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Alimentando-se de Coragem

No documento Marcados Pelo Amor (páginas 83-87)

Anos atrás

Capítulo 20 Alimentando-se de Coragem

Capítulo 20 – Alimentando-se de Coragem

É das mais improváveis e despretensiosas situações que surgem as melhores histórias, que nascem os mais enraizados e verazes sentimentos, que são construídos os mais intrínsecos e lindos sonhos. Não adianta imaginar tanto, ensaiar infinitas vezes, é de repente que emerge as maiores experiências.

Assim como, de repente, de forma inesperada, nunca antes imaginada, que Sara se pegou observando o violista com uma admiração diferente, sutil, que aquecia o coração de um jeito gostoso, impossível de rejeitar. Não queria confessar, sentia vergonha, sentia também insegurança, mas de uma para outra, em tão poucos minutos de proximidade, em seu ser surgia afeto.

Sem que tivesse pretensões, sem que esse fosse o pensamento primordial, sem nunca antes ter visto a autora do sorriso angelical que era exibido enquanto o arco deslizava pelas cordas afinadas, Felipe se sentiu atraído pela jovem garota, interessado pela sua amizade, desejoso por conhecê-la. Também não confessaria, nem para si mesmo, mas o futuro começava a ser imaginado, um futuro diferente de tudo que idealizou, um futuro no qual teria alguém para amar.

— Como nunca o vi em saraus antes? —Sara, ao interromper do melodioso som, interrogou agraciada —. Minha ama reserva os melhores, represento-a diante de artistas talentosos, mas não me recordo de ter apreciado a arte de alguém que produz com a alma! — elogiou.

Sorridente, sentindo-se satisfeito pelo reconhecimento e orgulhoso do trabalho que fazia, Felipe encarou a admiradora pensando em qual resposta dar, será que já não estava claro?

— Acha mesmo que escravos um dia serão ouvidos? — o sorriso de orgulho murchou, deu lugar ao rosto desanimado, ao olhar que queria brilhar, que almejava contemplar pessoas emocionadas, mas que se contentava em enxergar as lembranças dos horrores sofridos na senzala —. Olhe para mim — abriu os braços —. Um negro miserável!

— Não subestime o dom que possui de maneira tão rude, já imaginou quantos adorariam possuir o talento contido em seus dedos? — não acreditava na filosofia pregada contra os negros, ao contrário, via-os como deveria, como seres humanos livres para a vida que desejassem. Não hesitou em chamar a atenção daquele que ganhara o seu carinho —. De que importa a cor da sua pele? Se você não acreditar que é merecedor, ninguém vai.

As derradeiras palavras tocaram o coração de Victor, era daquilo que os escravizados precisavam, de encorajamento para que muito além de acreditarem sobre quais seriam seus lugares, batalhassem por assumi-los. Espantou-se com o argumento da querida amiga que, sabia ele, era dona de uma alma rara.

Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

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84 Capítulo 20 – Alimentando-se de Coragem

Felipe, por sua vez, sendo confrontado com a máxima verdade, reconhecendo que era responsável pelas tantas conquistas que desejava apalpar, que era responsável pela ascensão da própria vida, pelo sucesso da própria história, agradeceu ao conselho, em silêncio foi grato por alguém inimaginado ter cruzado em seu caminho.

— Só me resta agradecer pela apreciação e prometer que farei um esforço para que nos próximos saraus que frequentar possa me ver.

— Adorarei! — Sara não escondeu o semblante animado —. Mas não deixe de nos presentear com sua musica, não faz ideia como tem feito bem à minha ama.

— Por que não marcamos um jantar? — Victor conhecia superficialmente a história da misteriosa vizinha, sabia que estava submersa em solidão, rendia-se à vida sem propósito, mas naquele momento se dispôs a mudar a realidade, quanto mais pessoas conseguisse ajudar mais realizado estaria, esse era o objetivo do Protetor —.

Você pode trazer sua ama, será um prazer recebê-las para uma noite de música e boas conversas.

— Não seria um problema? — a garota, sabida quanto às retrógradas regras de uma sociedade estagnada, alertou.

— Como mudaremos o mundo se não mudarmos a nós? — o bom homem interrogou —. Estaremos entre amigos, as pessoas que guardem seus comentários e vivam suas vidas. Posso contar com sua presença?

— Mas é claro... — Felipe, encantado pela donzela, se adiantou —. Não poderia recusar ao convite de um músico desesperado para ser ouvido! — falou divertido.

