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PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM PSICOLOGIA SOCIAL Alejandra Padilla Gómez

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM

PSICOLOGIA SOCIAL

Alejandra Padilla Gómez

Hibridismos ato-autor e responsabilidade no sistema de

justiça juvenil: reflexões desde os escritos de Michel Foucault

sobre o direito

.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Cristina Gonçalves Vicentin

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Alejandra Padilla Gómez

Hibridismos ato-autor e responsabilidade no sistema de

justiça juvenil: reflexões desde os escritos de Michel Foucault

sobre o direito

.

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Dissertação apresentada à

Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção

do título de MESTRE em

Psicologia Social sob a

orientação da Profª. Drª. Maria

Cristina Gonçalves Vicentin.

O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – Brasil.

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Banca Examinadora

_________________________________________

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PADILLA, A. G. (2012). Hibridismos ato-autor e responsabilidade no sistema de justiça juvenil: reflexões desde os escritos de Michel Foucault sobre o direito. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Orientadora: Maria Cristina Gonçalves Vicentin.

Linha de Pesquisa: Aportes da Psicologia Social à compreensão de problemas

sociais.

Resumo

A partir das noções de direito penal de ato e de direito penal de autor são analisadas algumas perspectivas teóricas no campo da justiça juvenil, utilizando como conceito articulador a noção de responsabilidade, que é associada à culpabilidade, no âmbito jurídico, da teoria do delito. Alguns autores, a favor de uma perspectiva garantista, entendem a responsabilidade como elemento fundamental que marca a passagem do Sistema Tutelar ao paradigma Proteção Integral no sistema de justiça juvenil. O Sistema Tutelar que utilizou como principal instrumento a condição de "situação irregular", estaria mais articulado ao exercício de um direito penal de autor. Já no paradigma de Proteção Integral, baseado nos princípios da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, em que os adolescentes autores de ato infracional gozam de direitos e garantias fundamentais, antigamente não reconhecidos, estaríamos mais próximos de um direito penal de ato.

Analisamos como, para além destas distinções, tanto os marcos jurídicos da justiça juvenil, quanto a sua implementação, inscrevem-se num sistema híbrido, onde constatamos uma coexistência de ambos os modelos do direito penal, de ato e de autor. Com base no papel do direito à luz dos escritos de Michel Foucault, articulamos as condições de possibilidade de um direito penal de ato com o regime de soberania. De outro lado, relacionamos o direito penal de autor aos mecanismos disciplinares, às técnicas penitenciárias, à construção do delinqüente, sua patologização e aos mecanismos de normalização. E suas conotações contemporâneas a partir das técnicas do biopoder, que propõem novas formas de normalização apoiadas em noções de periculosidade e risco. Com base nestas articulações analisamos as noções de risco e periculosidade concluindo que, em nosso contexto político atual tais noções são articuladas no juízo de responsabilidade. E os diagnósticos de periculosidade colaboram nas estratégias de produção de risco, funcionais aos mecanismos da biopolítica. Apontamos no final alguns cuidados levados em consideração no que diz respeito à temática, em particular no caso da adolescência.

Palavras chaves: Direito penal ato-autor, justiça juvenil, responsabilidade,

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Abstract

From notions of criminal law by act and criminal law by author, we analysed some theoretical perspectives in the juvenile justice field, using it to articulate the concept of responsibility, which is associated with guilt, in a the legal field and crime theory. Some authors, who support a guarantor perspective, use this notion as a fundamental element to be included in juvenile justice system, which marks the passage from guardianship system to comprehensive integral protection paradigm. Protection system used as the main instrument of "irregular situation" condition, which enables the exercise of a criminal law by author. Integral Protection paradigm is based on the principles of the International Convention on the Rights of Childhood, offering adolescents, who infract, fundamental rights and guarantees which wasn’t previously recognized, and according to them, consequently framed to justice under juvenile criminal law by act. In this study, we analysed how, beyond these distinctions, both legal frameworks of juvenile justice and its implementation, are part of a hybrid system, where we can find a coexistence of both models of criminal law by act and criminal law by author. Based on the role of law from Michel Foucault studies, we articulate the conditions of possibility of a criminal law by act with the regime of sovereignty. On the other hand, relate or direct criminal right from disciplinary mechanisms, Correctional Techniques, construction of the criminal, and pathologizing respective normalization techniques. And also, contemporary connotations from the techniques of biopower, which proposes new normalization forms supported by notions of danger and risk. Under these enunciations, we analysed the implication of risk and danger to liability, concluding that in our current political context such notions are articulated in the liability trial. Diagnosing it as dangerous collaborates in risk production strategies and functional mechanisms of biopolitics. We point important reflexions to be taken into account in relation to the subject, particularly in the case of adolescence.

Key words: Criminal law act-author, juvenile justice, responsibility, hybridisms, Michel

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Agradecimentos

A minha avó Mabel muito querida que me ensinou que estudar é libertário e também prazeroso, quem vou levar comigo sempre.

A minha orientadora Cristina Vicentin pela maravilha experiência que foi ter conhecido ela, tanto como orientadora quanto como pessoa.

A meu pai que sempre esta para me apoiar em tudo o que eu quero fazer. A minha mãe que desde o começo até o fim foi de grande ajuda durante o processo todo do mestrado.

A minha tia Gaby por todo seu apoio e carinho nesse processo. Aos meus irmãos e a minha sobrinha que adoro.

A meu irmão gêmeo que soube me acalmar e me contemplar nos dias difíceis da produção.

Ao núcleo “Lógicas Institucionais e Coletivas” porque formam de grande ajuda as suas sugestões e as nossas discussões. Foi muito lindo compartilhar esse tempo com eles.

São muitas as pessoas que gostaria de agradecer por me fazer sentir um pouco menos estrangeira e um pouco mais perto da minha casa. O carinho é grande, mas o espaço é reduzido, então só vou mencionar algumas e peço desculpas as outras, mas saibam que estão nestas linhas.

Queria agradecer em particular a Nadia por todo o seu carinho, por seu grande apoio e acolhimento.

A Alyne por todas as conversas, pelo carinho e pela sua grande ajuda nesse processo.

A Ana, grande amiga, por todos os seus cuidados.

A Marlene do programa de pós-graduação em psicologia social por sua grande disposição e ajuda imprescindível desde o começo até o fim do mestrado.

Ao Eduardo Dias por sua gentileza e solidariedade nas suas indicações, que foram fundamentais para o desenvolvimento da temática.

A Miriam Debieux por suas contribuições para o trabalho, tanto antes quanto na banca de qualificação.

A Heliana Conde pelas suas recomendações e orientação na banca de qualificação, e pelo seu jeito solidário e carinhoso durante o acompanhamento desse processo.

A meus amigos e o resto da família porque foram imprescindíveis nesse processo.

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Sumário

Introdução

... p. 9

PARTE I. Responsabilização no sistema de justiça juvenil:

problematizações à luz do tensionamento entre direito penal de ato / direito

penal de autor ………... p. 17

Capítulo I. A responsabilidade segundo o direito penal de ato e o direito penal de

autor.

1. Responsabilidade: uma perspectiva histórica... p. 17 2. Relações entre culpabilidade e responsabilidade no âmbito jurídico... p. 23 3. Direito penal de culpabilidade e direito penal de periculosidade... p. 28 3.1. Culpabilidade de ato e culpabilidade de autor... p. 33

Capítulo II. Hibridismo ato-autor na justiça juvenil.

1. Particularidades da responsabilidade juvenil: semelhanças e diferenças com a culpabilidade dos adultos... p. 36 2. Situação irregular e garantismo penal: perspectiva de ato e autor nos dois

modelos... p. 41 3. Hibridismos ……….... p. 57 4. Individualização da responsabilidade ………... p. 64

PARTE II. Hibridismos ato-autor no sistema de justiça a partir dos estudos de

Michel Foucault ………... p. 67

Capítulo I: Contribuições de Michel Foucault para pensar o sistema de justiça.

