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(1)UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO. JOVANIR LAGE. A FUNÇÃO SOCIOLÓGICA DO [v'r' NOS SALMOS DE LAMENTAÇÃO E OS CONFLITOS DE CLASSES OCORRIDOS NO FINAL DO PERÍODO PÓS-EXÍLIO. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2016 1.

(2) JOVANIR LAGE. A FUNÇÃO SOCIOLÓGICA DO [v'r' NOS SALMOS DE LAMENTAÇÃO E OS CONFLITOS DE CLASSES OCORRIDOS NO FINAL DO PERÍODO PÓS-EXÍLIO. Dissertação apresentada em cumprimento às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, para a obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira. SÃO BERNARDO DO CAMPO 2016 2.

(3) A Dissertação de Mestrado intitulada “A função sociológica do. [v'r'. nos Salmos de. lamentação e os conflitos de classes ocorridos no final do período pós-exílio”, elaborada por Jovanir Lage foi apresentada e aprovada em 29 de setembro de 2016, perante banca examinadora. composta. pelos. professores. doutores. Tércio. Machado. Siqueira. (Presidente/UMESP), José Ademar Kaefer (Titular/UMESP) e Antônio Carlos Frizzo (Titular/ITESP).. _________________________________________________________ Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira Orientador e Presidente da Banca Examinadora. _________________________________________________________ Prof. Dr. Helmut Renders Coordenador do Programa de Pós-Graduação. Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião Área de Concentração: Linguagens da Religião Linha de pesquisa: Literatura e Religião no Mundo Bíblico 3.

(4) Esta pesquisa foi produzida com apoio da CAPES que ofereceu bolsa de estudos integral, entre agosto de 2014 à agosto de 2016.. 4.

(5) Para Roberta, Ana Luíza e Arthur, vocês foram essenciais neste processo.. 5.

(6) AGRADECIMENTOS. A Deus, por sua graça e inspiração; À minha esposa Roberta, por sua presença constante em minha vida, pelo companheirismo, amor, carinho e paciência; Aos meus filhos, Ana Luíza e Arthur, por compreenderem a ausência, demonstrando sempre cuidado e carinho; À Igreja Metodista que me inseriu neste universo bíblico e me possibilitou os estudos teológicos por meio da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista; Aos professores e professoras do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião; Ao meu amigo e orientador Tércio Machado Siqueira, por seus constantes incentivos ao estudo; Aos amigos Messias e Delma Valverde, pelos momentos de descanso, pelo apoio constante e pelas boas conversas; Aos amigos Wilson Alviano e Bete Camacho, pelos momentos de cumplicidade nas horas incertas; A CAPES, mantenedora importante neste processo; Ao Programa de Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, por abrir novos caminhos.. 6.

(7) LAGE, Jovanir. A função sociológica do [v'r' nos Salmos de lamentação e os conflitos de classes ocorridos no final do período pós-exílio. São Bernardo do Campo: UMESP, 2016. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Comunicação, Educação e Humanidades, Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).. SINOPSE A presente pesquisa organiza-se a partir do problema da contraposição entre “malfeitores e justos” que atravessa os diversos tipos de textos do período persa sob a seguinte pergunta: Quem é o [v'r' na sociedade israelita, e porque este termo surge com maior intensidade no período pós-exílio? O objetivo desta pesquisa visa principalmente, a investigação das razões que influenciaram a introdução da terminologia [v'r' “malfeitor” em determinados salmos, como identificação do inimigo. Os objetivos secundários de nossa investigação serão: (1) analisar a formação conceitual do [v'r' dentro de sua característica anti-positiva com o. qyDIc; “justo” enfatizando o. eixo ético, caracterizado como uma das interpretações do termo; (2) estudar a função do termo dentro dos Salmos de Lamentação, apoiado no estudo exegético do Salmo 55; (3) entender de forma crítica, a análise das implicações do uso do [v'r' como representação da maldade no desenvolvimento social da comunidade israelita no período pós-exílio. Em nossa abordagem pretendemos tratar de tal estudo a partir do eixo ético, estendendo a investigação para a análise das motivações interpretativas da solidariedade no contexto veterotestamentário. Palavras-chave: Maldade, divisão de classe, malfeitor, justo, lamentação, Salmo 55.. 7.

(8) LAGE, Jovanir. The Sociological Function to [v'r' in the Psalms of Lament and class conflicts that occur in the end post- exile period. São Bernardo do Campo: UMESP, 2016. Dissertation (Masters of Sciences of Religious) - Communication, Education and Humanities Faculty, Universidade Metodista de São Paulo (UMESP).. ABSTRACT This research is organized from the problem of the opposition between “wicked and righteous” going through the different types of texts from the Persian period under the following question: Who is the [v'r' in Israeli society, and because this term appears with greater intensity in the post-exilic period? This research aims mainly to research the reasons that influenced the introduction of [v'r' terminology “wicked” in certain psalms, such as identification of the enemy. Secondary objectives of our research are: (1) analyze the conceptual formation of [v'r' in its anti-positive feature with qyDIc;; “righteous” emphasizing the ethical axis, characterized as one of the word interpretations; (2) to study the function of the word within the Psalms of Lament, supported the exegetical study of Psalm 55; (3) to understand critically, analyzing the implications of the use of [v'r' as evil representation in the social development of the Jewish community in the post-exilic period. In our approach we intend treat such study from ethical axis, extending the research to the analysis of interpretative motivations Solidarity without Old Testament context. Keywords: Wickedness, class division, evildoer, righteous, lamentation, Psalm 55.. 8.

(9) SUMÁRIO SUMÁRIO _________________________________________________________________ 9 SIGLAS E ABREVIAÇÕES _____________________________________________________ 12 Livros da Bíblia ________________________________________________________________________ 12 Textos e traduções _____________________________________________________________________ 14 Outras abreviações ____________________________________________________________________ 15. SISTEMA DE TRANSLITERAÇÃO _______________________________________________ 16 INTRODUÇÃO _____________________________________________________________ 18 Objetivos gerais ________________________________________________________________ 19 Referencial teórico metodológico _________________________________________________ 20 Apresentação do tema __________________________________________________________ 22. 1: ANÁLISE LITERÁRIA E TEOLÓGICA DO [v'r' NOS SALMOS DE LAMENTAÇÃO. __________ 24 1.1. Breve introdução ao livro dos Salmos ___________________________________________ 25 1.1.1. Divisões do saltério _______________________________________________________________ 27 1.1.2. Coleções do saltério _______________________________________________________________ 28. 1.2. Camadas literárias do Saltério _________________________________________________ 30 1.2.1. Os métodos de pesquisa ___________________________________________________________ 31. 1.3. Os Salmos de Lamentação ____________________________________________________ 35 1.3.1. Consequências históricas e teológicas ________________________________________________ 38 1.3.2. Desenvolvimento sociocultural _____________________________________________________ 41. 1.4. Malfeitores e Justos na comunidade do período pós-exílio__________________________ 42 1.4.1. A mensagem dos Salmos ___________________________________________________________ 43. 2: ESTUDO EXEGÉTICO DO SALMO 55. _________________________________________ 46 2.1. Determinação do texto base __________________________________________________ 47 2.1.1. Tradução interlinear do Salmo 55: Aproximação literal ___________________________________ 47. 9.

