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4º Seminário de Relações Internacionais - Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI)

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4º Seminário de Relações Internacionais - Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI)

27 e 28 de setembro de 2018

Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) - Foz do Iguaçu

Área Temática: 06. Teoria das Relações Internacionais

PARADIGMAS INTERPRETATIVOS NÃO TRADICIONAIS NOS ESTUDOS DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS CONTEMPORÂNEAS

Marina Scotelaro (PUC Minas e UniBH) Bárbara Benevides Torres (UniBH)

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Resumo

O campo das Relações Internacionais foi marcado pela dominância histórica de determinadas vertentes teóricas -sobretudo, as de cunho racionalista- que se mostraram limitadas para a apreensão de temas contemporâneos que vão além das dinâmicas estatais e conflitivas. O argumento central do trabalho não reside em uma crítica à capacidade explicativa das referidas teorias, mas nos pressupostos ontológicos sob os quais as mesmas se fundamentam. Assim, a partir desta discussão, o trabalho traz à tona o estudo sobre teorias não convencionais no campo das Relações Internacionais, com o intuito de avaliar e ressaltar a potencialidade das mesmas para análise de fenômenos contemporâneos diversos a partir de suas distintas concepções ontológicas. Leituras pós-coloniais e lentes feministas constituem as unidades de análise do trabalho. A partir de revisão de literaturas, infere-se conclusões sobre os critérios de validade e o alcance explicativo de tais correntes interpretativas para o estudo das Relações Internacionais contemporâneas. Com isso, há um potencial de expansão e ampliação do campo, o que faz da pesquisa um instrumento de construção para os estudos da área.

Palavras-chave:

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INTRODUÇÃO

A multiaspectualidade e a transdisciplinaridade do campo das Relações Internacionais (RI) reconhecida desde o momento em que sua corrente originaria (o Realismo Político) é contestada pela perspectiva transnacionalista nos anos 1970. Desde então, reconhece-se a multiplicidade de atores, processos e recursos que estão em jogo quando se pretende compreender os fenômenos políticos mundiais (NYE e KEOHANE, 1971). A partir deste momento, a crítica sobre a perspectiva estadocêntrica avança profundamente sobre seus marcos ontológicos1, questionando não apenas a unidade de análise predominante, mas incidindo diretamente sobre a construção do objeto, suas naturezas, etc. Com a chegada das leituras críticas no campo (ASHWORTH, 2014; HOBSON, 2012), estabelece-se uma problematização acerca das diferentes formas de apreensão e entendimentos sobre o campo das RI e as diferentes modalidades de conhecimento produzido (COX, 1981; WENDT, 2014), que traz consigo um processo de reflexão sobre a natureza do que existe para ser estudado.

Este processo reflexivo compõe os debates metateóricos cujo propósito é empreender estudos sobre os objetos do campo e suas aproximações aos processos mais contemporâneos que podem ser apropriados e analisados a partir das teorias da área (CHERNOFF, 2007; FREIRE, 2013; WIGHT, 2006). Tal problematização surge da observação de que a crescente complexidade dos temas da política mundial contemporânea tem colocado desafios substanciais às teorias mais dominantes do campo, demonstrando a incapacidade das mesmas em lidar analiticamente com estes novos processos de forma suficiente. A partir de uma análise sociológica sobre a evolução da área (BUEGER, 2012; WÆVER, 1998), ainda que se reconheça que os recortes de pesquisa (no que tange à definição do objeto material quanto nas escolhas interpretativas e metodológicas) sejam particulares e incidam sobre dimensões específicas de uma realidade complexa, entende-se que manter o campo fechado ou resistente a mudanças em prol de uma identidade disciplinar – empreendida por gatekeepers2 – parece nocivo para área. A despeito do status cientifico alcançado pelo campo ao longo de seu desenvolvimento disciplinar, o campo emerge com propósitos políticos (ASHWORTH, 2014) (GUILHOT, 2011; PARMAR, 2011). Contudo, se evidencia cada vez mais que as motivações políticas, sempre presentes no campo, tem servido para excluir diversas perspectivas que existem, impedindo-as de ascender, sobretudo, como contribuições

1 O Institucionalismo Neoliberal (KEOHANE, 1998), vertente liberal nas RI, não questiona a forma existencial de Estado, mas apenas como deve ser analisado. Assim, mantem o Estado como ator legitimo e mais determinante da política mundial, mantendo-se em uma perspectiva racionalista da política, compartilhando as bases ontológicas e epistemológicas do Realismo estrutural waltziano (WALTZ, 2010).

2 Entende-se por gatekeepers o conjunto de atores científicos que agem em função da preservação das perspectivas teóricas e das práticas acadêmicas dominantes em um campo cientifico.

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analíticas mais prolificas em nome de um falso discurso de cientificidade e neutralidade (WEBER, 1997).

Dos pontos citados acima, delimita-se como um dos pontos de partida para esta investigação a seguinte pergunta: a configuração ontológica das teorias contemporâneas contribui para uma abordagem científica no campo das Relações Internacionais produtiva no que tange a produção de soluções para dilemas atuais? O rol de teorias tradicionais de cunho racionalista (DUNNE, KURKI e WIGHT, 2013), com base na filosofia positivista da Ciência3, apresentam limitações para a compreensão de processos contemporâneos – o que se agudiza com as tentativas de proteção dos seus respetivos núcleos duros (LAKATOS, 1978) e na própria metodologia que as imunizam frente a necessidade de execução de testes empíricos, fazendo com a que falibilidade das mesmas seja pouco questionada (LAKE, 2011). Na tentativa de ampliar a capacidade analítica e transformadora da área (HAMATI-ATAYA, 2011), algumas contribuições teóricas – que não tem um lugar muito claro no campo na medida em que transitam entre tradições –, vem alcançando cada vez mais um espaço nos círculos acadêmicos da área, e trazem consigo um potencial de contribuição que vai além de suas fronteiras teóricas. Os espaços ocupados pelas mesmas são lacunas que as teorias tradicionais optaram por não preencher – elementos acerca do “internacional” que não são apropriados. Por este motivo, as perspectivas de cunho crítico-normativo do campo permitem não só ampliar as bases materiais do campo, mas também de um diálogo não antes possível na ausência destes “novos objetos” (mas não novos fenômenos) trazidos à tona.

Portanto, fazendo uso de teorias feministas e pós-coloniais das Relações Internacionais, o trabalho sugere que teorias não tradicionais fornecem para a área um entendimento mais pragmático e diretamente relacionado a problemas contemporâneos uma vez que sua ontologia está baseada em elementos mais próximos da vida social. O problema da racionalidade, nas teorias tradicionais, é tentar silenciar todas as outras formas de pensamento e filosofias, o que torna o modelo de produção de conhecimento dominante contra-produtivo. As ontologias de interpretações com caráter reflexivo contribuem relativizando o entendimento do real, e trazem para o nível da análise elementos referentes a processos que incidem diretamente sobre as dinâmicas sociais contemporâneas.

