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Marcados Pelo Amor

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Academic year: 2022

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escrito por Amilton Júnior

Marcados Pelo Amor

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“Quanto mais amor temos, tanto mais fácil fazemos a nossa passagem

pelo mundo”

~ Immanuel Kant

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Índice

Apresentação ... 8

Capítulo 01 – Atração Irresistível ... 9

Capítulo 02 – Resistir ao Infortúnio ... 13

Capítulo 03 – O Preço do Pecado ... 17

Capítulo 04 – Inimigos Inimagináveis ... 21

Capítulo 05 – Valente Missão ... 25

Capítulo 06 – Ousada Imprudência ... 28

Capítulo 07 – Indesejável Despedida ... 32

Capítulo 08 – O Protetor ... 35

Capítulo 09 – Sentir-se Humano ... 39

Capítulo 10 – Amores e Angústias ... 43

Capítulo 11 – Cumpra as Ordens! ... 47

Capítulo 12 – Na Companhia das Estrelas ... 51

Capítulo 13 – Decisão ... 55

Capítulo 14 – Prepotência ... 59

Capítulo 15 – Solidão ... 63

Capítulo 16 – Desejos ... 67

Capítulo 17 – Inesperadamente ... 71

Capítulo 18 – Atraídos ... 75

Capítulo 19 – O Prazer da Liberdade ... 79

Capítulo 20 – Alimentando-se de Coragem ... 83

Capítulo 21 – Ninguém Resiste ao Amor ... 87

Capítulo 22 – “Eu estou aqui...” ... 91

Capítulo 23 – Prazer em Viver ... 95

Capítulo 24 – Recomeçar ... 99

Capítulo 25 – Arriscar-se ... 103

Capítulo 26 – Pequena Luz ... 106

Capítulo 27 – Corações Perversos ... 110

Capítulo 28 – Alguém em quem confiar ... 114

Capítulo 29 – O Sonho da Liberdade ... 117

Capítulo 30 – Provação ... 121

Capítulo 31 – Um Novo Amigo ... 124

Capítulo 32 – Amor Verdadeiro ... 127

Capítulo 33 – Desperta o Ódio ... 130

Capítulo 34 – De Humano para Humano ... 133

Capítulo 35 – Árdua História ... 136

Capítulo 36 – Insistência ... 139

(6)

Capítulo 37 – Apaixonar-se ... 142

Capítulo 38 – Estar com Quem se Ama... 146

Capítulo 39 – Olhares Cruzados ... 149

Capítulo 40 – Celebração ... 152

Capítulo 41 – Tudo é Passageiro ... 155

Capítulo 42 – Boas Novas ... 158

Capítulo 43 – Símbolo de Resistência ... 161

Capítulo 44 – Sentimento Traiçoeiro ... 165

Capítulo 45 – Sujeito Cortês ... 168

Capítulo 46 – Humilhado ... 171

Capítulo 47 – “Você me ama!” ... 175

Capítulo 48 – A Dor do Amor ... 178

Capítulo 49 – O Fim de uma Perversão ... 181

Capítulo 50 – Atrás da Verdade ... 184

Capítulo 51 – “Eu o sentencio à morte!” ... 188

Capítulo 52 – Enlouquecido ... 191

Capítulo 53 – Vingativa Justiça (Parte 1) ... 194

Capítulo 54 – Vingativa Justiça (Parte 2) ... 198

Capítulo 55 – Certezas... 201

Capítulo 56 – Propriedade ... 205

Capítulo 57 – Terno Cuidado ... 208

Capítulo 58 – Virar a Página... 211

Capítulo 59 – Destino ... 214

Capítulo 60 – Verdadeiramente ... 217

Capítulo 61 – Soberba ... 221

Capítulo 62 – Intempérie ... 224

Capítulo 63 – Compreensão ... 227

Capítulo 64 – Amor Sofredor ... 230

Capítulo 65 – Amando outra vez... ... 233

Capítulo 66 – Amores Proibidos ... 236

Capítulo 67 – Perversa Satisfação ... 239

Capítulo 68 – Marcada Simplesmente por Amar ... 242

Capítulo 69 – Desfazer os Equívocos ... 246

Capítulo 70 – Embate ... 249

Capítulo 71 – O Amor é Libertador ... 252

Capítulo 72 – Insegurança ... 255

Capítulo 73 – O Romper das Ilusões ... 258

Capítulo 74 – Transformar a Realidade ... 262

(7)

Capítulo 75 – Consumação ... 266

Capítulo 76 – Fogo que arde sem se ver ... 270

Capítulo 77 – Aceitação ... 274

Capítulo 78 – O Soar da Guerra ... 278

Capítulo 79 – O Baile de Máscaras (Parte 1) ... 281

Capítulo 80 – O Baile de Máscaras (Parte 2) ... 285

Capítulo 81 – Despedidas ... 290

Capítulo 82 – Tortura no Corpo e na Mente ... 293

Capítulo 83 – Traidor ... 297

Capítulo 84 – Dores ... 301

Capítulo 85 – O Improvável ... 305

Capítulo 86 – Indesejável Verdade (Parte 1) ... 308

Capítulo 87 – Indesejável Verdade (Parte 2) ... 312

Capítulo 88 – Homenagens ... 316

Capítulo 89 – Arrependimento ... 319

Capítulo 90 – Marcados Pelo Amor ... 322

(8)

Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

@Amilton.Jnior

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8 Apresentação

Apresentação

O amor pode deixar marcas profundas e intensas, duradouras e inesquecíveis, marcas que podem arder e angustiar, ou confortar e curar. O amor é complexo ao nosso entendimento, pode ser vivido de tantas formas, sentido de tantas maneiras, experimentado por tempos indeterminados o que não quer dizer infinito. Ele pode acabar. Ele pode durar para sempre. Ele pode fazer sentido. Ele pode causar a destruição.

Na verdade não importa como o amor se apresenta, se eterno ou findável, se infeccioso ou curador, a verdade que mais importa e que mais chama a atenção é que ele deixa marcas, rastros por onde passa, vestígios em quem o sente, sinais em quem o vive, traços que nem mesmo o poderoso tempo é capaz de apagar. O amor impregna na alma, aprisiona-se no espírito e nunca sai do coração. Talvez seja por isso que a ele concedemos nossas tantas interpretações, não estamos preparados para a sua força, não aguentamos o seu poder e, então, resta-nos apenas sermos guiados por ele, sermos marcados pelos seus efeitos para que, sempre que contemplemos seus símbolos em nós colocados, lembremo-nos da sua potência avassaladora.

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Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

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9 Capítulo 01 – Atração Irresistível

Capítulo 01 – Atração Irresistível

20 anos antes

Enquanto muitos se reviravam em suas camas à procura do sono, Frederico Albuquerque, acompanhado pelo lampião que iluminava seu quarto, sentado na cama que em poucas horas já não contaria apenas com sua presença, conferia os números do último balanço levantado, o barão da província de São Pedro era o homem mais rico da região, orgulhava-se por isso, orgulhava-se também da fama feroz relacionada ao seu nome.

— Senhor, seu café — a escrava entrou curvada, todos veneravam o sujeito, temiam suas ordens, respeitavam seu poder.

— Deixe aqui — sem tirar os olhos dos papéis recheados de números grandiosos, o barão apontou para o suporte ao seu lado, às vezes nem falava, os gestos que fazia eram reconhecidos por seus subordinados —. Espere! — percebeu que a mulher se retirava, fez questão de interromper os seus passos, não permitiria que partisse, não naquela noite —. Chegue mais perto — colocou de lado os documentos, tirou os óculos, encarou a escrava.