(10) 2.2. Crítica textual ______________________________________________________________ 50 2.2.1. Notas do Aparato Crítico da BHS _____________________________________________________ 50 2.2.2. Anotações massoréticas – Masora Parva (Mp) __________________________________________ 56 2.2.3. Conclusões preliminares ___________________________________________________________ 61. 2.3. Tradução __________________________________________________________________ 62 2.3.1. Observações _____________________________________________________________________ 62. 2.4. Estrutura __________________________________________________________________ 65 2.4.1. Proposta de estrutura do Salmo 55 __________________________________________________ 66 2.4.2. Explicação da estrutura ____________________________________________________________ 70. 2.5. Gênero literário ____________________________________________________________ 71 2.5.1. Tipo e estilo literário ______________________________________________________________ 72. 2.6. Lugar e data _______________________________________________________________ 73 2.7. Comentário exegético _______________________________________________________ 76 Cabeçalho: 1 __________________________________________________________________________ 76 I. Súplica inicial: 2-3a ___________________________________________________________________ 79 II. Lamentações de um Desesperado: 3b-24b ________________________________________________ 80 III. Afirmação de fé (v. 24c) ______________________________________________________________ 92. 2.8. Intenção __________________________________________________________________ 92 2.8.1. Articulação do discurso ____________________________________________________________ 95 2.8.2. Temas teológicos ________________________________________________________________ 96. 3. O [vr COMO REPRESENTAÇÃO DA MALDADE ________________________________ 102 3.1. Abordagem conceitual ______________________________________________________ 103 3.1.1. Conceito de [vr na perspectiva forense ______________________________________________ 106 3.1.2. Conceito de [vr na perspectiva ético-religiosa _________________________________________ 108. 3.2. Processos dialéticos. Conceitos paralelos e opostos do [vr nos Salmos de lamentação __ 111 3.2.1. O sentido semiótico ______________________________________________________________ 111 3.2.2. O sentido histórico _______________________________________________________________ 112 3.2.3. Conceitos paralelos ______________________________________________________________ 114 3.2.4. Conceitos opostos _______________________________________________________________ 115. 3.3. O [v'r' no contexto social e religioso da comunidade no período pós-exílio. ____________ 117. 10.

(11) 3.3.1 O Impulso social _________________________________________________________________ 118 3.3.2 Novas concepções teológicas _______________________________________________________ 120 3.3.3 A espiritualidade dos pobres _______________________________________________________ 123. CONSIDERAÇÕES FINAIS ___________________________________________________ 125 Partindo dos resultados obtidos __________________________________________________ 127 Possíveis caminhos hermenêuticos _______________________________________________ 128. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ______________________________________________ 130 Artigos ______________________________________________________________________ 130 Bíblias ______________________________________________________________________ 132 Dicionários e gramáticas ________________________________________________________ 132 Livros _______________________________________________________________________ 133 Teses e Dissertações ___________________________________________________________ 137. 11.

(12) SIGLAS E ABREVIAÇÕES Livros da Bíblia. Ag Am Cr Ct Dn Dt Ec Eclo Ed Et Ex Ez Gn Hc Is Jl Jn Jó Jr Js Jud Jz Lm Lv. Ageu Amós 1-2 Crônicas Cantares Daniel Deuteronômio Eclesiastes Eclesiástico / Sirácida Esdras Ester Êxodo Ezequiel Gênesis Habacuque Isaías Joel Jonas Jó Jeremias Josué Judite Juízes Lamentações Levíticos. Mac Ml Mq Na Ne Nm Ob Os Pv Rt Rs Sab Sf Sl Sm Tob Zc. 1-2 Macabeus Malaquias Miquéias Naun Neemias Números Obadias Oséias Provérbios Rute 1-2 Reis Sabedoria de Salomão Sofonias Salmos 1-2 Samuel Tobias Zacarias. 12.

(13) Textos e traduções AOM. Antigo Oriente Médio. ARA. Almeida Revista e Atualizada no Brasil, 2ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2009 ELLIGER, Karl; RUDOLPH, Wilhelm (eds.). Bíblia Hebraica Stuttgartensia. 5 ad. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft. 1997 BROWN, Francis, DRIVER, Samuel Rolles, BRIGGS, Charles Augustus. BDB – A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament. Boston, New York and Chicago: Houghton, Mifflin and Company the Riverside Press, 1906 Bíblia de Jerusalém. Nova edição revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2008. HARRIS, R. Lair; ARCHER JR., Gleason L.; WALTKE, Bruce K. (orgs.) Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. Trad. Marcio Loureiro Redondo, Luiz A. T. Sayão, Carlos Osvaldo C. Pinto. São Paulo: Vida Nova, 1998. FREEDMAN, David Noel; MYERS, Allen C.; BECK, Astrid B. Eerdmans dictionary of the Bible. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2000. The Forms of the Old Testament Literature. BHS BDB. BJ DITAT. EBD FOTL. HALOT KOEHLER, Ludwing; BAUMGARTNER, Wlater; RICHARDSON, M. E. J.; STAMM, Johann Jakob. The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament. New York: E. J. Brill, 1999. Journal of Biblical Literature JBL JSB. The Jewish Study Bible, 2ed. New York: Oxford University Press, 2014.. KHAT BEP. LISOWSKY, Gerhard. Konkordanz Zum Hebräischem Alten Testament. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1981. Bíblia Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990.. OTE. Old Testament Essays. RIBLA. Revista de interpretação Bíblica Latino Americana. TDOT. BOTTERWECK, G. Johannes; RINGGREN, Helmer and FABRY, HeinzJosef. Theological Dictionary of the Old Testament. 15 Vols. Grand Rapids/ Cambridge: Willian B. Eerdmans Publishing Company. 2004. 14.

(14) Outras abreviações a.C. abs. adj. apud Ar. AT BH Cap. Cf. Col. d.C. ed(s). ed. esp. et al. etc fem. gr. heb. i.e. ing. lat. lit. LXX masc. MP n. opp. org(s). p.ex. pl. s. sg. subst. supr. TM trad. v. vol. vol(s).. Antes de Cristo Absoluto Adjetivo Citado por Aramaico Antigo Testamento Bíblia Hebraica Capítulo Conforme, conferir Coleções Depois de Cristo Editores Edição Especialmente e outros autores et cetera Feminino Grego Hebraico Isto é Inglês Latim Literalmente Septuaginta Masculino Masora Parva Número Oposto Organizadores Por exemplo Plural Seguintes Singular Substantivo Supra, acima Texto Massorético Tradução Verso, versículo Volume Volumes. 15.

(15) SISTEMA DE TRANSLITERAÇÃO. Ao optar por transliterar o hebraico, o faço de forma simplificada, visto que cada palavra constará de sua representação original acompanhada da tradução aproximada em itálico. A transliteração acontecerá apenas quando não encontrarmos equivalentes semânticos adequados no português. Seguindo esse princípio, faço alguns ajustes, ainda que arbitrários. Esta não é uma transliteração exata que pretende refletir todas as particularidades da ortografia semita nem sua finalidade fonética. Para um exame mais completo da língua hebraica usando o sistema de transliteração, Edson de Faria Francisco nos apresenta um minucioso trabalho 1 onde o Hebraico e aramaico são representados a partir de suas consoantes, sinais vocálicos, ditongos e letras finais, tendo como base um sistema internacional de transliteração. Ernst Jenni2 opta por apresentar um quadro mais simplificado, sem a pretensão de que sejam normativas, mas com a intenção de representar o hebraico massorético de forma mais prática, sem deixar de satisfazer às exigências técnicas. Élcio Mendonça em sua dissertação de mestrado3, também elaborou um sistema mais prático do ponto de vista funcional, apoiado no padrão internacional sem deixar de atender aos requisitos técnicos para uma boa compreensão da vocalização massorética da língua hebraica. Milton Schwantes em seus cursos sempre recomendava que a representação de uma letra hebraica devesse ser feita por apenas uma letra latina, na intenção de facilitar ainda mais o acesso às palavras hebraicas. Da mesma forma Tércio Machado Siqueira 1. FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica. Introdução ao Texto Massorético. Guia introdutório para a Bíblia Hebraica Stuttgartênsia. 3ª edição. São Paulo: Vida nova, 2008. p. xxvi. 2 JENNI Ernst e Claus Westermann. Diccionario Teológico Manual Del Antiguo Testamento, Volume 1. Madrid: Edicciones Cristandad, 1985. p.20-21. 3 MENDONÇA, Élcio Valmiro Sales de. “Monte Sião, Extremidade do Safon”. Estudo da influência da Mitologia Cananéia na Teologia de Sião a Partir da Análise Exegética do Salmo 48. São Bernardo do Campo: Umesp, 2012. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades e Direito, Universidade Metodista de São Paulo, (UMESP).. 16.