Por esta razão, e a partir da revisão teórica dos principais elementos das perspectivas trabalhadas, aventa-se a hipótese de que, avançando para além das proposições e compreendendo a construção de seus objetos de pesquisa, é possível produzir um conhecimento com valor de uso4 para o campo, que tem o potencial de ir além de amarras

3 Muito se discute se há ou não no campo abordagens positivistas. Para tanto, conferir (CHERNOFF, 2007).

4 Sugere-se aqui um paralelo com os conceitos marxianos de valor e capital. Isto se torna possível na medida em que se utiliza ao longo do trabalho as perspectivas de Bourdieu, que se refere ao conhecimento como um capital particular que circula e se produz dentro do campo social acadêmico.

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científicas teóricas e metodológicas. Suas aproximações com o “real” podem ser potencializadas com outras perspectivas desde que aja um diálogo entre distintas ontologias. Seguindo a linha do ecletismo analítico e do pluralismo metodológico (KATZENSTEIN; LAKE, 2011; SIL e KATZENSTEIN, 2011), um campo cientifico deve ser útil no que se propõem, sem decair e ruir no purismo científico que o isola da sociedade, esta última seu ponto de partida e que deveria ser seu ponto de chegada.

Assim, sugere-se aqui que, a partir da investigação ontológica, é possível aproximar essas teorias às realidades contemporâneas e questionar em que medida insistir nos caminhos tradicionais de desenvolvimento teórico do campo pode ser relativizado em prol do reconhecimento da multiaspectualidade do objeto. Para empreender este movimento analítico, o trabalho (que se configura como um ensaio) está dividido em mais três seções, para além desta introdução. Estabelece-se incialmente uma discussão metateórica, pontuando os limites acadêmicos das ontologias racionalistas e alocando o potencial do ecletismo analítico para emergência de objetos com utilidade para o campo. Na sequência, uma seção apontando os principiais elementos das correntes teóricas aqui estudadas com o intuito de levantar os objetos mais relacionados a vida cotidiana da sociedade contemporânea e como eles devem ser incorporados de forma mais transdisciplinar ao campo. Por fim, conclusões sugeridas e apontamentos para a continuidade da discussão.

ARGUMENTOS METATEÓRICOS EM DEFESA DO ECLETISMO ANALÍTICO

Enquanto ciência, o objetivo das RI como (assim como todas as outras áreas acadêmicas) é produzir um conhecimento sistemático e coerente para compreensão e melhoria na vida social (CHALMERS, 1993; SANTOS, 2006). Nos espaços acadêmicos, como este em que se realiza o 4º Seminário de Pós-Graduação da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI), observa-se uma serie de temáticas que agrupam pesquisadores e seus projetos científicos cujo objetivo é produzir um conjunto de conhecimentos válidos, e que corresponda aos desafios sociais contemporâneos. Contudo, quando se reflete acerca da produtividade das áreas da humanidade (nas quais os analistas internacionais estão situados), esta correspondência parece passar por constantes ondas de desvalorização nas pesquisas da área, sobretudo, em tempos sombrios, como os atuais – seja no âmbito nacional, regional e internacional5. O que se percebe, muitas vezes, são

Ainda que as regras de funcionamento deste espaço sejam específicas, o autor estabelece uma lei de acumulação análoga ao considerar o sistema de produção de bens simbólicos, que se configurariam como capitais.

5 A este contexto sombrio, o presente texto faz referência a: ascensão da extrema direita na Europa, América Latina e Estados Unidos; o aumento das tensões internacionais com países que desenvolvem

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movimentos localizados e específicos de pesquisadores que tentam a partir de iniciativas próprias empreender uma espécie de “militância acadêmica” – aqui entendida como conhecimentos que possam incidir diretamente sobre a vida social, sem se circunscrever ao local de forma instrumental, mas considerando inclusive que o local é conformado a partir de dinâmicas globais –, por vezes, solitária6. Com efeito, quando o propósito do conhecimento se desassocia do substrato social imediato – que, inclusive, legitima sua permanência ao longo do tempo – parece haver uma inconsistência nas práxis acadêmicas.

Seguindo a concepção de Boaventura de Souza Santos sobre o universo acadêmico-institucional (SANTOS, 2004), a universidade é aqui entendida como um espaço que não deve sobrepor-se a sociedade, uma vez que se configura como sua extensão e não o inverso. Este pressuposto é fundamental para refletir sobre o papel dos atores acadêmicos na construção de um conhecimento não apenas válido cientificamente (em termos endógenos, referentes ao processo de construção do conhecimento em si, suas regras metodológicas, a constituição de seus objetos, dentre outros elementos formais), mas válido socialmente, ou seja, um conhecimento com valor de uso, com uma utilidade social. Cabe pontuar que a presente argumentação não desqualifica o debate teórico propriamente dito, ou mesmo o metateórico – este último que mais se aproxima da abordagem deste trabalho. O lugar concedido a essa parcela de estudos deve ser resguardado, em nome dos avanços qualitativos da Ciência. A reflexão sobre as formas de conhecimento existente é fundamental para o próprio desenvolvimento de uma área científica. Mas, ao relacionar este movimento à patologia antes sugerida – a dizer, a desassociação do conhecimento ao que é “real” para as RI, a vivência política e social internacional – este processo se torna nocivo.

Com isso, não existe a pretensão de pôr em xeque todos os movimentos acadêmicos de cunho teórico, e mesmo ainda dizer que este movimento é endêmico, em que há um descolamento entre a realidade pesquisada e o conhecimento produzido, fato este facilmente falseável (POPPER, 1993). O objeto desta exposição é tratar especificamente das práticas acadêmicas daqueles que ocupam o seleto extrato de produtores teóricos que compõem o corpus analítico da área. Observando o comportamento interno dos atores científicos que ocupam este lócus na academia (MATTEDI, 2006), observa-se uma série de embates teóricos7. Estes se desenvolvem sem que formule um conhecimento substancialmente

tecnologias nucleares; aumento do número de crises humanitárias, em relação a professos migratórios em massa de refugiados, desabastecimentos e crises sociais e políticas; dentre outros processos. 6 Ainda que este ponto vá ser desenvolvimento ao longo das próximas páginas, cabe pontuar neste momento que a solidão aqui referida não alude a uma ideia de que há poucos movimentos analíticos com vistas a promover conhecimento que propicie novas políticas de inclusão sobre temas reais, mas no que se refere a debates com outras visões dentro da própria academia.

7 Não se considera aqui a ideia de “debate” como um processo no qual, em grande parte das vezes, não se nota um diálogo real, mas uma competição de uma tentativa de desqualificação da outra abordagem. Logo, adota-se a ideia de embate teórico.

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elevado, e não apenas acúmulos sucessivos de informações independentes que acabam por estabelecer novos abismos entre as leituras teóricas, transformando-as em “sectos” de pesquisa (BENNETT, 2013; LAKE, 2011).

Isto é verificado em momentos da História da Ciência nos quais os atores se dedicam a aspectos de validação científica, incidindo predominantemente sobre os elementos abstratos – pressupostos, variáveis, teste de hipóteses. Quando os princípios elementares das teorias são tomados como dados, pouco questionadas as construções históricas das definições ontológicas, o progresso científico passa a se relacionar mais ao desenvolvimento de elementos formais da Ciência do que a proximidade e adequabilidade do mesmo sobre a realidade sob a qual se debruça. É evidente que cada teoria tem uma abordagem que se refere a uma parte específica da realidade, e esta limitação poderia eximir da responsabilidade deste comprometimento com a revisão do objeto das teorias. Entretanto, a durabilidade de objetos de pesquisa (especificamente quando se leva em conta as teorias racionalistas) deve ser problematizada para que seja possível perceber os comportamentos de gatekeeper empreendido pelos representantes do pensamento hegemônico, que impedem, por sua vez, a emergência de novos saberes e novas leituras sobre a realidade.

