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A formação do estado de direito e a ideia de justiça na contemporaneidade: discussões a partir da concepção liberal igualitária de justiça

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Academic year: 2021

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RAFAEL ZIMMERMANN

A FORMAÇÃO DO ESTADO DE DIREITO E A IDEIA DE JUSTIÇA NA CONTEMPORANEIDADE: DISCUSSÕES A PARTIR DA CONCEPÇÃO LIBERAL

IGUALITÁRIA DE JUSTIÇA

Ijuí (RS) 2016

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RAFAEL ZIMMERMANN

A FORMAÇÃO DO ESTADO DE DIREITO E A IDEIA DE JUSTIÇA NA CONTEMPORANEIDADE: DISCUSSÕES A PARTIR DA CONCEPÇÃO LIBERAL

IGUALITÁRIA DE JUSTIÇA

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador (a): MSc. Anna Paula Bagetti Zeifert

Ijuí (RS) 2016

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Dedico este trabalho a todos aqueles que me auxiliaram de alguma maneira, bem como acreditaram no desfecho desse primeiro capítulo da minha história na universidade.

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AGRADECIMENTOS

A minha orientadora Anna Paula Bagetti Zeifert pela sua dedicação, profissionalismo e amor pelo tema escolhido neste trabalho.

A todos que colaboraram de uma maneira ou outra para construção deste trabalho, meu muito obrigado!

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“A constituição do homem é obra da natureza; a do Estado é obra de arte: não depende dos homens o prolongar a sua vida, mas está em suas mãos prolongar a do Estado o quanto for possível, dando-lhe a melhor constituição que ele possa ter. O mais bem constituído acabará, porém, muito depois de outros, se imprevistos não o derrocarem prematuramente.” (Jean-Jacques Rousseau)

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica faz uma análise do surgimento do Estado de Direito, sobretudo, a partir da concepção dos contratualistas clássicos. Discute brevemente as gerações de direitos, bem como as revoluções liberais oitocentristas, buscando compreender a importância desse movimento para a consolidação do constitucionalismo. Ainda, faz um contraponto de ideias, entre o direito constitucional e os direitos humanos, entendidos neste trabalho, sob uma perspectiva universal. Por último, tece algumas considerações sobre a ideia de justiça, na medida em que propõe se debruçar nas novas perspectivas da filosofia política contemporânea.

Palavras-Chave: Contratualismo. Constitucionalismo. Justiça. Direitos Humanos.

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ABSTRACT

The present work of monographic research makes an analysis of the emergence of the rule of law, mainly, from the conception of classic contractualists. It briefly discusses the generations of rights, as well as the liberal revolutions of the eighteenth century, searching understand the importance of this movement for the consolidation of constitutionalism. Still, it makes a counterpoint of ideas, between the constitutional right and the human rights, understood in this work, from an universal perspective. Finally, it makes some considerations about the idea of justice, in that it proposes to look at the new perspectives of contemporary political philosophy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 A COMPOSIÇÃO DO ESTADO DE DIREITO: A RAZÃO DE ESTADO E O NASCIMENTO DO ESTADO MODERNO ... 10

1.1. Aspectos históricos que antecedem a formação do Estado de Direito ... 10

1.2. A doutrina contratualista e a transição para o Estado Moderno ... 15

2 A EXTENSÃO DEMOCRÁTICA DO ESTADO DE DIREITO E A CONSOLIDAÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO NA MODERNIDADE ... 29

2.1 A consolidação do Constitucionalismo ... 29

2.2 Da Liberal à Social Democracia ... 36

2.3 Os direitos humanos e o Estado Constitucional: universalidade e reciprocidade ... 43

3 OS DESAFIOS PARA UM ESTADO NA PÓS-MODERNIDADE: A IDEIA DE JUSTIÇA ... 48

3.1 Justiça como princípio do Estado Democrático de Direito em John Rawls ... 48

3.2 A democracia como razão pública em Amatya Sen ... 54

3.3 As críticas de Amartya Sen à Teoria da Justiça de John Rawls: ampliações da ideia de justiça ... 57

CONCLUSÃO ... 60

REFERÊNCIAS ... 62

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INTRODUÇÃO

A pesquisa visa abordar o debate acerca da formação do Estado de direito e a ideia de justiça na contemporaneidade, no intuito de compreender como e por quais motivos o Estado, enquanto instituição burocrática, ascendeu em meio a períodos de revoluções que ocasionaram intensas mudanças na estrutura da administração do poder.

Além disso, faremos uma abordagem sobre justiça, sobretudo, a partir dos desafios enfrentados pelos países com a evolução dos direitos humanos e o cenário de demandas cada vez mais crescentes, que não podem ser resolvidas apenas por um Estado nacional, mas pela ajuda mútua e cooperação internacional.

Acreditamos que somente a análise da conjuntura histórico-jurídica pode proporcionar a compreensão das características da constituição do Estado de Direito, sobretudo, a formação do Estado Moderno e as suas repercussões na filosofia política na modernidade. Nesse sentido, o estudo da Idade Média, mais especificamente da baixa Idade Média, como um período em que se constituíram as bases para o período subsequente, possibilitará a compreensão da importância das revoluções oitocentristas para a consolidação do constitucionalismo.

Assim, os ideais revolucionários do início da modernidade ascenderam a partir da utilização da racionalidade como a principal característica dos movimentos jurídico-políticos nesse período. Por esse motivo, realizaremos, de uma maneira crítica, um estudo detalhado acerca da formação do Estado de Direito e sua importância jurídica para a modernidade, utilizando os contratualistas clássicos. Nosso principal problema será compreender a relação entre Estado de Direito, democracia e justiça.