(16) recomenda em suas orientações. Com isso, não acrescentarei letras latinas aos sinais característicos no hebraico. Espero que o/a leitor/a entendido/a no hebraico seja, então, compreensível com minha opção em não diferenciar vocalicamente as letras e em não geminá-las. Por uma abordagem mais didática, quem se depara com a transliteração deve saber, se for o caso, recompor a palavra no hebraico com mais facilidade. Acrescentar duplicações ou diferenciações de pronúncia não parece facilitar essa reconstrução. As formas finais de algumas letras, obviamente, não alteram a proposta de transliteração. Sigo esse critério também para os sinais massoréticos. A rigor, deveríamos diferenciar entre formas breves e longas, bem como “semivogais”. Contudo, como esses sinais não fazem parte do texto original consonantal, penso que diferenciá-los não trará grandes problemas na recomposição do hebraico. Talvez, o maior problema esteja nas matres lectionis. Três consoantes podem remeter a sons vocálicos:. h, y e w. Nesse sistema. adotado, peço a atenção tão somente para as duas últimas letras que, para além da representação da consoante, poderão também ser transliteradas vocalicamente: i/e ( y ); o/u ( w ). No caso de h, manterei a transliteração latina, afinal “h” igualmente parece alongar vogal no português.. a. ’. x. h. [. ‘. B. b. j. t. p@. p. b. v. y. y. c#. s. g. g. k$. k. Q. q. D. d. l. l. R. r. H. h. m~. m. F. s. W. w. n!. n. V. x. Z. z. s. ṣ. T. t. 17.

(17) INTRODUÇÃO. Os primeiros contatos com o tema da contraposição entre [v'r' (raxa‘) malfeitor e qyDIc; (sadiq) justo, surgiram no início do bacharelado em teologia, quando logo, me envolvi no grupo de pesquisa “A marginalidade nos Salmos”, orientado pelo Professor Dr. Tércio Machado Siqueira. A oportunidade de pesquisar a atividade dos agressores, explicitamente citados pelos compositores dos Salmos bíblicos, abriram possibilidades de maior contato com a estrutura da língua hebraica, com as condições de vida do povo israelita nos tempos bíblicos e da investigação do culto em Israel, incluindo sua forma litúrgica. O ingresso no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião possibilitou maior contato e abrangência do tema, pois a partir da revisão de bibliografias que resgatam a história da religião de Israel em seu contexto social e comunitário, percebemos um contingente, ainda em expansão, de novas descobertas a respeito da religião em Israel no contexto do pós-exílio. A história da religião de Israel é sem sombra de dúvidas, o elemento central dos principais trabalhos sobre o Antigo Testamento. Desde 1787, com os trabalhos de J. P. Gabler4, a abordagem histórica da Bíblia é vista como elemento que precisa necessariamente caminhar dissociado da teologia dogmática. O desenvolvimento dos estudos histórico-críticos marcaram as décadas seguintes, operando principalmente no campo da crítica literária, mas foi a partir de 1880 que a escola da história da religião, surge como significativa para os posteriores estudos da religião israelita. Hermann Gunkel e Hugo Gressmann foram seus representantes mais expressivos.. 4. Cf. FOHRER, Georg. História da religião de Israel. Trad. José Xavier. São Paulo: Edições Paulinas, 1982.. 18.

(18) Desdobramentos importantes aconteceram em nosso século, principalmente com os trabalhos de Roland de Vaux, Gerhard Von Rad e George Fhorer que construíram evidências textuais e arqueológicas das religiões dos vizinhos de Israel, ampliando nossa compreensão dos conceitos e fenômenos religiosos em Israel e todo o levante. Nas décadas recentes, ampliaram-se os questionamentos acerca do desenvolvimento religioso e social do povo bíblico. Uma nova discussão sobre a história de Israel 5 e a compreensão de Deus na Bíblia, tornou-se frequente em círculos especializados, a fim de compreender o contexto histórico da Bíblia e como ela apresenta o passado de Israel6. Rainer Albertz em seu extenso trabalho sobre a história da religião de Israel nos tempos do Antigo Testamento, ao tratar sobre a divisão social e religiosa das comunidades, sinaliza que no pós-exílio a divisão de classes acentuou a questão éticoreligiosa, contribuindo para significativo aumento de um extrato de imagens de inimigos, nos Salmos de lamentação.. Objetivos gerais Os objetivos gerais de nossa investigação serão: (1) analisar a formação conceitual do. [v'r'. “malfeitor” dentro de sua característica ante positiva com o. qyDIc;. “justo”. enfatizando o eixo ético, caracterizado como uma das interpretações do termo; (2) Estudar a função do termo dentro dos Salmos de lamentação, apoiado no trabalho exegético do Salmo 55; (3) Analisar as motivações interpretativas da solidariedade no contexto veterotestamentário da teologia javista. Desta forma, a presente pesquisa pretende identificar e procurar entender as razões que influenciaram a introdução da terminologia. [v'r'. em alguns Salmos de lamentação,. como indicativo para a imagem do inimigo. Em nossa abordagem pretendemos tratar de tal estudo a partir do eixo ético, estendendo a investigação para a análise das motivações interpretativas da solidariedade no contexto veterotestamentário. 5. Sobre os novos caminhos para a compreensão da história e da arqueologia do Antigo Israel, ver: FINKELSTEIN, Israel. O Reino esquecido. Arqueologia e História de Israel Norte. São Paulo: Paulus, 2015 6 SMITH, Mark. S. O memorial de Deus: história, memória e a experiência do divino no Antigo Israel. Trad. Luiz Alexandre Solano Rossi. São Paulo. Paulus, 2006.. 19.

(19) A expressão que originariamente designava o criminoso declarado culpado em algum julgamento (p. ex.: Êx. 23.1; Dt 25.1; 1Rs 8.31), converteu-se em uma generalizada e polêmica acusação a determinado grupo social. A terminologia que atravessa a literatura pós-exílica, assumindo uma conotação muito mais social e religiosa7 aponta para uma divisão bem clara e definida entre os grupos da classe alta, proprietários de terras e a comunidade campesina.. Referencial teórico metodológico Neste sentido, a contribuição de Helmer Ringgren, Ernst Jenni, Claus Westermann, Gerhard Lisowsky, Luiz Alonso Schökel e Nelson Kirst8, torna-se crucial para a análise do verbete. O levantamento e a apuração do significado do termo visam encontrar sua função sociológica dentro da comunidade, pois já é notório que o [v'r' surge nos textos bíblicos como o oposto mais importante do. qyDIc.; Ao modo dos provérbios, o justo é. quase sempre antítese do malfeitor. Segundo Jenni9, o termo também aparece em construções antigas das línguas, etíope e árabe, com significados divergentes como “esquecer” ou “ser fraco, brando”, tendo como aspecto comum o fato negativo da violação de obrigações e funções. Rainer Albertz traz em sua obra10, as bases para a compreensão da história da religião no pós-exílio, onde mostra com grande definição, a divisão social e religiosa desenvolvida em Israel a partir da crise social estabelecida no V e IV séculos a.C. Diante das pressões econômicas de uma fragilizada condição social e política, a perspectiva de uma legislação social que se movia na direção deuteronômica da ética da 7. ALBERTZ, Rainer. Historia de la religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 1. De los comienzos hasta El final de la monarquia. Madrid: Editorial Trotta, 1999, p. 440 8 KIRST, Nelson et al. Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português. São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 2009. p. 234; ALONSO SCHÖKEL, Luiz. Dicionário bíblico hebraico-português. Tradução: Ivo Storniolo e José Bortolini. São Paulo: Paulus, 1997. p. 633; JENNI, Ernst e Clauss Westermann. Diccionario Teológico Manual Del Antiguo Testamento, Volume II. Madrid: Edicciones Cristandad, 1985, p. 1022; RINGGREN, H. In Theological Dictionary of the Old Testament. Edited by G. Johannes Botterweck, Helmer Ringgren and Heinz-Josef Fabry. Volume XIV. Willian B. Eerdmans Publishing Company. Michigan, Cambridge: Grand Rapids, 2004, p.2; LISOWSKY, Gerhard. Konkordanz Zum Hebräischem Alten Testament. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, p. 1357 9 JENNI, Ernst e Claus Westermann. Diccionario Teológico Manual Del Antiguo Testamento, Volume II. Madrid: Edicciones Cristandad, 1985. p. 1022 10 ALBERTZ, Rainer. Historia de la Religión de Israel en Tiempos del Antiguo Testamento:Vol. 2. Desde el exílio hasta la época de los macabeos. Madrid: Editorial Trotta, 1999, p. 567-709. 20.