A necessidade de problematizar os núcleos duros (LAKATOS, 1978), ou as principais proposições e pressupostos ontológicos das correntes mainstream do campo, incide sobre a própria definição do que é o “real” para as RI. Isso implica em determinar o que “importa” ou não ser estudado. A noção de “real” aqui trabalhada parte de uma perspectiva reflexivista na qual o “real” é produzido na medida em que a ele é conferido, a partir de um sistema de referência conceitual, sentidos e significados socialmente construídos. A linguagem, neste sentido, constrói a realidade tanto quanto a materialidade incide sobre a concepção social sobre o real (SEARLE, 1995; WENDT, 2014). Este real refere-se, portanto, ao que os indivíduos entendem como o que existe e o que importa existir, considerando cada momento histórico particular. Em contrapartida, é importante pontuar que a maioria das teorias racionalistas da área, dada sua influência do modelo positivista que ganha espaço no campo a partir do chamado 2º debate, ou debate cientifico do campo, que se deu nos anos 1960 (KAPLAN, 2000), vigora e mantem uma cisão cientifica na qual o objeto e o sujeito pesquisado não se misturam e assim nada mais a se fazer a não ser descrever a realidade que lhes é externa e desvendar os processos naturais que ocorrem no mundo social.

Dois riscos emergem de ambas as possibilidades sobre como produzir conhecimento científico. Na perspectiva reflexivista, incorre-se no risco de uma extrema relativização no que tange às bases fundacionais necessárias para um conhecimento científico válido. Neste sentido, pode-se perder o crivo do que constitui uma identidade disciplinar e aceitar, em conformidade com as diferentes bases ontológicas e epistemológicas, conhecimentos pouco correspondentes com os propósitos da área e que mais se relacionam as perspectivas

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individuais dos acadêmicos. No caso da perspectiva positivista, o risco decai sobre a possibilidade de reificação de determinadas estruturas consideradas estáveis e naturais, o que configura um papel a Ciência de desvelar os processos supostamente constantes no mundo social. Como consequência, este movimento pode ser nocivo na medida em que não mais abarcam problemas e dilemas sociais mais manifestos de outros momentos históricos diferentes daqueles de sua origem.

De qualquer maneira, ambos os métodos não buscam formular um pensamento único dentro do campo, uma vez que as teorias não reivindicam para si o status de definitivas. Isso se dá, em parte, pelo reconhecimento da capacidade limitada das mesmas uma vez que os próprios recortes de pesquisa delimitam partes da realidade que são apropriadas para a análise. Entretanto, há uma armadilha inconsciente neste comportamento acadêmico altruísta. Na medida em que as perspectivas científicas ingressam em debates teóricos no campo, elas se motivam pela busca de legitimação e aceitação no mesmo. Isto implica em validar tudo que a ela está associado: objetos, métodos, fundamentos filosóficos legítimos. Ao se buscar legitimidade, as abordagens acabam disputando um status de hegemonia dentro do campo – ao partir da concepção de um campo como um espaço de poder, no qual o recurso disputado, a dizer, o conhecimento, depende da capacidade do ator cientifico em torna-lo aceito e valido para a comunidade acadêmica. A partir de uma leitura de Pierre Bourdieu (BOURDIEU, 2004; BOURDIEU, 2002a; BOURDIEU, 1975), isto se relaciona à entrada no campo de se auferir autoridade para, legitimamente, circular e produzir conhecimentos. A disputa, neste sentido, ocorre inevitavelmente, mas seus contornos podem gerar ao invés de progresso científico tradicional (KUHN, 1998)8 uma coexistência entre teorias. Neste processo, as disputas entre pesquisadores e suas perspectivas teóricas podem se reduzir a um isolamento crescente entre as abordagens, dada a suposta incomensurabilidade entre os paradigmas (LAKATOS, 1978)9. Ou seja, com o intuito de permitir a coexistência de diversas abordagens, parece que o campo estabelece novos distanciamentos internos, sectarizando teorias em nome do “respeito” entre elas. Como consequência nociva deste processo, os debates ficam esvaziados em sua dimensão inter/transdisciplinar, circunscrevendo-se aos limites de seu cinturão de proteção (LAKATOS, 1978) muitas vezes. O que há de interlocução orienta-se muito mais em termos de críticas mútuas e não em termos de diálogos sobre temas substanciais que poderiam produzir, de forma coletiva, novos enquadramentos e contribuições com a capacidade de ampliar a complexidade da análise sobre os fenômenos estudados.

8 Como se percebe nas Ciências Naturais (KUHN, 1998), espaço do conhecimento onde o progresso científico quanto superação de abordagens é mais evidente e claro quando comparado ao campo das humanidades.

9 Isto se manifesta por exemplo em áreas teóricas da ISA, por exemplo, ou mesmo na ABRI nas áreas temáticas.

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Prosseguindo a partir das concepções bourdieusianas, para ingressar em um campo cientifico, o indivíduo parte de aproximações ao conhecimento disponível no campo, tanto a partir de concordâncias (empreendendo estratégias de conservação) ou por demarcações críticas ao conhecimento hegemônico (o que configuraria uma estratégia de subversão do establishment) (BOURDIEU, 1975). Ambas as possibilidades requerem, necessariamente, um diálogo com o campo que se almeja fazer parte, uma socialização necessária com o conjunto de instrumentos científicos e com as práticas acadêmicas de um campo – o que Bourdieu denomina como habitus (BOURDIEU, 2002b). Assim, quando analisada a história das ideias de uma disciplina (FOUCAULT, 2008; FOUCAULT, 1979), verifica-se momentos de consolidação de uma identidade que se estabelece com a constância de elementos ao longo do tempo e que passa por profundas mudanças que levam a inflexões não apenas entre paradigmas, mas que incidem também sobre a natureza dos processos apropriados pelo campo.

No que tange às Relações Internacionais, é possível perceber que as transformações são evidentes na história do campo, desde seu surgimento. Entretanto, não houve, de fato, uma desconstrução e reconstrução de forma significativa, ou que gerasse uma revolução total (KUHN, 1998) nas concepções do campo. Nesta linha, mesmo com o impacto significativo exercido pela que exerceu a virada linguística nos anos 1980 sobre os objetos e métodos de estudo do campo (GRACIA, 2004; LAPID, 1989), as abordagens que passaram a incorporar o corpus analítico do campo se inseriram em conformidade com a lógica e as características de funcionamento do mesmo10. Portanto, o que explica a existência de distintas posições ontológicas e epistemológicas concorrentes em uma mesma área (como nas RI) é a auto identificação nutrida pelas mesmas de que algo uma essência é compartilhada e que compõem, por sua vez, uma identidade – ou o habitus cientifico (BOURDIEU, 2002b). O que se critica aqui é como esta identidade compartilhada serve mais a atos isolacionistas do que para construções coletivas de conhecimentos multiaspectuais e transparadigmáticos que sirvam melhor ao propósito de analisar a complexidade do real.

