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Atraídos

No documento Marcados Pelo Amor (páginas 75-79)

Anos atrás

Capítulo 18 Atraídos

Capítulo 18 – Atraídos

Alguns, sem forças para confrontar a opressão, sem ânimo para encarar os algozes, sem coragem para avançar em direção ao crescimento, conformam-se com a indesejável realidade, procuram se convencer de que é o melhor mesmo que uma voz acusadora toque seus ouvidos denunciando o crime que cometem ao se esconderem debaixo de razões alimentadas por medo e angústia.

“Conformar-se é o melhor caminho. Já me conformei”.

Deitada em sua cama, já noite, procurando descanso para a mente atribulada através do sono revigorante e protetor, Ana ouvia a resposta de Pedro repetidas vezes, inconformada, indignada por perceber a rendição de um ser humano cujos olhos anunciavam a diversidade de sonhos que possuía, a infelicidade por ser entregue a uma vida mal quista, a falta de valentia para fazer valer suas vontades.

Mas por quê? Por que se rendera tão facilmente? Por qual motivo preferiu aceitar o tormento ao invés de lutar pelo que acreditava? Ela tinha certeza: ambos não queriam aquilo, não estavam dispostos às decisões que tomaram por eles, a diferença era que um possuía sede de justiça e o outro era imobilizado por temores que não foi capaz de externar.

Queria mais que tudo que a noite acabasse, que os primeiros raios de sol dissipassem as trevas, queria que a manhã resplandecesse para que pudesse estar ao lado de seu verdadeiro e único amor, depositar em suas mãos os receios que possuía, confiar a ele os desabafos de um coração ansioso, de um espírito conturbado, de uma jovem que sentia a aproximação de dores insuportáveis.

Abriu a sacada na intenção de acompanhar o movimento do céu estrelado.

Abriu também um sorriso ao contemplar o jovem rapaz recostado na árvore que sempre o acolhia.

Artur não hesitou.

Escalou o muro que tão bem conhecia.

Encurtou a lastimável distância que os oprimia impiedosamente.

Apaixonados, eternos amantes rendidos aos afetos que sentiam mutuamente, beijaram-se saudosos, degustando do doce sabor que demonstrações de carinho são capazes de proporcionar. Afastaram-se ofegantes, sorriam envergonhados, como em cada reencontro as primeiras palavras não eram verbalizadas, as primeiras declarações eram sentidas pelos amolecidos corações.

— Estava pensando em você, precisava vê-lo, tocá-lo, preciso que me ouça! — Ana, repleta de angústias e amarguras causadas pelas incertezas da vida, encarava seu amante com pesar, com preocupação, comprovando o amargo teor de sua anunciação.

— Também não pude tirá-la dos meus pensamentos, a tudo acompanhei, notei o visitante que recebeu, vi os minutos que passaram conversando, preciso que me acalme e diga que não devo dar atenção aos pavores que começam a nascer —

Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

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76 Capítulo 18 – Atraídos

apreensivo, tocou as mãos da amada, observou o semblante iluminado pelo luar, almejava conforto.

— Temo decepcioná-lo, talvez seus pensamentos sejam a realidade, a causa do meu sofrimento... — abria o coração, precisava dividir tamanha dor, não seria capaz de levá-la adiante sem o auxílio de alguém —. Meu pai permanece em sua arrogância e atinge o seu ápice, nosso maior medo agora representa os fatos, aquele rapaz é meu futuro marido, com quem o barão quer que me case — do rosto sereno escorreu uma lágrima discreta, a tristeza a assolava duramente.

— Como imaginei... — o nobre rapaz, cheio de tantos planos, repleto de inúmeros sonhos nos quais fazia questão de incluir a querida Ana, não pôde conter o fervor da emoção, o borbulho dos sentimentos, não foi forte o bastante para esconder as lágrimas de densa angústia. Atraiu a jovem mulher para o seu corpo, abraçou-a com ternura, queria ofertar consolo, mas também necessitava dele.

— O que vamos fazer? — com a voz embargada, abafada pelo rosto escondido no peito do escravo, Ana lançou a dúvida, sua maior pergunta, o que mais queria saber.

— Não quero perdê-la! — o rapaz levou a mão aos cabelos macios, acariciou-os com sutileza, derramava o choro amargurado, expressava a dor que ardia em seu ser

—. Não posso perdê-la! — sua vontade era gritar, alçar a voz, esbravejar suas súplicas até que alguém o atendesse.

— Muito menos eu... — apertou-se a Artur, aconchegou-se a ele, ao seu porto-seguro —. Serei incapaz de amar outrem, não consigo me ver ao lado de outro homem, você é tudo para a minha existência... — confessou sua maior verdade.

Palavra alguma amenizaria o sofrimento daquela hora.

Palavra alguma acalmaria os corações apavorados.

Mas a paixão que os acorrentava era a única capaz de transportá-los a um momento de paz e êxtase, a um momento no qual o mundo não existiria, as preocupações não atormentariam e tudo o que importaria era o desejo de um para com o outro.

Os lábios foram atraídos, uniram-se incontrolavelmente, fizeram as lágrimas cessar quando o beijo apaixonado os levou a instantes de prazer, o prazer de terem um ao outro. As peles se tocaram. Os corpos se colaram. A lua testemunhou os minutos de romance que trouxe alívio às almas inquietas. Pela primeira vez estiveram como homem e mulher inegavelmente atraídos, inquestionavelmente unidos, marcados pelo amor.