(20) fraternidade, alimentada pelo ideal do javismo primitivo, foi sufocada pela divisão entre ricos e pobres que se havia instalado desde os tempos da monarquia. O sonho de uma nova comunidade judaica, fundada com tantas esperanças, desembocou em uma profunda crise que marcou longo tempo na história social e religiosa do pósexílio, pois os mesmos mecanismos econômicos que nos últimos tempos da monarquia haviam conduzido ao total empobrecimento do estrato social mais frágil continuavam a existir. Traços da religiosidade javista que influenciavam parte da classe social mais elevada, produziu um significativo impulso social que dividia a classe alta do judaísmo em dois campos: de um lado havia os que exploravam os pobres sem nenhuma piedade ou preocupação com seus irmãos, em prol de benefícios próprios e por outro lado aqueles que defendiam a solidariedade com seus irmãos mais pobres, e se esforçavam por manter-se fieis e piedosos, mesmo que lhes custassem importantes sacrifícios econômicos. A regulação de normativas religiosas que valorizavam a piedade intensificou o conflito que se agravou no pós-exílio quando estas normas se tornaram definitivas na religião judaica. A conduta insolidária passou a ser estigmatizada, fundamentada na figura negativa do [v'r'. Portanto, a maldade do [v'r' consiste, antes de tudo, em um comportamento antissocial, validado por questões teológicas. Albertz ressalta que as ações do setor aristocrático que explorava os mais pobres, estavam em acordo com o formalismo jurídico e, portanto, não tinham nenhuma necessidade de se defender ou de justificar suas ações, já que estavam em posse de seus direitos. As ações empreendidas pelos membros impiedosos da classe alta eram, até certo ponto, atrativas pois gozavam de bons empreendimentos em seus negócios, melhorando sempre a sua posição social. A orientação do javismo oficial fazia do culto no templo, um núcleo da relação com Deus. A ideia de um povo eleito, gerado pela concepção sacerdotal, produziu um autêntico bálsamo na existência das minorias judaicas, diante do pluralismo cultural e 21.

(21) religioso do Império Persa. A partir de então, com a permissão persa, a reorganização social e religiosa se movia na linha deuteronomista de uma “ética da fraternidade” produzindo apelos cada vez mais frequentes para a necessidade de uma reforma econômica e social da comunidade, a fim de superar a divisão entre ricos e pobres que havia se instalado desde os tempos da monarquia. Percebemos assim, que no contexto do pós-exílio, as significativas mudanças econômicas,. religiosas. e. sociais,. proporcionaram. cenários. ideais. para. o. desenvolvimento de conflitos que impulsionaram a transformação social e permitiram novas estruturas teológicas para a comunidade judaica.. Apresentação do tema O presente trabalho divide-se em três capítulos. No primeiro capítulo, trabalharemos a análise literária e teológica do. [v'r'. nos Salmos de lamentação. A proposta aqui é. desenvolver de forma introdutória, as informações básicas sobre a composição e as camadas literárias do saltério, para posteriormente localizar o objeto de nosso estudo. O contexto histórico e social de tais Salmos no período pós-exílio, serão estudados como ferramenta fundamental para nossa análise. O segundo capítulo é a parte central de nossa pesquisa e portanto toma maior espaço neste trabalho. À partir da análise exegética do Salmo 55, buscamos compreender o texto bíblico dentro se seu aspecto intencional e literário. Procuramos destacar elementos da tensão social, bastante presente no pós-exílio, usando os princípios da Crítica da Forma e da análise histórico-sociológica. Os resultados são reveladores, o teor litúrgico usado pelo salmista nos remete ao ambiente de culto, onde o salmista articula seu discurso, expondo queixas e maldições contra seu agressor, enquanto afirma sua fragilidade e dependência de Javé. No terceiro capítulo, tratamos de forma mais específica sobre o. [v'r',. explorando as. palavras que melhor retratam o valor conceitual do termo como representação da maldade. Usando comparativos semânticos de caráter semelhantes e opostos, percebemos que o. [v'r'. adquire, com o tempo, características de uma função social 22.

(22) rejeitada na comunidade do pós-exílio. Identificar este malfeitor dentro do contexto social e religioso desta comunidade é nosso objetivo neste capítulo. Por fim, as conclusões gerais de nosso estudo retomam os planos formulados no início desta introdução. Ensaiando possíveis respostas e formulando novas interrogações.. 23.

(23) 1: ANÁLISE LITERÁRIA E TEOLÓGICA DO [v'r' NOS SALMOS DE LAMENTAÇÃO.. A prática comum em uma dissertação que se destina a conhecer elementos textuais expressos na literatura bíblica é começar a pesquisa com o estudo exegético, para posteriormente desenvolver as relações formais deste texto. No entanto, não seria possível iniciar nossa dissertação nestes moldes, pois o leitor certamente sentiria falta de alguns pressupostos. Localizar nosso objeto de estudo é o objetivo geral deste capítulo. Com a intenção de situar melhor o leitor, faremos primeiramente, uma breve introdução ao livro dos Salmos, com as informações básicas sobre sua composição e as camadas literárias contidas no saltério, bem como, sua classificação e organização. Em seguida, faremos a análise literária e teológica dos Salmos de lamentação, com o objetivo de localizar e entender o contexto histórico e social de tais salmos, no período pós-exílio, principalmente os que se relacionam com a contraposição entre malfeitores e. ~yqIåyDIc;. ~y[iv'r>. justos. Para isto, torna-se necessário realizar um levantamento. histórico, mesmo que, de maneira enxuta, da religião de Israel e dos desenvolvimentos políticos e sociais durante o período persa. A partir de então, destacaremos nos Salmos de lamentação as consequências históricas e teológicas presentes no desenvolvimento cultural e social do povo bíblico. Neste ponto, surge uma questão: que fatores proporcionaram e influenciaram a introdução da terminologia. [v'r'. como identificação do inimigo do salmista e por que ele é tão. frequente? A importância da palavra [v'r' nos textos bíblicos, está atestada pela frequência com que ela se repete. São 343 citações em todo o Antigo Testamento, das quais, 92 ocorrem no. 24.

(24) livro dos Salmos11. No entanto, nos Salmos de lamentação é que se acentua a imagem degenerativa do termo, pois invariavelmente o. [v'r',. na linguagem do orante, está. acompanhado por um campo semântico12 variado como: violência;. hm'r>mi,. engano;. llx,. profanar;. anEf',. odiar;. !w<a'÷ª, maldade; @a;, ira; sm'Þx', h['r',. perversidade e. @rx,. escarnecer, que acentua ainda mais a má conduta e o desvio moral deste agressor. Estas considerações são importantes e nos ajudarão no desenvolvimento de pressupostos para a análise exegética do Salmo 55, que será abordada com maiores detalhes no segundo capítulo.. 1.1. Breve introdução ao livro dos Salmos O cânon da Bíblia Hebraica está dividido em três seções maiores denominadas tanak, que na verdade é a sigla representada pelas letras iniciais de cada uma destas divisões: a) torah - Instrução; b) nevi’im - Profetas; c) ketuvim – Escritos13. A torah, que nas Bíblias cristãs é conhecida como Pentateuco, compreende os cinco primeiros livros do Antigo Testamento: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Estes são considerados o conjunto de instruções dadas por Deus ao seu povo14. Os Profetas, nevi’im, subdividem-se em duas partes: a) Profetas Anteriores, que compreendem: Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis e b) Profetas Posteriores: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. Na terceira parte do cânon, os Escritos, ketuvim, englobam: Salmos, Jó, Provérbios, Rute, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes, Lamentações, Ester, Daniel, Esdras, Neemias,. 11. [v'r'.. raxa‘ “Ser malvado/culpado”, cf. LEEUWEN, C. Van. In: JENNI, Ernst e WESTERMANN, Claus. Diccionario Teologico Manual Del Antiguo Testamento, Volume II. Madrid: Edicciones Cristandad, 1985. p. 1022-1023 12 O campo semântico do [v'r' e do qIåyDIc; será abordado com maiores detalhes no 3º capítulo desta dissertação. 13 FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica: Introdução ao Texto Massorético, guia introdutório para a Bíblia Hebraica Stuttgartensia. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 513, 524, 529, 532. 14 SILVA, Valmor da. Os Salmos como literatura. Ribla, 45, Petrópolis: Vozes, p.9-23, 2003. 25.