Neste sentido, defende-se neste ensaio uma maior interlocução entre os distintos saberes produzidos nas RI. Como caminho metodológico, opta-se por trazer à tona a colaboração de um ecletismo analítico rumo a uma virada mais pragmática nos estudos da área11 das RI. Partindo do pressuposto da complexidade dos fenômenos internacionais; a multiaspectualidade dos fenômenos, uma aproximação depende, em larga medida, de um complexo de análise que envolve o máximo possível de variáveis. Este processo, por sua vez,

10 As próprias possibilidades de comportamentos críticos já estão pré-estabelecidas na normatividade de funcionamento das práticas acadêmicas do campo (BOURDIEU, 1975).

11 Como já se apontou anteriormente, o propósito do trabalho não é romper com os avanços teóricos próprios de cada perspectiva, mas utilizar seus respetivos potenciais analíticos para promover diálogos sobre temáticas transdisciplinares e multiaspectuais.

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é pouco operacionalizável (na extensão sugerida) no âmbito da ciência, ainda mais quando se pensa em formular teorias fortes, assim, uma teoria geral torna-se inviável. Contudo, por sua vez, estes problemas podem ser parcialmente solucionáveis com a proposição de teorias de médio alcance, ou abordagens mais localizadas, que teriam um escopo mais limitado em termos generalistas e sacrificaria parcela da parcimônia, mas que aprofundaria, em termos analíticos, dos fenômenos estudados.

Neste sentido, um bom marco analítico, no estado atual de desenvolvimento do campo, poderia ser melhor enquadrado a partir do diálogo entre diferentes tradições, caso optassem por romper com as barreiras levantadas pelos próprios pesquisadores que empreendem uma defesa quase intransigente de seus paradigmas. Assim, a partir de uma prática do ecletismo analítico vinculado a uma perspectiva pragmática (LAKE, 2011; SIL e KATZENSTEIN, 2011) pode ser um curso prolífico para restaurar parte da perda de proximidade dos debates teóricos frente às realidades mundiais contemporâneas, em que se assume a complexidade dos fenômenos. Vale pontuar que não se pretende aqui fazer uma defesa indistinta do ecletismo analítico, mas incorporar as sugestões fornecidas pelo mesmo, sem defender em hipótese alguma a extinção das grandes tradições de pesquisa. O foco deste ensaio se direciona às questões contemporâneas práticas e como é possível organizar de forma mais produtiva enquanto uma disciplina acadêmica12.

É com base no exposto que o trabalho parte de uma crítica acerca dos pressupostos ontológicos das teorias tradicionais, sobretudo àquelas racionalistas. Reconhece-se a validade explicativa das teorias, independentemente de seu modelo epistemológico. Contudo, a grande questão que se aponta como problemática, nos marcos desta discussão, é a forma como a ontologia é construída e mantida de forma estabilizada (ASHLEY e WALKER, 1990; CONNOLY, 1989) nestas tradições. Ao considerar que a ontologia determina o que é estudado, ou seja, o que é o “real”, são essas teorias que delimitam os marcos analíticos do campo. Assim, sem submeter uma análise sobre a capacidade analítica das teorias frente a seus objetos, parte-se da ideia de que as definições ontológicas acabam por reduzir o “real” a aspectos limitados. Isto ocorre na medida em que a reificação deste processo se dá pela aceitação das ontologias existentes, considerando-as como válidas, pouco discutindo-as ou confrontando-as com outras perspectivas neste nível13.

12 Desde a sua criação, as Relações Internacionais foram marcadas não apenas por uma tentativa de se definir enquanto uma área autônoma frente às demais áreas sociais formadoras do campo, mas também com o propósito de servir como instrumental para a tomada de decisão em assuntos da política mundial. O que, em alguma medida, dissemina-se constantemente para áreas da política doméstica e demais elementos, sem, contudo, descaracterizar o objeto, mas desvelar as complexidades multiníveis do mesmo.

13 Isto não significa que no nível individual os pesquisadores não transitem pelas multiplicidades existentes, pelo contrário, assistimos a várias pesquisas que dialogam com vários elementos da realidade. Ao mesmo tempo, não se desconsidera aqui o impacto fundamental das epistemologias neste movimento de identificação dos objetos da pesquisa. Contudo, não se reconhece uma dicotomia

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Estas escolhas limitam as possibilidades alternativas de visão sobre o que é a política mundial na medida em que reduzem o real a fenômenos que possam se tornar quantificáveis, diminuindo as inconsistências e permitindo uma maior manipulação dos elementos para análise. Isto decorre pela escolha de modelos científicos que seguem a tradição positivista cujo objetivo é o controle de fenômenos e assim uma maior confiabilidade no tratamento do real, uma certeza ancorada em um empiricismo, em larga medida, impraticável no ambiente das ciências sociais (LAKE, 2011; SEARLE, 1995). Como externalidade negativa desta escolha ontológica, abre-se mão da complexidade dos objetos sob os quais as sociedades estão inseridas diariamente, e cujo entendimento depende inextricavelmente de levar em conta a existência de sua multiaspectualidade. Assim, as escolhas dos atores científicos impactam de forma determinante o que se pesquisa, como se empreendem os métodos e as análises e qual o objetivo por trás destas ações (COX, 1981). Logo, a escolha do que “não estudar” não é meramente uma questão de recorte ou de método, mas um reflexo da forma pela qual os intelectuais de um campo entendem a sociedade e definem o que merece, dentro desta sociedade, ser estudado. Portanto, faz-se fundamental entender e compreender o que é silenciado, omitido por determinadas perspectivas, a fim de buscar contribuições de outras abordagens teóricas, que podem indicar novos direcionamentos científicos mais socialmente pragmáticos.

Um elemento que aproxima as abordagens aqui apontadas se relaciona a forma de tratamento ao objeto analisado cuja complexidade é reconhecida e incorporada na análise. Com isso, afasta-se da perspectiva cientificista e neutralista da ciência, que perseguiria um conhecimento objetivado, próximo a uma noção particular de verdade em prol do reconhecimento da subjetividade e da necessidade de se colocar um olhar ampliado sobre os objetos sociais. Para propiciar ao campo esta possibilidade, ambas, os feminismos e os pós-colonialismos, inseriram-se nas RI a partir de um diálogo crítico com os elementos mais estáveis do campo (as teorias mainstream). Vale dizer que não cabe ao trabalho avaliar o valor das críticas apresentadas por estas interpretações em termos formais (coerência interna) ou em termos normativos (qual a finalidade da teoria). A ideia aqui é avaliar como estas perspectivas possuem validade, a partir de suas ontologias, para permitir que emerjam ações dialógicas (LINKLATER, 2007) e construtivas no campo.

A CONTRIBUIÇÃO DAS PERSPECTIVAS FEMINISTAS E PÓS-COLONIAIS

entre ontologia e epistemologia, e não há nenhum sentido tomar partido sobre a precedência de uma sobre a outra para o trabalho.

