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A pesquisa em curso

1.1 Algumas premissas sobre as teorias migratórias

Segundo Vainer (2007) e Póvoa Net o (1997), são t rês as principais corrent es t eóricas ident ificadas nos est udos sobre a migração, quais sejam: (a)neoclássica, (b) hist órico-est rut ural e (c) mobilidade do t rabalho.

A liberdade do t rabalhador é uma das premissas da explicação dada pela corrent e (a) neoclássica. O mercado regularia o fluxo de pessoas livres e o espaço social seria homogêneo, abst rat o e purament e econômico, fundado na liberdade individual. O

t rabalhador livre possui a si mesmo e suas inúmeras capacidades (inclusive a capacidade do t rabalho) e deve colocá-las à venda.

O mercado orient a os t rabalhador es, que são racionais, a locarem de maneira ót ima o recurso de que dispõem – seu capit al humano. Sendo o mercado o mais eficaz mecanismo para ot imizar a alocação de recursos (inclusive capit al humano, ou a população), qualquer int ervenção ext er na, qualquer t ent at iva de bloquear o livre jogo de ofert a e procura de localizações implicaria em um dist anciament o em relação ao pont o ót imo para o equilíbrio espacial, ót imo para o capit al e, por conseguint e, ót imo para t oda a sociedade. (VAINER, 2007, p. 20)

Em concordância com Vainer, Póvoa Neto afirma que para a concepção neoclássica, o migrant e seria:

(...) um port ador de t rabalho, um fat or produt ivo que, em combinações adequadas com a t erra e o capit al, apresent a int eresse para os processos de desenvolviment o econômico. (PÓVOA, 1997, p.15)

O raciocínio neoclássico ent ende a liberdade do trabalhador em sua posit ividade: ele tem sua força de trabalho para ser negociada no mercado de t rabalho.

Não há como invest ir na t eoria neoclássica da liberdade e da regulação do mercado, pois est a nega qualquer possibilidade e ent endiment o dialét ico da realidade e seus conflit os13. Para os neoclássicos, se o mercado é o grande regulador, qualquer est ranhament o vist o na realidade pode ser lido como o moment o de desestrut uração em vias de equilibrar-se, pois, afinal, est e seria o grande mérit o do mercado.

1313 Tendo em vista t ambém as migrações internacionais e t oda a sua complexidade, não nos parece factível

afirmar que a migração re-equilibrará os diferent es espaços e que o migrante seja est e indivíduo dotado de toda a potência de sua liberdade.

No segundo modelo analisado pelos aut ores, denominado (b) est rutural, t ambém chamado por alguns aut ores de hist órico-est rut ural, os indivíduos não fazem escolhas, “ (...) é o moviment o do capital, sua expansão e ret rat ação, seu deslocament o ou permanência que comanda a mobilidade e localização do t rabalho.” (VAINER, 2007, p. 21). O espaço deixou de ser o espaço social da liberdade individual, agora é o espaço da est rut ura capit alist a, espaço est rut ural ou est rut urado. O prot agonist a deste espaço é o capit al.

No modelo hist órico-est rut ural ou estrut ural, os grupos e as classes sociais sofrem a pressão das est rut uras sociais. Os mot ivos de expulsão no lugar de origem e a sua função no int erior do sist ema econômico mais amplo são cent rais nos est udos sobre a migração para esse modelo. No ent ant o, há problemas em conciliar os níveis macro e micro na análise do fenômeno, segundo Póvoa (1997).

No modelo hist órico-est rut ural, o t rabalhador como indivíduo é soment e port ador da lógica da est rutura e não mais o sujeit o livre do modelo neoclássico.

Para os neoclássicos, a ‘liberdade’ dos sujeit os era const it uída soment e por sua positividade. A corrente hist órico-estrut ural most ra a face obscura da liberdade, a sua negatividade. O conceit o de liberdade negat iva em M arx busca compreender o t rabalhador como despossuído dos meios de produção e de subsistência, sujeit ado pelo capit al, sujeit o-sujeit ado.

A crít ica à liberdade negat iva t ende a ser ‘borrada’ conforme o capit al se espacializa ao longo do t empo. A violência da acumulação primit iva, descrita por M arx, se nat uraliza. Os t rabalhadores serão educados, disciplinados e exercerão ‘livrement e’ as leis da est rut ura, t ão ‘livrement e’ que a negat ividade da liberdade deixará de ser frut o de uma série de expropriações.