Adelaide sentia medo pelo que poderia lhe acontecer todas as vezes que se apresentava diante Frederico, suas entranhas se contorciam, sua alma era atormentada, enojava-se pelos cruéis pensamentos que subiam à sua mente.

— Eu disse mais perto!

— Senhor... — a voz soou abalada, denunciou o coração descompassado.

— Não permiti que falasse — levando o indicador aos lábios da mulher, encerrou suas palavras, apenas ele teria o direito de discursar —. É uma noite especial, deve saber que amanhã por esse horário já não estarei solitário nessa cama tão imensa, mas talvez não esteja disposto a passar as próximas horas imaginando incansável como será o grande dia, não gosto de pensar por muito tempo em apenas uma coisa, preciso de distrações — o homem de voz grave levou a mão pesada ao braço da escrava, apalpou-a, puxou-a para mais perto —. Deite-se.

— Senhor... — Adelaide, fazendo o possível para que as lágrimas não fossem expostas, tentou mais uma vez ser ouvida, lutaria pela sua dignidade, ao menos tentaria proteger-se.

— Apenas ouça e execute! — irritado, o barão ofereceu agressão ao rosto da mulher, provocou a ruptura de barreiras que insistiam por se manter em pé, contemplou as lágrimas rolarem pelo rosto assustado —. Sabe que não pode me resistir, então por que tentar? — levou os lábios indesejáveis ao pescoço de Adelaide, depositava ali os beijos que provocavam náuseas —. Deite-se comigo, quero que seja minha distração!

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Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

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10 Capítulo 01 – Atração Irresistível

A escrava que há tanto ouvira sobre as perversões de seu senhor, pela primeira vez as experimentava, sentia-se humilhada, oprimida, sentia-se encurralada diante um indivíduo tão impiedoso.

Sendo atraída para a cama empurrou o barão.

Encarou-o surpresa e assustada pelo próprio gesto.

— Deite-se! — mantendo a voz baixa, fazendo soar com gravidade cada palavra, Frederico a observava com raiva, ira, com o desejo que repudiava —. Não me importarei em colocá-la no tronco, conceder-lhe a surra que jamais esquecerá e deixá- la amarrada pelo máximo de dias que possa suportar! — ameaçou seguramente.

— Mas senhor... — o choro a venceu, era desesperado, um choro que implorava por compaixão.

— Já chega! — agarrando a pobre escrava, jogou-a contra a cama que dividiria com a futura esposa, colocou-se sobre a mulher, consumiria ali seus sórdidos, tenebrosos e repulsivos intentos.

¤

As estrelas conhecem infinitas confissões, sabem inúmeros pensamentos, guardam incontáveis segredos e ouvem incalculáveis desabafos. Elas também inspiram poetas, aquecem os apaixonados e iluminam os caminhos de pessoas românticas, fornecem a luz para que muitos consigam clarear a própria caminhada.

Da janela de seu quarto, conversando com as estrelas, Laís permitiu que finas lágrimas saltassem de seus olhos, percorressem calmamente pelo seu rosto e caíssem sobre os dedos entrelaçados. Sua alma ardia em chamas invisíveis, chamas que a consumiam, que diminuíam o pouco de esperança que ainda possuía.

Estava fadada a um futuro obscuro. Condenada a dias de infelicidade.

Aos vinte anos de idade, com tantos sonhos vivos, com tantos planos construídos, precisou apagar a imagem que tinha sobre o porvir, seu destino fora cruelmente determinado, tão logo o sol raiasse o livro da sua vida entraria no mais indesejável dos capítulos.

Casar-se-ia com o barão de São Pedro.

Mas não o amava, não sentia pelo homem de fama assustadora nem o menor dos afetos, nem o mais simples dos sentimentos, não sentia pelo futuro e malquisto marido o que sentia pelo amado e eterno homem que enlaçara seu coração de uma maneira que nenhum outro poderia fazer.

O homem que no meio da madrugada subiu as grades, encontrou-a pensativa na varanda, não hesitou em beijá-la com todo o amor que sentia no peito.

Eles se amaram desde o primeiro momento que tiveram seus caminhos cruzados, dali em diante se tornaram parte um do outro, entregaram-se destemidos um ao outro até que precisaram enfrentar uma verdade para a qual jamais se preparariam: a donzela estava prometida ao rico e temido barão.

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11 Capítulo 01 – Atração Irresistível

Por pouco tempo se evitaram, acreditaram que seria melhor, que a distância seria uma aliada para que o sofrimento fosse suportado. Enganaram-se grandemente.

A dor era na alma, não existia remédio que pudesse curá-la, a não ser o amor que cultivavam.

— Heitor... — sentindo os afagos do namorado sobre sua pele, fechando os olhos na intenção de experimentar cada segundo dos toques sutis daquele que muito amava, Laís insistiu no mínimo de sobriedade que lhe restava, afastou-se de seu único amante, estava ofegante.

Distanciado da mulher que o desequilibrava, que invadia seus sonhos e não o deixava se quer um instante, Heitor dirigiu o olhar ardente à inofensiva mulher, desejava-a, precisava tê-la entre seus dedos, presenteá-la com a força de seu sincero e imutável amor. Mas permaneceu imóvel. Não queria desrespeitá-la, apenas amá-la.

Mas os corpos se atraíram como imã.

Não há sobriedade que resista ao amor.

Não há força capaz de abater a paixão.

Os lábios quentes se selaram sedentos, as mãos agitadas passeavam pelos corpos que ansiavam por aquele momento de puro êxtase e satisfação. Renderam-se a uma noite de prazer, talvez a única que viveriam.

Consumado o amor que os marcava profundamente, o jovem casal manteve-se abraçado sobre a cama que testemunhara a sinceridade das palavras afetuosas que um dirigia ao outro. Estavam cansados. Estavam sedentos por mais daquele momento.

Estavam desesperados pela certeza que gritava aos seus ouvidos: jamais seriam livres para que se amassem.

— O que farei longe da mulher que me provoca tanta loucura? — sussurrando, Heitor fez sua indagação ao pé do ouvido de Laís, ninguém poderia desconfiar do que acontecera, jamais poderiam saber.

— Não sei como será, apenas suplico para que tenhamos a chance de derrotarmos nossos inimigos e desfrutarmos de nossa vitória! — os olhos que mais pareciam gotas de mel ergueram-se a fim de contemplar o mais perfeito dos rostos fracamente iluminado pela luz do luar que atravessava a entrada da varanda —.

Jamais deixarei de amá-lo! — prometeu.

— Estaremos fisicamente distantes, longe, mas não se esqueça de que nossos corações batem um pelo outro! — o homem galanteador acariciou o rosto tranquilo, ofereceu consolo —. Não se esqueça também de que não desistirei do nosso amor!

¤ A igreja estava lotada.

Os convidados faziam silêncio a fim de escutarem as palavras do padre Miguel, o menor dos ruídos era motivo para reclamações.

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12 Capítulo 01 – Atração Irresistível

Perante o religioso estava o casal prestes a firmar um compromisso sagrado, o compromisso que deveria ser realizado quando houvesse sinceridade, vontade, quando nada o ameaçasse. O padre sabia disso, sabia também que naquele casamento o que menos existia era a veracidade dos sentimentos, mas o que poderia fazer?

— Senhor Frederico Albuquerque, promete amar e respeitar sua esposa na saúde e na doença, na tristeza e na alegria, na pobreza e na riqueza até que a morte os separe? — conhecia as atrocidades daquele homem, repudiava-o grandemente e tinha certeza de que sua resposta esconderia as reais intenções.

— Sim — respondeu simples, sem qualquer emoção, não estava ali para festejar, apenas fazia cumprir um antigo acordo.

