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AS VÁRIAS FACES DO CUIDAR DE SI

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Academic year: 2018

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"

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Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do Título de Mestre em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação da Prof.ª Dr.aElisabeth Frohlich Mercadante.

(2)

' ( ) *

_______________________________

_______________________________

(3)

( + !,

A meus queridos, com todo meu amor

Ao maridão José, grande companheiro e estímulo maior.

Aos filhos amados, Mariana, Diego e André, almas mais que importantes na

minha vida.

Yvettinha, minha mãe, com insistente interesse sempre perguntando:

“Quando é que esta coisa acaba”?

Para meus entrevistados, pela grande colaboração, disponibilidade e

confiança.

Para minha inesquecível e querida Kaká(in memoriam).

(4)

---Hoje vi um morador de rua comendo um punhado de macarrão

contido no interior de um saco plástico. Minha impressão foi a de que o

macarrão estava frio. Eram 13h e aquele homem, de aproximadamente 60

anos, sujo e maltrapilho, sob um sol escaldante de 34 graus, comia em pé,

sem cerimônia, num cruzamento localizado nas proximidades da Av. 23 de

maio, no centro de São Paulo.

Que cena! – pensei. Em que *" vivemos? Existem, sim, vários

mundos. Naquele momento, pensei na linha a divisar esses mundos. Pensei

em meu rosto limpinho; na roupa cheirosa que vestia; no corpo físico, recémE

alimentado, coincidentemente, por um prato de macarrão quente; no carro

bom que guiava; na vida quase certinha que levava; e no único objetivo para

o qual direcionava meu olhar: estudar a temática (" e nela

aprofundarEme.

De fato, diante de mim o antídoto da tese.

IndagueiEme, então: De que valia meu estudo para aquele homem?

Concluí que ele, por razões óbvias, não poderia estar nem um pouco

preocupado com o conteúdo de minhas reflexões. Certamente, naquele

momento, sua prioridade era o macarrão frio que, retirado do interior daquele

saco plástico, ia sendo sorvido tranquilamente, com o auxílio de suas mãos

encardidas.

A distância entre ele e mim, não obstante estivéssemos a menos de

três metros um do outro, era, naquela tarde, enorme. Dois mundos

totalmente antagônicos, ainda que habitando o mesmo município.

Por que razão a imagem daquela cena ficou tão fortemente registrada

em minha mente durante todo o dia? E indagueiEme.

Fiquei curiosa por saber se o conceito(" seria, para ele, tão

diferente em comparação àquilo que pensa a maioria dos profissionais que

lidam com o envelhecimento que entrevistaria.

Decidi apropriarEme da fantasia e fiz uso da imaginação. Levantei a

(5)

-Talvez exerça tal conceito experimentalmente, da mesma forma com

que Foucault celebrou a liberdade como direito, como ética, como escolha

traduzida na forma mais genuína e verdadeira do (" . Onde, dentro

desta ótica, o não cuidar de si, é também cuidar.

Escolhi, então, mudar minha perspectiva; imaginei ser aquele

mendigo um homem livre, que optou por viver da forma como descrevi: na

rua, encardido e com vontade de transgredir todas as regras, derrubar as

mesas, acabar com as cadeiras, abolir o fogão que aquece a comida e, em

pé, incomodar e escandalizar a todos, enfiando suas mãos ensebadas num

saco plástico, para comer seu macarrão gelado, sem cerimônia alguma, sem

ter de dar satisfação a seu chefe, sua família ou a quem quer que fosse.

É certo que, neste caso, fiz uso de minha imaginação, pois se fosse

utilizar de minha racionalidade com certeza esta cena descrita acima me

levaria à seguinte dúvida: esta pessoa, este mendigo seria um ser

transgressor ou uma pessoa que não tem as mínimas condições de se

cuidar?

E que cuidar é este de que estamos falando? O discurso pronto que

habita nosso imaginário social? Produto de nosso senso comum?

Será que não é preciso desconstruir o exemplar modelo sobre a

noção ideal de “cuidar de si” dentro do processo de envelhecimento?

Analisando minhas entrevistas com sujeitos envolvidos neste estudo,

percebi que são pessoas com nível superior de escolaridade, e que

certamente também têm noções básicas de higiene, conhecem e sabem da

importância de uma boa e equilibrada alimentação, dos exercícios físicos,

dos benefícios, das relações sociais, do desenvolvimento espiritual, dos

cuidados e exames médicos preventivos; então, me pergunto: eles têm

ciência do discurso pronto, da “vacina”, da “cartilha”, do “manual” de como

“cuidar de si”, ainda que apenas um sujeito desta amostra tenha dito seguir à

risca tais passos (ou o que acredita ser o ideal)? Será que a correria, o

estresse, a falta de tempo, ou outro motivo qualquer, os impedem de se

cuidarem? Qual será o impeditivo para não praticarem o conhecimento que

(6)

. ( *

À minha orientadora, Dr.ª Elisabeth Mercadante, amiga, colega,

companheira de tantas conversas, sopas, jantares, cafés, e intermináveis

conversas...

À Professora Doutora Tereza Bilton, pelas valiosas sugestões na Banca de

Qualificação.

A todos os professores do mestrado: Nádia, Ruth, Vera, Beltrina, Canineu,

Maria Helena, Silvana Tótora, Suzana Cariello, Suzana Medeiros e Flamínia:

sem vocês não teria chegado onde cheguei...

Às queridas amigas, Ilza e Ligia, minhas mais recentes descobertas como

grandes companheiras; obrigada pelas intermináveis conversas regadas a

muitos cafés, e bom humor sempre... e especialmente às muitas risadas

juntas.

A Divina, Gisnelli, Vanesita, Beth, Cida, Nádia, Paulão, Fátima, Bella, Lú,

grandes descobertas do mestrado da PUCESP, foi um prazer enorme

conhecêElos e compartilhar tanta coisa juntos: congressos, grupos de

estudos, Nepes, e gostosas viagens.

A Terezinha, Terê, Tuti, minha amiga mineirinha sempre presente me

incentivando...

Aos compadres, Lídia, Laila e Reynaldo, pela amizade eterna.

Aos meus irmãos de sangue ou não, meus sobrinhos, sobrinhosEnetos,

afilhados, pela alegria incondicional acrescentada à minha vida.

A toda a turma do IDEAC, em especial a Maria Célia e Maricy, pela leitura

cuidadosa e pelas correções e sugestões precisas.

A Lucy, Ana Fraiman, Lourdes Junek, Lurdes Coutinho, Luciana, Irene,

Giulio, Waldir, Ézio, Jader, Regis, pelos momentos de expansão de

conhecimento e pelos deliciosos e memoráveis encontros semanais...

A Selminha, Vanda, Célia, Rita, Rosana, Carmem, Van, Tamako, vizinhas e

amigas do coração, pelos nossos esporádicos chás da tarde revigorantes e

imprescindíveis...

(7)

Aos amigos distantes, Tereza, Julio, Ana, Beatriz, demonstrando sempre

que nossa amizade é algo que não subtrai, soma.

Ao amigo Luís, pelo apoio logístico com empréstimo de câmera, para as

transcrições de fitas e suporte técnico.

À jovem amiga, Thaís Maria Lefcatito, e à Estilingue Filmes, pela ajuda

técnica e amiga com as fitas para a transcrição de DVDs.

Ao amigo Marco Antonio, pela correção do português... e sugestões de

formatação e texto.

Ao amigo Rodney, pela amizade, carinho, ajuda na correção e apoio

espiritual.

Sem me esquecer da Marlene, pela ajuda doméstica e suporte para com as

tarefas de casa. Chegar em casa, e saborear seus crepes de palmito, à

noite, é sempre muito prazeroso.

Ao Programa de Estudos PósEGraduados em Gerontologia da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, pela oportunidade de realizar este

trabalho.

À CAPES, pela concessão da bolsa de estudos que possibilitou a conclusão

(8)

#

/0.-Resumo... 10

Abstract... 11

Introdução... 12

Capítulo I Discussão teórica sobre o Cuidar de SiTTT... 18 1.1 Foucault e o pensamento grego sobre o Cuidar de SiT 26 1.2 Terapêuticas antiEenvelhecimento & Cuidar de SiTTT 32 1.3 O nascimento da terapêutica do cuidado... 34

Capítulo II – MetodologiaTTTTTTTTTT... 38

Capítulo III E Visão do Cuidar de Si – Representações... 42

Capítulo IV E Cuidar de Si na juventude x Cuidar de Si na velhice... 53 Capítulo V E Além do meu corpo físicoTTTTTTTT... 64

Capítulo VI E AutoEcuidadoTTTTTTT... 75

Capítulo VII E É preciso ter um projeto de felicidadeT.T... 88

Considerações Finais... 105

Referências Bibliográficas... 110

(9)

FUENTES, Sônia Azevedo Menezes Prata Silva. 0 1 ( ("

. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Gerontologia. Programa de

Estudos PósEGraduados em Gerontologia. Pontifícia Universidade Católica

de São Paulo, 2010.

