooleiro, para ret omarmos nos capít ulos subseqüent es, a quest ão migrat ória em

Araçuaí e a t errit orialização do gado e do eucalipto em M inas Gerais.

2.1 Antecedentes ambientais

A relação ent re cresciment o econômico desmedido e o agravamento das quest ões

ambient ais ganhou um novo cont orno a part ir da realização de fóruns int ernacionais e da

publicação de alguns document os. Dent re eles, o Relatório do Clube de Roma em 197216,

elaborado na Primeira Conferência do Meio Ambiente, ocorrida em Est ocolmo; o

Relat ório Brundt land ou Nosso Fut uro Comum17 de 1987; a Agenda 2118 (plano de ação

para a implant ação do desenvolviment o sustent ável) e a Convenção sobre Diversidade

Biológica19 - ambas formuladas durante a II Conferência das Nações Unidas sobre Meio

Ambient e e Desenvolviment o em 1992, conhecida como ECO 92. Para t ratar mais

especificament e das mudanças climát icas, foi criado o Painel Intergovernament al sobre

Mudança do Clima (IPCC)20 em 1988 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambient e (PNUMA) e pela Organização M et eorológica Mundial (OMM). Atualment e são

os est udos feit os pelos pesquisadores do IPCC que fornecem o discurso cient ífico oficial

ao debat e sobre as mudanças climát icas.

16 Disponível em: <http://w ww.clubofrome.at/about/limitstogrowth.html>. Acesso em: 11/04/2010.

17 Apresent ado em 1987, propõe o desenvolvimento sust ent ável como alternativa ao modelo de

desenvolvimento. Foi publicado após 15 anos da reunião em Estocolmo e visando a produção de um document o mais det alhado que conciliasse as divergências surgidas durante a I Conferência. Disponível em: <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N87/184/67/IMG/N8718467.pdf?OpenElement>. Acesso em: 11-04-2010.

18 Disponível em: <http://www.un.org/esa/dsd/agenda21/>. Acesso em: 11/04/2010. 19 Disponível em: <http://www.cdb.gov.br/CDB>. Acesso em: 11/04/2010.

20 O objetivo desse Painel é avaliar os conhecimentos científicos produzidos sobre os efeit os das mudanças

Imagem

Figura 1.  M apa de Minas Gerais: Vale do Jequitinhonha e Araçuaí  23
Figura 1 . Mapa de Minas Gerais: Vale do Jequit inhonha e Araçuaí.
Figura 3 . Imagem de sat élit e da comunidade do Graça.

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