1. Fabricação da delinqüência como gestão de ilegalismos... p. 70 2. Relações de poder e o direito... p. 79

Capítulo II. Tecnologias de poder e responsabilidade de ato-autor.

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2.1. Do infrator ao delinqüente ……… p. 110 3. Normalização e dispositivos de segurança... p. 116 4. Responsabilidade vs periculosidade………..…... p. 135

Considerações Finais... p. 148

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Introdução

Este trabalho pretende problematizar alguns elementos da justiça juvenil, particularmente a dimensão da responsabilidade/responsabilização à luz do tensionamento entre direito penal de ato e direito penal de autor. Utilizando os estudos de M. Foucault como ferramentas conceituais para a análise desse tensionamento, suas implicações histórico-políticas, e algumas de suas características. Ao constatar na atualidade um funcionamento hibrido, por parte do sistema de justiça juvenil, entre estas duas concepções.

Em relação à temática de pesquisa, embora desde o início concentrou-se na responsabilidade/responsabilização na justiça juvenil, o problema de pesquisa foi mudando ao longo do curso do mestrado, até ficar delimitado da forma acima mencionada, que será descrito mais detalhadamente mais adiante. Agora gostaríamos de fazer uma breve passagem do percurso que levou à formulação desse problema. O mesmo é produto de ajuste de meus objetivos originais e foi delimitado com o apoio da equipe de pesquisa da PUC-SP e da USP do projeto: "Responsabilidade e responsabilização: diálogos entre psicologia, psicanálise e Sistema de Justiça Juvenil”, a partir de algumas questões levantadas nessa experiência. A presente pesquisa visa colaborar com esse projeto mais amplo.

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socioeducação com base na condição de "pessoa em desenvolvimento". Bem como a prolongada fase tutelar em relação ao tempo do paradigma de proteção integral, e a posição tutelada que ainda na atualidade conserva a infância por sua condição de desenvolvimento, que a inscreve num estado de necessidade e incompletude; colocam em questão ou oferecem dificuldades para implementação de um sistema puramente garantista. Libertado de propósitos de reforma e direcionamento dos indivíduos, seja justificado por intenções educativas ou de proteção.

Algumas destas dificuldades são reconhecidas pela equipe, na execução das práticas de justiça juvenil, pelo qual consideramos pertinente problematizar estes tensionamentos. Bem como analisar as diferentes concepções de responsabilidade e responsabilização nas que se sustentam, uma vez que promovem diferentes entendimentos sobre as mesmas.

Acreditamos que estas últimas noções são centrais para pensar sobre os propósitos da justiça juvenil, porque orientam o trabalho das práticas sócio-educativas, bem como, definem critérios de imputabilidade no campo jurídico. Mas assim também, questiona-nos sobre a distribuição das responsabilidades na organização e produção da "questão criminal" (PITCH, 2003). O qual condiciona o desenho de políticas públicas e define modos de tratamento do delito. Participando dessa construção não só o direito, mas também, outros campos de conhecimento.

Existe assim uma multiplicidade de leituras sobre as mesmas segundo a perspectiva teórica a partir da qual se interprete a problemática, bem como o campo disciplinar do qual se parte; por esta razão pretendemos construir um diálogo com algumas concepções do direito a partir de uma leitura crítica da psicologia social. Com o fim de definir e descrever as perspectivas jurídicas sobre a responsabilidade e responsabilização à luz do tensionamento acima mencionado, articulando uma leitura possível das suas condições de emergência e fins, alinhadas às diferentes formas de governo dos homens, a partir das contribuições de M. Foucault.

Acreditamos importante estabelecer esse diálogo, uma vez que é um campo que merece articulações interdisciplinares. Sendo produto da convergência de uma multiplicidade de saberes, que também compõem o hibridismo no qual inscreve-se o sistema de justiça juvenil. Portanto, as estratégias desenhadas também exigem ações interdisciplinares, e para isso é necessário definir os entendimentos dos quais se parte, para que realmente exista um dialogo, e os atravesamentos que estão em jogo nesta problemática.

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mídia, mas também, utilizada como uma estratégia política por certos setores que pretendem recuperar o poder político. Com esse propósito a problemática dos adolescentes em conflito com a lei é utilizada como instrumento nas suas campanhas, e contra o atual governo. Esta estratégia já foi apontada por Méndez (2004, p. 258) a nível regional, onde certos sectores “trafican con necesidades y angustias legítimas de la población tal como el miedo y la inseguridad urbana. […] como una sencilla operación de trueque en el mercado electoral: el cambio de votos seguros por la ilusión de la seguridad.”. Esta manipulação se faz notória quando se consideram os números oficiais do Ministério do Interior sobre os delitos cometidos por adolescentes, os quais representam pouco menos de 6% do número total dos delitos. Por mais modificadas que possam estar essas cifras, mesmo assim, estamos a falar de um número baixo como para representar a principal ameaça da insegurança, como estimada hoje.

Esse sentimento de insegurança da população, que se tornou um alarme social, reatualiza critérios de periculosidade tornando aos adolescentes autores de ato infracional um fator de risco social. O qual inscreve a justiça sob um direito penal de autor, que será abordado no trabalho, e desencadeia estratégias que fazem regredir frente a algumas conquistas do direito internacional no que respeita às políticas de tratamento do delito cometido por adolescentes. Nesta linha, no caso do Uruguai será feito um plebiscito em 2014 para baixar a idade de imputabilidade penal a 16 anos, ao ter se recolhido as assinaturas necessárias para propor tal plebiscito numa campanha impulsionada por alguns setores de oposição ao governo. Também já forma modificados alguns decretos do “Código del niño y del adolescente” (CNA), em termos de manter os antecedentes penais uma vez alcançada a maioridade, os quais deviam ser eliminados segundo o CNA na sua criação em 2004. Mas em 2011 determinou-se manter os antecedentes por um máximo de dois anos para aqueles crimes considerados mais graves. Lhe dando uma margem a justiça para poder capturar ao jovem adulto no sistema prisional segundo critérios de periculosidade que a leitura dos antecedentes legitima.

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Levando em consideração esse cenário parece-nos importante desenvolver pesquisas que abordem a problemática, tentando contribuir para o debate atual, aportando leituras críticas possíveis sobre esses fenômenos.

Bem como, consideramos importante questionar a leitura individualizada e culpabilizante que se faz do problema, que é formulado apontando aos adolescentes autores de ato infracional. Para isso entendemos necessário partir da própria noção de responsabilidade, para ler nela um processo de construção político e histórico que recai sobre certas pessoas, segundo determinados critérios e propósitos, os quais pretendemos analisar neste trabalho.

Se faz importante mencionar que embora tenha sido apresentado o cenário político do Uruguai, com o qual tenho maior familiaridade, o problema que pretendemos abordar cremos que dá conta de uma situação regional mais do que nacional; e de fato poderia ser pensado em termos internacionais, uma vez que as linhamentos que o definem são internacionais. No entanto, toda política internacional se inscreve em um determinado contexto local, que de alguma forma acaba singularizando suas formas de implementação. Sendo assim, consideramos que Brasil e Uruguai compartilham algumas características em relação a esta problemática, em termos de seus ordenamentos jurídicos, por exemplo, ambos seguem as diretrizes da Convenção. Bem como por compartilhar certas realidades como países da América Latina.

É claro que ainda assim podem-se encontrar grandes diferenças, no entanto, acreditamos que a problemática deste trabalho dá conta de um tensionamento que afeta a ambos os países. Por este motivo esta pesquisa não terá um recorte nacional, serão analisados tanto os linhamentos do “Código del Niño y del Adolescente” do Uruguai quanto o Estatuto da Criança e Adolescente do Brasil. E utilizados autores que trabalharam sobre a situação de ambos os países, tanto uruguaio quanto brasileiro, entre outros não necessariamente desses países.

Levando em consideração o referido até aqui vamos passar a explicar como é formulado o nosso problema de pesquisa, e alguns dos tensionamentos abordados neste trabalho.