O objetivo do presente trabalho é o de compreender a visão que os

profissionais têm sobre os significados do(" , considerando que os

sujeitos entrevistados para esta dissertação são pessoas que trabalham,

pesquisam e/ou estudam a questão do envelhecimento. Consequentemente,

examino propostas sugeridas no sentido de levantar alternativas e reflexões

sobre qualidade de vida e cuidados para os indivíduos que fazem parte do

segmento idoso.

Para isto entrevistei 10 profissionais de significativa relevância na

área, que estudam e/ou trabalham com o envelhecimento. Foram feitas

cinco perguntas aos sujeitos com a finalidade de conhecer qual a visão

pessoal que cada um tem sobre o (" , a diferença entre se cuidar

enquanto jovem e se cuidar enquanto velho, saber o que é importante para

os entrevistados, para cuidar além do corpo físico; se há a realização do

autoEcuidado por parte dos entrevistados, e finalmente o que eles

consideram importante para construir um projeto de prevenção pensando no

(" . Estabeleço na pesquisa diálogos entre os pensamentos de vários autores como Foucault, Freud, Melaine Klein, Jung, Winnicott,

Mucida, Ayres, Birman, Carielo, Medeiros, Debert, Goldfarb, Martins, entre

(10)

'

FUENTES, Sônia Azevedo Menezes Prata Silva. The Several Aspects Of

Self Care. São Paulo: Master dissertation in Gerontology. Postgraduate

studies in Gerontology; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2010.

The objective of the present work is to understand the vision that the

professionals have about the meanings of self care, considering that the

subjects interviewed for this dissertation are people that work, research,

and/or study the question of the ageing process. Consequently to that

question, I examined proposals suggested in the sense of raising alternatives

and reflections about the quality of life and special cares, for those individuals

that are part of the elderly segment. For this I interviewed ten professionals of

significant relevance in the area, that either study or work with the ageing

process, Five questions were asked to the subjects with the intention to

understand each one's personal visions about: self care, the difference

between self care while young and self care for the elderly, to know what is

important for the person being interviewed, to take care beyond the physical

body; to see if the person interviewed realizes the importance of taking care

of himself, and finally what do they consider important to build a prevention

program considering self care. I established in this research dialogues

between the thoughts of several authors as Foucault, Freud, Melaine Klein,

Jung, Winnicott, Mucida, Ayres, Birman, Carielo, Medeiros, Debert, Goldfarb,

(11)

"23

Nunca se falou, nem se pesquisou tanto sobre o !, ( *

como nestas últimas décadas. A cada dia proliferam incomensuravelmente

novas formas, novas técnicas, e novas tendências do (" - É a

época da caça! Da busca desenfreada para descobrir fórmulas e técnicas

para se viver bem, de preferência com saúde, por muitos e muitos anos,

cuidandoEse desta ou daquela maneira, muitas vezes exageradamente,

como se fosse possível garantir a eternidade de uma existência. Diante

deste movimento desenfreado e febril, na busca da manutenção da

juventude eterna, acredito ser o momento atual, precioso e oportuno, para

fazer uma pausa, parar para uma reflexão, descobrir o que queremos, o que

pretendemos quando elegemos e escolhemos as formas do ("

durante nosso processo de vida e envelhecimento- DeiEme conta neste

momento que o conceito “(" 4 já há algum tempo vem me

causando certas inquietações, e provocações, concomitantemente ao meu

processo de desenvolvimento pessoal.

O objetivo do presente trabalho é o de compreender a visão que os

profissionais têm sobre os significados do(" , considerando que os

sujeitos entrevistados para esta dissertação são pessoas que trabalham,

pesquisam, e/ou estudam a questão do envelhecimento.

Consequentemente, examino propostas sugeridas no sentido de levantar

alternativas e reflexões sobre qualidade de vida e cuidados para os

indivíduos que fazem parte do segmento idoso.

Por meio da presente dissertação, tive a oportunidade de organizar

não apenas meu trabalho e minhas ideias, mas compreendi com mais nitidez

de que modo a Gerontologia vem ocupando espaços em minha trajetória

pessoal e acadêmica.

Os benefícios resultantes de minha aproximação com os estudos da

Gerontologia foram muitos, não somente em relação ao conteúdo, temas,

teorias e experiências diretas com os professores do programa, mas

(12)

travou indiretamente ao longo de uma jornada que vai para muito além da

experiência acadêmica propriamente dita.

Visualizo, como consequência direta de minha práxis acadêmica,

resultados que se tornam não apenas poderosos arsenais de trabalho, como

também elementos de mudança pessoal.

O interesse pelo estudo do envelhecimento teve início há alguns

anos, quando comecei a me dar conta de meu próprio processo de

envelhecimento.

Quando criança, minha percepção da !, ( e do !, associavaE

se às ideias de limitação, fragilidade, estagnação no tempo, cristalização das

ideias e condenação a uma morte próxima.

Muitos anos depois, assim como mudei, meu olhar também passou

por mudanças. Hoje, aprecio a velhice, consigo vislumbrar, com otimismo,

essa fase da vida, em que a experiência, o amadurecimento e a sabedoria,

decorrentes do avanço da idade, possam ser postos a serviço do idoso.

Compreendi que, mediante uma postura ativa e dinâmica por parte do

idoso, haverá sempre uma maior possibilidade de que essa população

desfrute de uma melhor qualidade de vida. Também acredito que, apesar

das várias perdas por que passamos ao longo da senescência, a velhice, em

todos os aspectos de nossas vidas  funcional, cognitivo, social e

psicológico , pode ser uma fase repleta de conquistas, alegrias e novas

experiências.

Em minha trajetória pessoal e profissional, o tema 5" !

sempre esteve presente, seja em meu entusiasmo e paixão pelos esportes,

seja no estudo do movimento do corpo  experimentado por cursos de

Cinesiologia e técnicas de relaxamento , seja em grupos de estudo com o

Dr. Petho Sandor, que me fez perceber com maior clareza a evidência da

integração deste corpo com a mente. Posteriormente na especialização em

Medicina Psicossomática, entendi a relação deste mesmo corpo com a

doença; e mais tarde, durante pesquisa sobre a dinâmica do Estresse,

consegui fazer a leitura de um corpo frágil e de sua luta para adaptação e

suas implicações na busca de uma melhor qualidade de vida. Posteriormente, busquei, na especialização em Geriatria e Gerontologia na

(13)

Ao iniciar o mestrado em Gerontologia na PUCESP, depareiEme com

um currículo diferenciado, que possibilitou um envolvimento mais sistemático

com estudos voltados mais para as áreas sociais e humanas e menos para a

área biológica, que seria talvez a mais provável em um curso ligado ao

envelhecimento.

Em todos os cursos promovidos pela PUCESP, o critério

"+6 esteve presente, o que foi preponderante em minha trajetória. Senti que estavanavegando na minha ‘praia’.

EncantaramEme as opções de que dispus. Consegui tirar proveito das

várias disciplinas, recebendo, de cada docente, contribuições significativas

para o aprimoramento da pesquisa que me propus desenvolver e, por

conseguinte, para a minha formação de mestre em Gerontologia.

Um dos benefícios que obtive ao adentrar neste universo de trabalho

interdisciplinar foi a oportunidade de levantar questões importantes, as quais

me levaram a refletir acerca das justificativas e finalidades do ensino da

Filosofia, o que me estimulou a pensar e a duvidar daquilo que parece

evidente, uma vez que já nos acostumamos à aceitação pacífica de certos

valores e à reprodução, muitas vezes irrefletida, dos chamados lugares

comuns. Acabamos lidando com valores e ideias como se fossem naturais.