¤

Uma mente contristada, por mais que tente, não alcança descanso, não desfruta do sossego, não é capaz de provar do doce gosto do alívio. Uma mente contristada abate-se até o pó, não consegue imaginar um futuro, as expectativas mínguam como uma flor que não é regada.

Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

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77 Capítulo 18 – Atraídos

Apesar de conformado, entregue ao que não almejava, Pedro sentia-se grandemente contristado, não conseguia adormecer, a noite parecia agitada, atordoada, o mundo parecia submerso em estrondosos conflitos. A guerra era interna. Seus sentimentos entravam em confronto. Sua mente fervia.

Cansado de buscar pelo inalcançável, levantou-se da cama, acendeu o lampião repousado na escrivaninha, ajeitou o papel sobre a superfície de madeira, molhou a pena na tinta, deixou que a alma se manifestasse através de palavras escritas.

Quando compreendemos o que é ser gente, quando temos a plena capacidade de pensar e raciocinar sobre o mundo, quando deixamos a visão infantil e descobrimos como verdadeiramente as coisas funcionam, percebemos que a vida é injusta, é cruel, é amarga. Não por ela, afinal, não passa de um conceito inanimado, mas pelas pessoas que a ela dão significado, dão um sentido e pouco se importam se são ou não egoístas, determinam a definição desse conceito apesar de que cada um deveria ter assegurado o direito de dar seu próprio significado, causam opressão ao resto da humanidade.

Preciso proteger tanta gente, preciso lutar por tantos inocentes, e essa luta para mim é silenciosa, é serena, há batalhas que só vencemos sendo discretos, passando despercebidos pelo inimigo. Talvez me vejam como um covarde, como alguém medroso, como um medíocre que aceita calado as injustiças, a verdade é que não posso fazer barulho, não posso usar a força, não posso me opor ao sentido que dão à vida como muitos fariam, eu não pagaria o alto preço, mas aqueles que confiam em minhas promessas não seriam poupados tão logo reclamasse do que sei que é injusto e desumano.

Por isso renego a minha felicidade.

Por isso me privo do meu amor.

Isso não quer dizer que vou esquecê-lo, que passarei a viver como se ele nunca houvesse existido, como se nunca o tivesse sentido, seria impossível, é impossível fingir que não se sente o único amor que um dia confessamos possuir. Mas preciso protegê-lo. Essa também é uma forma de dizer que o estimo e que não suportaria contemplar passivo o seu sofrimento, o seu desmantelamento.

Não amo mais ninguém.

E é por esse amor tão importante que agora me rendo ao maior e mais angustiante de meus pesadelos, entrego-me a alguém incapaz de me proporcionar o que já possuo, mas que agora deixo livre, livre para viver, para alcançar a felicidade que não poderei proporcionar.

Essa é a consequência de darem um significado à vida e o julgarem como único verdadeiro e possível: injustiças.

Logo cedo enviaria a carta ao seu destinatário.

Alguém que nunca deixaria o coração de Pedro.

¤

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78 Capítulo 18 – Atraídos

Muitas são as mensagens espalhadas pelo mundo, tantas são direcionadas ao coletivo, servem para todos os corações e outras tantas são lançadas como tiro ao alvo, possuem destino e não podem ser desviadas.

Logo cedo, acompanhado por seus auxiliares, o padre Miguel pisou na fazenda do barão de São Pedro, sua visita não era por hábito nem casual, possuía uma séria mensagem ao causador de tantos males, de tantas injustiças, ao homem de terríveis poderes.

Pediu para que os acompanhantes o aguardassem, assegurou não demorar.

Adentrou o escritório do sujeito que abominava.

— Há quanto tempo não nos vemos? — interrompendo seus afazeres, atrás da mesa abarrotada de papéis, Frederico encarou o religioso, gesticulou para que se sentasse.

— Confesso que não esperava que nosso reencontro acontecesse tão cedo — não aceitou a cordialidade, era um homem de muitos princípios que se opunham aos dos poderosos, por esse motivo era perseguido, aonde quer que fosse estava acompanhado por homens fiéis.

— Ainda magoado? — o barão vestiu o semblante irônico —. Não percebe que fui responsável por grandes avanços nessa cidade? Não pode me condenar como tem feito...

— Avanço feito a partir do sangue de inocentes não pode ser chamado de avanço, não passa de estratégia de sujeitos ambiciosos — foi firme em suas palavras, não se deixava intimidar —. Mas não estou aqui para o acusar, já sabe o que penso, não preciso repetir, no entanto trago uma mensagem que não pode ignorar.

— Está perdendo tempo por causa de uma mensagem? Não seria melhor delegá-la a alguém?

— Não é qualquer mensagem, senhor barão, não poderia ser entregue de qualquer maneira — o padre lançou o sorriso desafiador —. Venho em nome de Deus.

Frederico gargalhou.

— A idade não tem feito bem... — zombou.

— Seu tempo está acabando, seus dias estão contados e o tormento que passará por ter nas mãos a vida de indefesos pode começar a qualquer momento — o religioso profetizou —. Essa é a última chance, você ainda pode escolher por voltar atrás em seus passos desumanos, ainda há tempo para que a humanidade que ainda lhe resta se sobreponha ao espírito imundo que permitiu dominá-lo. Redima-se com sinceridade se não quiser padecer.

— Também tenho um recado para Deus — o homem impiedoso se levantou —.

Afrontar-me é um erro!

— Que Ele te perdoe — o padre deu às costas, seria inútil tentar transformar o coração infectado pela maldade —. Que a sua alma alcance misericórdia...

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No documento Marcados Pelo Amor (páginas 75-79)