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plenamente dos direitos de cidadania também devem ser reconhecidos seus deveres. Sem por isso equiparar igualitariamente a condição de cidadania dos adultos e das crianças e/ou adolescentes, já que estes estão em condição peculiar de desenvolvimento. Mas ainda assim, ao considerá-los como cidadãos, ainda que em condições especiais por razões anteriormente citadas, devem não apenas responder em alguma medida aos deveres de cidadania, como também deve ser garantida a eles a correspondente proteção de seus direitos. Segundo alguns autores um dos pontos chave para alcançá-lo é o reconhecimento da responsabilidade penal dos adolescentes1, que não se confunde com a imputabilidade penal dos adultos. Frente

ao código penal de adultos estes são inimputáveis, respondendo a legislações especiais, no entanto, não são impunes, o qual se torna mais claro e visível ao reconhecer a existência da RPA e as medidas sócio-educativas como sanções impostas pelo Estado, que buscam a responsabilização do jovem; aspectos estes que serão desenvolvidos na parte I do presente trabalho.

Por outro lado esta noção também abre outra questão que é a que pretendemos desenvolver neste trabalho. Para os partidários do garantismo penal na justiça juvenil, a idéia de responsabilidade penal adolescente vela pelo “devido processo legal”, gozando de todas as garantias penais que o direito já formulou, sendo uma delas o fato de que se penalize o ato de infração e não à pessoa que o cometeu. O que divide as águas das diferentes perspectivas entre direito penal de ato e direito penal de autor, porque há quem defende que o ato de infração corresponde a uma personalidade desviada ou delinqüente, seja por condições do indivíduo, do contexto social, econômico, familiar, etc. Sob estas correntes de pensamento, formada por varias teorias, as quais são difíceis de agrupar em um único pensamento, no entanto, diríamos como um dos aspectos centrais que as norteiam: a pena tenta neutralizar ou punir o individuo delinqüente seja por sua “periculosidade” ou “culpabilidade de autor”, e não pelo ato delitivo (ZAFFARONI, 2002). É o caso, por exemplo, do paradigma tutelar onde a condição de situação irregular habilitou a punição2 de crianças e jovens

por sua condição etária, social, econômica, familiar, etc., sem necessidade de existir comissão de delitos3 sequer. Na atualidade isto se observa um tanto matizado por

1 Falamos aqui de responsabilidade penal adolescente (RPA), termo cunhado por Méndez (2004), entre outros autores, no entendimento de que somente os adolescentes podem ser responsabilizados pelos atos de infração, para os quais a Convenção, bem como os diferentes códigos considerados aqui reservam como respostas medidas sócio-educativas. As crianças, faixa etária que varia segundo o país no Uruguai é até os 12 anos inclusive e no Brasil até os 11, reserva-lhes medidas de proteção como única resposta possível do Estado. Portanto, as crianças são não apenas inimputáveis perante a legislação penal adulta, mas também irresponsáveis segundo legislação especial.

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No entendimento de que a privação da liberdade, ainda chamada de internação no caso dos menores de idade, é uma privação de direitos, uma medida restritiva que produz sofrimento, portanto punitiva.

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novos acordos internacionais como a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (CIDC), que deu lugar em toda Latino América a adaptações legislativas segundo seus princípios, originando-se no Brasil o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990, e no Uruguai o “Código de la Niñez y la Adolescencia (CNA)” em 2004. No entanto, podemos encontrar nas práticas jurídicas, assim como é entendido também por alguns autores, una releitura tutelar dos respectivos tratados (MENDEZ, 2004), ou a coexistência de ambos os paradigmas. Em relação a isto também diz Zaffaroni (Idem) que embora o direito penal deveria se orientar por um direito penal de ato, ou seja de “culpabilidade” pelo ato e não de autor (p. 608), na prática o direito penal de ato não se realiza plenamente em nenhum país. Como exemplo, nos menciona o referido autor, que quando para determinar a pena se consideram as características do individuo, sejam estas sociais, econômicas, familiares ou pessoais, a pena acaba cumprindo a função de punir a pessoa, e não a pessoa pelo ato cometido. Qualquer pretensão de combinar ambos os sistemas, de direito penal de ato e de autor, acaba sendo no final das contas um direito penal de autor, onde a “culpabilidade se dá pela conduta de vida” (p. 609), assim denominada atualmente. Considerando a seletividade do sistema penal ainda no caso dos adolescentes, ainda que seja denominado sistema de medidas sócio-educativas4, poderia estar corroborando, ao menos assim

sustentamos em nossa hipótese, um hibridismo de ambas as concepções da responsabilidade penal, de ato e de autor. Além disso, outra hipótese que sustentamos é que tanto a concepção de direito penal de ato como de autor, propõem uma leitura da responsabilidade e da responsabilização individualizada.

Expor e problematizar tais tensionamentos é um dos objetivos desta pesquisa, e será o assunto da parte I.

A partir dessas hipóteses analisaremos à luz dos estudos de Foucault, na parte II, suas possíveis correlações com os diferentes regimes políticos e históricos de organização do poder e governo dos homens; para elucidar as condições de possibilidade de um direito penal de ato e um direito penal de autor. Compreendidos e analisados, estes, como processos de construção histórica, que respondem às formas de organização e controle social, que definem o campo do punível, as formas das punições, e distribuem e atribuem responsabilidades. Será analisado o papel do direito em tal construção e suas implicações com outros campos do saber, para encontrar nas práticas jurídicas elementos e fins não necessariamente jurídicos, mas que, no entanto, se compõem com elas.

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Com essa finalidade o trabalho será estruturado em duas partes. Na primeira parte será trabalhado o tensionamento entre direito penal ato e direito penal de autor no âmbito da justiça juvenil, desde um ponto de vista jurídico. Onde serão analisadas as diferentes concepções de responsabilidade que sustentam essas duas classificações e, conseqüentemente, os diferentes processos de responsabilização que promovem. No primeiro capítulo desta parte será localizada a responsabilidade adolescente como noção estratégica para garantir a passagem do sistema tutelar ao paradigma de proteção integral; fazendo uma breve reconstrução da sua história no sistema de justiça juvenil. Será definida tal noção no âmbito jurídico e estabelecidas suas correspondências com a culpabilidade. Tendo em conta que, segundo alguns autores garantistas, tal noção promoveria e asseguraria um direito penal de ato. São descritas a continuação as características e diferenças entre o direito penal de ato e autor, no campo jurídico; e os diferentes modos de responsabilidade e responsabilização que propõem.

No segundo capítulo serão analisadas as correspondências entre a culpabilidade do sistema penal adulto, e a responsabilidade adolescente. Apontando algumas das particularidades desta última no campo da justiça juvenil, que mereceria uma leitura singular daquela.

Também serão aproximadas as concepções de direito penal de ato e direito penal de autor, apontando na justiça juvenil algumas características que mostram um hibridismo entre ambas as visões. Será mostrado, assim mesmo, como esse hibridismo pode ser encontrado nos marcos legais, tanto no caso do Brasil como do Uruguai, bem como em suas formas de implementação.

Para finalizar propomos que ambas as concepções do direito compartilham uma leitura que individualiza a responsabilidade, e apontam ao autor de ato infracional como único responsável.

Já na segunda parte analisamos tal hibridismo a partir das obras de M. Foucault. No primeiro capítulo desta parte será analisada a construção da criminalidade como produção social e histórica, enquanto gestão de ilegalismos. Logo será localizado o direito como prática discursiva que compõe tal campo, sendo o mesmo, também, produto de um contexto histórico e político; que marca os diferentes papéis que tem adotado. Analisamos o lugar que o direito tem nas obras de Foucault e alguns entendimentos que esse autor formula sobre o mesmo. Bem como estabelecemos suas relações com os diferentes regimes de poder propostos por ele.

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exercício de um direito penal de ato e o regime de soberania, analisando alguns dos seus mecanismos como o inquérito judiciário, a construção da noção de infração, bem como o surgimento da figura do infrator; e as características da periculosidade do mesmo, coisa que aqui começa a se esboçar. No item 1 também serão propostas algumas reflexões sobre o papel do direito, segundo esta forma de governo das condutas dos homens.