Por meio da aventura do estudo da Filosofia e da Antropologia, vimos que as

ideias, assim como alguns conceitos de vida, não brotam de sementes, mas

têm prazos de validade, passam por transformações históricas, são criações

culturais expressas de forma única. O pensamento de Ponty, em Pokladek, vai ao encontro desta máxima acima, quando diz que um dos objetivos do

processo filosófico é:

... reaprender a ver o mundo, revelando os mistérios do

mundo, o mistério da razão no mundo, no modo como o ser

expressa e compreende este mundo através da linguagem

como horizonte de sentidos. (Ponty, 2002: 15)

Dessa forma, é muito importante observar e compreender as

(14)

no mundo. Como enfatiza Pokladek, “...revelando assim o seu modo de ser

no mundo.”De existir neste mundo.

Simultaneamente, acho pertinente lembrar aqui o conceito de Dasein, de Heidegger; que significa “serEaí”, isto é, o homem só pode ser no mundo

de uma forma de ser, a qual se dá como existência. Almeida faz uma síntese

deste pensamento:

O homem é entendido como aquele ente que percebe, se

dá conta e responde ao ser; essa é sua marca distintiva

ante os demais entes. (Almeida,1995: 7)

Ele só existe, pois enquanto interagindo com o mundo, visto em

Almeida (1995):

... o homem só é o que é num mundo. Se este mundo faltar

ao homem, ele próprio deixa de ser, pois perde o “aí” onde

pode existir, desdobrar seu ser... é de ser que ele sempre

está a fim. Ser é algo que acontece como uma possibilidade

peculiar em cada homem. (p.29)

Heidegger também aponta que no trajeto de vida do homem, cabe a

ele cuidar do seu cuidar de ser. E esta tarefa não é muito fácil, visto que

para cuidar de nosso ser, temos que levar em conta a perspectiva de que o

homem habita o mundo, ao mesmo tempo em que constrói uma tessitura de

relações significativas na constituição de sua própria história.

Foi um grande privilégio conhecer, dialogar e escutar cada um

desses profissionais que entrevistei. Cada um com suas singularidades e

características próprias responderam às perguntas e contribuíram

significativamente com sua experiência de vida, na manifestação de sua

linguagem peculiar.

A presente dissertação é constituída, além desta introdução, por sete

capítulos e considerações finais.

No primeiro capítulo, Discussão Teórica do Cuidar de Si, desenvolvo

a compreensão e a contextualização da busca pelo (" ; para

isso, utilizo as obras de Winnicott, Melaine Klein, Freud e Jung. Também

(15)

trazido por Foucault. Fecho este capítulo com as contribuições do geriatra

Renato Guimarães, com um breve relato histórico sobre o desejo de

prolongar a vida.

No segundo, Metodologia, apresento a abordagem da pesquisa, as perguntas selecionadas que compõem o roteiro das entrevistas, a

problematização, e o perfil dos entrevistados.

No terceiro, retorno à questão da Visão do cuidar de si. Discuto e analiso a opinião dos entrevistados sobre a visão pessoal de cada um a

respeito do (" . A discussão teórica aponta para a ampliação do

conceito do (" , considerandoEo composto de várias dimensões:

física, espiritual, social, psicológica e cultural, em que autonomia e liberdade

de escolha aparecem como forma de cuidado prioritária para os

entrevistados.

No quarto, uma compreensão mais ampla sobre o Cuidar de Si na

juventude X Cuidar de Si na velhice, analiso as diferenças apontadas pelos

entrevistados relativas a essas duas etapas da vida e do(" . Neste

capítulo utilizo o pensamento de Hillman, Grosiman, Medeiros e Martins, que

não generalizam as noções tanto de juventude quanto de velhice.

No quinto capítulo, discuto sobre Além de meu Corpo Físico e discorro sobre os aspectos subjetivos importantes que estão implicados na

questão do(" .

No sexto capítulo Auto0cuidado...é possível?, analiso e discuto as sugestões apresentadas pelos entrevistados. Faço uso também de uma

discussão do filósofo Pondé, que critica o modelo de cuidado apresentado e

preconizado pela mídia, contrapondoEo aos pensamentos de Debert e

Antonucci.

No sétimo e último capítulo É preciso ter um Projeto de Felicidade, discuto os projetos de prevenção sugeridos pelos entrevistados, fazendo um

levantamento dos aspectos relevantes mencionados para uma melhora na

qualidade de vida e manutenção da saúde, priorizando as dimensões

citadas: econômica, saúde, alimentação, exercícios físicos, desenvolvimento

intelectual, relacionamento social e com o mundo. Para tal, uso reflexões dos autores como Ayres, Varenne, Gadamer, concluindo com as

(16)

Por último, nas Considerações Finais, apresento uma reflexão pessoal e experiência diante da minha imersão ao adentrar no universo das

0 ( " . A interpretação que proponho, é importante ressaltar, como toda a interpretação, é apenas uma; portanto, sujeita a

(17)

(" 3 7 ( + "

Penso que o universo do (" não se esgota, não se

enquadra numa fórmula, enquanto manual de sobrevivência, oferecendo

uma única alternativa ou solução de como se cuidar. Seria tão irreal quanto

seguir os modelos e padrões de envelhecimento vigentes,

despersonalizados e uniformes, que acabam por inibir todas as formas de

criatividade e singularidade de viver. Prefiro acreditar e compreender que

existe, sim, uma multiciplicidade de sentidos e opções do(" .

Tendo como ponto de partida a reflexão pessoal sobre a observação

do mendigo idoso e seu saco de macarrão gelado, antes descrito, tento

ampliar o conceito do (" , vislumbrando, mesmo que na

imaginação, outras possibilidades ou outras formas do (" .

Premissa esta que ficou muito mais evidente e clara quando finalizei as

entrevistas com os profissionais escolhidos.

À procura de mais autenticidade e vigor sobre o tema, considero

importante lembrar de uma outra experiência pessoal passada, que me

serviu também de ponto de partida para este estudo.

Até há alguns anos, acreditava que, com o conhecimento adquirido

sobre o envelhecimento, poderia ajudar e modificar a conduta de algumas

pessoas, em especial parentes e amigos envelhescentes próximos. E nesse

primeiro, inocente e prematuro envolvimento, chegava a sugerir caminhos,

que supunha serem os ideais, os melhores, os desejáveis, os corretos e os

mais adequados para o (" . Pensava também que, com estas

sugestões, poderia garantir a essas pessoas uma vida mais saudável, ainda

mais longeva, com qualidade, saúde e mais prazer. Até que um dia... Até

que um dia escutei de uma pessoa muito próxima e querida o seguinte:

As condutas que você acredita serem as mais benéficas, as mais prazerosas, nem sempre conferem com as desejáveis

(18)

fazendo outras coisas totalmente diferentes daquelas que você preconiza.

Naquele momento me dei conta da diversidade de desejos, diferenças

e até das limitações que existem dentro deste complexo universo humano, no qual o conceito do (" pode ser tão diverso, quanto às diversas

velhices existentes.

Encontrei também ressonância deste meu pensamento na postura

emblemática da jornalista Eliane Brum, que tece algumas considerações

pertinentes consoante à edição precoce de nossas verdades, como se

pudéssemos ousar um dia eleger verdades absolutas e universais. Em

recente reflexão, no seu artigo: “Deus e a Eutanásia E Por que temos tantas

certezas sobre o que é melhor para a vida dos outros?” Eliane Brum salienta

como é possível vislumbrar com que facilidade o ser humano dispara

sugestões e conselhos ao outro sem parar suficientemente para tecer

considerações de forma efetiva e muitas vezes inescrupulosa sobre

assuntos polêmicos, neste caso sobre a eutanásia. Eliane Brum faz uma

crítica que nos leva à reflexão, e conclui:

A certeza de que a verdade pessoal deve valer para todos é um comportamento corriqueiro. Todos nós sofremos, cotidianamente, com o excesso de certezas dos que nos rodeiam, suspensos alguns metros do chão pelo volume de suas verdades absolutas. A lógica, me parece, é a de que, se alguém conseguir impor sua verdade, não precisará nunca questionáEla. Embutido nesse comportamento, além do desrespeito ao outro, à surdez ao outro, parece estar o terror de ser assaltado por uma dúvida, ainda que bem pequena. (Lebrun, RevistaÉpoca,23/11/2009).

Sendo assim apoioEme na premissa de que ninguém é dono da

verdade absoluta, especialmente sobre temas de ordem subjetiva. Portanto,

para me aproximar não de uma verdade, mas de uma reflexão sobre as

várias verdades de cada profissional que entrevisto, procuro respeitar as

(19)

mesmo tempo, Martins compactua deste pensamento, na medida em que

incentiva os pesquisadores e educadores a saberem romper com as

amarras das verdades préEdadas, e buscarem mergulhar dentro de si,

procurando suas próprias verdades. (Martins, 1992: 12).