(25) 1 e 2 Crônicas. O livro dos Salmos, juntamente com Jó e Provérbios, forma o trio de abertura desta terceira seção da Bíblia Hebraica. A presença do livro de Salmos depois da Torá e dos Profetas, na Bíblia Hebraica, mostra uma continuidade no pensamento judaico. Enquanto a Torá é a instrução dada por Deus e os Profetas orientam o povo a não se desviarem desta instrução, os Salmos são orações e cânticos litúrgicos que reforçam a fé, o desejo e a esperança 15 neste caminho de que não se pode desviar. Devemos, no entanto, considerar que os Salmos são uma síntese de toda a Bíblia. Neles, a história da salvação, da natureza, dos sentimentos, da esperança, dos sofrimentos, é transformada em oração, que sintetiza a vida individual e coletiva do povo de Israel. Na Bíblia Hebraica, o livro de Salmos recebe o título de. ~yLihiT.. (tehilim), o qual. podemos traduzir como cânticos de louvores, adoração ou hinos. Há também outras designações para o livro dos Salmos que são encontradas na literatura patrística:. rp,se. (sefer tehilim) livro de louvores;. Na verdade o título preferido é característica, plural masculina, de. ~yLihiT.. ~yLiiTi ; !yLiiTi ou !yLiiTi rp,se . ~yLihiT.,. hL'hiT.. cujo nome deriva de uma formação. que é o termo técnico para um grupo de. salmos destinados aos cânticos de louvores. Embora sua forma plural usual é o feminino. tALhiT,.. nome dado à um grupo específico de Salmos16, usa-se o. ~yLihiT.. como um. nome exclusivo para a coleção de cânticos dos 150 Salmos. A designação “Salmos” ocorre em citações encontradas no Novo Testamento yalmw/n (Lc. 20.42; 24.44; At 1.20) e remonta à versão grega do Antigo Testamento, a septuagita (LXX), que foi feita à partir do século III a.C. na diáspora judaica de Alexandria17. O termo yalmw/n provavelmente provém do hebraico rAmz>mi mizmor, que 15. Ver em: FREITAS FARIA, Jacir de. “Esperança dos pobres nos Salmos”. Ribla, 39, Petrópolis: Vozes, 2001, p.61-73. 16 KRAUS, Hans-Joachin. Los Salmos. Salmos 1-59. Vol. 1. Trad. Constantino Ruiz-Garrido. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1993, p. 13, 37 e 63 17 WEISER, Arthur. Os Salmos. Trad. Edwino A. Royer, João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1994, p.10. 26.

(26) significa um cântico para instrumentos de cordas.18 Esta terminologia aparece 57 vezes no livro dos Salmos, como título individual. Na tradição cristã tal frequência contribuiu para que este título se convertesse por extensão, no nome de todo o livro. Outro nome pelo qual é conhecido o livro dos Salmos é saltério, um termo de origem grega yalth,rion do Códex Alexandrinus, que também se refere a instrumentos de cordas que acompanhavam os cânticos litúrgicos.19. 1.1.1. Divisões do saltério O saltério está dividido em cinco partes20. Estas divisões são chamadas de “livros”. São compilações de canções, orações e poemas para uso litúrgico, que chegaram a nós delimitados pelo trabalho editorial ao qual foram submetidos21. Hans-Joachin Kraus propõe um quadro que oferece a visão do conjunto destes cinco livros com suas divisões. No final de cada um deles, estão expressas, fórmulas doxológicas22, que marcam os limites de cada livro. Livro I (Sl 1 - 41) com sua forma final: Bendito seja o Javé, Deus de Israel de século em século. Amém e Amém (Sl 41.14) Livro II (Sl 42 - 72). Bendito seja para sempre o seu nome glorioso; e encha-se toda a terra da sua glória. Amém e Amém. (Sl 72.19) Livro III (Sl 73 - 89). Bendito seja Javé para sempre. Amém, e Amém. (Sl 89.53). 18. rAmz>mi. n.[m.] (Melodia tecnicamente desenvolvida para os Salmos) Cf. BROWN, Francis, DRIVER, Samuel Rolles, BRIGGS, Charles Augustus. BDB – A Hebrew and English Lexicon of the Old Testament. Boston, New York and Chicago: Houghton, Mifflin and Company the Riverside Press, 1906, p.274.; (t.t. Salmos) Cf. KIRST, Nelson, et.al. Dicionário Hebraico-português & Aramaico-português. 18º Ed. São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/vozes, 2004, p.121. 19 KRAUS, Los Salmos, p. 14 20 Cf. BALLARINI, Teodorico e Venanzio Reali. A poética hebraica e os Salmos. Petrópolis: Editora vozes, 1985, p. 41-42. SIQUEIRA, Tércio Machado. Hinos do povo de Deus. Série Em Marcha, São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1990, p.23 21 WEISER, Os Salmos, p. 10-11. 22 KRAUS, Los Salmos, p. 21-22. 27.

(27) Livro IV (Sl 90 – 106). Bendito seja Javé Deus de Israel, de eternidade em eternidade, e todo o povo diga: Amém. Aleluia! (Sl 106.48) Livro V (Sl 107 – 150). Tudo quanto tem fôlego louve a Javé. Aleluia! (Sl 150.6). Se compararmos estas fórmulas, veremos que o Salmo 150 está fora do escopo das outras doxologias, não correspondendo às fórmulas finais dos Salmos 41.14; 72.19; 89.53; 106.48. Weiser23 e Gunkel24, argumentam que no último livro, todo o Salmo 150 tem a função de doxologia final. Para Gerstenberger25, os redatores finais podem ter adicionado os Salmos 1-2 e 150, como Salmos introdutórios e finais, funcionando como uma espécie de moldura para o saltério. De qualquer forma, a explicação para este problema está na ideia de se criar nos Salmos, uma espécie de compilação de livros. A divisão do saltério em cinco livros é a tentativa de se fazer, no processo de canonização, algo semelhante ao Pentateuco. Obviamente, esta afirmação se refere à divisão formal e ao processo técnico de canonização dos Salmos. Para a construção de uma analogia substancial entre o Pentateuco e o saltério, os resultados exigem uma série de correspondências mais complexas.26. 1.1.2. Coleções do saltério De fato, existem diversas coleções de salmos presente no saltério que pertencem a épocas distintas. Erhard S. Gerstenberger defende que durante a história da religião israelita, estas coleções foram compiladas e rearranjadas, produzindo ao longo de séculos construções diferentes do saltério, conforme explica o quadro a seguir.27. 23. WEISER, Os Salmos, p.11 GUNKEL, Hermann. Introduction to Psalms: The Genres of the Religious Lyric of Israel. Trad. James D. Nogalski. Macon, Georgia: Mercer University Press, 1998, p. 334 25 GERSTENBERGER, S. Erhard. Psalms Part I: With an Introduction to Cultic Poetry. FOTL 14. Grand Rapids: Eerdmans, 1988, p 30. 26 WEISER, Os Salmos, p. 10-15 e KRAUS, Los Salmos, p. 23 27 GERSTENBERGER, Psalms Part I, p. 29 24. 28.