No segundo item serão analisadas as condições de possibilidade de um direito penal de autor vinculado ao regime disciplinar. Onde serão descritos alguns dos propósitos desse regime como são a normalização do delinqüente, alguns dos seus mecanismos como o exame, e a construção da categoria da delinqüência como classe patológica de indivíduos. Também a noção de periculosidade será retomada, analisando as conotações que adquire sob este regime.

No próximo item (3) estudar-se-á as características contemporâneas da criminalidade segundo as estratégias do biopoder. Analisando o papel da estatística na construção e tratamento da criminalidade, o lugar dos direitos humanos no liberalismo como "arte de governar", e a produção de risco que é funcional a esse sistema. Com base nestas características são propostas novas conotações da periculosidade dos infratores, e das classes delinqüentes.

Para finalizar analisamos as relações entre responsabilidade e periculosidade (item 4), nos diferentes regimes de poder trabalhados nessa parte II, e os entrelaçamentos destes nas práticas jurídicas contemporâneas. Estudamos suas implicações com a noção de culpabilidade normativa, que hoje faz parte dos marcos legais e a qual se associa a noção de responsabilidade sob uma leitura jurídica. Como também, estabelecemos articulações, dessas noções acima referidas, com outras praticas discursivas não necessariamente jurídicas.

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PARTE I. Responsabilização no sistema de justiça juvenil:

problematizações à luz do tensionamento entre direito penal de ato/direito

penal de autor

Nesta parte será trabalhada a discussão jurídica entre direito penal de ato e direito penal de autor e analisadas as diferentes modalidades de responsabilização, e entendimentos sobre a responsabilidade que se propõem a partir de ambas perspectivas. Com o objetivo de apresentar este debate, definir essas duas conceições, e precisar o lugar estratégico da responsabilidade; bem como definir a noção de responsabilidade que a justiça e o direito, em especial, manejam. Para logo particularizar tal entendimento em matéria da justiça juvenil, segundo a perspectiva de alguns autores do campo da infância e adolescência. Também serão trabalhadas nesta parte as correspondências e diferenças entre a noção de culpabilidade dos adultos, e a responsabilidade adolescente.

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Capítulo I. A responsabilidade segundo o direito penal de ato e o direito

penal de autor.

1. Responsabilidade: uma perspectiva histórica

Emilio Garcia Méndez (2004) identifica três etapas na análise e tratamento da responsabilidade penal juvenil na América Latina.

A primeira chamou de "caráter penal indiferenciado" de natureza retributiva, que compreende o nascimento dos primeiros códigos penais do século XIX até 1919, ano em que começou uma série de mudanças nos diversos sistemas penais dos diferentes países da região, segundo princípios de diferenciação da justiça da mão do "Movimento dos Reformadores".

Na primeira fase de natureza indiferenciada, como o nome indica, não existia diferenças nas sentenças e estabelecimentos de confinamento dos menores de idade e dos adultos. As únicas distinções eram estabelecidas com relação às crianças menores de sete anos os quais eram considerados totalmente incapazes, portanto, não passíveis de ser julgados e responsabilizados; enquanto às pessoas de 7 a 18 anos as sentenças eram reduzidas em um terço do tempo em relação as dos adultos. A fase seguinte é de caráter "tutelar", que tem sua origem nos EUA no fim do século XIX, em seguida se espalhando a toda Europa. É nesta fase que se criam leis especiais para os menores de idade, bem como instancias administrativos específicas como os tribunais de menores. A partir das reformas européias também introduziu mudança na América Latina, com a criação dos diferentes códigos de menores, e instancias específica de administração da justiça juvenil.

Uma terceira fase é inaugurada com a aprovação da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (CIDC) em 1989, que compreende o que é chamado doutrina de proteção integral, da qual também fazem parte acordos como as Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing), as Regras Mínimas das Nações Unidas para os jovens privados de liberdade, as Diretrizes das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Diretrizes de Riad). Mas, no entanto, é a aprovação da CIDC o principal instrumento dessa mudança, segundo Méndez (Idem), por ser o marco jurídico que permite interpretar todos os outros. E foi um acordo fundamental para dar visibilidade à infância como categoria social.

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código adaptado aos princípios da CIDC, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) do Brasil, aprovado em 1990. Uruguai, apesar de ter ratificado a Convenção em 1990, não foi até 2004 que elaborou o Código del Niño y Adolescente (CNA) adaptados aos seus princípios, que substituiu o Código do Menor de 1934.

Falaremos mais tarde das características do modelo da RPA parar fazer agora uma breve descrição do sistema tutelar e de proteção integral como uma forma de introdução e contextualização.

A referida etapa do direito juvenil de caráter tutelar forma parte do que se chamou de doutrina da situação irregular do menor de idade, e algumas das suas principais características na América Latina são: aparecem indissociadas as noções de proteção, vulnerabilidade, judicialização e controle social. Não diferenciando as funções para proteger as crianças abandonadas ou em situações de dificuldade, com o exercício de funções coercitivas de regulação e controle do delito. Sob esta doutrina, se justificou a intervenção estatal nos setores mais vulneráveis socialmente, criminalizando a pobreza e o abandono.

“Esta confusión entre abandono e infracción es característica de los sistemas tutelares, en los cuales el discurso asistencial niega el hecho de que se está ejecutando un programa estatal de control penal a través de la judicialización de conflictos que deberían ser resueltos mediante la ejecución de las políticas públicas económicas y sociales.” (PALUMMO, 2009, p. 22)

As leis e os marcos legais nos que essa doutrina se baseia acabam sendo produzidos apenas para um determinado setor da população: os menores; estabelecendo uma diferencia com as crianças e/ou adolescentes de mais privilegiados setores sociais. Para estes últimos se institui uma certa impunidade em relação às infrações da lei, o qual estabelece uma divisão a interna da categoria infância (Méndez, 2004).

Também se criminaliza a pobreza ao tratar problemas de caráter estrutural através de procedimentos judiciais de caráter penal-coercitivo. Bem como se centraliza o poder de resolução na figura do juiz de menores, ao adotar faculdades omnímodas e discricionárias (Idem, Ibid).

Ao considerar à infância como objeto de proteção e aos seus sujeitos como sujeitos de necessidades, e não de direitos, são justificadas intervenções arbitrárias e coercitivas em nome da mesma; também lhe são negadas as garantias do direito para todos e quaisquer cidadão.

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negatividade. Assim, a alegada irresponsabilidade de sua condição também tira direitos e garantias constitucionais, restringindo sua liberdade e capacidade de autonomia. No entanto, ao criminalizar a pobreza e a desproteção social, se responsabiliza penalmente (embora esteja transvestido de proteção) a determinados sujeitos (os menores) pelas suas condições sociais ou pessoais, e não pelos seus atos. Favorecendo os diagnósticos de periculosidade social, e em aliança com as ciências (em particular as humanas) se judicializa/patologiza a determinados setores da população. Os quais protagonizam problemáticas sociais que deveriam ser tratadas ou consideradas a partir de outras perspectivas não penalistas (MENDEZ, 2004; ZAFFARONI, 2002; NICODEMOS, 2006; PALUMMO 2009; DEUS, LAMAS, PALUMMO, 2006).

Na terceira etapa, de acordo com Méndez (Idem), que se institui com a aprovação da Convenção até nossos dias, como já mencionado, se reconhece às crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e não já objetos de proteção: “Del menor como objeto de la compasión-represión, a la infancia/adolescencia como sujeto pleno de derechos, […]” (p. 12). Isso, no entanto, não negligencia os direitos de proteção que, segundo a Convenção, será de caráter especial pela condição particular dos mesmos como seres em desenvolvimento.