O universo do (" , que decidi explorar, vai além da noção

palpável do cuidado, levandoEme a refletir sobre a subjetividade singular de

cada sujeito, como proposta, e discutida por Guattari. Percebo neste

momento que o conceito (" – por mim eleito como tema de

pesquisa – transformouEse, superando a definição estabelecida a priori. Concomitantemente ao meu desenvolvimento pessoal e acadêmico,

verificouEse um amadurecimento significativo em meu modo de pensar para

a realização deste estudo.

Ao mesmo tempo em que ingressei no estudo da Gerontologia, tive a

oportunidade de conhecer um pouco mais de Filosofia e as diversas

Ciências Sociais, com as quais me sinto profundamente envolvida até hoje.

Foi de uma felicidade ímpar o encontro com as obras de Foucault, que foi

buscar em Deleuze, Sêneca, Platão, Epicuro, Nietzsche e Cícero, outras

explanações acerca do conceito do (" , o qual transcende o

simples cuidado extrínseco ao sujeito, o discurso pronto tão preconizado

pela mídia. Dentro deste patamar também me utilizo de Ayres e Heidegger,

que compactuam similarmente com a busca de uma nova práxis do ("

. Uma escolha autônoma pelo sujeito do cuidar de si, individual,

desvinculada de um conjunto de práticas normativas e uniformizadas e que

incluem um projeto de felicidade.

E assim considero estes acontecimentos e personagens, os

responsáveis iniciais, pelo meu mergulho no universo deste novo olhar

dirigido ao conceito de("

-Refletir sobre as várias formas do (" fazEse extremamente

útil e importante nos dias de hoje, principalmente na fase do envelhecimento,

quando se deseja e se almeja um tempo de maior e melhor proveito e

qualidade. EvitaEse, assim, desperdiçar cada pedaço deste tempo,

desperdiçar vida. Como bem disse Sêneca, “Vivendo o infinito de cada

(20)

preciosidade que a vida nos dá. E daí, pergunto: é preciso ficar velho para

aproveitar cada instante?

DizEse que ninguém quer envelhecer, pois a velhice está sempre

associada a perdas, ao declínio físico e à proximidade temerosa de nossa

finitude. Será?

Não é possível fazer nosso relógio biológico retroceder no tempo, mas

existem, sim, as inúmeras tentativas de se viver mais e por mais tempo com

qualidade e felicidade, trabalhando não contra o tempo, mas com o tempo

que ainda nos resta. Para tal, a procura de formas de manterEse jovem, ativo

e funcionando bem durante a fase do envelhecimento nunca foi tão discutida

e nem causou e causa tanta polêmica como neste século XXI.

Não é preciso ficar velho para aproveitar a vida nem a velhice. O ideal

seria eliminarmos as nomenclaturas relativas às idades, que caracterizam as

pessoas como velhos ou idosos e que muitas vezes vêm associadas aos

sinônimos de improdutividade e infelicidade, não dando lugar para

investirmos nosso tempo precioso em aproveitar os modos de viver de cada

época ou fase, cada qual a seu próprio modo.

Alguns dizem que a velhice pode ser tão melhor quanto mais nos

preparamos para ela. Planejar uma boa velhice implica não apenas nos

alimentarmos de práticas ditas saudáveis, mas também escolhermos, com

liberdade, os rumos que desejamos trilhar em nossa jornada e percurso do

("

-Durante minha investigação sobre o tema (" 8 pude

constatar que muitos autores já realizaram diferentes trabalhos, estudos e

pesquisas sobre o mesmo tema. Vou tentar fazer um resumo de algumas

das ideias, as mais importantes, a meu ver, de pesquisadores que

evidenciam o foco do conceito do (" 8 dentro de uma perspectiva

voltada à prevenção das doenças, à promoção da saúde e qualidade de

vida.

Primeiramente, para muitos autores da Psicologia, é importante

lembrar que antes de(" , cada ser humano individualmente nasce

(21)

O animal humano é o único que não sobrevive sem o outro da

espécie. Precisa do outro para satisfazer suas necessidades básicas para se

alimentar, para ser acolhido e para ser reconfortado.

O ideal é que este conforto fisiológico que recebemos venha

carregado de afeto.

É através deste acolhimento que nos validamos, nos reconhecemos

como indivíduos e nos significamos. Quando alguém nos recebe em seus

braços, acontece uma troca; há a incidência do outro neste corpo.

Um exemplo disto é a fala. Quando iniciamos o balbucio tentamos nos

comunicar; a fala que nos envolve e nos incide. Há a incidência da

linguagem no corpo, a fim de produzir determinados sons; desta forma

Carielo pontua que ocorre o atravessamento do corpo humano pelo

aparelho fonatório. Não somos somente matéria orgânica. De acordo com o

psicanalista Didier Weill, somos uma mestiçagem, isto é, o conjunto formado

pelo imaginário social, o simbólico e o real. Cada ser humano pertence a

uma determinada cultura. E a cultura é o lugar da significação. Há um corpo

socializado.

Desta forma, se a criança representa ser mais que um organismo, o

velho também é mais que um organismo. Isto é, um organismo que requer

cuidados, não só para satisfazerEse fisiologicamente, mas também para se

satisfazer emocional e socialmente. Sem o outro não vivemos, não

sobrevivemos. Inúmeros estudos científicos já foram realizados para

confirmar esta premissa. Psicanaliticamente falando, o ser humano implica

sempre uma falta. Pensemos nesta falta como um cuidado. O cuidado de

dar a ele o peito, o acolhimento, o afeto, a troca de fraldas, o banho.

Cada cuidado que se efetua com este bebê, outros cuidados vão

sendo realizados sucessivamente e as faltas, os desejos se sucedem.

E com esta premissa, destaco em muitos autores e estudiosos do

desenvolvimento infantil e da Psicologia a relevância deste acontecimento:

Winnicott, Melaine Klein, Freud, Jung e muitos outros confirmam esta

urgência e necessidade do cuidado. Transcorro resumidamente, sobre a

(22)

Winnicott compreende o cuidado materno como a possibilidade de

uma adaptação feliz da mãe para com o bebê e viceEversa. Relação vista

inicialmente como simbiótica, mas que, com o passar do tempo, precisará

ser rompida para garantir a saúde emocional; este cordão deverá ser

gradualmente cortado a fim de que o bebê se desenvolva e tenha mais tarde

a capacidade de cuidar de si. Conforme o autor:

A mãe suficientemente boa começa com uma adaptação

quase completa às necessidades de seu bebê, e, à medida

que o tempo passa, adaptaEse cada vez menos

completamente, de modo gradativo, segundo a crescente

capacidade do bebê em lidar com o fracasso dela.

(Winnicott, 1975: 25)

Do desenvolvimento da ilusão e do pensamento mágico, o bebê vai

precisar se frustrar gradativamente. Esta é a base do cuidado materno para

Winnicott; a mãe dá e a mãe tira. Mas antes de tirar, ela cuida, assim

conforme este autor:

(...) através de uma adaptação quase completa, propicia ao

bebê a oportunidade para a ilusão de que o seio dela faz

parte do bebê, de que está, por assim dizer, sob o controle

mágico do bebê. O mesmo se pode dizer em função do

(" infantil em geral. (Winnicott, 1975: 26)

Também para Melaine Klein, os sentimentos de amor e cuidado são

essenciais ao bebê que, em troca, dá como resposta espontânea os

sentimentos de gratidão e amor para com ela

.

De acordo com Melaine Klein,

o cuidado inicial é traduzido num movimento de contenção, isto é, (" é

saber conter a excitação que o bebê carrega. Segundo a autora, o bebê

nasce com uma desorganização emocional muito grande, devido a receber

inúmeros estímulos externos. A pessoa que tem a capacidade de conter

(23)

necessário para Klein se traduz num bom suporte, boas experiências,

alimentação adequada, amor e gratificação.

Já para Freud, o cuidado essencial é traduzido em compreensão; isto

é, além de tomar conta das necessidades básicas do bebê, a mãe ou a

pessoa que (" do bebê deve compreender suas necessidades

emocionais, a fim de controlar seu excitamento e contêElo. Para melhor

compreender a teoria de Freud e as necessidades do bebê, ou desejos, é

preciso compreender o processo primário. A teoria de Freud salienta que, no

início, a realidade psíquica infantil é composta de um mundo repleto de

objetos.