— Senhora Laís Oliveira, promete amar e respeitar seu marido na saúde e na doença, na tristeza e na alegria, na pobreza e na riqueza até que a morte os separe? — condoeu-se pela moça, conhecia seu coração, sabia que o amor que possuía era destinado ao rapaz que, apreensivo e controlando os próprios sentimentos, a tudo assistia no final do templo.

Olhando ao redor, Laís encontrou seu verdadeiro amante, seria por ele que responderia, poupá-lo-ia da morte mesmo que aquilo significasse render-se a um futuro de angústias.

— Sim...

— Então eu vos declaro marido e mulher!

Estava feito.

O prazer de um seria o tormento do outro.

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13 Capítulo 02 – Resistir ao Infortúnio

Capítulo 02 – Resistir ao Infortúnio

Tão logo a cerimônia se encerrou Laís foi guiada pelo marido até a carruagem que os aguardava em frente à igreja, não celebrariam a união, não participariam de nenhuma festa na qual receberiam felicitações, o barão era um homem que não se importava com aquilo que considerava distração e a nova baronesa de São Pedro também não sentia o mínimo de motivação para comemorar algo que a afligia, que em seu intento ardia, que fazia da luta contra as lágrimas uma complicada missão.

Ao virar a esquina que dava acesso à estrada até a fazenda, seus olhos marejados, tensos e obscuros, contemplaram a face abatida de Heitor que, de longe, aproveitava os últimos instantes nos quais teria a chance de encarar sua amada. O nobre cavalheiro, livre para expor suas emoções, permitiu que o choro molhasse seu rosto, gritasse ao mundo a dor que sentia por ver seu bem mais precioso ser levado como a água que escorre de nossos dedos.

Ainda que atordoada, aflita pelo futuro, angustiada pela vida que a esperava, Laís abriu um sorriso, dirigiu ao homem que jamais deixaria seus pensamentos o contorno sutil de seus lábios, as palavras não poderiam ser pronunciadas, a voz teve de ser abafada, mas através do sincero olhar a alma alçou feroz promessa: seu amor não era de mais ninguém, pertencia a Heitor.

Homem e mulher. Dois intensos amantes. Mergulhados numa paixão inconsequente, avassaladora, perigosa. Foram, enfim, distanciados, mas asseguravam em seus intentos que mais cedo ou mais tarde as distâncias se encurtariam, fariam isso acontecer, nem que fosse a última coisa que conseguissem fazer.

As porteiras vigiadas, confeccionadas a partir de madeira pesada, abriram-se tão logo a carruagem se aproximou. Atenta ao cenário do novo lar, Laís contemplou homens com semblante cansado, mulheres com olhar curioso e crianças sem esperança alguma no rosto.

Conhecia a realidade sobre a qual aquelas pessoas viviam, sabia que eram dura e cruelmente escravizadas, mas em silêncio firmava um compromisso astuto, nobre e fatal: se fosse para viver o pesadelo que sempre temeu ao menos lutaria por aqueles que eram silenciados, defenderia aqueles que tinham sua dignidade lançada por escabelo de seus pés.

Severo no trato para com os subordinados e conhecedor quanto ao clima que pairava sobre sua propriedade, Frederico exigiu que a carruagem parasse, desceu do veículo e ordenou que levassem Laís para a mansão a fim de que se preparasse para recebê-lo como seu marido. Acompanhando sua ordem ser cumprida, recebeu a companhia de Sebastião, seu braço-direito, o terror dos escravos.

— Algum problema?

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14 Capítulo 02 – Resistir ao Infortúnio

— Adelaide e seu esposo tentaram fugir. Disseram muitas coisas contra o senhor, prometeram vingança.

— Estão no tronco?

— Como o recomendado.

— Reúna todos os negros, acho que estão se esquecendo de como as coisas funcionam e eu não me importarei em refrescar-lhes a memória!

Ao colocar os pés no casarão, Laís foi reverenciada pelas mulheres que se colocavam ao seu dispor, enquanto umas se preocupavam em organizar suas coisas, outras se atarefaram em apresentar os cômodos e guiá-la ao quarto que obrigatoriamente dividiria com o barão.

— Não quero que se acanhem com a minha presença, não precisam temer a mim, não sou como tantos que as atemorizam — anunciou às escravas, dirigia-lhes olhar de misericórdia, condoído pela precária situação que viviam.

— É melhor que nos trate como seu marido determinar, ele é um homem exigente, severo, não toleraria sua compaixão — uma das pobres mulheres aconselhou.

— E eu não tolero perversões — foi firme em sua fala —. Talvez ele acredite que tenha se casado com uma donzela indefesa, amedrontada, disposta a seguir todas as suas ordens, contudo se enganou, aceitei esse inferno para proteger alguém que amo, não pretendo ser mais um objeto em suas mãos! — o discurso destemido espantou as serviçais, mas trouxe também esperança às suas almas descrentes, esperança de dias mais dignos.

A sós em seus aposentos, com a mente voltada a Heitor e no desejo que pulsava no coração por estar ao seu lado eternamente, Laís caminhou pelo quarto de amplo espaço, avistou das janelas a beleza natural que rodeava a fazenda, uma beleza que escondia o tormento que ali imperava. Mas algo chamou sua atenção. Algo terrível.

Algo que a desesperou.

O som das botinas prediziam a aproximação do homem temido, exigente, do homem que não aceitava rebeldias, desobediências, que repudiava ferozmente seus opositores. Silêncio era o maior som. Nervosismo corria pelas veias.

Diante o casal amarrado ao tronco, símbolo de dor, tortura e altivo sofrimento, o barão interrompeu o caminhar. Ergueu a cabeça. Fez alçar a prepotente e grave voz:

— Acredito que tenha afrouxado, o pouco de piedade que dispenso a vocês é o bastante para que se considerem fortes o suficiente para contestarem minhas ordenanças, questionarem minhas determinações e bancarem os rebeldes furiosos! — tendo o chicote em mãos dispensou agressão ao homem e à mulher acorrentados, provocou-lhes a dor ardente —. Tudo o que já assistiram acontecer deveria ter provado que não tenho misericórdia, que jamais serei compassivo e que retribuo desobediências com castigos à altura — cedeu mais chicotadas —. Ou será que

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15 Capítulo 02 – Resistir ao Infortúnio

gostam de apanhar? Será que a dor lhes oferece prazer? — incitava os gritos de dor — . Não hesitarei em cumprir o vosso desejo!

Adelaide, sentindo as costas queimarem, chorava amargamente, resmungava desesperada, mordia os lábios na intenção de desviar o foco das dores, não percebia, mas sua boca sangrava pela pressão dos dentes.

Joaquim, seu esposo, cansado de ver o seu povo sofrer, exausto pelas afrontas que todos os dias era obrigado a enfrentar, não se importou com a agonia da tortura, não se importou com as consequências de suas ações, pare ele nada mais importava, nem mesmo a vida precária que lhe fora atribuída.

— Você não passa de um covarde miserável, digno de pena! — espantou a todos com a valente afirmação, foi capaz de fazer cessar as sucessivas chicotadas do homem perverso —. Por que humilhou minha esposa? Se nos odeia tanto por que a importunou entre os seus lençóis? Desejou minha mulher, desejou uma escrava, buscou satisfação aos seus desejos deitando-se com uma negra! — colocou para fora a incômoda verdade.

Silêncio.

Um estrondoso silêncio pairou sobre a senzala, sobre os capangas de Frederico e sobre o próprio barão.

Mas ele não se calaria.

Humilharia.

— Acha mesmo que pode me sujar com suas infâmias argumentações? — puxou os cabelos do escravo para trás, não poupou forças no ato covarde —. Ela me foi útil para coisas que mulheres decentes jamais poderiam fazer! — tornou a chicotear o homem escravizado —. É para isso que suas mulheres servem — sussurrou aos ouvidos de Joaquim —, para satisfazerem os mais baixos e sórdidos desejos de homens como eu!