(28) Pré-Exílio Antigo. Pré-Exílio Tardio. Exílio. Pós-Exílio. Salmos e liturgias individuais; pequenas e indistinguíveis coleções para uso litúrgico. Sl 42-29: Coleção Coraíta. Sl 3-42: Coleção Davídica. Sl 1-2: Moldura. Sl 78-86: Coleção de Asafe. Sl 42-83: Coleção Eloísta. Sl 3-41: Livro I. Sl 96-99: Entronização de Javé. Sl 51-62: Coleção Davídica. Sl 42-72: Livro II. Sl 111-118: Salmos. Sl 108-110:. Sl 73-89: Livro III. de Aleluia. Coleção Davídica. Sl 120-134: Salmos. Sl 138 - 145:. Sl 90-106: Livro IV. de Subida. Coleção Davídica. Sl 107-149: Livro V Sl 150: Moldura. Entre as compilações parciais que encontramos temos o Saltério eloísta, onde predomina o nome divino. ~yhiªl{a/. ’elohim, que ocupa lugar de destaque dentro da. coleção principal do saltério. O saltério eloísta é formado pelo grupo dos salmos estabelecidos nos livros II e III (Sl 42-89) onde estão localizadas as coleções “Salmos dos filhos de Coré coleção. xr:qo)-ynEb.li. xr:qo-) ynEb.li. (42-49) e Salmos de Asafe. @s"ïa'ñl. rAmªz>mi. (73-83). A. aparece como apêndice nos salmos 84-89, estabelecendo assim, os. limites da divisão eloísta. As compilações formadas pelos outros livros do saltério são destinadas à Coleção javista, estruturada pelos Salmos do Livro I e pelo grupo de salmos que abrangem os Livros IV e V, se subdividindo em agrupamentos como: Salmos para Davi, Coleções de hinos de louvor a Javé, Salmos de aleluia e hinos com epígrafes salomônicos.. 29.

(29) 1.2. Camadas literárias do Saltério. Como vimos, a gênese do saltério se deu de forma lenta, a partir do agrupamento de textos litúrgicos que constituíam peças autônomas para vários ritos coletivos. Ao longo da história de sua transmissão, grupos de textos foram ajuntados, mas continuavam sua aplicação individual em determinados contextos ou cerimônias. Em sua forma textual, os Salmos podem ser vistos como peças literárias que se acomodam em três itens:28 a classificação por tipos ou gêneros, a linguagem poética e o poema individual. As atribuições nominais e referências a eventos históricos, que nos permitem reconhecer o texto em sua estrutura poética, são perceptíveis. Schökel29 considera que a maioria dos Salmos seja de cunho litúrgico musical, enquanto que, a súplica individual, pode originar gêneros e subgêneros diferenciados. O Saltério com seus poemas tão variados suscitou indagações sobre o uso e função de tais textos em determinados momentos e cerimônias. A pergunta pelo Sitz im Leben (lugar na vida) de tais poemas, se tornou o ponto mais importante da pesquisa que buscava responder estas perguntas. Na tentativa de entender os lugares ou situações vivenciais destes poemas tão variados, surge a “Crítica da Forma”. O método desenvolvido por Hermann Gunkel e Sigmund Mowinckel, considera os salmos divididos por gêneros30, dos quais se destacam: a) Lamentação, que incluem queixas e ações de graças, constituindo o maior grupo de salmos; b) Cânticos de vitória, embora pouco representado no saltério, é um gênero hínico relacionado aos clãs e tribos em Israel, ( veja em Sl 68; 124; 129)31; c) Salmos de louvor, canções de agradecimento a Deus pela colheita e pela salvação em épocas de seca, fome, epidemias e inundações; d) Salmos reais, textos usados nos cultos da comunidade com certa glorificação nostálgica e expectativas messiânicas do retorno ao reinado davídico; e) 28. SCHÖKEL, Luiz Alonso; CARNITI, Cecília. Salmos I: Salmos 1-72. Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1996, p 81-82 29 SCHÖKEL, Luiz Alonso; CARNITI, Cecília. Salmos I: Salmos 1-72, p. 82 30 GUNKEL, p.1-21 31 GERSTENBERGER, Psalms Part I, p. 10. 30.

(30) Discurso de sabedoria, que marcam as comunidades oriundas do pós-exílio, com um sistema simbólico de fé centrado nos costumes e comportamentos religiosos e no saber guardar as orientações da torah.32 Claus Westermann toma como ponto de partida o tema da compilação do saltério e sugere uma classificação mais simples: os Lamentos, com seu Sitz im Leben e os Salmos de louvor, conhecidos como. . O autor observa que, das compilações. estabelecidas segundo as perspectivas de diversos grupos, os Lamentos e os Salmos de louvor são os gêneros33 que aparecem com maior frequência no saltério, formando assim, dois grandes grupos de poemas. Além de considerar os Salmos numa perspectiva literária, Westermann os considerava também na perspectiva religiosa. O lamento é o gênero mais frequente no Saltério, ocupando 58 composições em estilo individual ou comunitário. Por sua característica litúrgica e seu volume de ocorrências, a lamentação tornou-se tema de grande importância para pesquisadores. Grande parte da literatura que visa o estudo do lamento concentra-se no estudo dos gêneros literários do Saltério, que tem sua origem na Crítica da Forma.. 1.2.1. Os métodos de pesquisa a) A Crítica da forma Com sua classificação dos Salmos, Gunkel foi capaz de superar o positivismo histórico e literário de seu tempo34, pois, enquanto teólogos e exegetas se preocupavam em determinar um autor ou poeta específico para cada Salmo, a Crítica da Forma voltava seus olhos para o lugar vivencial dos Salmos de lamentação 35. A despeito de sua autoria, constatava que estes Salmos nasciam de um ambiente marcado pelas 32. Dentre os gêneros desenvolvidos por Hermann Gunkel, Erhard S. Gerstenberger destaca estes cinco como principais. Cf. GERSTENBERGER, Erhard S. Gênese do Saltério. Revista Caminhos. Goiânia: Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião PUC Goiás. v8, n1, p.11-28, Jan.-Jun. 2010. Outra referência também pode ser encontrada em: KIDNER, Derek. Salmos 1-72. Introdução e comentário. Trad. Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida nova, 1980, p.19. 33 WESTERMANN, Claus. Praise and lament in the Psalms. Edinburgh: T&T Clarck, 1981, p. 15-35 34 Cf. COETZEE, J. H. “A survey of research on the Psalms of lamentation”. Old Testament Essays. Pretória: OTSSA, v.5, n.2, p. 151-174, 1992, p.156. 35 GUNKEL, Hermann. The Psalms. A Form-Critical Introduction. Philadelphia: Fortress Press, 1967, p.54. 31.

(31) desigualdades e injustiças. O sofrimento do salmista tem sua origem nestes temas. Esta é a principal característica deste tipo de literatura. Neste método, a vida sociocultural é o ponto mais importante da pesquisa. Ao observar os fenômenos linguísticos, temáticos e emocionais das funções sociais que ocupam a vida cotidiana, o pesquisador se aproxima da dimensão social que implica o fenômeno religioso. Para Gunkel o cenário histórico dos Salmos deveria ser pesquisado na vida cúltica36 da comunidade, tendo em vista suas formas literárias, seu modo de vida e seu sentimento religioso. Embora a Crítica da Forma não seja a única perspectiva de leitura dos Salmos, o estudo dos gêneros literários do saltério é dominante. Ergue-se como divisor de águas, tornando-se base para trabalhos posteriores. A Crítica da Forma abriu caminho para novas pesquisas e abordagens de aprofundamento na análise dos Salmos, principalmente na lamentação. b) Estudos críticos literários A interpretação dos Salmos, observados a partir do cenário cúltico da comunidade de Israel, dominou as principais escolas de pensamento das décadas de 50 e 60, tendo como expoentes três pesquisadores: Sigmund Mowinckel, Arthur Weiser e HansJoachim Kraus37. Discípulo de Gunkel, Mowinckel se tornou o principal precursor do estudo do Sitz im Leben, aprofundando a ideia de que o indivíduo deve ser observado dentro de um todo comunitário e ideológico. Os elementos cultuais eram a fonte de pesquisa para o. 36. GUNKEL, Hermann and Joachim Begrich. Introduction to Psalms. The Genres of the Religious Lyric of Israel. Translated by James D. Nogalski. Macon, Georgia: Mercer University Press, 1998, p. 318 37 Há ainda outros expoentes desta escola (Escola Escandinava). São aqueles que veem os Salmos de lamentação como orações reais, onde o rei é representante de Deus ou da nação. Cf. COETZEE, p.156157.. 32.