Entre estes objetos, o organismo ocupa um lugar importante, pois

atua e é guiado pelas necessidades: de fome, sede, evitação da dor e

desejo sexual. De acordo com Freud, o homem é guiado primeiramente pela

libido, ou seja, pela energia sexual. Esta força principal, básica, é chamada

"pulsão" (em lugar de instinto).

Jung amplifica esta noção do cuidado materno primordial e vai além,

colocando o cuidado materno com alto grau de importância e como a mais

significativa e memorável experiência que o homem pode ter durante sua

vida. No artigo intitulado "Tribute to the Mother Arcchetype" (Tributo ao

arquétipo materno), Jung dá ênfase ao amor e cuidado materno, traduzindoE

os como abrigo, um acolhimento de ser bemEvindo e por um longo silêncio

pelo qual tudo se inicia e no qual tudo termina.

Na sequência, nos argumentos extraídos dos estudos de Joel Birman,

aparece o amor como elemento indispensável ao(" " ,

no processo de desenvolvimento humano. Como bem coloca:

(...) a saúde mental é identificada com o sentimento

amoroso, tornandoEse como paradigma o amor dos pais

aos filhos (...) o alienado mental seria um ser privado de

suas possibilidades amorosas. (Birman, 1978: 157).

Esta relação inicial de dependência do bebê discutida pela psicologia

anteriormente, pode–se pensar comparativamente na relação de uma

(24)

casos feita entre a dependência inicial do bebê e a “final” do velho é

geralmente muito falada. A frase dita é a seguinte: “O velho volta a ser

criança”.Para o estabelecimento desta relação comparativa não se encontra

um número significativo de estudos na literatura, mas atualmente com o

aumento demandado pela longevidade, isto é, a possibilidade de se viver

muito tempo na fase da velhice, esta discussão começa a ser refletida. É

importante ressaltar que o velho jamais vira um infante, mas que pode, a

partir de uma repetição da relação de dependência (aparente). Há na velhice

a possibilidade de reviver o desamparo psíquico original. Discurso

reconhecido na psicogerontologia, ressaltado por Goldfarb:

Se pensarmos na origem da vida psíquica, podemos

observar que o bebê nasce em condição de grande

fragilidade, necessitando de um outro que o cuide, é

necessário que alguém o alimente, o proteja, senão ele

morre e o bebê deverá poder confiar nessa proteção. Esta

condição de recémEnascido, de ser desamparado e de

precisar dos cuidados de outro, deixará marcas e será

revivida cada vez que se apresentem situações de

sofrimento, necessidade, abandono. Com o desamparo

originário inauguraEse então uma modalidade de confiança

no vínculo, a confiança no fato de ser socorrido sempre que

se precisar. Assim, a situação de desamparo originário atua

como condição de estruturação psíquica que marca o

modelo vincular e a forma dos laços sociais. Desde o início

da vida ensaiamEse formas de relação com os outros dos

quais se vai depender em diferentes situações ao longo da

existência. Serão experiências de medo, confiança, prazer,

agressividade ou amor, dependendo da qualidade dos

cuidados que foram oferecidos ao bebê nessa primeira fase

de sua vida. Isto trará como reação, a necessidade e

produção de vínculos solidários que ofereçam apoio e

cuidados fundamentais sempre que a vida se apresente

ameaçadora, cada vez que ela nos confronta com aquilo

que sentimos que não podemos enfrentar em solidão. A

(25)

será a fragilidade dos vínculos e o medo de perder o amor

do outro, o que deixa o ser humano no maior desamparo,

fragilizado, sem proteção ante uma série de perigos e

sofrimentos. (Goldfarb, 2006)

Na presente pesquisa a reflexão do (" passa pela

reflexão do retorno e ou possibilidade de voltar e reviver o desamparo

psíquico original. Mas a ideia é refletir sobre as outras possibilidades que

estão por vir, amparada nas ideias de Foucault, poder ultrapassar e estimular uma reforma de pensamento em relação à velhice não comparada

somente à infância. Antecipando a discussão que se desenvolve nesta

dissertação com Foucault, é possível afirmar que na velhice o homem pode

vir a desfrutar de um apogeu. Para se chegar neste apogeu que movimento

se faz necessário? Com o auxílio das ideias de Foucault produzEse um novo

pensamento; a possibilidade de um indivíduo que se produz a cada instante,

um produtor de si mesmo, e não somente um reprodutor.

1.1 "( "! / * . . + ("

Com a leitura da obraA Hermenêutica do Sujeito,de Foucault, deiEme conta da forma cativante com que ele vislumbra a velhice e a elege como um

tema frequente e de substantiva relevância em suas reflexões, mesmo não

minimizando certas consequências desagradáveis que o envelhecimento

pode trazer. São considerações bastante realistas, como podemos perceber

neste trecho do autor:

(...) na cultura antiga, a velhice tem um valor, valor

tradicional e reconhecido, mas em certa medida, por assim

dizer, limitado, restrito, parcial. Velhice é sabedoria, mas

também fraqueza. Velhice é experiência adquirida, mas

também incapacidade de estar ativo na vida de todos os

dias... é também estado de fraqueza no qual se depende

(26)

O pensamento tradicional na cultura grega sobre a velhice é exposto

de forma respeitosa, realista, não exagerando uma perspectiva de futuro

otimista. PercebeEse que a dependência do idoso para com o jovem é

significativa. Desta forma, na Grécia, preconizavaEse o (" como

sendo um trabalho necessário de uma vida toda. Como uma preparação

para ficar velho, e se houver de fato esta preparação, é possível que haja

uma recompensa, como se vê:

(...) a partir do momento em que o cuidado de si precisa ser

praticado durante a vida, principalmente na idade adulta, e

em que assume todas as dimensões e efeitos durante o

período da plena idade adulta, compreendeEse bem que o

coroamento, a mais alta forma do cuidado de si, o momento

de sua recompensa, estará precisamente na velhice.

(Foucault, 2006: 134).

A ideia de expor o princípio(" como uma vocação universal impeliuEme a alargar a acepção desse conceito. Estudando o pensamento

grego, Foucault busca descrever algumas importantes incursões sobre o

(" 1 * ("

-Foucault busca no pensamento grego, em especial o Socrático, a

reflexão acerca do conceito de (" . Elege a famosa prescrição

délfica do “gnothi seauton” (ConheceEte a ti mesmo), como questão

fundadora das relações entre sujeito e verdade. Assim se detêm nas

relações existentes entre “gnothi seauton”, conheceEte a ti mesmo, e

“epimeleia heautou”, ou cuidado de si. Foucault constata que existe uma relação complementar entre estes dois pressupostos; conhecer e cuidar,

considerando que para cuidar de si é preciso antes conhecerEse. A função

de Sócrates, que era confiada pelos deuses, era a de incitar, estimular os

outros a se ocuparem consigo mesmo, e a não descurarem de si. Sócrates

fica então com a função daquele que desperta. No livro A Hermenêutica do

Sujeito, há uma interessante comparação entre Sócrates e o tavão. Tavão é

(27)

O cuidado de si é uma espécie de aguilhão que deve ser

implantado na carne dos homens, cravado na sua

existência, e constitui um princípio de agitação, um princípio

de movimento, um princípio de permanente inquietude no

curso da existência. (Foucault,2006: 11)

Sócrates, na obra de Foucault, A Hermenêutica do Sujeito era considerado o homem do cuidado de si, pois instigava os homens nas ruas:

“É preciso que cuideis de vós mesmos”. O (" na epimileia

heautou aparece fundamentando uma atitude filosófica na cultura grega,

helenística e também romana. Alguns autores principalmente Foucault

(2006) apontam Platão e Epicuro como importantes na discussão do cuidado

de si. O (" na visão dos epicuristas relacionavaEse imediatamente

ao cuidado da alma; sendo assim, aTherapeueinera empregada.

Importa aqui observar que Therapeuein se refere a um verbo de múltiplos valores, que diz respeito a cuidados médicos (uma espécie de

terapia da alma de conhecida importância para os epicuristas), mas

Therapeuein é também o serviço que um servidor presta a seu mestre, e

também ao serviço de culto, culto que se presta a uma divindade, ou a um

poder divino.

Este percurso da noção de (" teve início com a

personagem de Sócrates. Surgiu assim na Filosofia antiga e se estendeu até

o limiar do Cristianismo, quando se deu a espiritualidade alexandrina,

percebida nos escritos sobre Filón e a vida contemplativa.