Terminou seu ato bárbaro quando teve certeza da fraqueza que consumia os prisioneiros.

Voltou-se aos demais escravos, encarou-os com ameaça.

— Nunca repitam o que ouviram aqui, ou pagarão com a vida!

Percebendo que Frederico terminara sua prática desumana, Laís colheu as lágrimas de ira e tristeza, afastou-se das janelas, faria o possível a fim de não transparecer o que sentia, o nojo e a repulsa que nasciam em sua alma.

A porta se abriu.

O homem inescrupuloso adentrou o quarto encontrando a esposa sentada aos pés da cama. Observou-a com atenção. Era uma jovem e delicada mulher, alguém que ele não merecia.

— Venha, tire-me os sapatos — falou.

Humilde, querendo evitar problemas, intencionando se fortalecer para no momento exato demonstrar todo seu ímpeto, a baronesa ajoelhou-se diante o sujeito possante.

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16 Capítulo 02 – Resistir ao Infortúnio

— A partir de hoje é minha propriedade — pisou sobre a mão singela, não poupou o peso do corpo naquele gesto tão ignavo, tão indolente —. Deve cumprir com o que digo, deve seguir o que determino, deve reverenciar a mim, deve a mim a sua vida! — as lágrimas da jovem mulher não o tocaram, ao contrário, sentia contentamento ao provocar tormentos —. Fui claro? — ergueu o pé.

Levantando o rosto, Laís o encarou.

— Mais impossível.

— É um bom sinal — usando de brutalidade, levantou a esposa do chão, lançou- a contra a cama, aproximou-se com sua repugnante presença —. Sinal de que ficará bem! — com toda a nojeira que representava, com todo o obscurantismo que o rondava, possuiu a pobre jovem que, a fim de suportar o desgosto que sufocava sua alma, levou a mente ao doce, respeitador e bondoso Heitor.

Precisaria de força.

Todos que cruzassem o caminho de Frederico Albuquerque precisariam de muita força.

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17 Capítulo 03 – O Preço do Pecado

Capítulo 03 – O Preço do Pecado

Portugal

Ao longo da vida as pessoas constroem segredos, guardam mistérios e lançam energia a fim de esconderem fatos que jamais gostariam que fossem revelados. No entanto, há segredos que não podem ficar ocultos por muito tempo, eles resplandecem, rompem as mais fortes barreiras, assemelham-se ao brilho fulgurante do poderoso sol que, em todas as manhãs, dissipa as trevas, toca os montes e atravessa as frestas sem necessitar de permissão.

Rute Soares, uma jovem sonhadora, era dona de um segredo que por mais que quisesse não poderia ocultar dos olhos do mundo, seu segredo era imoral, destruidor, poderia acarretar no seu próprio fim.

Apaixonou-se por um rapaz de presença atraente, cobiçado pelas donzelas que ansiavam pelo dia no qual seriam abordadas pelos nobres cavalheiros que propusessem um futuro de amor. Seus olhos eram voltados apenas ao jovem sedutor, seus pensamentos não se libertavam do sujeito galanteador e seus ouvidos desprezaram os conselhos da sábia mãe. Não foi capaz de resistir aos próprios desejos. Não foi capaz de escapar das investidas conquistadoras do rapaz. Entregou- se a ele se esquecendo das graves consequências que seu ato renderia, esquecendo-se da rígida sociedade que a rondava.

Ele fugiu.

Ela ficou com a dor da decepção.

E com o fruto daquele amor não correspondido.

Tão logo descobriu a gravidez seu espírito muito se angustiou, o desespero tomou conta de seu ser, o sentimento de desamparo foi a maior e mais insistente companhia, o pavor pelos dias vindouros causava arrepios de aflição, a vida já não era vista através de um olhar sonhador, era vivida por um coração completamente dilacerado.

Conforme o tempo se passava o segredo ganhava forças contra quaisquer tentativas que fossem postas para contê-lo, não tinha mais como negar, Rute deveria enfrentar os julgamentos de seu próprio povo, mas antes precisaria confrontar o homem de princípios inflexíveis: seu pai.

— Querido, precisamos conversar, é um assunto que atingirá nossa família de uma maneira nunca antes pensada, mas suplico que seja moderado e sensato em sua decisão, não podemos destruir quem amamos — ao início da noite, quando as janelas eram fechadas e os lampiões alimentados, Isabel, a mãe da pobre moça, adentrou o escritório do marido mostrando urgência em seu discurso.

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18 Capítulo 03 – O Preço do Pecado

— Tem certeza de que é algo que não pode esperar? — o homem atarefado, preenchendo e analisando formulários da fazenda que lhe rendia tantos lucros, mal tirou os olhos dos papéis.

— Se não quiser ser confrontado por afirmações que o assustarão sobre a nossa filha nos dará a atenção que precisamos — arrastou a cadeira para que Rute se sentasse —. Podemos receber sua compreensão?

Tirando os óculos, relaxando as mãos sobre a mesa, o fazendeiro cedeu sua atenção, não era um homem mau, apenas irredutível quanto às questões éticas e morais que influenciaram seu desenvolvimento, não voltaria atrás e nem questionava aquilo que aprendera a seguir.

— E, então? Sou todo ouvidos.

Isabel, que já conhecia a situação da jovem e se mostrara uma mãe cheia de compreensão, amor e apoio, ofertou à filha o olhar compassivo, o olhar que declarava o quanto a amava e que para sempre estaria ao seu lado, pouco importavam as condições.

Como se estivesse em um tribunal, sendo julgada por crimes perversos e abomináveis, Rute procurou forças dentro de si para encarar os olhos do pai, conhecia-o bem o bastante para defini-lo como alguém de bom coração, mas intransigente com aqueles que julgava de mau comportamento. Seus olhos estavam encharcados e a garganta parecia sufocar-se. Não poderia adiar por mais tempo aquilo que em breve o mundo saberia, precisava ser valente, forte, corajosa.

— Estou grávida.

Paulo crescera recebendo a educação ultra religiosa dos pais que com tantas regras e determinações o criaram. Tais incumbências não o abandonaram ao alcançar a vida adulta, construir sua própria família e trilhar seus próprios caminhos.

Repudiava atos pecaminosos. Repudiava ainda mais os pecadores.

Encarando a filha com severidade, o fazendeiro procurava raciocinar a frase tão curta, simples de estrutura, explosiva em seu significado. Não. Aquilo não poderia ser verdade. Não queria que fosse verdade.

— Já falei que não gosto de ser importunado por brincadeiras — colocou os óculos —. Não sei por que insistem...

— Pai, não é nenhuma brincadeira, eu estou esperando um filho! — aflita, Rute atraiu a atenção do homem cheio de tantas rígidas convicções, sua fala era convincente, seu olhar não dizia outra coisa se não que a declaração feita representava a mais nova realidade que viveriam.

— Rute...

— Paulo, não dificulte as coisas querendo acreditar que nada disso é verdade, jamais brincaríamos com algo assim, nossa filha está gerando uma criança, nós seremos avós e nada do que fizermos ou dissermos mudará isso, tudo que nos é permitido é que estejamos unidos! — Isabel, conhecendo o semblante surpreso do esposo, discursou o que acreditava, faria o possível para que aquela família não assistisse a cenas de tormento.

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19 Capítulo 03 – O Preço do Pecado

Paulo, fechando os olhos e levando as mãos ao rosto denunciando o incômodo que sentia, suspirou profundamente, observou a jovem mulher por alguns instantes, em algum momento fez parecer que agiria como um pai, mas naquela condição pouco lhe interessava os laços familiares, zelaria pela moral custasse o preço que fosse.