Vainer ident ifica nos dois modelos ant agônicos uma convergência: o espaço de deslocamento, em ambos modelos, é um espaço econômico do mercado ou da estrut ura, espaço da razão (est rut ural capit alist a ou do mercado). As considerações sobre a est rut ura do capit al e de sua reprodução est ão f ormuladas em M arx e poderiam se t ornar at emporais.

Ambas corrent es dispensam um t rabalho de campo que se debruce sobre a realidade vivida pelos migrant es já que as explicações já est ão dadas.

Os migrant es mobilizados para o cort e não são t ão sujeit os de seu caminho (como os neoclássicos gost ariam) t odavia t ampouco devem ser vist os soment e como sujeitados a um modelo econômico como sugere a corrente hist órico-estrut ural.

A cont radição sujeit o/sujeit ado inerent e à atual condição de t rabalhadores t emporários est á present e nas práticas dos migrant es junt o às suas famílias e comunidades no município de Araçuaí. A cont radição se expressa nas prát icas cot idianas desconsideradas pelas duas corrent es.

O t errit ório camponês estudado nas duas comunidades rurais do Vale do Jequit inhonha (como será apresent ado ao longo da t ese) não é apenas o lócus de sobrevivência mat erial e de pert enciment o de pert enciment o, é t ambém um lugar de ação polít ica14 . É a ‘t erra’. Para o campesinat o ela é um dos alicerces que rege t odo um modo de vida secular e em permanent e t ransformação. À t erra, os camponeses ret ornam, pois ela guarda sua família, sua ident idade e potencialment e as condições para a sua realização humana.

Póvoa Net o afirma que est amos diant e de um campo em disputa, “ (...) um campo de enfrent ament o de posições políticas e met odológicas a respeit o da migração, o qual

14 Exercido nos sindicatos, nos encontros promovidos pela SPM e Cáritas mas que não foi o foco da nossa

será aqui designado como constit uindo a questão migrat ória” (1997, p.12). Ele apresent a mais uma possibilidade teórica além da neoclássica e da est rut ural. Para este aut or assim como para Heidemann (anot ação de aula, 2008), a t erceira corrente assent a-se nas formulações de Gaudemar (1976) sobre a (c) mobilidade do t rabalho.

Gaudemar (1976) resgat a em M arx (especialment e no capít ulo inédit o) a crít ica às formulações neoclássicas ancoradas em Adam Smit h para erigir o conceit o crít ico de mobilidade do trabalho. Como muit os dos conceit os em Marx, a mobilidade da força de t rabalho não deve ser encarada como t ot alment e definida. Gaudemar afirma:

(...) como conceit o que corresponde às formas de exist ência da força de trabalho como mercadoria, surge e impõe-se t ambém a part ir da análise dest as formas propriament e dit as: const it ui o único modo de compreender globalment e aquilo que permit e, na mult iplicidade de seus modos, a submissão do t rabalho ao capital.(1976, p. 341)

Para a compreensão dest a submissão, o aut or resgat a o carát er t riplo da mercadoria: valor de uso, valor de troca e inserção no mercado. A inserção no mercado possibilit a o ent endiment o do t rabalho t ransformado em força de t rabalho. O t rabalho (como nexo de mediação social), diante do capit al, permanece com seu carát er concret o de produt or de valores de uso e ganha um significado abst rat o: é reduzido a força de t rabalho e produt or de valor.

A força de t rabalho é uma mercadoria muit o part icular: seu valor de uso possui a virt ude de ser valor de troca, e ao ser consumida, cria valor – det erminado pelo tempo de t rabalho socialment e necessário para a sua produção. A força de t rabalho t orna-se uma mercadoria cujo consumo cria valor e est e produz capit al.

Como força de t rabalho, o t rabalho humano pode ser comprado e vendido dado que ele é livre (em sua posit ividade e negat ividade). A mobilidade do trabalho, ou da força de t rabalho, t orna-se condição de exist ência da reprodução ampliada do capit alismo. Out ra condição para a reprodução é a submissão da mobilidade do t rabalhador às exigências de organização do t rabalho: duração, int ensidade, produt ividade, deslocament o espacial. Reside aqui uma das chaves t eóricas, no campo econômico, para a compreensão da quest ão migrat ória.