No curso desta história, a noção do(" ampliouEse e suas

significações também se multiplicaram. Agregado ao tema (" ,

visualizamos na história diferentes fases.

Primeiramente, o tema refereEse a uma atitude, uma forma de encarar

o mundo. Então, a epimileia heautou é uma atitude para consigo, para com

os outros, e para com o mundo.

Em segundo lugar, a epimeleia é uma forma de olhar, de atenção. O

(28)

Em terceiro lugar, além da atenção para si, (" implica

sempre algumas ações que são exercidas de si para consigo, ações pelas

quais nos modificamos, nos purificamos, nos transformamos e nos

transfiguramos.

Assim, o tema " tem uma formulação filosófica precoce

que vai desde o século V a.C. até os séculos IV e V d.C., percorrendo toda a

filosofia grega, helenística, romana, e a espiritualidade cristã. Vimos neste

percurso, o nascimento da história das práticas da subjetividade, como

Foucault sinaliza:

Com a noção de epimeléia heautou, temos todo um corpus definindo uma maneira de ser, uma atitude, formas de

reflexão, práticas que constituem uma espécie de

fenômeno extremamente importante não somente na

história das representações e teorias, mas também na

história das práticas da subjetividade. (Foucault, 2006: 15)

Não só na Grécia Antiga, mas também em Roma, a ética do ( *

(" compreendia um conjunto de atitudes nomeadas como exercícios de si e que também incluía posterior reflexão sobre estas

condutas. Exemplos destes comportamentos foram verificados com Epicteto,

um estóico, e em Sêneca e Marco Aurélio. Os romanos costumavam

também problematizar questões como a relação consigo mesmo, com a

amante, com a família, com os amigos, e com a responsabilidade individual

e histórica para com Roma. Um clássico exemplo que é citado diz respeito a

um costume de Marco Aurélio (imperador romano): enquanto comandava

exércitos e debatia com o Senado, costumava redigir cartas, contando

detalhes e minúcias de seus atos, assim como pensamentos e textos

escritos na forma de conselhos. Este era para Marco Aurélio um momento

especial para voltarEse para si mesmo. Podemos fazer uma comparação e

uma analogia com estudos atuais sobre esta técnica de escrita, com estudos

científicos recentes, validados por Pennebacker (1997), pesquisador do

Texas, que confirma o poder da escrita reflexiva e terapêutica, exemplificada

(29)

Na última década um aumento no número de estudos tem

demonstrado que quando os indivíduos escrevem sobre

experiências emocionais, segueEse uma melhora

significativa em relação à saúde física e à saúde emocional.

O paradigma básico é que os achados estão sumarizados

com algumas condições de contorno. Apesar da redução da

inibição poder contribuir para abrir mudanças no fenômeno

de deslocamento cognitivo e processos linguísticos durante

as implicações de melhora de saúde previstas pela escrita

para a teoria e tratamento discutido. (de minha tradução).1

Com Alcebíades, general e político ateniense 450 a.C.,a alma ganhou lugar e tornouEse objeto do (" . A posteriori, na fase dos estóicos,

percorrerEseEia o caminho da integração corpoEalma.

Na fase dos epicuristas, é o sistema filosófico ensinado por Epicuro

de Samos, filósofo ateniense do século IV a.C., juntamente com os estoicos,

o corpo reemergiria, adicionando a alma para o (" . A junção

corpoEalma, essa integração psicoEcorporal, é que vai constituir o centro do

(" . Sêneca, por seu turno, ocupaEse com a alma e com o próprio corpo, surgindo daí uma nova ética da velhice, vista agora como um porto

seguro, um polo positivo ao qual se deve tender.

DeveEse viver para ser velho, pois é nessa fase que se encontrará a

tranquilidade, o abrigo, o gozo de si. A velhice ideal é a que fabricamos e

para a qual nos preparamos. Numa atitude entendida como a de desapego,

deveríamos consumar a vida antes da morte (Carta 32). DeveEse atingir a saciedade perfeita e completa de si, havendo, pois, uma urgência em viver.

Valoriza Sêneca (4 a.C.E 65 d.C), escritor e intelectual do Império

Romano, a ideia de que se deve organizar a vida com vistas à velhice. E

uma das formas de organizar a vida é aprender o exercício da morte, que

(30)

nada mais é do que um exercício de meditação sobre a morte. A vida deve

ser vivida como se fosse este o derradeiro dia.

Sófocles (497 ou 496 a.C. E inverno de 406 ou 405 a.C.), dramaturgo

grego, ressignifica a velhice como o momento de coroamento do ("

- A velhice, nesse sentido, seria vista como um momento positivo, de completude. Liberto dos desejos físicos e das ambições políticas e agraciado

pela experiência, o idoso tornarEseEá soberano de si, podendo satisfazerEse

inteiramente consigo próprio.

O idoso pôde, enfim, depositar em si toda a alegria, sem esperar

satisfação em mais nada, nem nos prazeres físicos, dos quais não é mais

capaz de desfrutar, nem nos prazeres da ambição.

A velhice deveria ser considerada uma meta positiva de existência.

DeveEse tender para a velhice e não se resignar em ter de afrontáEla.

Na cultura grecoElatina, o (" jamais foi efetivamente

percebido, colocado, afirmado, validado para todo o indivíduo, qualquer que

fosse seu modo de vida. O (" nada mais seria do que a opção

por um modo de vida.

Claro está que somos seres relacionais e que, portanto, necessitamos

do outro para viver e sobreviver. O poder permeia as relações humanas,

familiares, políticas, pedagógicas; delas decorrem as mais variadas formas

de dominação e controle.

A liberação deve ser entendida, aqui, como condição política ou

histórica para a prática da liberdade. E a ética não é outra coisa senão a

prática refletida dessa liberdade.

O (" é representado, no mundo grecoElatino, como o

modo pelo qual a liberdade do indivíduo, ou a , foi pensada

enquanto ética.

Para os gregos, o conceito de liberdade já abarcava a ideia de

superarEse no sentido de dominar os desejos que arrebatam. A liberdade

individual era muito importante, tendo sido, na cultura antiga, durante oito

séculos, tema de preocupação; toda uma ética girou em torno do conceito

(31)

Os gregos problematizavam a liberdade como uma questão ética. O

ethos, tomado como a * do sujeito, é a maneira de se

conduzir as coisas. Oethos é traduzido pelos atos praticados, pela liberdade concreta ao se portar, pelo modo de ser, de caminhar, pela calma de reagir;

enfim, pela capacidade de se responder aos acontecimentos da vida.

Logo, uma pessoa que apresenta um bomethos é alguém que pratica a liberdade pensada enquanto ethos. Liberdade, para os gregos, é a não escravidão, liberdade é política. Ser livre significa não ser escravo de si

mesmo nem de seus apetites; é estabelecer uma relação de controle e de

domínio das próprias ações.

O (" é ético em si mesmo, mas implica relações complexas com os outros, de forma que esse ethos da liberdadeé, também,

uma forma de cuidar dos outros, incluindo, pois, a arte de governar. O

(" visa sempre ao bem dos outros, visa a administrar bem o poder presente em qualquer relação.

O (" como ética ultrapassa a noção de dependência na

esfera física/biológica, pois não dá conta da questão relativa à liberdade na

relação com os outros.

&-$ /9" ( : !, ( * ; "

O tempo tem mostrado que o desejo de prolongar a vida é bastante

evidenciado no ser humano. Nos tempos mais remotos da nossa história, a

preocupação com o (" na velhice era viabilizada com terapêuticas

antiEenvelhecimento, e ocorria de forma bastante experimental. Guimarães,

no Tratado de Geriatria e Gerontologia, faz um levantamento histórico

bastante interessante deste momento:

A prática conhecida por “Shunamatismo”, descrita no Velho

Testamento, foi imaginada por súditos do rei David, velho e

enfraquecido, como alternativa de trazer de volta calor ao

(32)

AcreditavaEse que se colocasse uma jovem virgem dormindo ao lado

do rei, esta iria transferir energia e calor ao velho, como se fosse possível

usar do calor da jovem para auxiliar a circulação sanguínea do rei.

Da mesma forma, Aristóteles e Galeno acreditavam que todo o ser

humano nascia dotado de certa quantidade de calor interno, que se

dissiparia com o passar do tempo. Aristóteles pregava a necessidade de

desenvolver formas de manter esse calor.