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As teorias feministas de RI se diferenciam das demais concepções de feminismo por abordarem um caráter político que não se limita somente na discussão sobre superação da repressão feminina, mas que busca compreender as assimetrias existentes nas instituições do Sistema Internacional e como essa diferença pode influenciar na composição de uma estrutura hierárquica entre os gêneros. Essas teorias buscam o desenvolvimento de uma ordem internacional mais justa, analisando, historicamente, como as relações sociais de poder contribuíram para a construção de verdades naturalizadas de subjugação da mulher e, consequentemente, do seu papel secundário na política. Para tanto, o feminismo insere-se no campo das RI por meio de uma abordagem pós-positivista, na qual busca compreender a configuração política de um Estado como reflexo da estruturação de suas relações sociais.

Sendo assim, as teorias feministas de RI fogem dos tradicionais pressupostos das teorias mainstream, uma vez que não enfatizam, superficialmente, o papel do Estado e suas relações de poder com outras unidades políticas. A abordagem feminista no campo evidencia uma construção identitária do Estado, analisando como eventos sociais podem influenciar uma atuação “competitiva” do Estado no Sistema Internacional – sendo essa a forma que o feminismo encontrou para introduzir-se no campo, visto que, de acordo com as teorias mainstream, os Estados são competitivos porque perseguem a segurança e a conquista de poder. Logo, alguns dos pressupostos ressignificados pelo feminismo foram as concepções de política, poder e segurança (RUNYAN; PETERSON, 2014).

A intenção das teorias feministas ao entrar no campo era desafiar os postulados ontológicos e epistemológicos das RI. Para isso, introduziram o “gênero” como uma categoria de análise, a fim de entender a identidade do Estado, a ordem no SI e a construção teórica do campo. O gênero é compreendido como um símbolo empregado para fixar determinadas características e ações como sendo próprias do “feminino” e do “masculino”14. A diferenciação entre os gêneros, contudo, vai além do indivíduo, podendo ser compreendida como um conjunto de normas e significados presentes na construção identitária de todos os âmbitos da esfera social (RUNYAN; PETERSON, 2014). Isso leva a um dos principais elementos levantados pelo feminismo: a concepção de que estereótipos sociais influenciam na condução e no comportamento da política de um Estado: o masculino como forte, autônomo, agressivo, competitivo e poderoso; o feminino como fraco, ingênuo e movido pela compaixão. A política seria somente a reprodução desse estereótipo.

J. Ann Tickner (2001), uma das autoras mais relevantes do feminismo em RI, parte da proposição de que as concepções dos estereótipos enraizados são condicionantes para a

14 Essa concepção surgiu como um ponto de partida do pensamento feminista em RI, sendo importante para o início da compreensão de como o gênero, enquanto unidade de análise, pode impactar as ações. Contudo, posteriormente, as próprias feministas do campo apresentaram críticas a essa interpretação (inclusive à própria Tickner), uma vez que colabora para o fortalecimento de estereótipos e ignora todas as experiências que não correspondem ao padrão do gênero.

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política. Para a autora, os conflitos estatais, a busca pela segurança, a satisfação dos interesses e um caráter autônomo do Estado está ligado à histórica presença majoritária de homens nas altas lideranças políticas. Ademais, parte do pressuposto de que como gênero é uma característica intrínseca das instituições, somente a presença feminina na política não basta, uma vez que as influências fariam o comportamento das mulheres serem parecidos com os dos homens. Sendo assim, é necessário que tenha um ponto de vista feminino nas teorias que conduzem a política.

Tickner (2001) também critica a marginalização que o feminismo enquanto teoria vivencia pelas teorias convencionais, visto que por possuírem visões ontológicas e epistemológicas diferentes e discordarem de suas concepções estadocêntrica e estrutural, as abordagens mainstream dificultam a visibilidade e maior introdução das teorias feministas no campo. Assim, a autora defende a importância das visões femininas (outras formas de enxergar o “mundo real”) para as temáticas de RI, principalmente para o centro acadêmico. A mudança epistemológica, para a autora, seria o principal meio de mudar o pensamento enraizado na condução da política e, também, no alcance de um espaço no core do campo.

Outra autora consagrada nas teorias feministas de RI é Cynthia Enloe. Em sua clássica obra “Bananas, Beaches and Bases” (ENLOE, 2014), o ponto de partida é a ressignificação do conceito de segurança na política internacional. Com base em experiências vivenciadas por mulheres, Enloe problematiza questões militares quanto ao papel e subordinação da mulher. A autora analisa casos de estupro como uma ferramenta de estratégia militar, não somente como “episódios” que acontecem em contextos conflitivos – concentrando ainda mais nas ligações dos estupros em conflitos étnicos, o que evidencia a relação entre violência sexual e o contexto internacional. Além disso, ressalta a subjugação da mulher como um objeto sexual para a “distração e relaxamento” dos soldados designados para os campos de batalha.

Enloe também vai além do âmbito de segurança e analisa a imagem feminina nas práticas comerciais. A autora apresenta a discussão sobre o papel da mulher no setor da agricultura, evidenciando sua importância para a plantação e para o suporte aos homens que também cultivam. Assim, demonstra a relevância da função feminina para a exportação de commodities. Ademais, enfatiza o papel que as mulheres possuem no setor de roupas/vestuário, no qual constituem a principal mão-de-obra e trabalham em condições de exploração e baixo salário para movimentar o capital vindo desse setor (ENLOE, 2014).

Outro ponto levantado por Enloe (2014), ainda na esfera econômica, é o trabalho das mulheres como domésticas e babás. Em grande parte do mundo são mulheres que não estão situadas em seu país de origem e se dirigem para outro Estado para exercer tais funções empregatícias. Na sua maioria trabalham em condições exploratórias, contudo, subjugam-se a essas situações com o intuito de enviar dinheiro para bancar a família no seu país de origem,

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rendendo a esse Estado mais capital em circulação. Sendo assim, a autora enfatiza o papel da mulher como um ator importante para as relações comerciais como trabalhadora e consumidora (ENLOE, 2014). Logo, em grande parte da sua obra, Enloe destaca a importância da mulher em ocupações relevantes nas diferentes esferas políticas, podendo observar uma perspectiva mais ontológica.

Pode-se considerar também a contribuição de Christine Sylvester (2004) para as teorias feministas. A autora faz revisões teóricas de Tickner e Enloe, com o intuito de apresentar a importância de suas obras para o estudo do feminismo nas RI, levantando os principais tópicos e expressando os “defeitos” teóricos do campo quanto a marginalização das mulheres. Um dos pontos levantados por Sylvester é a inovação metodológica que o feminismo trouxe para o campo ao preferir abordagens etnográficas e de relações sociais. Assim, defende a concepção de que RI deveria amplificar o seu domínio de visão e ação, considerando uma maior teorização das pessoas, lugares e autoridades. Dessa forma, seria possível encontrar locais e situações em que as relações sociais influenciam a esfera internacional – trazendo a abordagem feminista nessa perspectiva ao argumentar que somente assim o campo de RI abraçaria o feminismo (SYLVESTER, 2004).