— Sabe como resolver essa situação, faça o que deve ser feito — suas palavras atingiram o coração já quebrantado, horrorizaram a moça indefesa.

— O que quis insinuar? — sua esposa indagou.

— Não estou insinuando, mas ordenando, já que a besteira está feita quero que a corrijam!

— E qual seria a sua forma de correção? —Isabel confrontou o homem de pesadas crenças.

— Não querem que meu nome esteja entre os falantes dessa cidade, querem?

Não querem que essa família seja vista como átrio de perversões, querem?! — colocou-se em pé —. Não tenho o menor interesse em saber como aconteceu, por que aconteceu, muito menos com quem aconteceu, a única coisa que me importa é que se livrem dessa gravidez! — dirigiu o olhar ameaçador à esposa, seus punhos estavam cansados, seu maxilar contraído, a raiva o tomava embora ele tentasse contê-la —. O que estão esperando?!

— É impossível acreditar que um homem governado por tantas doutrinas de santidade agora se use de tamanha crueldade!

— Não suportaria ver o fruto do pecado correndo por essa casa, pulando no meu colo e me chamando de vovô!

— Pode se ouvir?

— Poupe sua indignação e ajude essa pecadora a alcançar remissão!

Seu ventre se condoeu, suas entranhas arderam e seu peito se oprimiu. Rute, apesar das difíceis circunstâncias e da doída ilusão que lhe causara ferimentos, não queria se desfazer do próprio filho, não queria cometer o que o pai lhe obrigava, pela primeira vez defenderia seus próprios ideais.

— Não! Não é assim que resolverei as coisas, não é assim que quero que elas terminem. Terei o meu filho e nada tenho a ver com as suas convicções, o que falarão ou pensarão também nunca me influenciará, as pessoas terão que me aceitar, a mim e ao meu filho, gostem ou não! — em pé, sem qualquer receio, enfrentou o pai com todos os seus julgamentos.

— É a última vez que aviso: livrem-se disso! — como se ignorasse as palavras da filha, Paulo permaneceu em sua postura.

— Ela já disse o que será feito! Ao invés de condená-la deveria ser o auxílio de que ela necessitará! — Isabel firmou a voz.

— Não tenho nada a ver com isso, nada! — dirigiu-se até a esposa —. Ela está a ponto de humilhar essa casa, acha mesmo que permitirei?

— Não aja como um monstro!

— Não me desrespeite! — empurrou a mulher e avançou contra a jovem assustada, apertou-a pelos braços, encarou profundamente as íris que remetiam à cor

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20 Capítulo 03 – O Preço do Pecado

do mel —. É a sua última chance, diga que me obedecerá e saia daqui pronta para colocar um fim nesse pesadelo.

— É assim que enxerga o neto que terá? Como um pesadelo?

— Rute...

— Não farei o que está pedindo, jamais desistiria de um filho, ele não tem culpa de nada!

— Desgraça! — descontrolado, lançou a filha para trás, lançou sem piedade, causou a queda da jovem mulher na lareira que aquecia o ambiente, viu seu rosto arder em chamas.

Aos gritos desesperados, Rute sentia o rosto ser consumido pelo fogo, ainda mais angustiada, Isabel correu ao encontro daquela que amava, jogou o copo d’água que conseguiu encontrar, condoeu-se pela agonia presente no gemido da moça.

— É assim que pretende alcançar remissão para a sua alma? — questionou o esposo.

— Não era minha intenção feri-la — seu coração poderia sentir arrependimento pelo ato irracional, mas sua razão permaneceu endurecida diante o que via como vergonhoso —. Não me oporei mais a essa gravidez indesejável, se fazem tanta questão que essa criança nasça não reclamarei, no entanto ela não nascerá aqui — revelou seus intentos —. Arrume as coisas de sua filha — encarou a esposa —, o Brasil será seu lar!

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21 Capítulo 04 – Inimigos Inimagináveis

Capítulo 04 – Inimigos Inimagináveis

Cada um de nós tem suas próprias convicções, algo em que acreditar e pelo qual lutar, combater, brigar. No entanto, nesse campo de ideias e conceitos, conflitos são alimentados, opositores se levantam e confrontam entre si, todos se acham dignos de razão e querem fazer valer os seus pensamentos.

Em uma sociedade escravocrata, injusta, na qual uns se achavam superiores aos outros por questões tão egoístas e cruéis e justificavam seus atos bárbaros pautados em explicações tão preconceituosas e refutáveis, quem se levantava contra o considerado “normal” era duramente criticado, perseguido e até sofria por sua postura “rebelde”, sofria não apenas com o embate entre ideias, sua carne padecia, nem sua alma escapava da ira de homens maldosos e opressores.

Eduardo Ferraz era um desses “rebeldes”.

Homem rico, com inúmeras honrarias pelo ótimo profissional que era, respeitado entre o seu povo, famoso até mesmo em terras longínquas, ainda muito novo, quando experimentava as fases da adolescência, incomodou-se com a visão de mundo que o cercava, com a forma mesquinha pela qual semelhantes tratavam semelhantes. Sempre crítico, questionou aos pais o porquê da escravidão, o porquê do povo negro ser explorado de maneira tão exaustiva sem nada dever, sem nada ter a pagar. As respostas não lhe eram dadas, apenas recebia um conselho: que não se preocupasse com aquilo que não vivia.

Cresceu.

Viu o quanto as coisas eram diferentes para ele e para os demais. Teve a liberdade de sair do país, aprender alguma profissão, ingressar nas melhores escolas da Europa, formar-se em medicina e retornar ao seu país pronto para exercer o que aprendera, construir uma família e ter um futuro. Tudo isso lhe era possível de realizar enquanto homens, mulheres crianças, jovens e velhos apenas possuíam o direito de trabalhar em cafezais, em roseiras, em fazendas que a cada dia enriqueciam sujeitos gananciosos, impiedosos. Enquanto lhe era garantido o direito de sonhar, os escravos apenas tinham a condição de trabalhar calados, obedecer passivos, seguir as ordens impostas para que não fossem torturados por chibatadas até a morte.

Tal caótico e incompreensível cenário o enojava, tal revolta ganhou ainda mais força quando se casou e teve seu filho. Sua casa se encheu, os visitantes levaram presentes, paparicaram a criança, parabenizaram os papais, mostravam-se orgulhosos e felizes pela chegada de mais um Ferraz. Enquanto isso, nas senzalas que exalavam dor, angústia, medo e toda sorte de sofrimento, quando nascia uma criança não existia festa, não existia júbilo, a vida de ninguém parava, ninguém parecia se importar e se os escravos ousassem qualquer coisa eram duramente reprimidos.

Foi aí que se encheu de coragem, força e começou a lutar pela dignidade de seres humanos duramente rebaixados ao pó da terra. Começou dentro de casa,

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22 Capítulo 04 – Inimigos Inimagináveis

conscientizou a esposa, propôs que cuidassem daquela criança para que respeitasse todo tipo de gente, para que a única forma de reprovar alguém fosse a partir de um caráter corrompido. Mas sua luta não ficou reclusa ao ambiente familiar, onde estava seguro, onde suas ideias foram aceitas, onde ninguém levantaria a espada contra a sua cabeça, sua luta passou a afligir a sociedade, a contagiar desconhecidos, a tocar pessoas e a incomodar os detentores de destrutivos poderes.

— Como o tempo passa rápido, seu filho já é um homem! — um antigo amigo, fazendeiro produtivo, encontrou Eduardo no baile que acontecia para a elite de uma das províncias nordestinas, logo o reconheceu, era de seu interesse reconhecê-lo.