Adota-se um modelo garantista5 até então desconsiderado para aqueles menores de idade, que pode ser encontrado tanto na CIDC, bem como nos distintos códigos inspirados nela (CNA e ECA). Dessa forma é limitado o poder punitivo do Estado, bem como, é garantido o devido processo legal, a especificidade da justiça penal juvenil, e o estado penal mínimo ao que deveria se orientar, não só de acordo com a CIDC, mas também tendo em conta as Regras Mínimas para a Administração da Justiça de Menores6 de 1985 (PALUMMO, 2009). Assim se separa o poder punitivo do Estado das medidas de proteção.

“En un sistema de protección de derechos adecuado a la CDN, el juez debe limitarse a desarrollar la función jurisdiccional. Se extingue así la vieja figura del juez de menores como mero instrumento de control de la pobreza, con sus decisiones carentes de fundamentos y sus procedimientos regidos por la inobservancia de las garantías constitucionales y procesales.” (Costa

5 O garantismo penal é baseado em uma teoria política da Filosofia do Direito que objetiva a preservação de direitos fundamentais por parte do Estado. Nessa perspectiva, a única função legítima do direito penal torna-se a preservação das garantias, sem admitir limitações de direitos e garantias individuais em nome dos interesses de defesa social ou garantia da "ordem pública" (FRASSETO, 2005).

6

No art. 40 da CIDC, bem como as Regras de Beijing fazem um chamando para evitar ou minimizar, sempre que for possível, a judicialização da resolução dos conflitos com a lei protagonizados pela adolescentes. A regra 11.1 se refere à remissão, orientada a supressão do processo na justiça penal, com base no redirecionamento para serviços com apoio na comunidade: “11.1. Examinar-se-á a possibilidade, quando proceda, de ocupar-se dos menores delinqüentes sem recorrer às autoridades competentes, mencionadas na regra 14.1 infra, para que os julguem oficialmente.” Disponível em:

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Saraiva, 2000 apud PALUMMO, 2009, p. 229)7

Méndez (2004) descreve que o novo paradigma pode ser caracterizado por três elementos: separação, participação, e responsabilidade. A separação refere-se à distinção, acima mencionada, dos problemas de infração à lei penal, e aqueles problemas de natureza social que mereceriam outras respostas não judiciais. Essa noção permite a passagem do sistema tutelar ao garantista.

A participação é uma noção chave na CIDC, e tem a ver com o reconhecimento das crianças e dos adolescentes como sujeitos de direitos, com o direito de formar suas próprias opiniões e ser livremente expressadas, bem como levadas em consideração quando as decisões os afetam diretamente. Sendo a traves da mesma, e pelo seu caráter progressivo segundo o grau de maturidade, que vão ganhando também maior grau de responsabilidade. E será a partir de certa idade que se lhes atribuirá responsabilidade penal.

Para este autor esta terceira noção é fundamental para implementação de uma mudança de paradigma, em princípio, enquanto a sua diferenciação com o sistema penal adulto. Os adolescentes são assim penalmente inimputáveis (não estão sujeitos às regras do direito penal adulto), mas são penalmente responsáveis, ou seja, eles respondem perante legislação especial e lhes correspondem medidas especiais de caráter sócio-educativo segundo a CIDC, o ECA, e o CNA8. Para determinar as condutas consideradas crimes, faltas ou contravenções se toma como referencia o código penal de adultos, no entanto, Méndez (2004) esclarece que a responsabilidade penal adolescente difere da responsabilidade penal de adultos em três pontos: “a) los mecanismos procesuales; b) el monto de las penas (adultos) difiere del monto de las medidas socioeducativas (adolescentes), y c) el lugar físico de cumplimiento de la medida.” (p. 192).

Méndez (Idem) insiste que a responsabilidade dos adolescentes deve ser de natureza penal9, a fim de evitar políticas e ações de caráter discricionárias encobertas em

modelos pseudo- protetores; e assim assegurar as garantias penais para os mesmos. A responsabilidade protege ao adolescente da discricionariedade e do poder punitivo do Estado, bem como dos adultos, como já mencionado. Porque o sistema tutelar, e sua pseudo-proteção, se justificavam a traves da figura da incapacidade do adolescente; em um sistema com base na responsabilidade, o adolescente deixa de

7

SARAIVA, J. Batista Costa. El perfil del juez en el nuevo derecho de la infancia y la adolescencia. In:

Justicia y Derechos del Niño, n. 2, Buenos Aires: Unicef, 2000, p 45. 8

Estabelecimento todos estes marcos legais que as medidas tomadas perante infrações cometidas por adolescentes devem ser preferencialmente medidas sócio-educativas em meio aberto, e apenas como último recurso será imposta como sanção a privação de liberdade.

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ser incapaz.

Também nesta linha, tal noção é crucial para responder às forças políticas que solicitam abaixar a idade de imputabilidade penal, perante o qual o autor é claramente contra, para desassociar a adolescência com a impunidade, porque eles já são responsabilizados penalmente. Evitando assim o estigma de periculosidade social, bem como a retaliação inconstitucional e justiça pelas próprias mãos.

Outra característica fundamental do modelo de RPA que marca uma ruptura com o modelo anterior, apontada por Méndez (idem), e de grande importância neste trabalho porque dá sentido ao nosso problema de pesquisa, é que este modelo é a favor de discriminar o ato infracional da constituição da pessoa que comete o ato. Em outras palavras, a responsabilidade penal é pelo ato, e é por ele que tem que responder. Sendo uma tentativa de despatologizar ao adolescente, o qual não deveria ser culpado pelo que ele é, e só apenas pelo que ele fez.

O mesmo autor localiza as bases para este modelo nos artigos 37 e 40 da CIDC. Esses mesmos artigos estabelecem que todos os Estados devem marcar uma idade de responsabilidade penal, e no caso dos menores dessa faixa etária não correspondem sanções senão medidas de proteção. No Uruguai é delimitada a idade de RPA a partir dos 13 anos até 18 não são cumpridos, no caso do Brasil é de 12 anos até 18, também. Para aqueles que entram na idade de atribuição de responsabilidade penal são reconhecidos os direitos, e procedimentos do garantismo penal.

Este item procurou acompanhar o papel da RPA para alguns autores militantes do campo da infância e adolescência, para localizar essa noção no contexto histórico e político, e enunciar algumas de suas condições de emergência.

Para muitos destes autores a RPA traz desenvolvimentos importantes a nível legislativo e de exercício, porque permite a passagem de um sistema tutelar à doutrina de proteção integral. Mas, apesar destas diferenças apontadas enquanto a um tempo tutelar, e um novo momento de proteção integral, veremos que na prática tal ruptura não é tão clara, e alguns autores insistem que nem nos tratados10. A partir dos

estudos de Michel Foucault, tema da parte II, tais campos não são necessariamente descontínuos.

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2.

Relações entre culpabilidade e responsabilidade no âmbito jurídico

Para nos ocuparmos da distinção do direito penal como responsabilizaçao pelo ato ou responsabilizaçao de autor, consideramos importante entender primeiro algumas noções do direito que estao relacionadas com a responsabilidade e a responsabilizaçao. Para o qual compete compreender a noçao de culpabilidade no direito penal. Identificamos, a partir de Zaffaroni (2002) dentre outros autores11, que a

noção de culpabilidade é chave para determinar a atribuiçao, por parte da justiça penal, da responsabilidade penal do autor pelo crime ou ato de infração (para o caso dos adolescentes); e sua consequente responsabilizaçao através da pena ou medida socioeducativa12 no caso.

A culpabilidade forma parte dos componentes da teoria do delito no direito, faremos, entao, uma rápida explicação dos seus elementos na normativa atual.

A partir de tal teoria os passos de averiguaçao para determinar se existe ou não delito, ou ato infracional, são os seguintes: tomando como primeiro elemento de análise a conduta se determinará em primeiro lugar se a mesma é tipica, logo se é antijurídica, e por último se é culpavel, ou seja, se há culpabilidade. Esta teoria do delito, diz Zaffaroni (2002), sofreu mudanças ao longo da história até os nossos dias, onde é assumida esta última que é composta por esses elementos: conduta típica, antijurídica e culpável. Segundo uma perspectiva finalista do direito penal13, que é a que

atualmente rige os marcos legais, em oposição às teorias causalísticas14.