Como não existe homogeneidade entre as interpretações feministas no campo, as diversas linhas de pensamento observam e defendem, de forma diferenciada, quais são as razões para a desigualdade de gênero e marginalização da mulher na política. Por exemplo, a abordagem do feminismo liberal foi um momento decisivo para a emergência do pensamento de emancipação de gênero, ressignificando inclusive o papel do Estado e como este agente atuaria diretamente na promoção das desigualdades. Para essa vertente, o Estado é o agente que promoveria a igualdade, uma vez que seria o único com autoridade suficiente para mudar os direitos. Por isso, uma melhor a posição das mulheres no campo de RI não precisaria de mudanças profundas, somente a participação na esfera epistemológica bastaria para proporcionar uma nova condução na política (MONTE, 2013).

Por outro lado, a profundidade alcançada pelo que se chama de feminismo radical avança substancialmente na crítica, se opondo às feministas liberais. Segundo a abordagem radical, a ideia de opressão vai além de barreiras legais, incorporando com mais ênfase um patriarcado enraizado em todas as instituições sociais. Além disso, dão mais valor às experiências e características femininas, priorizando a autonomia das mulheres em relação às normas masculinas impostas pelo Estado e o Sistema Internacional.

Um exemplo prolífico do que é proposto aqui como um ecletismo é o chamado feminismo socialista. De acordo com essa vertente, determinações materiais diferentes entre homens e mulheres são fundamentais para estabelecer as bases de entendimento da opressão feminina – em termos de remuneração e trabalho não pago (quando é pensado o trabalho doméstico, por exemplo, e todas as outras contradições apontadas inicialmente por

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uma vertente marxista) – levando o capitalismo a ser favorável somente para o domínio masculino (MONTE, 2013). Ligando ainda em uma perspectiva da mulher no mundo do trabalho, pode-se considerar mais uma vertente do feminismo que contribui para esse ecletismo. Conhecida como Ecofeminismo, essa abordagem relaciona a prática das mulheres como fonte de conservação ambiental.

Uma outra variante é o pós-feminismo, o qual ressalta a dinamicidade e fluidez das relações sociais de modo a ser complicado identificar ou definir a crítica sobre a desigualdade de gênero sobre determinantes causais específicos. Isto, em alguma medida, pode ser conectado à contribuição pós-colonial para o feminismo, em que defende que a opressão das mulheres também é influenciada por uma forma interseccional entre fatores coloniais, do capitalismo, do imperialismo e de racismo. As estruturas de dominação abrangem esses elementos, proporcionando às mulheres do Terceiro-Mundo outras formas de opressão mais profundas.

A teoria pós-colonialista é introduzida nas RI criticando a incapacidade do campo de discutir com o Terceiro Mundo e sobre a sua realidade. A parte central da crítica considera RI uma disciplina enviesada, a qual não observa as interações das diferentes culturas que moldam a realidade. Dessa forma, o campo desconsidera também que as culturas exercem uma forte influência nas esferas econômicas e políticas dos Estados, tornando a competição no SI desigual, principalmente para os países não ocidentais.

O abandono de elementos fundamentais na estruturação da política, como a cultura, relaciona-se muito com as vertentes feminista e marxista dentro de RI, uma vez que esse campo, dentre as ciências sociais, é um dos mais afastados de questões sociais. Isso incide diretamente sobre a sua dificuldade a incapacidade em criticar as relações Norte-Sul e enxergar os sistemas de exploração, tendo como base os processos persistentes - a insistência de uma lógica que não era para ser estrutural, contudo continua sendo: sistemas globais de desigualdades, marginalizações e dicotomias baseadas em discursos racistas, homofóbicos, eurocêntricos e masculinizados.

Isso acontece porque o próprio campo de RI foi formulado por atores ocidentais (centralizado nos Estados Unidos da América e em parte da Europa), tendo surgido a partir das teorias mainstream. As teorias convencionais foram construídas com pressupostos e conceitos que se encaixam na realidade política, social e econômica dos países do Norte, e foram fixadas no campo como teorias hegemônicas, as quais serviriam como visões globais baseadas no poder e interesse. Contudo, tais abordagens pouco podem ser analisadas nos contextos do Sul. Dessa forma, a realidade dos Estados considerados como periféricos são marginalizadas e menos possíveis de entender a partir das teorias convencionais (INAYATULLAH; BLANEY, 2004).

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A partir disso, surge nos países periféricos um sentimento de dependência teórico-estrutural em relação aos Estados core. O Pós-Colonialismo manifesta-se, então, como uma teoria que busca criticar o corpo teórico convencional, identificando atores, conjunturas, processos e realidades fora do contexto central das RI. Para tanto, tal abordagem retorna em situações históricas com o objetivo de oferecer uma nova visão do passado, mostrando como a desigualdade foi construída e como ainda existem discursos que perpetuam a assimetria no presente. Assim, o Pós-Colonialismo surge com a proposta de opor-se à desigual distribuição de poder e aos discursos coloniais que naturalizaram essa diferença – igualmente em discursos presentes no próprio campo.

A complexidade é ainda maior quando se percebe que os níveis de subordinação e silenciamento se intercalam e reificam em diferentes níveis e em diferentes lugares. Por isso, é importante questionar: os atores são legítimos simplesmente por posicionarem-se em termos de poder? Subalternos não querem dominar o espaço de ninguém, será que se deve sempre lidar com o campo nos mesmos termos? Se o pós-colonialismo é um risco para o paroquialismo ocidental/europeu, talvez seja porque não possuem uma base material ou correspondente para tentar sustentar um conhecimento sem uma utilidade.

Gayatri Spivak, em “Can the Subaltern Speak?” (2008), mostra a ideia de Self/Other para justificar e criticar a colonização do conhecimento. Os Estados ocidentais seriam o self – o correto, a essência do conhecimento -, enquanto outras sociedades seriam o other – o diferente, o estranho, os oprimidos e subalternos que necessitavam conhecer e adaptar-se aos princípios ocidentais. O self seria como o porta-voz do other, produzindo conhecimento para representá-los, uma vez que não teriam a capacidade de representar a si próprios. Sendo assim, a autora utiliza a expressão de “violência epistêmica” para demonstrar a construção de um discurso colonial pautado na dominação.

Contudo, a criação de concepções representativas do other não os representa de fato, ao contrário, somente perpetuam uma estrutura de autoridade que não proporciona voz a quem deveria ter esse direito: os subalternos. Spivak defende que estes devem buscar seu local de fala e romper com os discursos que os silenciam, assim conseguiriam subverter a condição de subalternidade. Portanto, destaca-se que uma forma importante que possibilitaria a mudança desse contexto é desconstruindo a narrativa ocidental do meio acadêmico, inserindo visões e análises dos considerados subalternos (SPIVAK, 2008).