— Toda vez que ouço isso sinto o quanto envelheci — o inocente médico, homem de bom espírito, apertou a mão do velho amigo, alguém que já não era o mesmo de antes, alguém que não compartilhava da mesma opinião, alguém que já não o considerava como ele imaginava.

— E sou obrigado a dizer que quero envelhecer com essa mesma aparência, não é invejável? — Victor Ferraz, o rapaz em questão, no fulgor dos seus vinte anos, mostrou-se simpático, cumprimentou o desconhecido, deu a mão a um inimigo em potencial.

— Olhe naquela direção — com a taça de vinho em mãos, o homem apontou para a direita onde mulheres pareciam bastante entretidas com a curiosa conversa —.

Não acha que nossos filhos formariam um belo casal? — questionou arqueando a sobrancelha, conhecia os princípios que regiam Eduardo, queria uma brecha para entrar em assuntos nada amistosos.

O rapaz encarou o pai, aguardaria pela sua reposta, naquele momento saberia se aquele a quem admirava era mesmo sincero em seus ensinamentos.

— É uma bela moça, tenho certeza de que encontrará alguém que a faça feliz — o médico deu sua resposta —. Escolhi não determinar com quem Victor se casará, dei a ele o direito de decidir quando e com quem unir-se-á, minha única exigência é que se renda a alguém que possa amar de verdade.

— Não me lembro de ter tido essa sorte.

— Não tivemos, caro amigo, muitos de nós até hoje sofrem as consequências daquilo que nossos pais escolheram. Ao menos tive sorte, aprendi a amar minha esposa, mas nem sempre isso é possível.

Custou a acreditar que o amigo de infância possuía comportamentos e falas tão repulsivos, aguardou pacientemente por aquele baile para que pudesse conversar, trocar experiências e assim concluiria o que esperava não ser verdade. Acabou indignado. O homem confessou em seu peito que Eduardo se transformara num terrível problema.

— Será que podemos conversar a sós? — sugeriu —. Velhos amigos compartilham de antigos segredos — forçou o sorriso.

— Fiquem a vontade — o jovem rapaz se levantou —. Há muito que fazer nesse lugar.

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23 Capítulo 04 – Inimigos Inimagináveis

Sendo encarado pelos olhos misteriosos do fazendeiro magnata, líder de tantos outros que se uniam contra as rebeliões de indivíduos insatisfeitos pela organização social, o médico não se conteve, incomodou-se pelo silêncio, queria saber o que tinham a conversar.

— Se ficarmos calados o tempo nos afastará outra vez — disse divertido.

— Não se preocupe, cavalheiro, costumo ser bastante claro e objetivo em minhas intenções, não vou tomar seu tempo e ainda lhe farei uma oferta irrecusável!

— cruzou as pernas, tomou um gole da bebida que carregava e suspirou relaxado —.

Conseguiu uma família bonita, devo confessar, um filho de forte presença e uma esposa elegante, é capaz de mensurar o quanto os ama?

Estranhando a forma como o amigo falava, Eduardo organizou os pensamentos, talvez fosse apenas estranhamento pelos anos sem contato algum.

— Como falei, tive muita sorte de cultivar amor pela minha esposa, unimo-nos de uma forma incrível e fomos presenteados com um valioso tesouro, nem sei dizer qual é o tamanho da minha felicidade, nem mesmo do meu amor.

— Imagino que seja imenso.

— Mal cabe no coração.

— Seria uma pena se de repente tudo isso acabasse, desmoronasse, desaparecesse como se nunca tivesse existido. Já pensou nisso?

O médico requisitado se calou, aquilo não era uma simples conversa entre pessoas que há bastante tempo não se viam, soava como premissa de confronto entre dois homens com posições inegavelmente distintas. Ameaçou se levantar, mas precisou se conter.

— Sei que nunca pensou nas tragédias que podem sucumbir suas conquistas, destruir suas memórias e queimar para sempre a sua história por ser um sujeito intrometido e tolo! — mantendo o semblante sorridente na intenção de disfarçar o ácido teor do diálogo indesejável, o homem se mostrou um alguém de terríveis pensamentos —. Não imaginei que pudesse se render aos rebeldes e fazer parte de uma luta inútil e inválida, aquele povo não vale nem a comida que nos serve muito menos os nossos esforços, são como verme! — antes que Eduardo pudesse retrucar, o fazendeiro impiedoso gesticulou para que ficasse em silêncio —. Torci para que fosse mentira pelo carinho que sentia, mas hoje tive a certeza que procurava — levantou-se dirigindo o olhar prepotente ao humilde médico —. Sugiro que reconsidere suas convicções, estarei na cidade pelos próximos dias e ficarei na sua cola — chamou o garçom para que o servisse —. Se ama mesmo sua família dirija energias para protegê-la e deixe que dos demais eu e os meus cuidaremos!

Antes que o inimigo se afastasse, Eduardo o apertou no braço, encarou os olhos escuros, não se intimidou.

— Se quis me intimidar falhou grandemente, não hesitarei em destroçar os seus conceitos! — retirou-se provocando ira no espírito arrogante.

Sem motivação para permanecer no ambiente festivo, Eduardo reuniu sua família, despediu-se do anfitrião e seguiu seu destino. Em silêncio dirigia a

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24 Capítulo 04 – Inimigos Inimagináveis

carruagem, um silêncio estranho àqueles que o conheciam tão bem por muito estimá- lo.

Não conseguindo conter a curiosidade, a mulher abriu a boca, mas não pôde proferir nenhuma palavra, nem um verbo, um estrondo a calou, seu corpo caiu no meio da estrada escura.

Novos e sucessivos disparos aconteceram.

Victor abaixou-se dentro da carruagem, levou as mãos à cabeça, procurou se proteger.

Eduardo fez o mesmo, encolheu-se desesperado, angustiado, amaldiçoando aqueles que o perseguiram e atacaram de maneira tão covarde, tão ardilosa.

Por combater contra uma sociedade tão preconceituosamente estagnada, era feito vítima.

Continua...

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25 Capítulo 05 – Valente Missão

Capítulo 05 – Valente Missão

Perder alguém. Essa é uma triste e dura experiência da qual nenhum ser humano consegue escapar, é uma das únicas certezas que temos na vida: teremos que dizer adeus a quem muito amamos. Apesar de crescermos entendendo que as histórias um dia terminam, é impossível alcançar a preparação necessária para a morte, somos egoístas no amor, queremos sobretudo que ao nosso lado estejam aqueles que estimamos, passe o tempo que passar, cheguem e partam quantas primaveras for, ansiamos por jamais largar a mão que apreciamos tocar.

Porém a partida chega.

O momento da despedida é inevitável.

E esse momento fortemente indesejado costuma dar avisos de que está para chegar, como se quisesse nos preparar para aquilo que machuca e fere profundamente. Seja através de doenças, da idade avançada, geralmente assistimos aos últimos instantes de pessoas especiais.

No entanto, geralmente não quer dizer sempre.

Às vezes somos surpreendidos de maneira ainda mais inesperada e malquista.

Estamos todos bem, desfrutando de juvenil saúde, de inesgotável força, de contagiante motivação por viver os preciosos dias que nos são concedidos nesse mundo, quando, de repente, sem quaisquer avisos, sem nenhum tipo de sinal, alguém nos deixa, parte, tem o ponto final de seu livro decretado, sua história encerrada, seus dias findados. O sofrimento é maior. A dor é intensa. É impiedosa.

