Cotação I. Componentes
estruturais da decisão instrutória
- Breve relatório
- Saneamento – com o tratamento das nulidades suscitadas
- Breve enquadramento legal da instrução
- Análise crítica da factualidade indiciária - Subsunção da factualidade indiciária ao Direito com referência, ainda que breve, aos elementos dos tipos legais relevantes
Parte decisória
- declaração de nulidade (se aplicável) - decisão de pronúncia, podendo ser feita a remissão para os factos constantes da acusação do MP, nos termos legais - indicação da prova, podendo ser feita por remissão para a prova constante da acusação do MP, nos termos legais
- condenação da arguida em custas, com fixação de taxa de justiça
- estatuto coactivo
- remessa dos autos à Instância Central Criminal de Faro
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II. Identificação e resolução das questões suscitadas no RAI Tópicos de resposta 2.1 – Nulidade por inobservância do art.º 134º n.º 2 do Cód. Proc. Penal - A. 1) e 2)
- Equaciona se se trata de uma proibição de prova e conclusão – admite-se a solução do Ac. STJ de 2015.02.11, mas também que se entenda tratar-se não de uma proibição de prova, mas de uma nulidade que deve ser arguida
- Coloca a questão da legitimidade da arguida para invocar a nulidade, tomando posição, que deverá ser negativa, uma vez que o interesse
protegido é o do
companheiro/testemunha, não o da defesa
- Conclui pela improcedência da nulidade por falta de legitimidade da arguida para a sua arguição (se considerar tratar-se de uma proibição de prova a procedência, que se admite, será irrelevante para a questão da suficiência dos indícios dado que, em instrução, o companheiro foi ouvido como testemunha e prestou “novo”
depoimento, agora após ter sido advertido nos termos do art.º 134º do CPP)
2.2 – Nulidade por falta de advertência da existência de captação de imagens – A. 3) e 4)
Regra geral – artigo 167/1 CPP: - As
reproduções fotográficas,
cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal. Só haverá proibição de prova no caso de a ilicitude resultar de violação da lei penal (incluindo a extravagante).
Gravação de imagem por sistema de videovigilância é tratamento de dados pessoais e no caso não é efectuada por pessoa singular no exercício de actividades exclusivamente pessoais ou domésticas.
A instalação de sistemas de videovigilância nos locais de trabalho deve ser comunicada à CNPD pois pode envolver restrições ao direito à reserva da vida privada e apenas poderá mostrar-se justificada quando for necessária à prossecução de interesses legítimos e nos limites definidos pelo princípio da proporcionalidade.
Podem ser neste caso utilizados meios de vigilância à distância sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou outro interesse legítimo e justificado, como no caso relatado.
A falta de afixação de “aviso” de captação de imagens seria relevante apenas em termos contra-ordenacionais. A utilização de CCTV deverá traduzir-se numa forma de vigilância genérica, destinada a detectar factos, situações ou acontecimentos relevantes para os indicados fins – como o controlo dos acessos à sala de depósito de material para transplante – e não como uma forma directa de controlo dos
trabalhadores e respectiva
produtividade, o que no caso terá sido respeitado, inexistindo uma compressão do “núcleo duro” do direito à reserva da vida privada.
Por esta via a não sendo fornecido ao candidato a existência de comunicação (ou ausência desta) à CNPD será defensável a validade da captação como meio de prova. Só haverá crime de omissão de notificação – e correspondente ilicitude penal - se a mesma fosse intencional. A questão teria que ser problematizada pelo candidato, admitindo-se ambas as vias mas, defendida a (in)validade mantém-se, ainda assim, os indícios quanto à autoria dos crimes de furto tendo em conta o depoimento de Berto Brito prestado em sede de instrução. 2.3 – Nulidade da busca domiciliária e das subsequentes apreensões – A. 5) e 6) O art. 174.º do CPP regulamenta os pressupostos gerais das buscas, as quais devem, em princípio, ser autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária competente. Na ausência de mandado pode a busca efectuar-se desde que exista prévio e esclarecido consentimento do visado. No caso o ofendido Berto, que autorizou a busca, este não era o visado para os sobreditos efeitos, pelo que a autorização é ineficaz e a busca realizada pelo órgão de policial criminal ilegal e, consequentemente, um meio proibido de prova, não podendo ser utilizada a obtida através dela, nos termos do disposto nos arts. 125.º e 126.º, n.º 3, ambos do CPP, o que deve ser declarado. Porém e quanto à apreensão, a mesma resulta da entrega dos objectos efectuada por Berto e por si encontrados no seu quarto e em fracção de que é comproprietário, sendo por esta via válida. Mesmo caso se defenda a solução contrária, entendendo-se a apreensão como “fruto da árvore proibida”, ainda assim existiriam indícios para os crimes de furto da carteira e do rim dado o teor do depoimento prestado por Berto, em sede de instrução, que refere ter encontrado estes objectos em casa da arguida (que também é sua) quando ali se deslocou para recolher os seus pertences.
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III. Apreciação dos
indícios – B. 7) e 8) - Ainda que desconsiderando a diligência de busca existem indícios que resultam: - Depoimento de José Firmino
- Depoimento de Berto Brito - Depoimento de Belmira Borges - Depoimento de Delmina Darques - Depoimento de Carla Costa
- Relatório médico-legal e informação clínica
- Apreensão (se aplicável)
- Visionamento de imagens (se aplicável) - Informação e listagem
- Certidões e contratos
Que permitem concluir, fazendo a necessária análise crítica, ser mais provável uma condenação do que uma absolvição e relativamente a todos os crimes imputados na acusação.
IV. Qualificação jurídica dos factos indiciados – C. 9) a 12)
Por força do disposto no n.º 1 do art.º 152.º do Código Penal, em que se prescreve que quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais (…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. Os factos caracterizadores do crime de ofensa à integridade física grave que tenha ocorrido no contexto espácio-temporal em que decorreu a violência doméstica separam-se e dão origem à verificação do crime de ofensa à integridade física grave, com uma moldura abstracta mais severa. Se após esta separação ainda restarem mais factos relativos à violência doméstica, eles continuarão a integrar e a dar corpo a esse crime (de violência doméstica) e à sua respectiva punição, em concurso real com a da ofensa à integridade física grave, mantendo-se a qualificação jurídica proposta na acusação.
Tendo em conta a posição defendida pela arguida deve também a questão ser apreciada sob a perspectiva da existência de crimes de ofensa à integridade física simples e injúria (em detrimento do crime de violência doméstica), afastando esta qualificação. O furto do rim humano deve ser apreciado sob a perspectiva do crime de furto simples, ao contrário do defendido
pela arguida (neste sentido, v.g. Paulo Saragoça da Matta, Subtracção de coisa móvel alheia, Liber Discipulorum, pp. 993-1032).
Em sentido contrário pode ser defendido que o juízo incriminatório subjacente ao tipo legal em causa fundamenta-se em condutas atentatórias do interesse-propriedade. Neste enfoque a subtracção de órgão não preencheria o tipo legal de furto por se tratar de coisa fora do comércio jurídico e por esta via insusceptível de ser objecto de uma relação económica e de afectar o bem jurídico protegido. Embora a estrutura da acção típica seja equivalente à do furto seria atípica, como defendido pela arguida, sob pena de, ao invés de mera interpretação, se entrar no campo da aplicação analógica para a criação de tipo legal, não consentida.
O furto da carteira não pode vir a ser qualificado pelo arrombamento que decorre das declarações prestadas pela ofendida em instrução por implicar alteração substancial dos factos não permitida e não sendo aqueles factos (novos) autonomizáveis (sob pena de penalização do candidato)