Outra contribuição importante para o Pós-Colonialismo é a obra de Naeem Inayatullah e David Blaney, “International Relation and the Problem of Difference” (2004). Os autores dão enfoque na questão da “diferença” e sua importância para entender a construção teórica e prática das RI, utilizando, também, a perspectiva do Self/Other - contudo, somando uma visão de modernidade e tradição. O Estado moderno seria uma representação do self, entretanto, a modernidade não soluciona o problema da diferença, mas o acentua. O Estado poderia

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conter o que era considerado “diferente” dentro de seu território por meio da doutrinação ou assimilação. No entanto, as outras sociedades no contexto internacional que não fossem semelhantes a tal Estado continuariam sendo o “diferente”. Ou seja, tratar o “diferente” passa a ser um problema para a política internacional. Nesse caso, a mesma lógica doméstica de tratar o “diferente” é vista no plano externo: fazê-lo “desaparecer” de alguma forma, mesmo que envolva violência e extermínio, uma vez que é considerado como uma ameaça aos costumes e políticas, necessitando ser contido. Logo, uma forma de dominar o “diferente” é a colonização (INAYATULLAH; BLANEY, 2004).

As RI, então, não conseguem lidar com a herança colonial deixada por essa dicotomia self/other, dado que o campo é fruto das práticas dessa colonização. Assim, invés de observar a necessidade de inter-relacionar as diferenças para uma construção mais igualitária, as RI somente possui um discurso de tolerância ao other e suas diferenças. Ademais, como é um campo dominado por preceitos ocidentais considerados como gerais, entende que os Estados devem passar por processos de desenvolvimento e de adaptação às condutas universalmente formuladas – assim o “diferente” não existiria mais. Contudo, essa concepção desconsidera que existem múltiplas identidades que devem ser integralizadas e relacionadas no campo, e não simplesmente “superadas” por preceitos ocidentais. Os autores defendem, então, que para obter uma solução deveria haver uma rearticulação entre os Estados, garantindo a coexistência das diferentes culturas e identidades, a fim de se obter uma reorganização mais igualitária (INAYATULLAH; BLANEY, 2004).

É importante que os atores considerados subalternos tenham um espaço consolidado nas esferas ontológica e epistemológica das RI para que haja uma desconstrução do discurso ocidental padronizado e um reconhecimento da importância de outras culturas e identidades – assim seria possível a produção de análises que contribuíssem para a diminuição das desigualdades. Para isso, defende-se a ideia de que sejam consideradas as experiências de indivíduos, grupos e sociedades (SANTOS, 2002). Isso pode casar diretamente com o feminismo quanto a crítica sobre a posição secundária das mulheres, se olhado por uma perspectiva pós-colonial de uma narrativa de construção das relações sociais com base na desigualdade – principalmente nos países de Terceiro Mundo (vistos como subalternos), onde a desigualdade de gênero é mais acentuada.

Sendo assim, para uma legitimidade e reconhecimento dos discursos feministas e pós-colonialistas, é necessária a consideração de eventos diários, que sejam próximos ao indivíduo e que possam ser analisados de forma empírica. Por isso, contemporaneamente, torna-se importante observar os processos políticos, econômicos, sociais e transnacionais por uma lente que dê ênfase às relações socais, realizando análises que sejam além de uma ordem vigente do SI. Dessa forma, seria possível entender não só a realidade como é dada, mas também os elementos que a construíram e a tornaram desigual. Atuais cenários

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internacionais conflitivos e instáveis podem ser produtos de uma relação desequilibrada e pautada em condições de opressão e marginalização. Os Estados que sempre foram considerados como as potências mundiais sentiam-se no direito de interferir, de alguma forma, nas políticas dos países que sempre viam como inferiores. Essa relação estendeu-se e contribuiu para a construção de um sistema assimétrico, o qual, contemporaneamente, ainda sofre consequências de um spillover das desigualdades e do discurso de superioridade. O Oriente Médio, por exemplo, é uma região historicamente marcada por conflitos, os quais, em grande parte, sofreram alguma influência desse discurso. A atual situação de instabilidade com a ação terrorista do Estado Islâmico tem suas origens no repúdio ao ocidentalismo e age em resposta às intervenções ideológicas e militares realizadas por alguns Estados do ocidente (CALFAT, 2015)15. Outra região que ainda sofre com as consequências de uma influência ocidental é o continente africano. A partilha da África na Conferência de Berlim no fim do século XIX tem reflexos com os conflitos étnicos que ainda ocorrem em algumas partes do continente. A divisão dos territórios não foi realizada observando as divergências e conflitos históricos já existentes entre grupos étnicos. Isso ocasionou a aglomeração de grupos rivais em um mesmo espaço, promovendo contendas que até hoje deixam diversos mortos e deslocados. Além disso, a extrema exploração e subjugação de suas colônias afetaram (e ainda afetam) negativamente o desenvolvimento econômico e social de países africanos, sendo que muitos ainda se encontram em estados de miséria (BRITO, 2008).

Esses conflitos contribuíram para uma outra onda contemporânea – o intenso fluxo migratório. As migrações podem ser motivadas por diversas causas, mas a maior parte delas é determinada pela busca de uma “vida melhor” em Estados mais desenvolvidos e com fortes instituições. Os indivíduos preferem sair (ou as vezes são forçados por terem que procurar refúgio) de seus países, uma vez que os governos não conseguem dar sustento e segurança. Isso é um retrato do atraso do desenvolvimento desses países, causado também por um histórico de subordinação. Os migrantes ainda sofrem com a desigualdade quando, em alguns Estados ocidentais de governos direitistas, são considerados indivíduos atrasados e “estranhos” por não terem a mesma cultura e valores ocidentais, sendo deixados à margem da sociedade (LÖWY, 2015).

O preconceito também é encontrado nas sociedades machistas e misóginas que ainda possuem valores enraizados de uma cultura de subordinação. Historicamente, por meio de lutas e discursos, as mulheres vêm conquistando direitos e espaços. Contudo, ainda se discutem pautas referentes às mulheres que mostram como a desigualdade de gênero é presente contemporaneamente. Temas como violência doméstica, equidade de salários,

15 É importante ressaltar que esta é somente uma das causas das ações do EI. Existem outras finalidades políticas e religiosas, entretanto, destaca-se esse motivo para a análise central do trabalho.

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liberdade sexual, direitos ao aborto, autonomia sobre vestuário e a desmarginalização da mulher negra demandam incessante esforço para desmantelar os discursos machistas e continuar a busca pelos direitos sobre seus corpos e suas ações. Os movimentos feministas devem ser contínuos se desejarem mudanças políticas, inclusive em esferas internacionais, porque como citado por Simone de Beauvoir (1991), “[...] basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilantes durante toda a sua vida”. Entretanto, podemos reproduzir essa frase para todos os considerados “subalternos”.

A partir das perspectivas apresentadas, considera-se imprescindível o diálogo entre diferentes aspectos da realidade, a necessidade de compreender como se justapõem e como compõem um quadro analítico mais complexo. O projeto de interlocução não é infalível, mas que abre espaço para a compreensão do porquê ações isoladas atingem poucas dimensões estruturais. Enquanto não for entendido que o gênero é também uma questão de cor e de classe – e de várias outras dicotomias que podem ser incorporadas - soluções serão novos sectarismos, mais separação, e menos diálogo16.