(32) significado do sofrimento na vida do indivíduo e da comunidade. Mowinckel entendia que os indivíduos não produzem a comunidade, mas são produzidos por ela38. Arthur Weiser dá um passo à frente e conclui que, somente o método das formas, não é suficiente para explicar a natureza da poesia dos Salmos do Antigo Testamento. Para o autor, o estudo das tradições e do culto é mais promissor, pois tem a possibilidade de agregar, além da história das formas, a história das tradições que se manifestam nos Salmos. Deste modo, torna-se possível obter uma imagem mais clara e mais objetiva das relações externas e internas que se desenvolviam na sociedade39. Devido à importância dos estudos da cultura e literatura do Antigo Oriente Médio, para a linguagem de lamentação em Israel, houve um impulso na descoberta de novos estilos retóricos, estruturais e literários na pesquisa dos Salmos. Os estudos críticos-literários começaram a ganhar espaço na pesquisa dos Salmos, contrapondo-se às análises da Crítica da Forma. Neste novo modelo crítico, as representações ficam por conta das pesquisas que trabalham estas novas perspectivas da poesia hebraica. Um dos expoentes deste novo período das pesquisas modernas é Hans-Joachim Kraus. Suas obras marcam o início da “teologia do lamento”. Questionando o uso do termo Sitz im Leben, por entender que seu significado serve apenas para descobrir o lugar cúltico dos salmos, Kraus expande seus trabalhos, buscando compreender o desenvolvimento dos salmos, fazendo a junção entre a Crítica da Forma e os agrupamentos temáticos do saltério. Considerando os temas como “cânticos de oração, cânticos de louvor, cânticos reais, ação de graças, festividades”40, o autor busca sentido nos estudos que pretendem considerar a pessoa e a atividade de Deus em relação aos seres humanos. Kraus aposta na prudente correlação entre a configuração literária e formal dos Salmos e a situação do culto, que possivelmente se faz adjacente.. 38. MOWINCKEL, Sigmund. The Psalms in Israel's Worship. Nashville: Abingdon Press, 1962, p.13-15 WEISER, Os Salmos, 1994. p. 12-13 40 KRAUS, Los Salmos. 1993, p.61 39. 33.

(33) c) Novos caminhos O declínio do estudo do Sitz im Leben, de forma exclusiva para um ambiente cultual, fez com que estudiosos do tema, revitalizassem suas pesquisas a fim de compreenderem melhor o lugar em que os Salmos de lamentação estão vinculados. A busca pela definição de um lugar vivencial mais concreto forçou os estudiosos a caminharem na direção da seguinte hipótese: o suplicante estaria aguardando uma decisão formal de uma jurisprudência local diante de seu problema e sofrimento. Esta jurisprudência estaria associada à liturgia do culto que pedia a direção e veredicto pelo sofredor a partir da consulta e intervenção direta de Deus.41 Gerstenberger verifica que o lugar vivencial dos Salmos individuais pertence aos ritos privados, orientados para o templo, nos quais a canção de lamento do suplicante representava o clímax desta liturgia42. Para o autor, os Salmos de lamentação individual seriam usados em rituais de exorcismos e curas, por profissionais do templo. Tércio Machado Siqueira observa que os caminhos abertos por Gunkel foram posteriormente ampliados e pavimentados por Gerstenberger. O avanço nas investigações trouxe importantes contribuições para a compreensão da lamentação como parte da cultura do povo hebreu. Originalmente, os Salmos de lamentação são provenientes dos grupos primitivos da sociedade israelita43 e refletem situações de grave perigo que trouxeram dores e sofrimentos no contexto familiar. O estudo de Gerstenberger tem como foco as comunidades que estavam por trás dos Salmos de lamentação. A partir destas considerações é possível traçar um avanço na prática da lamentação no Antigo Israel. Certamente ela começa no âmbito da religiosidade familiar, transpondose para dentro das estruturas cúlticas. Com o passar dos anos, principalmente com o evento da destruição do Templo na época do exílio, os lamentos adquirem características de produção individual. Depois, especialmente no pós-exílio, onde a. 41. COETZEE, 1992, p. 161 GERSTENBERGER, Gênese do Saltério. 2010, p.23. 43 SIQUEIRA, Tércio Machado. El Lamento. RIBLA. Quito, n. 52, p. 23-30, 2005, p. 24. 42. 34.

(34) sacralidade das escrituras absorve a sacralidade da palavra proferida44, a lamentação se ajusta a um tipo de penitência no culto padrão de Israel.. 1.3. Os Salmos de Lamentação A lamentação, que pode ser de caráter comunitário ou individual, “integra como componente essencial o processo da libertação do julgo egípcio e de outros casos semelhantes”45, os gritos dos oprimidos, são clamores que consequentemente procedem à salvação, e portanto, fazem deste gênero, ponto importante na Teologia do Antigo Testamento. No Saltério, a lamentação é o gênero que está representado em maior número, compondo quase um terço dos Salmos reconhecidos pelo cânon bíblico. Há também muitos paralelos fora do Antigo Testamento, especialmente na literatura babilônica46. Claus Westermann, em seu artigo, começa criticando a falta de ênfase que se dá ao lamento em estudos do Antigo Testamento. Apesar dos trabalhos realizados por bons pesquisadores como Gerhard Von Rad e Walter Zimmerli, o autor considera que, mesmo que os eventos narrativos sobre a libertação do Egito sejam fundamentais para a Teologia do Antigo Testamento, é preciso estabelecer o lugar do lamento na literatura bíblica: O Antigo Testamento não pode fixar Deus em uma única soteriologia; só é possível falar de atos salvadores de Deus, dentro de uma série de eventos que envolvem necessariamente, algum tipo de troca verbal entre Deus e o homem. Este último inclui tanto o grito do homem em perigo, como a resposta de louvor que os salvos fazem a Deus.47. A causa principal para a pouca atenção que se dava à Teologia do Lamento, é identificada por Westermann como certo preconceito ocidental que contrasta com a soteriologia das Escrituras. 44. Cf. ALBERTZ, Rainer. História de la Religión de Israel em tempos del Antiguo Testamento. vol. 2. Desde el Exilio hasta la época de los Macabeos. Trad. Dionisio Míguez. Madrid: Editorial Trotta, 1999, p. 474-477. 45 WESTERMANN, Claus. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 144 46 WEISER, Os Salmos,1994, p. 43. 47 WESTERMANN, Claus. “The Role of Lament in the Old Testament”. University of Heidelberg: Interpretation, n. 28. p. 20-38. 1974, p. 20.. 35.