Muitos poetas gregos escreveram acerca da longevidade. Um deles,

Hesíodo, acreditava existir uma raça dourada, constituída por pessoas que,

sem envelhecer, viviam centenas de anos e que, chegada sua hora, morriam

enquanto dormiam.

Vários rituais foram encontrados em relatos de culturas diversas. Um

dos mais conhecidos dizia respeito aos famosos banhos quentes, de ervas e

de leite, tomados pela rainha Cleópatra.

Objetivando a imortalidade e a perfeição, os alquimistas, na Idade

Média, pesquisavam poções mágicas e unguentos. Alguns anos atrás, Jean

Ponce Léon, um navegador espanhol, enlouqueceu ao tentar encontrar a

fonte da juventude e, por conseguinte, a vida eterna.

Há relatos que indicam que uma parcela das pessoas fazia uso da

fantasia para buscar a fonte da juventude. Alguns acreditavam que poderiam

encontráEla em terras distantes, em rios caudalosos ou até mesmo nos

testículos de cães. Guimarães cita no artigo "Terapias antiEenvelhecimento":

Em 1889, Charles Edouard BrownESéquard, eminente

médico e fisiologista, relatou ter rejuvenescido e melhorado

sua saúde após se autoEinjetar uma solução preparada com

testículos macerados de cães. (Guimarães, 2002: 749)

Com o tempo, esta terapia mostrouEse ineficiente, mas foi largamente comercializada e utilizada. Muitos outros estudos vieram na sequência tentar

entender como se dava o processo de envelhecer, caso de Jean M. Charcot,

que elaborou o primeiro trabalho científico sobre a velhice. Ele não se

preocupava com os estudos da imortalidade, mas com a compreensão das

(33)

outros também se preocuparam com o envelhecimento e as formas de

manterEse jovem.

Ilya Ilych Metchnikov, cientista russo, recebeu, em 1908, o Prêmio

Nobel de Medicina, devido a uma importante pesquisa, segundo a qual

acreditava ser o processo de envelhecimento o resultado do veneno

produzido no intestino grosso pela deterioração dos alimentos. Com o intuito

de limpar e esterilizar o intestino, preconizava o uso regular do leite, do

iogurte e de laxantes.

Pesquisas revelam e garantem a longevidade; todavia, o homem

continua a buscar a juventude eterna, a beleza e o corpo ‘sarado’, tentando

concretizar, pois, o mito da imortalidade ou da beleza eterna, assim como as

ninfas, que, mesmo não sendo imortais, mantinhamEse jovens até a morte.

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("

Como se estabeleceu a terapia deste cuidado? Filón de Alexandria,

filósofo judeoEhelenista (13E54 a.C.) descreve uma comunidade de

“terapeutas” que cultivava o (" através de práticas culturais,

intelectuais e médicas. O registro psíquico não é dissociado do resto da vida.

O homem, nessa época, era visto como ser total, isto é, uma

totalidade, que compreendia corpo, alma e espírito. Os terapeutas

acreditavam que era a natureza quem cuidava. Cuidar do que não é doente

em nós, do ser, do sopro que nos habita e inspira. Leloup expande o ("

de forma holística e ampla em suas reflexões:

Também cuidar do corpo, templo do espírito, cuidar do

desejo, reorientandoEo para o essencial, cuidar do

imaginável, das grandes imagens arquetípicas que

estruturam a nossa consciência e cuidar do outro, o serviço

à comunidade, implicando o próprio centramento do ser.

(34)

É muito interessante também a expressão do (" percebida por

Filón, em Platão. Ele apresenta o termo Therapeutes, como tendo dois

sentidos: “servir, cuidar, render culto” e “tratar, sarar”. Já em Górgias, no início de sua carreira, Platão qualifica o cozinheiro, um tecelão como

therapeutes somatos, aquele que cuida do corpo, pois tudo o que está no

nosso prato é nosso melhor remédio.

Os terapeutas, no tempo de Filón de Alexandria, dirigiam sua atenção

e prestavam o cuidado para estes quatro elementos que formavam um

quartênio: o corpo, o imaginável, o desejo e o outro. Qualificação muito

pertinente, se pensarmos que o corpo representa nossa fisiologia, o

imaginável e o desejo; nossa mente, psique e alma, e o outro, nosso mundo,

nosso ambiente. Há uma força enorme, globalizante, nesta abordagem

terapêutica.

Reforço a ideia do outro. Somos seres relacionais, seres da cultura.

Considera também a existência do cuidado do corpo e da alma acontecendo

juntos, não dispensando a dimensão ontológica e espiritual do homem,

exemplificado muito bem neste trecho de Leloup:

(...) cuidar do corpo de alguém é prestar atenção ao sopro

que o anima... a doença e a morte se achavam ligadas a

uma perda ou falta de ar (sopro). (Leloup,1993: 98)

Para Campbell, em O poder do Mito (1990), existe uma grande familiaridade com esta forma de pensar, a qual considera igualmente a alma

e o espírito parte importante a ser cuidada, e com possibilidade de ser

ressignificada:

Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a

vida. Não penso que seja assim. Penso que o que estamos

procurando é uma experiência de estarmos vivos, de modo

que nossas experiências de vida, no plano puramente

físico, tenham ressonância no interior de nosso ser e da

nossa realidade mais íntimos, de modo que realmente

(35)

Martins denomina currículo, o instrumentoEguia para a trajetória a ser

vivida pelo humano na produção de cultura. Em suas palavras:

... currículo se mostra como a trajetória a ser percorrida para que sejamos nós mesmos ou possamos cuidar do outro para que seja ele próprio e descubramos, no estarEcom, uma trajetória não ambígua. Isto é possível pela iluminação do caminho a seguir juntamente com uma crença na própria capacidade que o sujeito tem para fazer, construir, habitar o próprio mundo onde já está sempre habitando, construindo, fazendo. (Martins,1992: 1)

A noção de cuidado, explicitada por Martins, inclui a urgência em

expressar todos os nossos talentos; afirma este autor:

A ideia de Currículo para a fenomenologia envolve o reconhecimento de uma primazia própria ao humano, a de desenvolver talentos e capacidades que se fundamentam na liberdade de agir... entre os deveres que o homem tem para consigo está o “cuidado” (sorge), que significa um zelo em não permitir que os seus talentos permaneçam emperrados, de forma oxidada, ou seja, que não venham a se expressar. Deverá zelar, ainda, para que a partir do conhecimento e dos sentimentos sejam tomadas atitudes que como um todo deverão influir harmoniosamente para a abertura do Ser em sua plenitude. (Martins, 1992: 75)

Enquanto seres viventes, podemos cuidar de nós mesmos, aliás,

devemos ter em mente o (" . E o (" é, a meu ver, mais

que apenas uma responsabilidade pessoal, é um respeito social, ao outro,

aos que nos cercam, à comunidade, ao mundo que habitamos, pois ao

(" abremEse possibilidades de que o (" leve à felicidade e a felicidade leve à harmonia, à paz e ao amor.

A felicidade, a harmonia, a paz e o amor não duram eternamente,

(36)

Somos finitos e, um dia, todos nós iremos perecer, independente de

onde, quanto e como nos cuidamos. Portanto, há de se edificar a vida e

celebráEla no cuidado, e também seus desmembramentos, com alegria e

coragem. Tudo se transforma, e a metamorfose final é nossa morte. Como

afirma Beauvoir:

(...) é uma verdade empírica e universal que, a partir de um

certo número de anos, o organismo humano sofre uma

involução. O processo é inelutável. Ao cabo de um certo

tempo, ele acarreta uma redução das atividades do

indivíduo; com muita frequência, uma diminuição das

faculdades mentais e uma mudança de atitude com relação

(37)

CAPÍTULO II

=

A + . * da presente pesquisa é de natureza >" ! . A

escolha de tal abordagem se justifica por possibilitar o respeito e

consideração da individualidade do sujeito entrevistado quanto a suas

características interpretativas de significar a velhice e o (" . Como

salienta Turato:

(...) no contexto da metodologia qualitativa aplicada à saúde,

empregaEse a concepção trazida das Ciências Humanas,

segundo a qual não se busca estudar o fenômeno em si,

mas entender seu significado individual ou coletivo para a

vida das pessoas. (2005: 509)

A entrevista temEse mostrado um ótimo recurso no sentido de se

compreender a subjetividade dos entrevistados, suas concepções e

representações. Enquanto estratégia de investigação, utilizei entrevistas

semiEestruturadas, baseadas em cinco questões, dirigidas como perguntas

abertas a cada um dos sujeitos entrevistados.