A perspectiva de que “o pessoal é político” é uma das principais contribuições das abordagens feministas – incluindo aqui muitos dos movimentos sociais que tem íntima relação com a academia (HANISCH, 1969). Se o pessoal é uma dimensão política, e a política é uma dimensão social, a demanda por direitos individuais e coletivos é um objeto da sociedade, e para enquanto disciplina, é um objeto a ser apropriado. Isto, definitivamente, não diminui o valor do conhecimento produzido; pode ser entendido, inclusive, como uma Ciência mais consciente da sua função social. De modo geral, reconhecer a dimensão do local e de todas as suas contradições permite emergir as experiências empíricas alinhados a um conhecimento plural. Encerrar e reduzir os estudos de área a purismos com o receito de resultar em inconsistências metodológicas priva a Ciência de um avanço que pode ser determinante para a elevação (em termos emancipatórios) do saber. Esta reflexão, aponta, portanto, para uma superação de um embate teórico para um desenvolvimento de um debate teórico.

APONTAMENTOS FUTUROS

A principal contribuição das perspectivas críticas é sempre levantar novos elementos e novas dinâmicas que incidem sobre os processos analisados pelo pensamento hegemônico

16 As diferenças conflitivas entres as vertentes teóricas que consideram ações isoladas dificultam a uniformidade do feminismo em RI, prejudicando, também, a conquista de um espaço mais sólido no campo.

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conservador. Tais aspectos se revelam como persistentes, na medida em que correspondem a questões que incidem sobre a realidade cotidiana em diversas sociedades contemporâneas. Importante ressaltar que isto não é um padrão, mas conjuntural: as problematizações atuais são específicas de um “tempo presente” e novas conjunturas serão formadas a partir das resultantes de forças que transformam as ordens atuais em novas configurações sociais (COX, 1981). Entretanto, quando se observa uma conjuntura duradoura (em que de nada há de natural, por ser social, mas muito se percebe como constante, ainda que seja um processo, por definição, mutável), é fundamental refletir sobre qual medida este processo que aparente perenidade incide sobre todas as dimensões contraditórias e desiguais configuram as realidades contemporâneas. Somente compreendendo a resiliência destes processos persistentes (com precedentes em ordens anteriores, inegavelmente) percebe-se o risco de mantê-los e reproduzi-los. Isto, em larga medida, acontece em decorrência da dominação epistemológica e metodológica, cuja origem reside no entendimento do que é o mundo, ou seja, da ontologia tradicional que foi fundamentada numa visão simplificadora entre padrões observáveis ou não observáveis, verificáveis ou falseáveis quantitativamente.

A postura eclética não deve ser confundida com um mimetismo acadêmico (BHABHA, 1998). A grande fragilidade de grande parte dos estudos teóricos na periferia (quando não vem de uma perspectiva ias autônoma) é tentar transplantar categorias e relações que foram produzidas em contexto geohistórico específico, cujo particularismo inabilita sua aplicação ostensiva e acrítica nas periferias. Assim, o mimetismo inicial pode ter sido um ponto chave, inclusive para a fundação das áreas fora de seu ponto originário; mas tomado de forma reificada, sem adequações e incorporações de lógicas sociais, resulta em um problema de transcriações de sentidos. Quando os conceitos são aplicados de forma indistinta, o risco de se cometer atos de violência epistêmica aumenta. As diferenças não são traduzíveis de forma automática, e assim as diferenças – de temporalidade, de espacialidade, civilizacionais – entre distintos saberes assume a forma de silenciamento do diferente (INAYATULLAH e BLANEY, 2004; SPIVAK, 2008).

A defensa por uma disciplina de RI com caráter plural, voltada para a compreensão de um “pluri-mundo”, não pode ser utilizado como argumento para sectarismos, pelo contrário. Essa identidade plural reconhecida e tão fundamental para um espaço social com tantas complexidades que deve ser posta à serviço de sua comunidade como um todo, e não apenas de uma parcela bem restrita – o extrato acadêmico. É fundamental, por exemplo, realizar, em Seminários como este, mesas de debate que agreguem pesquisadores de várias áreas temáticas, com perspectivas distintas, mas que sejam unidos pelo estudo do objeto e não pela concordância entre perspectivas. Para além deste movimento, o qual seria possível alegar sua já ocorrência, faz-se fundamental redefinir, preliminarmente, quais os temas e objetos correspondem a problematizações contemporâneas referentes a realidade local mais imediata

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da comunidade local, nacional, regional e mundial (BATES e JENKINS, 2007). A mutiaspectualidade transitaria de forma mais fluida na transdisciplinaridade se isto for de fato empreendido. Assim, estabelecer-se-ia, por este movimento dialógico ou de tradução, as possibilidades de ampliação da capacidade de produzir conhecimento pragmático, ao abrir espaço para a emergência compartilhada de elementos que ficam circunscritos a paradigmas específicos.

Em que medidas tais perspectivas colaboram com este ecletismo é um processo de aprendizagem não só em termos dos próprios limites das teorias, mas, sobretudo, de autoconhecimento e revolução interna do habitus do campo. Se a potencialidade das mesmas reside na diversificação do objeto, ressaltando as realidades mais evidentes, é fundamental repensar a maneira sobre a qual lidamos diretamente com a apropriação destes elementos ontológicos e os colocamos a disposição de um debate mais pragmático no campo. Neste sentido, as contribuições pós-coloniais parecem sugerir alguns caminhos relacionados ao dialogo transdisciplinar e à tradução entre perspectivas e saberes. Este elemento, evidentemente, é mais um dos caminhos abertos sugeridos pelo ensaio, e que deve ser aprofundado posteriormente para a avaliar a plausibilidade dos objetivos aqui propostos.

Como percurso futuro, podemos, em outra linha de pesquisa, questionar a forma como estas abordagens entram no campo. É possível seguir uma orientação hipotética de que estas concepções a partir das dicotomias agência e estrutura (fonte da explicação/compreensão da política internacional), e quando o fazem, estabelecem novas dimensões ontológicas com o campo que abriu espaço para eles entrarem. Assim, desenvolvendo o argumento para além dos pontos trabalhados, um empreendimento sobre a genealogia destes autores dentro do campo dimensionaria em que medida suas motivações se reduziriam à busca por legitimidade dentro do habitus do campo – no sentido bourdieusiano de campo científico em busca de legitimidade e reconhecimento. Em contrapartida, orientar pesquisas rumo a um movimento processual de diversificação do objeto, que rompe com as fronteiras disciplinares de suas origens e alcança novos espaços para desenvolver todas as suas potencialidades, a partir de um debate transdisciplinar.

De qualquer maneira, o que possibilitou a essas alternativas analíticas o estabelecimento de um espaço no campo (bem como ao próprio mainstream manter a sua posição de hegemonia) foi a relação estabelecida com os elementos definidores da área. Independentemente se as abordagens feministas e pós-coloniais entraram pelo núcleo central do campo ou pelas margens que delineiam seus limites, é possível afirmar que as mesmas já estão incorporadas ao mesmo. Assim, parece um esforço desperdiçado continuar por uma batalha sem fim de validação e disputa por predominância e não avançar substancialmente nas contribuições da mesma para a área. A partir desta ideia, vale mais retirar e valorizar elementos que permitam, como dado no ponto de partida do trabalho, lidar de forma mais

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substanciosa com o “real” definido pelas vivências e pelos processos sociais. Isto evitaria uma imersão em embates teóricos vazios de propósito substancial no espaço epistemológico e repletos de academicismos sem fim.

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Referências

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