— Farei o possível, cavalheiros, farei o possível — fingiu seriedade, não pouparia esforços para convencer Rute a uma noite longe de pensamentos nebulosos.

¤

Nessa caminhada enfrentamos toda a sorte de obstáculos, confrontamos uma infinidade de desafios, somos forçados a saltar os buracos e assumir nossas dificuldades. Porém, em tantas ocasiões, sentimo-nos despreparados, indefesos, incapacitados, vulneráveis aos problemas que se levantam e, então, recorremos às pessoas que amamos, àquelas que nos são queridas e especiais, às que nos pegam no colo se necessário, àquelas nas quais confiamos inteiramente e sabemos que podem nos ajudar.

Laís vivia um enorme problema.

Sozinha seria derrotada por ele.

Mas recorreu ao porto seguro.

De manhã, ajoelhada dentro da igreja, mantendo os olhos fechados e movimentando os lábios como se fizesse preces desesperadas, a baronesa recebeu a companhia de alguém que se colocou à sua dianteira, também se ajoelhou e fingiu render-se às súplicas.

Marcados Pelo Amor escrito por Amilton Júnior

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85 Capítulo 20 – Alimentando-se de Coragem

— Meu amor... — a voz grave soou em tom baixo —. Tenho provado do amargo sabor da saudade, estar longe de você, sem receber a menor das notícias, tem me desesperado, chego a intentar uma visita, mesmo que represente riscos...

— Também sinto a dor desse distanciamento, mas não podemos nos arriscar, é melhor estarmos longe um do outro, mas vivos, do que próximos o bastante para sermos mortos... — a mulher sentimental, ainda sonhadora, ainda crente no futuro que um dia sonhou, colheu a lágrima que saltou em seu rosto, tentou esconder a emoção que a envolvia por ouvir uma vez mais a voz daquele que amava —. Como se não bastasse essa dor que arde no peito, as coisas na fazenda têm tomado caminhos estreitos, a vida tem sido dificultada. Além do tormento que assisto ser garantido aos escravos, agora convivo com o desespero de alguém apaixonada que vê o seu amor se desmantelar em ruínas... Frederico quer que Ana se case com alguém que não deseja, seu coração pertence à outra pessoa, a um dos que seu pai causa árduo sofrimento...

Heitor reviveu os dias passados, retornou às lembranças que oprimiam seu ser, quando recebeu a notícia de que a mulher que amava estava prometida a outro homem, seria entregue a quem repudiava. A dor, que nunca cessava, aumentou, não queria que a história se repetisse, não queria que mais gente sofresse as amarguras de uma vida coagida.

— Conhecemos esse pesadelo, somos ainda atormentados por ele mesmo com os anos terem se passado, acredito que não almeje essa realidade para sua filha, não pode aceitar que seus sonhos sejam duramente pisoteados — o homem aconselhou, mostrou-se corajoso, disposto a lutar pelo amor de dois amantes.

— Nem quero aceitar, mas quem ousa desafiar as ordens de Frederico? — questionou —. Quem em perfeito juízo se opõem às suas determinações? Sabemos do que é capaz, não posso colocar Ana em perigo.

— E se me oferecer para protegê-la?

Não foi negação e nem oposição, o que Laís recebia do homem que amava era compreensão e a concessão de ajuda para um desafio tão ardiloso. A cada dia a certeza de seus sentimentos por Heitor eram acrescidos, queria ele como o pai de sua filha, Ana teria um amigo sincero, um leal ajudador.

— O que faria?

— Diga-lhe para que fuja junto daquele que ama, eu me organizarei para recebê-los e levá-los a lugar seguro, onde a única preocupação que terão será em desfrutar da felicidade!

A baronesa, pensativa, fez silêncio por alguns momentos, não queria ser dominada por egoísmos, no entanto a ideia de estar distante daquela que gerara a afligia impiedosamente, era ainda mais amedrontada pelo pensamento de que tudo daria errado.

— Ficará bem mais fácil para que também fujamos.

Tal afirmação encorajou Laís, aquele era o único caminho.

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86 Capítulo 20 – Alimentando-se de Coragem

O que o casal não percebeu foi a presença do padre Miguel sobre o altar, seus olhos contemplavam o casal impossibilitado de declarar o amor que dividia, o amor que, sabia o religioso, nunca morrera e nem deixara de ser vivido.

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