Segundo Gaudemar, quanto maior a produção capit alist a, maior a mobilidade exigida à capacidade de trabalho:

A mobilidade é a capacidade que permit e à força de t rabalho adapt ar-se às variações da jornada de t rabalho, à permut ação dos post os de trabalho, aos ef eit os de uma divisão do t rabalho cada vez maior. (1976, p. 194)

A front eira ent re a abordagem da mobilidade do trabalho e a concepção hist órico- est rut uralist a parece-nos t ênue. Póvoa (1997) apont a que a primeira enfoca o processo de acumulação capit alist a em escala ampliada e que a segunda enfoca os problemas est rut urais causadores dos fluxos migratórios.

Para os que defendem a t eoria da mobilidade do trabalho, uma alt ernat iva se apresent a: est udar as formas como o capit al mobiliza a t odos nós, como dispõe da força de t rabalho e como lança mão dos migrant es, na escala (relacional) est udada que for, para sua reprodução.

A discussão sobre a quest ão migrat ória, como observado até o moment o, t ambém apresent a seus ‘campos’ e ‘sub-campos’ de disput a. Tomamos de Bourdieu (2004, p. 21) o conceit o de campo como sendo t odo o universo ent re o t ext o e o cont exto, universo no

qual se inserem os agent es sociais e as instit uições que o produzem. O campo cient ífico é um mundo social que t ambém t em suas regras e exigências e const it ui-se num campo de força, campo de lut as t ant o em sua represent ação como na realidade.

Heidemann15 , além das correntes mais difundidas, apresent a outra possibilidade de análise: a crise e o fim do t rabalho. O migrant e ‘mobilizado de ant igament e’ t ornar-se- á, além de mobilizado, flexibilizado.

Abdelmalek Sayad, apont ado como um dos progenit ores dos est udos, chamados “ culturais” , em t ext os publicados ent re 1975 e 1988, reunidos no Brasil no livro chamado “ A imigração” (1998), apresent a t emas novos relacionados à lógica do moviment o migrat ório.

O int elect ual argelino t ambém é um imigrant e, mas numa sit uação privilegiada, como professor na França. Viveu a década de 1970 ent re a França e a Argélia e conheceu o processo de desest ruturação pelo qual passaram as comunidades rurais da Argélia, especialment e da Região Kabila, e a intensa migração desses para a França. Em outros países da Europa t ambém a migração foi incent ivada at é meados da década de 1960/1970 quando começou a t ornar-se um problema, do pont o de vist a da sociedade recept ora, que at ualment e mobiliza boa part e do aparat o jurídico e policial destas nações para a cont enção do fluxo.

Um dos mérit os do aut or foi entender a dimensão simbólica e mat erial do “ retorno como element o const it utivo da condição do migrant e” (Sayad,2000). Muit os suport am as agruras da imigração para t erem seu lugar, lugar do emigrant e, garantido

15 Dieter Heidemann ministrou em 2008 o curso: Migração e Dinâmicas Territ oriais nos Processos de

Modernização. Muitas das inferências a seguir foram extraídas dos meus apont amentos das aulas ou da leitura de alguns text os seus em cópia mimeo.

em sua volt a, ainda que seja como mit o. ‘Ret orno’ que possibilit ará, no caso dos argelinos est udados por ele, o re-encont ro com a família e com o lugar.

Segundo Sayad, est e ret orno pode se const it uir numa dupla ficção: ficção de uma volt a que se sabe impossível e a ficção de uma nat uralização ambígua na França.

O ent endiment o dos processos sócio-territ oriais que criam a mobilidade do t rabalho careceria, para os “ cult uralist as” , de out ras explicações que dêem cont a de ent ender o que mais est es t rabalhadores são (além de força de t rabalho), o que fazem, com que sonham e como se t erritorializam.

Ao longo dos capít ulos desta pesquisa analisaremos como o campesinato se t ornou força de t rabalho mobilizada pelos int eresses de reprodução do capit al e se esses t rabalhadores garant em, precária e cont raditoriament e, a reprodução social de sua família.

O caminho teórico-met odológico escolhido foi a análise das prát icas cot idianas para a crít ica dos processos que mobilizam o camponês do Vale, transformando-o em força de t rabalho, lançando-o em uma margem onde a vida acont ece num fio de navalha.

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Panorama da produção de