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Queremos t ecer aqui uma aproximação ent re a leit ura do t empo ordinário cíclico, t al como cunhada por Brandão (1999) e uma out ra leit ura do espaço-t empo feita por Mircea Eliade (1992) em “ O sagrado e o profano” .

Nessa obra, escrit a na década de 1950, o hist oriador de religião se propõe a examinar as duas formas de est ar no mundo, segundo ele: a sagrada e a profana. Ele se vale de uma cont ribuição de Rudolf Ot t o, de 1917, acerca da experiência religiosa, numa época em que eram mais comuns os est udos sobre as idéias de Deus e de religião, para formular sua idéia est rut urada numa ant inomia:

O leit or não t ardará a dar-se cont a de que o sagrado e o profano const it uem duas modalidades de ser no Mundo, duas sit uações exist enciais assumidas pelo hom em ao longo de sua hist ória. (ELIADE, 1992, p. 20) A primeira definição de sagrado de Eliade é feit a em oposição ao profano. Para ele, o profano é uma novidade: “ É preciso dizer, desde já, que o mundo profano na sua t ot alidade, o Cosmos t ot alment e dessacralizado, é uma descobert a recent e na hist ória do espírit o humano”. (ibid, p. 19)

A segunda definição implica em ent ender que o sagrado, muit as vezes, se apresent a como um hierofania, ou seja, uma manifest ação do sagrado. O homem t oma cont at o com o sagrado porque este “ (...) se nos revela.” (ELIADE, 1992, p. 17). Nas sociedades primit ivas, segundo Eliade, prevaleceria o modo de ser sagrado, o aut or

recorre a muit os exemplos de mit ologias e de et nologias; para as sociedades mais urbanizadas rest aria o modo de ser profano.

Nest a pesquisa ent endemos que as duas formas de est ar no mundo, sagrada e profana74, se ent recruzam e que a front eira não é t ão rígida como o aut or dispôs na década de 1950. É a idéia de experiência do sagrado que nos int eressa para ent endermos a relação ent re as fest as, a migração e a importância do fluir do t empo ordinário.

As sociedades t radicionais vivem mais próximas do sagrado - ent endido aqui como proximidade da nat ureza, do divino, de Deus - e experiment am o profano de forma não t ão absolut izada como o aut or defende. Daí preferirmos t omar como pont o de partida a

experiência do sagrado.

As fest as religiosas, especialment e a de Virgem da Lapa que já t em muit as décadas, criam o cenário para os t ant os encont ros sagrados e profanos, para as rezas, as promessas, para os casament os e para o acesso às mercadorias. A cidade no sert ão que sedia uma festa para um sant o vira uma praça de mercado. O profano é part e const it uinte da experiência sagrada, est ava present e em Virgem da Lapa nas t ant as mercadorias, nos shows, na presença “ exibida” dos homens, no moment o (in)comum do consumo, na cachaça oferecida ao sant o, t omada durant e o forró depois da reza. Est ava no Graça com as mot os barulhent as, com as famílias ligadas no BBB.

Part icipar de uma de fest a (principalment e religiosa) implica quase na supressão do t empo ordinário (t empo das prát icas cot idianas) para reint egrar-se no t empo mít ico re-at ualizado pela própria fest a. As narrat ivas dos camponeses, quando relat am uma fest a ou cont am a passagem de algum t recho da Bíblia, utilizam o present e como t empo

verbal como se ele est ivesse acont ecendo novament e no moment o da fest a ou da reza75, naquele exat o moment o. O t empo ordinário comport a a experiência sagrada, que pode ser re-vivida durant e uma fest a religiosa. Tempo-espaço ordinários do campesinat o englobam um t empo-espaço sagrado, o qual é recuperável, repet ível, não muda, não se esgot a e não flui. Ele escapa dos ciclos demonstrados por Brandão (1999).

Ao nos referirmos às fest as entendemos que a cult ura camponesa, no nosso est udo, at ribui const ant ement e significado ao seu lugar, ao seu t empo e às suas prát icas76. A vida camponesa se realiza nas t eias de t empos e espaços ordinários e sagrados t endo como pilares a t erra, a família e o t rabalho.

Para o campesinat o, a fest a tem a conot ação de fart ura. Gast a-se uma provisão acumulada ou produzida durant e o ano. Se em algum t empo essa provisão foi de sement es, de conservas ou de produt os de uma colheit a, hoje ela pode ser t ambém de algum dinheiro guardado. A forma mercadoria assume um significado diverso: ela se concent ra em bugigangas que podem ser adquiridas na praça de mercado que circunda as grandes fest as. Terra, t rabalho, fest a e aliment o cont inuam não sendo mercadorias com valor de t roca para o campesinat o orient ado por uma ordem, chamada por Klass Woort mann, de ordem moral77.

As fest as de cunho popular e religioso no sert ão t ambém se fazem not ar em Araçuaí, na cidade e no campo. Como já explicit ado no capít ulo “ A pesquisa em curso”,

75 Lembremos que muitas comunidades rurais aguardam a volta de Dom Sebastião desconsiderando o

passar dos séculos.

76 Para Marshall Sahlins (2004), é o conjunto de significados por nós mesmos constituídos que define a

qualidade humana e nos insere em uma outra lógica, qual seja: a razão simbólica ou significativa. Viver num mundo material é uma circunstância compartilhada com t odos os organismos. O autor critica a idéia de que as culturas humanas são formuladas a partir da atividade prática e posiciona-se contrariamente à t eoria da práxis. Para ele, o significado é propriedade específica do objeto antropológico e é a cultura que constitui a ut ilidade.

alguns t rabalhos de campo ocorreram em época de festa: Fest a de São Sebastião (na Igreja de Nossa Senhora do Rosário) na área urbana em 2008; a Reza do M enino Jesus, no Graça, em 2008 e a fest a de Virgem de Lapa, com carát er mais regional, realizada no município de mesmo nome, vizinho à Araçuaí, em 2009.

Relat aremos brevement e cada uma delas, a part ir das anot ações da cadernet a de campo, para ent endermos de que forma a fest a religiosa e a experiência do sagrado se inscrevem na territ orialização camponesa-migrant e das comunidades em est udo.