(35) a) Características e conteúdo A diferença entre lamentação fúnebre e queixa nascida de tribulação, parecem idênticos nos idiomas modernos, mas são fenômenos distintos na antiguidade. Enquanto a elegia funerária tem os olhos voltados para trás, a lamentação do atribulado olha para frente, para a sobrevivência, para o término do sofrimento. Assim como o sofrimento é parte da vida do ser humano desde sua origem, a lamentação é a reação mais apropriada da pessoa que sofre. Em sua forma mais primitiva, a queixa acontecia no ambiente familiar e só mais tarde, transformou-se no principal recurso litúrgico do culto. Do ponto de vista do sujeito dos Salmos de lamentação temos duas classes, que associadas a outros gêneros como as intercessões pelo rei e as ações de graças, compõem as lamentações coletivas e lamentações individuais. Estas classes compreendem os seguintes Salmos: 3-7; 9-14; 17; 22; 25-28; 31; 35-36; 38; 40-44; 51; 54-57; 59-61; 64; 69-71; 74; 79-80; 83; 85-86; 88-89; 94; 102; 108-109; 120; 123; 130; 137; 140-14348. Na estrutura formativa, tanto das lamentações coletivas, quanto das lamentações individuais, temos a seguinte composição: invocação, lamento, súplica (geralmente com confissão de pecados ou afirmação de inocência), afirmação de fé, apelo, maldição contra inimigos, reconhecimento da resposta divina, voto ou promessa, bênçãos e ação de graças.49 A sequência destes elementos não atende a um padrão estrutural e também não são usadas da mesma forma, variam de acordo com as múltiplas aflições que constituem o conteúdo das lamentações. As lamentações revelam uma característica multifacetária da vida pública e particular. Dentre os muitos motivos de cunho material e espiritual, seus principais motivos são: calamidades gerais como má colheita, epidemias, guerras, fome, inimigos, ou aflições. 48. Somam-se 58 Salmos tendo como base os levantamentos realizados por Hermann Gunkel, que posteriormente foram ampliados por Artur Weiser e Erhard S. Gerstenberger. Cf. GUNKEL, Introduction to Psalms, p. 82-83 e 121; WEISER, Os Salmos, p. 43-44; GERSTENBERGER, Psalms Part I e Part II. 49 Cf. GERSTENBERGER, Psalms Part I, p. 12. 36.

(36) suportadas pelo indivíduo como doença, perseguição, zombaria, dúvidas ou peso pelo pecado. Westermann argumenta que, “os Salmos lamentosos, enquanto variadíssimos, ostentam um esquema constante e sempre repetido: Súplica introdutória, queixa, afirmação de fé, súplica e ação de graças”50. Esta estrutura revela em sua dinâmica o verdadeiro sentido do lamento. Não interessa ao Salmista a simples reclamação de seu sofrimento. Antes de ser uma descrição egocêntrica que se esgotaria na queixa, o Salmista amplia sua súplica, direcionando-a para aquele que poderá alterar sua condição. A uniformidade das frases, usadas em paralelismos e muitas vezes com repetições cansativas, apesar de testemunharem de forma poética os dramas da vida, certamente revela o uso constante das lamentações no culto. Aqui, o comunitário prevalece sobre o individual e a lamentação assume dupla finalidade, é ao mesmo tempo oração e testemunho. Enquanto a primeira se dirige à Deus, a segunda se volta para a comunidade. b) Lamentação individual A lamentação composta pela queixa individual constitui a categoria de cânticos usada com maior extensão nos saltério. Adotando a classificação de Gunkel e J. Begrich, Gerstenberger destaca os seguintes Salmos com leves modificações: 3-7; 11-12; 13; 17; 22; 26-28; 31; 35; 38-39; 42-43; 51; 54-57; 59; 61; 63-70; 71; 86; 88; 102; 109; 120; 130; 140-143.51 Segundo Gunkel, o indivíduo que lamenta é um personagem concreto 52. Gerstenberger, porém, com base em investigações posteriores, destaca que é cada vez mais claro que nestes cânticos, não há sinais de isolamento, mas o orante participa na linguagem de oração da comunidade. Tanto a vida pessoal quanto a vida comunitária, devem ser discernidas nitidamente nas lamentações, pois revelam a autenticidade das expressões humanas. O orante ao expressar seu lamento, o faz diante dos temores de perigo que ameaçam sua vida, sua 50. WESTERMANN, Claus. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas. 1987, p. 146 GERSTENBERGER, Psalms Part. 1, p.14 52 GUNKEL, Introduction to Psalms, p. 122-123 51. 37.

(37) relação com Deus e com a comunidade, sem os quais ele não pode subsistir. Os mesmos aspectos antropológicos acontecem nas esferas dos conhecimentos teológicos, psicológicos e sociológicos expressos no Antigo Testamento. c) Lamentação comunitária O ritual da Lamentação comunitária destaca-se um pouco mais no contexto narrativo e profético do Antigo Testamento. Com sérios perigos eminentes como seca, doenças, pragas e invasões, além de dias especiais para jejum, luto, sacrifícios e orações, as Lamentações coletivas53 tornam-se um chamado especial para o culto no santuário, (cf. Js 7.6; Jz 20.23-26; 1Sm 7.6; 1Rs 8.33). Nos Salmos 74 e 79, onde o objeto da lamentação do povo é a destruição e a profanação do templo por inimigos gentios, nota-se este tipo especial de culto de lamentação. A Festa da Aliança, onde celebrava-se a renovação dos atos salvíficos de Javé, oferecia exatamente em tempo de tribulação o contexto para a lamentação coletiva, com seu protesto de fidelidade (Sl. 44.9-21; 80.19)54. O livro de Salmos mostra diferentes estilos do gênero lamentação, como poemas revelando tristeza pela velhice, idade avançada, agressão de pessoas malvadas, entre outros motivos. Assim, o lamento deixou de ser uma simples reclamação ou um murmúrio, para ser um lamento acompanhado de esperança na ação libertadora de Javé. Não há lamento, nos salmos bíblicos, que a afirmação de fé não esteja presente55.. 1.3.1. Consequências históricas e teológicas A lamentação tornou-se o elemento mais importante no culto no período do exílio e pós-exílio. O esforço das comunidades para conseguir adequada perspectiva teológica diante da catástrofe política ocorrida em 587 a.C. refletia-se na celebração litúrgica de lamentação. 53. GUNKEL, Introduction to Psalms, p. 82-83 WEISER, Os Salmos, p. 45 55 SIQUEIRA, Tércio Machado. Culto nos períodos exílico e pós-exílico. Estudos Bíblicos. http://alemdameraletra.blogspot.com.br/. Acesso em 07/07/2016. 54. 38.

(38) Tudo faz crer que a intensificação do lamento, no culto, deu-se a partir das lembranças dos episódios mais salientes que culminaram na grande catástrofe nacional: o início do assédio, no décimo mês; a abertura da primeira brecha na muralha, no quarto mês; a destruição do Templo e do palácio, no quinto mês; e o assassinato de Godolias, no sétimo mês. Estas celebrações eram realizadas anualmente com a liturgia do jejum (Zc 7,2-4; 8,1819). 56 Influenciado por estas celebrações, a forma litúrgica ocasional, de lamentação, que no período pré-exílio estava desvinculada do Templo, foi se agregando à prática do culto e tornando-se um elemento importante nele. A ausência dos setores da monarquia que supervisionavam as celebrações proporcionou maior abertura na prática do culto, convertendo-o numa espécie de foro público, onde os diferentes grupos podiam expressar suas próprias concepções teológicas. Este fato está presente na diversidade de gêneros que a própria liturgia de lamentação fez proliferar como a elegia espontânea em seu desenvolvimento e estilo próprios. Além das lamentações coletivas e individuais, como já citamos anteriormente. O espaço litúrgico transformou-se no melhor lugar para o esclarecimento teológico, na tentativa de encontrar explicações para a dura realidade em que viviam os exilados. Diante da situação de crise política, as ruínas do templo foram o local onde se intensificou a popularidade da prática do lamento. Segundo o Historiador Deuteronomista, o queixoso deveria orar voltado para Jerusalém. Sua oração significava entrar em contato com o santuário destruído (1Rs 8,45-51). A aceitação da dura realidade em que viviam as comunidades de exilados tinha como respaldo, o fato de que a catástrofe não foi provocada por um golpe do destino, ou mesmo, pelo poder do império babilônico. Javé surge como responsável por esta situação desesperada, como ato de castigo para com Sião e Jerusalém, que apresentavam uma estrutura teológica falaz e vazia57.. 56 57. ALBERTZ, Historia de la Religión, p. 470-474. ALBERTZ, Historia de la Religión, p. 476.. 39.

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