Ajoelhado sobre o pó da terra, com as mãos e as vestes sujas de sangue, acolhendo a esposa em seus braços, Eduardo chorava amargamente a morte da mulher amada, seu coração sangrava, sua alma gritava, o mundo desabava sobre sua cabeça naquela hora de tão agonizante sofrimento. A esposa fora atingida por alguns dos disparos, não teve tempo nem mesmo para se despedir.

Ao lado do pai, acariciando-lhe os ombros em uma demonstração de apoio, Victor não escondeu as lágrimas de grande pesar, amava a mãe, admirava-a como a mais doce e mais sábia das mulheres, não conseguia compreender como puderam ser tão covardes contra alguém que apenas o bem praticava. Mas seu lamento foi interrompido quando, ao passar a mão pelas costas do pai, encontrou um hemorrágico ferimento.

— Pai! — trouxe o rosto do honrado homem de encontro ao seu, contemplou os olhos ofuscados, viu o filete de sangue escorrer de sua boca —. Pai, precisa de um médico! — colocou-se em pé, cheio de desespero tentou erguer o pai, mas este se recusou a qualquer movimento —. Pai! — o jovem rapaz, um moço de bons atributos e admiráveis princípios, aumentou a voz em meio à agonia, não queria perder a família, não queria perder tudo o que tinha.

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26 Capítulo 05 – Valente Missão

— Não daria tempo, meu filho, apenas alimentaríamos vãs esperanças — Eduardo, com dificuldade na fala, segurando firmemente aquela que conquistara seu coração há muitos anos, ofertou um sorriso ao querido e único filho, um sorriso cuja intenção era encorajar, declarar que apesar de toda a tragédia as coisas ficariam bem

—. Precisa me ouvir, deve saber que por defender os negros, por lutar por aquela gente vergonhosamente injustiçada, conquistei inimigos perigosos, homens com poderes que não se pode combater, foi por confrontar os desgraçados que agora estamos aqui, humilhados, cercados pela dor... — buscou fôlego, a vida o deixava.

Victor jamais veria o pai como o causador daquele triste episódio, jamais o culparia pela terrível cena que eram obrigados a viver, sempre o teve por grande herói e seria assim que para sempre o consideraria: o homem mais valente que conhecera, em quem se inspirava para seguir seu próprio caminho.

— A culpa não é sua! — abraçou o pai, abraçou-o fortemente, desejando nunca soltá-lo —. Precisa saber que é um guerreiro destemido, enquanto todos se omitiram e oprimiram você combateu pelo que acreditava, deve se orgulhar por isso, eu muito me orgulho!

— Não imagina o quanto é bom ouvir isso — Eduardo, aninhado ao pescoço daquele que vira crescer em todos os aspectos, derramou no ombro do filho o choro amargo —. Pegue suas coisas e vá embora, parta, o mal está à espreita aguardando por oportunidades.

— E vocês? — questionou com a garganta embargada.

— Nossa missão encerra aqui, nesse lugar, você é responsável por manter vivo o nosso legado!

Naquele momento o rapaz foi incumbido de duro encargo, faria o impossível para não decepcionar, entregaria sua vida para que os pais jamais fossem esquecidos, vestir-se-ia da mesma coragem que os movera.

Sentiu o último suspiro daquele que amava.

Não tinha mais o que fazer.

Restava-lhe apenas lutar.

Se alguém o indagasse negaria veentemente, porém, cavalgando pela estrada iluminada pela lua, agradecendo aos céus pelo cavalo que fora poupado da morte, Victor Ferraz sentia medo, angústia, um pavor muito grande. Sentia também profunda tristeza, nunca acreditou que aquele dia poderia chegar, muito menos quando ninguém o aguardava. A forma inesperada como a barbárie acontecera tornava tudo ainda mais difícil de suportar.

Mas seguiu em frente limpando dos olhos as insistentes e intermináveis lágrimas, permitia-se ao pranto, permitia que os sentimentos desesperados fossem desafogados de seu espírito, só não permitia que os tais o imobilizasse. Sentiu o nó se formar. Teria que dar às costas ao lugar que não deixaria suas lembranças afetivas.

O nariz debilitado não percebeu o cheiro de querosene.

Triste desatenção.

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27 Capítulo 05 – Valente Missão

Preocupando-se com o essencial, o jovem moço tomou posse sobre um caixote simples, nele colocou o relógio que ganhara do pai, os livros escritos pela mãe e o retrato pintado à mão que exibia o amor e a união que reinavam sobre aquela casa, sobre o ambiente que não dava margens às desavenças, antes se fechava para qualquer respingo de desentendimentos.

Antes de seguir seu rumo, partir para qualquer horizonte, refugiar-se em qualquer lugar que lhe desse abrigo, Victor se sentou nos pés da cama dos pais, fechou os olhos por alguns segundos, pensou ter sentido a presença deles ao seu lado, era a última despedida.

Mas seu corpo se abalou quando as vistas contemplaram o clarão provocado por chamas audaciosas e as narinas finalmente perceberam o sufocante cheiro do fogo.

Estava encurralado.

Já sentia o calor destruidor dos inimigos insatisfeitos.

Revestido por uma coragem que nunca teve, Victor avançou contra o fogo, pôde experimentar a fervura da ira daqueles que intencionavam destruir sua família, apagar a sua história, teve sorte ao se desviar das madeiras que caíam do teto.

Em tempo hábil de salvar o cavalo, montou no animal, agarrou-se ao caixote que manteria viva a estadia das pessoas que mais amava nesse mundo injusto, cavalgou velozmente, não olhou para trás, às suas costas uma casa ardia em chamas.

Ainda no baile, deliciando-se em conversas com aqueles que compactuavam com suas ideias perversas, o desprezível amigo de Eduardo recebeu certa mensagem ao pé do ouvido. “Foram extintos”. A resposta que deu foi um cruel sorriso, sua maldade vitimava pessoas de rico coração, de espírito exemplar, pessoas que mesmo após a morte eram capazes de fazer valer suas palavras.

Quando o sol despontava no meio de montanhas, após horas exigindo que o cavalo viril o carregasse sem desmoronar, Victor decidiu que precisavam descansar.

Parou em frente à estalagem, acomodou o animal no estábulo e alugou o quarto onde se renderia ao sono, instante no qual se desligaria da bruta realidade que vivia. Ao repousar a cabeça as lágrimas surgiram como a chuva de tenebrosas tempestades, a solidão apertou seu peito, a desesperança afligiu sua alma e a ira firmou no coração uma certeza: viveria por aqueles que foram privados da vida.

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28 Capítulo 06 – Ousada Imprudência

Capítulo 06 – Ousada Imprudência

20 anos depois

Algumas coisas favorecem tanto a elite dominadora que custam desaparecer, perpetuam-se pelas gerações, atravessam os anos sem perder a força, o vigor, o tempo passa e ao invés de experimentarem o desgaste se mostram a cada dia renovadas, revigoradas, nutridas energicamente.

Era o caso da escravidão.

Daquela maldita e desumana opressão justificada por um fato banal:

perseguição a cor ignorantemente discriminada.

No entanto, esse mesmo tempo que parece revitalizar o preconceito, a discriminação, a crueldade, é o que faz nascer no peito oprimido o cansaço, o repúdio, o desprezo pela condição na qual vive, mais que revolta, faz brotar no coração o desejo por lutar, batalhar, confrontar e destruir os opressores.

O tempo fortalece a todos.

A guerra determina o vencedor.

A fazenda de Frederico, o barão da província de São Pedro, servia como palco para o espetáculo sangrento: escravos motivavam a rebelião, arrebentavam as amarras e davam voz ao grito que pulsava em suas almas: grito por liberdade!

Alguns instantes antes...

Joaquim, açoitado no tronco há vinte anos, servindo de objeto às mãos que descarregavam a fúria que fervia o sangue do homem cruel, não pôde resistir à surra impiedosa, teve que render o espírito guerreiro, a alma rebelde, não foi poupado do último suspiro.