Abaixo, apresentaEse o roteiro com as cinco questões:

1E Qual é a sua visão do(" no contexto do envelhecimento (a

partir dos 60 anos)?

2E Para você, o significado do conceito (" na velhice (60

anos), difere do da juventude?

3E Além de cuidar do corpo físico, qual o denominador que você acredita

ser importante para o(" .

4E Você pratica o autoEcuidado?

5E O que deve ser considerado num projeto de prevenção relacionado

(38)

Cabe aqui mencionar qual a problematização que norteia o texto, que

é: + qual a visão do cuidar de si dos profissionais que atuam e/ou

trabalham com o envelhecimento. Esta problemática tem como objetivos:

(i) Buscar os significados do conceito (" , relatado por diferentes

profissionais com olhar direcionado ao envelhecimento.

(ii) Verificar como se dá o autoEcuidado realizado pelo profissional que

trabalha com o envelhecimento.

(iii) Identificar e caracterizar projetos de prevenção ligados ao (" ,

dentro da esfera de trabalho dos profissionais entrevistados.

Cabe ainda aqui explicitar, no que se refere ao papel do

entrevistador, que deve direcionar a pergunta de modo a não influenciar a

resposta. A antropóloga Minayo afirma:

(...) a pesquisa qualitativa responde a questões muito

particulares. Ela se preocupa, nas Ciências Sociais, com

um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou

seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos,

aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde

a um espaço mais profundo das relações, dos processos e

dos fenômenos que não podem ser reduzidos à

operacionalização de variáveis. (Minayo, 2003: 21)

Foram entrevistados neste estudo dez profissionais ligados à questão

do processo do envelhecimento e da velhice. A ideia de entrevistar o número

de dez sujeitos foi com o intuito de incluir uma diversidade de profissionais

da área de Gerontologia que estudam e ou trabalham com a temática do

envelhecimento e a velhice há pelo menos cinco anos.

Para se obter uma compreensão interdisciplinar sobre o (" ,

incluí diferentes profissionais envolvidos com o estudo e/ou com o

envelhecimento: médicoEgeriatra, assistente social, psicólogo, sociólogo,

antropólogo, administrador e pesquisador de mercado. No início foram

(39)

imprevistos de várias ordens, e uma delas foi a disponibilidade de tempo dos

sujeitos.

1 !

1E Fraiman, A. E Psicóloga/ Doutora Ciências Sociais pela PUCESP

2E Tótora, S. E Cientista Política, Professora / Doutora Ciências Sociais pela PUCESP

3E Concone, M.H.V.B. E Antropóloga /Professora/ Doutora Ciências Sociais PUCESP

4E Papaléo Neto E MédicoEGeriatra/Doutor

5E Goretti, M. E Assistente Social /Doutora Serviço Socialpor onde? Hospital Servidor PúblicoESP

6E Paschoal, S. E Médico Geriatra / Doutor Hospital das ClínicasESP

7E Sodré, R. E Psicóloga /Especialização Gerontologia Sedes /SESCESP

8E Castro, S. E Previdência Privada Bradesco Previdência

9E Urris, E. E Pesquisador/ Diretor do CRIESP

10E Dutra, N. E Assistente Social /Doutoranda UnifespESP

A idade dos entrevistados varia de 50 a 81 anos, e dentre eles seis

são do gênero feminino e 4 do masculino.

Quanto às profissões dos entrevistados, temEse o seguinte:

Administrador: 1 Antropóloga: 1 Assistente Social: 2 Cientista Social: 1 Pesquisador: 1 Psicóloga: 2 Médico: 2

Estes profissionais foram escolhidos por indicação de professores da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCESP), da Universidade

(40)

e conhecimento, levandoEse em conta não só o seu reconhecimento, mas

também a sua projeção acadêmica, sua disponibilidade de tempo, seu

envolvimento como pesquisadores e estudiosos na temática da velhice.

Os profissionais foram contatados, inicialmente, por telefone, ou

pessoalmente, pelo próprio pesquisador, ocasião em que foram informados

sobre o objetivo e a relevância da pesquisa. Nesse momento, esclareciaEse

aos sujeitos pesquisados que a entrevista seria filmada e gravada e que um

termo de consentimento deveria ser assinado pelo entrevistado, autorizando

a veiculação de nome e de imagem de cada um.

Foi marcado, então, um encontro para a realização da entrevista,

levandoEse em conta o local e o horário conveniente para o entrevistado.

Cabe ressaltar que em média as entrevistas duraram uma hora e

trinta minutos. A escolha por filmar as entrevistas foi feita para garantir uma

maior fidedignidade do conteúdo dos depoimentos e para que não se

cometessem deslizes e/ou lapsos, o que é previsível em uma entrevista na

qual não se disponha de tal recurso.

Abarquemos e amemos a velhice: é cheia de prazeres, se

sabermos fazer uso dela. Agradabilíssimos são os frutos de

fim de estação; a infância é mais bela quando está por

terminar; o último gole de vinho é o mais agradável aos que

gostam de beber, aquele que entorpece, que dá à

embriaguez o impulso final.

(41)

CAPÍTULO III

@A

Neste capítulo apresentamos as falas dos sujeitos entrevistados, isto

é, como eles interpretam as questões propostas no roteiro de entrevistas. A

questão que inicia a entrevista diz respeito ao cuidar de si, especificamente

levando em conta a visão pessoal do sujeito entrevistado sobre o cuidar de

si.

Para a entrevistada * , o (" comporta duas

importantes dimensões: a primeira delas de natureza material e, a segunda

expressa a dimensão espiritual:

Eu preciso aprender a viver bem entre os homens. Não adianta nada eu ter as minhas ideias do plano de vista

espiritual se eu não viver, se eu não souber amar, se eu não souber usufruir do amor que estas pessoas sentem por

mim... eu não perco tempo em ficar atrás de gente que não quer se entender comigo, que não quer saber de mim. Pode

até me doer, mas eu não me desperdiço neste sentido. Não me forçar a fazer coisas, me respeitar, pedir ajuda quando

necessário. ( * )

Como apontamos acima, a dimensão material e espiritual na fala da

entrevistada * , ambas as dimensõs estão vinculadas à ação prática e

à autonomia. Na mesma linha de raciocínio de Fraiman, temEse = que

aponta a importância da " * ! + como ingredientes

importantes para o(" :

(...) é muito importante que a gente tenha autonomia, e que

a gente tenha a capacidade de cuidar da gente mesmo. Então o que eu imagino para minha vida é poder cuidar tão

bem dela agora que depois dos 60, 70... talvez até depois dos 80 anos, o mesmo eu possa ver, eu consiga cuidar de

(42)

ObservaEse que, para as entrevistadas acima, a autonomia aparece

como forma de cuidado; isto é, a liberdade para escolher, e construir, o que

fazer e onde fazer, com quem fazer, e como fazer. Neste sentido encontraE

se afinidade com as idéias de Gadamer (1983), onde este se refere à Práxis

Aristotélica, como preceito de livre escolha para a melhor realização da vida,

uma vida realizada de uma determinada maneira, isto é, com prohairesis, ou

capacidade de escolha prévia; capacidade de escolher e negociar livremente

diante de diferentes possibilidades apresentadas na vida. O livreEarbítrio, ou

seja, a liberdade de escolher é enaltecida e pronunciada como algo de muita

importância. Também Viktor Frankl assimila a ideia de liberdade com

direção:

O ser humano não precisa de um estado livre de tensão,

mas antes da busca e da luta por um objetivo que valha a

pena, uma tarefa escolhida livremente. (Carmello, 2007: 25).

Relacionada a esta noção de (" como um ato de liberdade,

7 sinaliza que nem sempre no processo de vida, de construção da subjetividade, o cuidar de si é uma tarefa fácil:

... não se entende o cuidado de si como uma coisa muito

fácil, tranquila, mas é um longo processo de luta...

Pensando neste processo de luta e de aprendizagem, podeEse

entender que as escolhas, opções, que muitas vezes somos levados a fazer,

requerem também trabalho. Este trabalho é resultante de experiência de

uma vida toda, inclusive da vivência subjetiva do amor. Voltando a * ,

vêEse que a mesma acredita que o amor é fonte de saúde; e valoriza a

vivência do amor, sendo tão ou mais importante quanto os cuidados com os

aspectos fíisicos biólogicos e relacionais. Conforme suas palavras:

Referências

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