Nas teorias causalísticas se dividiam os elementos do delito entre componentes objetivos e subjetivos, pertencendo a culpabilidade a estes últimos. A mesma era utilizada para analisar as causas psicológicas do sujeito (motivações) que o levaram a

11 Machado (2003) e Shecaira (2008). 12

Há uma ampla discussão sobre a natureza das medidas socio-educativas enquanto a se são consideradas penas, sanções, ou de outra ordem como por exemplo pedagógicas. Esta discussão será abordada no item: “Situação irregular e garantismo penal: perspectiva de ato e autor nos dois modelos”. 13 “A finalidade ou atividade finalista da ação, se baseia em que o homem, consciente dos efeitos causais do acontecimento, pode prever as conseqüências de sua conduta, propondo, dessa forma, objetivos de distinta índole. Conhecendo a teoria da causa e efeito, tem condições de dirigir sua atividade no sentido de produzir determinados efeitos. A causalidade, pelo contrário, não se encontra ordenada dessa maneira. Ela é cega, enquanto a finalidade é vidente. (DAMÁSIO, 1998, p. 179)

A doutrina finalista da ação não se preocupa apenas com o conteúdo da vontade, o dolo, que consiste na vontade de concretizar as características objetivas do tipo penal, mas também com a culpa. O Direito não deseja apenas que o homem não realize condutas dolosas, mas, também, que imprima em todas as suas atividades uma direção finalista capaz de impedir que produzam resultados lesivos. As ações que, produzindo um resultado causal, são devidas à inobservância do mínimo de direção finalista no sentido de impedir a produção de tal conseqüência, ingressam no rol dos delitos culposos.” (Idem, p. 180)

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cometer o ato (causa material da ação, entendida como elemento objetivo, que tem a ver com a vontade exteriorizada que desencadeia o ilícito).

No entanto, alguns crimes começam a colocar em questão esta teoria, por serem difíceis de explicar através de uma motivação psicológica. Por exemplo, em caso de negligência, quando se descuida um dever como cidadao e acaba produzindo danos a terceiros, sem ter tal intenção. Ou no caso dos inimputáveis por incapacidade, tanto seja para compreender o ilicito, quanto para adaptar o comportamento a esse entendimento, por exemplo, no caso das pessoas que sofrem "transtornos mentais", etc. Estes são alguns dos motivos que levaram, a partir do seculo XX, à modificação da teoria. Assim os elementos subjetivos que formavam parte da culpabilidade (o dolo e a culpa) tornaram-se parte do tipo, e a culpabilidade ficou livre desses elementos difíceis de regular15. Dessa forma a culpabilidade adoptou um caráter normativo16 que

até então nao possuia, passando a ser entendida como reprovaçao pura, da conduta, por exigibilidade de conduta diversa adaptada às normas jurídicas.

Os tipos penais são fórmulas jurídicas que individualizam condutas que estao penalmente proibidas, em sua maioria são de natureza descritiva. Entre os tipos estao os dolosos e os culposos. O dolo é quando o agente quis alcançar esse resultado, então, sabia das conseqüências da sua ação, há "vontade e conhecimento". O tipo culposo também responde a uma individualização de uma conduta através de uma fórmula, mas, neste caso “no individualiza la conducta por la finalidad y si porque, en la forma que se obtiene esa finalidad, se viola un deber de ciudadano, o sea, como dice la propia ley penal, la persona por su conducta, da causa al resultado por imprudencia, negligencia o impericia” (ZAFFARONI, 2002, p. 506, tradução livre). O

15

O termo subjetivo é usado por outros autores com um sentido diverso do que está sendo empregado aqui. Por exemplo, em Shecaira, Ferrajoli e Machado é usado no entendimento de que a culpabilidade refere à possibilidade de atribuir o acto a um autor, ou seja, que o fato é atribuíd a um sujeito, por isto subjetivo; é a chamada, por eles, de responsabilidade subjetiva em oposição à responsabilidade objetiva. A qual é um tipo de responsabilidade que determina o delito por seus resultados independente da possibilidade de reprovaçao a seu autor ou nao.

Shecaira informa-nos que historicamente essa responsabilidade estava ligada à concepção do homem indiferenciado do grupo. Oferece a título de exemplo, a seguinte situação: se uma construção caia e a razão disso morre o filho do proprietário, a pena poderia ser a morte do filho do construtor, sem avaliar as condições de culpabilidade da pessoa, se foi por causa do construtor ou por outros fatores, por exemplo, climáticas, geográficas, etc.; portanto, não era individualiza a pena e refere ao seu autor.

No entanto, neste caso Zaffaroni está usando aqui o termo subjetivo com outro sentido, como aspectos psicológico, motivacionais, do sujeito.

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elemento mais importante desta forma de tipicidade é a violaçao de um dever de cidadania, que desencadeia o resultado reprovavel.

A antijuridicidade tem a ver com a “contradicción de la conducta prohibida y el orden jurídico” (Ibid, p. 399). Para determina-la não é suficiente que a conduta esteja dentro de alguns dos tipos penais previstos na lei, mas também não tem que estar justificada por nenhum motivo que estiver contemplado na legislaçao, como por exemplo legitima defesa. Quando não tem nenhuma permissão juridica, e está em contradiçao com alguma norma, seja do direito penal ou do ordenamento geral do direito, será antijuridica. Quando uma conducta é típica e anijuridica se chamará de injusto penal, mas ainda não constitui um delito, para ser tal presisará também ser culpável. A culpabilidade, que é o último elemento de averiguaçao no processo penal, é que liga a conduta ao autor da mesma, de que maneira? se o autor não está isento por razões de inimputabilidade, tendo capacidade de compreender o ilicito, bem como, ser capaz de adaptar seu comportamento a tal compreensão das normas jurídicas, se pode exigir conduta diversa, portanto a mesma é reprovável.

Deve ser feito aqui um esclarecimento, embora Zaffaroni na obra já citada trabalha a partir do direito penal adulto, este julgamento e procedimento aplica-se também para os adolescentes, sendo que para determinar uma conduta infracional se tomam as garantias, preceitos e procedimentos do direito penal de adultos. Diferindo em algumas características, várias já foram mencionadas e outras serão trabalhadas mais tarde, mas não afetam o processo de investigação e determinação do delito referido, uma vez que este processo faz parte das garantias constitucionais; segundo as quais os adolescentes também estão amparados. E, pelo acima mencionado, os adolescentes, assim como os adultos, são responsabilizados pelos atos infraccionais17, o qual será justificado a partir de outros referenciais teóricos também.

Mas através de outras medidas diferentes daquelas para os adultos, e de acordo com características particulares, que serao retomadas.

Retomando o acima dito respeito ao procedimento de determinaçao do delito, é importante para os fins deste estudo apontar que, no processo de averiguaçao o criterio analítico é estabelecido na ordem em que foram redatados os componentes. Assim, se parte da conduta e apenas como último elemento se chega ao autor da mesma. Zaffaroni (2002) dirá que a primeira coisa a determinar é se há conduta, porque o direito pretende ser um marco de regulação de condutas, e nao como algumas correntes que buscam regular ou punir atraves do delito "tipos de pessoas” classificados em “tipos de autor ", etc. É claro que no final do processo a pena (como

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processo de responsabilizaçao) recai sobre um autor, mas este responde por uma conduta ilegal e não deveria faze-lo por nenhum critério de periculosidade, ou características de personalidade. Pelo menos não segundo a letra escrita do direito, porque o proprio Zaffaroni (Idem) admite que na prática isso não é cumprido.