Contudo, alguns meses depois, nascera a criança que se transformaria no rapaz que seguiria os seus passos, honraria a sua memória, cobraria daqueles que deviam a sua morte.

Nascera aquele que herdara o espírito guerreiro, a alma rebelde, o desejo impetuoso de devolver a dignidade ao seu povo.

O destemido rapaz se chamava Artur, o jovem escravo que se colocou diante sua irmandade e motivou a valentia em cada sujeito desesperançoso.

— Até quando nos prostraremos ao nosso inimigo? Até quando nos permitiremos à humilhação que ninguém merece? Até quando estaremos debaixo da covardia que nos esconde do abominável opressor? — os olhos castanhos brilhavam, possuíam a força de um sonhador, a esperança de um jovem disposto a tantas conquistas —. De que adianta acreditarmos, crermos, se não agimos? De que adianta fazer tantas preces se não podemos confiar naquilo que suplicamos? De qualquer forma morreremos, que seja lutando!

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29 Capítulo 06 – Ousada Imprudência

A senzala se alvoroçou.

Homens encorajados se espantavam pela força do destemido rapaz, filho de Adelaide, fruto da mulher que certo dia provou da nojeira de um monstro.

Aprumaram-se.

Lutariam com Artur.

— Não será fácil, mas devemos tentar — recomendou —. Os mais fracos fiquem, intercedam por aqueles que colocarão suas cabeças em risco, façam votos para que abracemos a nossa liberdade!

Mulheres, crianças, idosos e aqueles que não tinham condições de combater ficaram na senzala, não poderiam participar da rebelião, eram considerados vulneráveis, seriam os primeiros a pagar com a vida o alto preço da afronta.

Artur e os seus abriram o portão de ferro, não se incomodaram com o som do atrito entre a chapa e o solo, acreditavam piamente que aqueles portões eram abertos para que nunca mais se fechassem. Esqueceram-se da cautela diante o poderoso e feroz adversário.

Era noite.

Mas os capangas do barão, de vigília em meio à escuridão, não deixaram de perceber os escravos sedentos por justiça. Na verdade eles não se preocuparam com discrição, não se preocuparam em atacar sorrateiramente, queriam o inimigo mais desperto do que nunca para que o gosto da vitória sobrepusesse às dores do passado.

Os capangas se apressaram em subir nos cavalos e tomar posse de seus armamentos, no entanto alguns foram derrubados por escravos ansiosos por virar a página da desoladora história que viviam.

Alguns perderam a miserável vida que levavam em nome do ódio banalizado.

Mas Frederico, relaxado em seus aposentos, procurando o desejado sono, ouviu a gritaria, correu à janela e contemplou a cena caótica que tomava sua fazenda, mais do que depressa exigiu que os soldados que tinha à sua disposição despertassem do sono e expurgassem quem se levantava contra o seu poderio.

Homens atacando homens.

Ferimentos na carne e na alma.

Os escravos procuravam resistir, golpeavam seus opositores na intenção de machucá- los, intimidá-los, espantá-los, mas eles próprios eram mortos.

O primeiro mártir soltou o grito de desabafo antes de cair ao chão tendo no abdômen uma lança atravessada.

Os assustados olhos de Artur avistaram outro companheiro sendo apunhalado covardemente e vomitando o líquido da vida. Foi quando ergueu os braços. Rendeu-se. Seus parceiros o imitaram.

Sob a ordem de homens tão astutos colocaram-se de joelhos, precisaram colocar as mãos para trás e deixar o peito vulnerável a qualquer ataque, a qualquer atitude traiçoeira, a qualquer vergonhosa covardia.

Respeitado, pisando firmemente sobre o chão que tinha sob os pés, Frederico se apresentou rodeado pelos soldados que juraram defendê-lo incondicionalmente. Colocou-se diante os homens acuados, o silêncio era apavorante, o medo pelo porvir imobilizava aqueles que até poucos instantes eram revestidos por invejável bravura.

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30 Capítulo 06 – Ousada Imprudência

— Quem é o responsável por essa insana palhaçada? — soou a corpulenta voz.

Enquanto a árdua batalha acontecia e guerreiros destemidos procuravam a sonhada salvação, Adelaide saía com o filho mais novo para o terraço, queria lhe conceder a chance de escapar, de viver outra vida, de estar protegido.

— Não sei se ainda quero partir, não sei se serei forte o bastante! — o adolescente, com seus dezessete anos, encarou a mãe debaixo do céu estrelado, iluminado pelo potente brilho da lua desinibida, sentiu medo, sentiu insegurança, sentiu também que não passava de um ingrato covarde —. Como ficarei sabendo que deixei minha família para trás? — seus olhos encharcaram-se, o sentimento que compactuava por aqueles que possuíam o seu sangue ardia no coração.

— Sabe que Artur e eu desejamos que viva o futuro que não podemos lhe dar, que não podemos lhe garantir — acariciou o rosto do filho sentindo as fisgadas da dor da despedida —.

Você é talentoso, esforçado, não queremos que seja enterrado com toda a preciosidade que possui, com todo o significado que a nós representa — abraçou o garoto desconsolado —. Vá à nossa frente, seu irmão estará ao meu lado para que um dia possamos nos unir outra vez!

— Eu te amo — aconchegou-se naquele gesto de afeto, não sabia quando seria o reencontro, a próxima op0rtunidade de declarar à mãe todo o apreço que sentia.

Os corpos se distanciaram.

Adelaide viu o filho manco desaparecer em meio à sombra da noite.

Era melhor assim.

Se continuasse na fazenda seria morto por conta daquilo que chamavam de defeito, daquilo que o tornava menos apto ao trabalho exigido.

Sabia que no quilombo o abraçariam como ela o abraçou.

Tendo como resposta o silêncio daqueles que escravizava, Frederico se sentiu desrespeitado, desobedecido, sentiu que o temor que a ele deviam diminuía. Porém não estava disposto a tolerar rebeldes, não teria misericórdia com revoltados.

— Já que ninguém se manifesta, matem todos! — deu às costas.

— Fui eu! — firme na voz, Artur se entregou —. Eles não têm culpa de nada, foram incitados a isso, eu os convenci!

Desenhando nos lábios o sorriso debochado, o barão se virou ao rapaz honrado, encarou-o severamente, apesar de odiá-lo intensamente não se livrava do escravo que mais lhe rendia, mas já não sabia se permaneceria tão compassivo com alguém que desafiou o seu poder.

— Mas é claro que possuem culpa. Aceitaram fazer parte nessa conspiração imprudente. Serão culpados pela sua morte! — golpeou a barriga de Artur, viu-o se contorcer buscando alívio para o sofrimento —. Acha certo bancar o herói? Acha sensato se aventurar em territórios cheios de armadilhas? — puxou o escravo pelos cabelos —. Considero sua atitude como um gesto suicida! — empurrou o jovem para o chão, pisou em sua mão.

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31 Capítulo 06 – Ousada Imprudência

Voltando à senzala, curiosa por descobrir o que acontecia no aglomerado de homens, Adelaide se abateu grandemente ao ver o filho entregue às maldades do homem amargo em suas decisões. Não se permitiria a outra separação.

— Senhor, tenha compaixão! — o olhar contristado encontrou o prepotente, suplicou por misericórdia —. Não tire de mim o que me resta...

O barão se calou.

Não era piedade o que sentia.

Não era bondade o que faria.

Ninguém era capaz de desvendar suas razões.

— Ensine esse moleque a respeitar quem lhe concede pão — aconselhou em tom ameaçador —. Não haverá outra chance!

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