É importante para a nossa análise nos determos brevemente no modelo antropológico que, então, dá sustento ao direito penal. A este respeito, dirá o mesmo autor já citado ao longo deste item, que as vantagens de ter alcançado uma concepção normativa da culpabilidade, e não já descritiva (como antes era utilizada) permite trabalhar dois núcleos problemáticos: a possibilidade de compreensão do autor da antijuridicidade, e certo âmbito de autodeterminação do mesmo, pois se não fosse assim não poderia ser exigido uma conduta diversa. Portanto, a concepção de homem que dá sentido aos marcos legais é aquele que é capaz de se autodeterminar, dizendo que se se suprime a liberdade da vontade do Código Penal (CP), o mesmo ficaria incompreensível (Ibidem, p. 607). Os marcos legais rejeitam qualquer concepção determinista do homem, seja apoiada numa visão biologisista ou mecanicista do mesmo e da sociedade. Excluindo a responsabilidade quando o sujeito é incapaz de entender a antijuricidade de suas ações, bem como, quando não atua em termos de um mínimo de liberdade de escolha, para, assim, adaptar o seu comportamento a esse entendimento. Porque se não fosse assim, com base no que seria exigido ter agido de forma diversa se fosse refém da determinação (seja ela circunstancial, social, familiar, biológica, etc.)?

Assim diz Zaffaroni (2002, p. 607): “la culpabilidad solamente puede ser edificada sobre la base antropológica de la autodeterminación como capacidad del hombre. Cuando se suprime esta base, desaparece la culpabilidad” (tradução livre). Esse desaparecimento pode se dever a sua substituição pela noção de periculosidade, ao que tal autor se opõe, e aponta que é contrário à legislação positiva. Assim como também ao reduzir a culpabilidade a uma relação psicológica, o qual já não é parte da culpabilidade e sim do injusto. Em ambos os casos a culpabilidade é perdida como noção normativa, como “juicio de reprobación que se formula al autor” (tradução livre). Zaffaroni (Idem, p. 618) diz filiar-se à teoria estrita da culpabilidade, que coloca a possibilidade de entender a antijuridicidade na culpabilidade, sob uma estrutura finalista do direito. Portanto, é a favor de um direito penal de culpabilidade, noção que será retomada e aprofundada mais adiante.

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que a compreensão requer conhecimento bem como introjeção do mesmo. Reconhecendo que nem todas as pessoas têm as mesmas condições e capacidades para alcançar a compreensão da antijuridicidade, seja por razões sociais ou pessoais, ou por combinação de ambas; há aqueles que exigem mais esforço para internalizar as normas jurídicas. Conclui, portanto, que o grau de entendimento e exigibilidade de conduta diversa não pode ser igual para todos. Formulando que quando maior esforço para alcançar a compreensão, menor deve ser a reprovação da sua conduta, e vice-versa. Achamos importante mencionar isto último porque cremos corresponde, em parte, às condições e características singulares da adolescência. Para os adolescentes a noção de responsabilidade, ou culpabilidade segundo os marcos legais do direito, não pode ser entendida nem considerada da mesma forma que para os adultos. Também não as respostas que da determinação da mesma devenha (processo de responsabilização), sejam chamadas penas ou medidas sócio-educativas. Estas diferenças e particularidades serão retomadas à luz de outros autores que trabalharam a questão especificamente no caso dos adolescentes.

No entanto, se faz importante esclarecer aqui a importância desta introdução para estabelecer alguns vínculos com a justiça juvenil. Tendo feito uma pequena exposição de certas noções fundamentais para este trabalho como são: teoria do delito, elementos da mesma, as garantias constitucionais para a sua determinação, focando na noção de culpabilidade, o conceito de responsabilidade na justiça juvenil que alguns autores garantistas defendem, em sua determinação e definição também está ligado a estes princípios e processos; ainda entendendo que existem diferenças. A este respeito Shecaira (2008, p. 157) diz:

“Pode parecer um paradoxo que a responsabilização do adolescente seja sustentada exatamente com base no instrumental do Direito Penal, quando é ele próprio que nega a capacidade penal, ou seja, a imputabilidade. Mas se não for esse o instrumental teórico – potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa -, como se justificaria a atribuição de responsabilidade ao autor de ato infracional, quando a própria Constituição assevera serem os adolescentes pessoas com dignidade própria com diversos direitos assegurados com prioridade absoluta sobre os demais?”

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3. Direito penal de culpabilidade e direito penal de periculosidade

Retomando algumas questões anunciadas e esboçadas anteriormente, agora com mais elementos para sua compreensão, explicaremos melhor o que Zaffaroni denomina direito penal de culpabilidade e direito penal de periculosidade. De acordo com o autor, considerando que a pena é uma característica fundamental de qualquer sistema penal, qualquer teoria da pena se refere a uma teoria do direito penal e suas bases filosóficas e políticas. Por isso, tal definição torna-se importante, uma vez que implica uma determinada concepção de direito penal: "uma 'teoria da pena’ é sempre uma teoria do direito penal " (ZAFFARONI, 2002, p 114.)

Assim, o mesmo autor estabelece uma distinção entre aqueles que pensam a pena de caráter retributivo,com base na função de "segurança jurídica", e de caráter

reeducador ou ressocializador, enfatizando a função de "defesa social”. Os primeiros são a favor de um direito penal de culpabilidade e os segundos de um direito penal da periculosidade.

Como já descrito anteriormente sobre as características da culpabilidade, a mesma implica reprovaçãodo ato por exigência de conduta diversa. Para que tal ato possa ser reprovado a um autor, a concepção de homem que sustenta esta teoria tem por base a autodeterminação do homem, que tem liberdade de escolha para discernir entre o bem e o mal, com "autonomia ética" de acordo com Zaffaroni (Idem). Para os partidários dessa corrente, a pena, então, é a medida da culpabilidade, que, como já vimos, apresenta-se em diferentes graus, segundo as circunstâncias, o que determina diferentes graus de reprovação. Tendo a pena um caráter retributivo, cumpre uma dupla função: responsabilizar o autor pela reprovação de sua conduta, e também o saldo de uma dívida.

Por outro lado, aqueles a favor de um direito penal da periculosidade veem no homem pura determinação, sua leitura equipara-o a outros fenômenos da natureza, um ser movido por causas que, portanto, não tem escolha. Para estes, claramente, não há preocupação com a culpabilidade, mas sim com os graus de periculosidade como determinação para o delito, e medida da pena. Assim, a finalidade da pena, e seu único limite será a periculosidade.

Frente a essas duas posições, Zaffaroni se manifesta claramente contra o direito penal de periculosidade, pois, apesar de reconhecer a determinação histórica do homem, sustenta que o mesmo tem um grau de autonomia e de capacidade de autodeterminação, afirmando que "caso se negue a possibilidade de escolha humana,

nega-se com isso qualquer forma de responsabilidade" (Zaffaroni, 2002, p 116,

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Ainda que favorável ao direito penal de culpabilidade, no entanto, para o autor a pena não se destina a retribuir a culpabilidade, assim como não compartilha que a culpabilidade seja o único limite da pena. Por outro lado, rejeita a periculosidade como limite da pena, assim como que se admita a privação de bens jurídicos, em nome da função preventiva, de defesa social, ou de neutralização do risco que uma pessoa representa por seu grau de periculosidade.

Entende que a segurança jurídica deve ter outro limite, uma vez que a lei diz que a pena deve manter relação com a magnitude do injusto (proporcionalidade) e o grau de culpabilidade: "a pena não retribui o injusto nem sua culpabilidade, mas deve guardar certa relação com ambos, como único caminho pelo qual pode aspirar a garantir a segurança jurídica e não afrontá-la” (Zaffaroni, 2002, p. 117).

Por outro lado, sem negar que a pena cumpre uma função preventiva, o autor se manifesta a favor de que esta seja de caráter especial e não geral18, sendo uma das

conseqüências da pena e não sua única finalidade. Bem como alguns adeptos do direito penal de periculosidade, já que para eles a função da pena é neutralizar o indivíduo perigoso. Zaffaroni, em relação a estes últimos, alerta para os riscos que tal perspectiva acarreta uma vez que não apenas o diagnóstico de periculosidade por inclinação ao perigo é pouco preciso e confiável, mas também, reconhecendo que alguns dos efeitos institucionais do sistema penal são a criminalização e estigmatização dos indivíduos19, tal perspectiva pode favorecer o absurdo de penalizar

e aprofundar as próprias consequências do sistema. Ele reconhece que esses efeitos institucionais, estigmatizantes e criminalizadores, do sistema penal podem restringir ou limitar o grau de autonomia dos indivíduos, mas, no entanto, acredita que sempre há margem para a autodeterminação e que nunca se está completamente determinado. Ainda assim, se o grau de autonomia é diminuído também diminui o grau de culpabilidade. Propõe algo que, no nosso entendimento, é muito interessante: "o problema deve ser canalizado e resolvido em cada caso concreto, quando da determinação do grau de culpabilidade para os efeitos de quantificação da pena." (Ibid, p 118.).

Considerando o exposto até agora, diremos que todo direito penal de periculosidade é direito penal de autor, isto é, entende-se que o ser humano está determinado por características ou circunstâncias que o tornam perigoso. A pena surge para combater esta periculosidade, a mesma, então, é imposta ao autor por ser ele quem é, um indivíduo perigoso, e não pelo ato cometido; já que o ato é entendido como um

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“na prevençao geral a pena surte efeito sobre os membros da comunidade jurídica que não delinqüiram, em quanto na prevenção especial age sobre o apenado” (ZAFFARONI, 2002, p. 120)

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sintoma de uma personalidade propensa ao crime, "desviante".

No entanto, não todo direito penal de culpabilidade é direito penal de ato, este pode ser de ato ou de autor. Menciona Zaffaroni (Idem) que existem algumas tendências que, considerando certa autonomia moral do homem, postulam que a personalidade é forjada através da repetição de condutas, que inicialmente foram livremente escolhidas e que, depois, farão parte da estrutura da personalidade. Assim, essas correntes reconhecem a existência e a necessidade da reprovação da culpabilidade, mas o que na verdade se reprova é a personalidade, porque o ato revelaria uma estrutura de personalidade reprovável.

“Portanto: todo direito penal de periculosidade é direito penal de autor, enquanto o direito penal de culpabilidade pode ser de autor ou ´de ato´” (ZAFFARONI, 2002, p. 119).

A este respeito, chama a atenção para a anticonstitucionalidade do direito penal de autor, seja justificado pela periculosidade ou culpabilidade de autor, destacando que o direito é um sistema de regulação de condutas e não de personalidades, portanto, nunca podendo penalizar o "ser" pelo que ele é, porque qualquer tentativa nesse nível violentará a "esfera de autodeterminação" dos indivíduos.

Apesar de reconhecer que, no plano prático o direito penal opera sob essas duas lógicas, a de ato e de autor, faz uma forte crítica àqueles que pretendem justificar o sistema de direito penal de autor por meio de construções teóricas que lhe dão sustento.

Levaremos agora essa discussão para o campo da justiça juvenil, por meio de um autor que assume estes argumentos e distinções entre direito penal de ato/autor, Carlos Nicodemos (2006, p. 69), que a este respeito afirma:

“O contraponto dessa armadilha fincada no sistema de controle sancionatório do Estado encontra-se na idéia de entender o adolescente como um ser historicamente inacabado, um sujeito da história que, mesmo na condição de adolescente autor de ato infracional (expressão que preferimos) deve ser controlado pela dimensão do ato que praticou e não pela situação política e social que acabou por ocupar por força de um modelo de Estado criminalizador.” (Itálicos no original)

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autores consideravam o delito como fruto da livre expressão da vontade do homem, era entendido, então, como um mal uso da liberdade, uma escolha errada, que devia ser combatido com outro mal, a pena.

Para esta corrente, o delito só pode ser considerado como tal se constitui uma infração a uma norma jurídica, em relação a um ato proibido pela lei. Se tal conduta não é proibida, não representa um delito, de modo que a norma jurídica é o parâmetro de determinação, sem que se busque entender ou relacionar o delito com a personalidade do autor ou com o contexto social para sua justificação. Não se pretende compreender suas razões, mas combater as condutas delituosas para defender a sociedade e garantir a sua preservação. Dessa forma, a pena tem caráter "reativo e retributivo".

“Temos, então, o surgimento do home em conflito com os parâmetros legais do Estado, ou como preferem alguns, partindo do referencial dos direitos da criança e do adolescente, o adolescente em conflito com a lei.” (NICODEMOS, 2006, p. 67; Itálicos no original)

Esta concepção traz consigo a ideia de igualdade entre todos os cidadãos, que, como homens livres deveriam fazer uso positivo da liberdade, sob pena de sanção no caso de fazer escolhas erradas. Ao apresentar uma visão desprovida das determinações sociais e históricas do homem, acaba localizando ao individuo como centro da responsabilidade penal por parte do Estado, e nós acrescentamos apenas único responsável.

No contexto do Brasil contemporâneo, Nicodemos (2006) reconhece vestígios dessa perspectiva nas práticas da justiça juvenil ao constatar, por exemplo, que na maioria dos casos de confinamento de adolescentes que cometeram ato infracional, a internação é aplicada sem projetos pedagógicos e políticos de educação. Dessa forma, o autor conclui que a medida sócio-educativa acaba tendo a função de expiar a culpa pelo delito.

Por outro lado, com a Escola Positivista, que tem seu momento de maior crescimento no século XIX, vemos nascer a figura do criminoso e da personalidade delinqüente. Esta corrente desvia o foco do crime, entendido como contradição com a norma jurídica, para explicá-lo e analisá-lo desde o ponto de vista da personalidade delinquente. O delito deixa de ser a livre expressão da vontade de um sujeito, passando a ser lido através de suas causas, localizadas na personalidade delitiva, propensa ao crime, seja por fatores endógenos ou exógenos. Seu principal formulador foi Cesare Lombroso e seus seguidores Enrico Ferri e Rafaelo Garófalo.

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por razões alheias à sua própria vontade, ou tendo sido compelido ao crime por quaisquer motivos. Este é o modelo de responsabilização do Estado Moderno, que também mantém o centro da atenção sobre o sujeito ao qual se atribui a responsabilidade, mas desta vez por ser ele mesmo a causa da criminalidade. Portanto, a sanção penal aqui é dirigida ao "criminoso" por ser quem é, e por atentar contra a segurança social, e não pelo ato cometido, como entendia a escola clássica. A influência desta escola de pensamento pode ser reconhecida, segundo o mesmo autor, como exemplo, nos mecanismos de controle da polícia (como primeiros agentes do sistema de justiça). Uma prática comum, no contexto brasileiro, é a detenção e recolhimento de crianças e adolescentes que estejam nas ruas e tenham a aparência de "risco" social ou pessoal. Tais intervenções são guiadas, em geral, mais pela proteção à segurança pública, entendendo que esses indivíduos estão em situação de "quase-delito", do que como medida de proteção à infância e juventude.

Como marca dessa corrente surge a figura do "adolescente infrator", expressão coloquial muito utilizada atualmente, especialmente pela grande mídia, em campanhas de produção de medo e insegurança.

Essas duas grandes correntes de pensamento sobre o delito, que maior impacto tiveram na história do direito penal, foram constantemente atravessadas por diversas disciplinas, tais como o direito, a sociologia, a antropologia, a filosofia, a psiquiatria, etc. De acordo com Nicodemos (Idem , p. 69), tais correntes acabaram “[…] norteando desde o Estado Moderno, a elaboração dos programas e políticas que desenharam e orientam o Estado na formação do sistema de responsabilização frente ao delito” (grifo nosso).

Considerando a influência dessas diferentes perspectivas, o autor nos adverte quanto a alguns riscos relativos às diferentes concepções de delito no âmbito da adolescência. Aqueles partidários do conceito de "adolescente em conflito com a lei" podem equivocar-se ao pensar o ato infracional em sua manifestação puramente jurídica, considerando a infração como uma escolha do adolescente, como um indivíduo livre, em um estado igualitário. Sabemos como, no contexto latino-americano, a realidade dista bastante desse estado ideal. Assim também, tal lógica não leva em conta as dimensões político, econômico e social, que fazem do adolescente um sujeito histórico, podendo promover uma leitura do jovem que se fecha sobre si mesmo.

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