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Partindo das revoluções Francesa, Americana e Inglesa, identificaremos a afirmação de uma sociedade ocidental pautada na burocracia de Estado, ou seja, oriunda de um movimento positivista e legalista, que também desconsiderou muitos aspectos humanos, afetivos e tangenciais, para a afirmação de direitos.

Entretanto, é com a evolução dos direitos do homem e o surgimento da democracia que os direitos começam a ganhar terreno, ampliando a sua abrangência, sendo reconhecidos e recepcionados pelas cartas de direitos em países, antes, sem nenhuma característica democrática ou republicana.

Em seguida, apontaremos o debate sobre a universalidade de alguns direitos, compreendidos como essenciais a todas as pessoas, de tal forma que o reconhecimento de princípios como liberdade, igualdade, segurança, fraternidade, além do direito à vida, sejam compreendidos como direitos humanos, tanto do ponto de vista positivista, quanto entendidos como normas morais e, portanto, inatas a cada pessoa.

Apenas a compreensão universal de alguns direitos, entre eles, os direitos humanos, possibilitará tratar o tema da justiça, sobremaneira, enquanto balizadora de princípios inseridos tanto no arcabouço jurídico dos Estados, quanto no seio moral da sociedade.

Trataremos a teoria da justiça por meio de dois autores liberais igualitários, John Ralws e Amartya Sen, os quais divergem em algumas considerações, ainda que se utilizem dos direitos civis, político, econômicos e sociais para afirmarem suas teses.

Quanto à metodologia a ser aplicada neste estudo, optamos pelo método de abordagem hipotético-dedutivo, uma vez que se parte da coleta de dados em fontes bibliográfica disponíveis em meios físicos e eletrônicos, afim de desenvolver uma hipótese com base no problema apresentado. A pesquisa quanto ao objeto é do tipo exploratória e se utiliza de referenciais teóricos com obras de renomado respeito da filosofia política, contratualismo clássico, democracia, justiça e direitos humanos.

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1 A COMPOSIÇÃO DO ESTADO DE DIREITO: A RAZÃO DE ESTADO E O NASCIMENTO DO ESTADO MODERNO

A construção do Estado Moderno teve em sua gênese a ideia de Estados consolidados a partir de um aparato burocrático de centralização administrativa em um período histórico denominado modernidade, o qual se constitui com base na afirmação das ciências naturais do século XVII, nas revoluções políticas do século XVIII e nas revoluções industriais do século XIX (TORRES, 1989). Por isso, abordaremos nesse primeiro momento, a transição da Idade Média para a Idade Moderna, sobretudo, no que tange às formas de representação, de maneira a salientar algumas características essenciais da Idade Média, que possibilitaram o aparecimento de um novo contexto social e político na Modernidade, o que mais tarde daria origem ao Estado Moderno.

1.1. Aspectos históricos que antecedem a formação do Estado de Direito

Os aspectos históricos que determinaram a formação do Estado Moderno repercutem de alguma maneira e podem ser mais facilmente compreendidos se abordarmos algumas características históricas fundamentais apresentadas na Idade Média. Sobretudo, na Baixa Idade Média, considerando que aquele período abrangeu cerca de mil anos na história da humanidade, havendo divergências entre os fatos históricos que o especificaram, contudo, se iniciou no século V d.C. e se encerrou no século XV d.C., aproximadamente, perdurando entre o fim do Império Romano e o surgimento do Renascimento. (BEDIN, 2008)

Não obstante suas características particulares, a Idade Média apresentou quatro momentos específicos, quais sejam, a Primeira Idade Média, a Alta Idade Média, a Idade Média Central e a Baixa Idade Média. O primeiro momento se refere da queda de Roma (século V) até o início do século VIII. O segundo, do início do século VIII e abrangeu até as primeiras décadas do século X, em torno de 920 d.C., sendo que durante este momento ocorreu a formação da dinastia carolíngia, de Carlos Magno. (BEDIN, 2012). O terceiro, o auge da sociedade feudal, do século X ao XIII, sendo o declínio do Papado e, a Baixa Idade Média, em que novos tempos foram preparados, dos séculos XIII ao XIV.

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De outro modo, podemos considerar o Império e o Papado como as duas ideias majoritárias na Idade Média, as quais possuíram uma presença significativa na vida coletiva nesse período, como transcrito na passagem a seguir:

São os dois grandes projetos que se postulavam como universais: o de uma Igreja Romana, que passaria a se apresentar na Europa Medieval como grande fator de unidade da cristandade ocidental, e o de um Império do Ocidente, que já não existia mais a partir da deposição de Rômulo Augusto em 476 d.C., mas que, a partir daí, nunca deixaria de pairar o imaginário político dos novos reinos que, nessa parte ocidental do antigo império Romano, dava agora origem aos inúmeros reinos europeus, o que certamente era também imaginado pelo centro administrativo da Igreja. (SILVA, 2014, p.35-36)

Se caracterizou também por ser um período de transição histórica entre a Idade Antiga e a Idade Moderna, sendo denominada por muitos como um período de trevas na história, de embrutecimento, de ignorância e de desenvolvimento, a qual significou a decadência em aspectos de produção artística e literária. (BEDIN, 2008)

Outros autores, afirmam que esse período não foi de embrutecimento e subdesenvolvimento, mas sim teve suas características próprias e ainda tem sido muito pouco estudado com profundidade, tendo servido para fundar as bases cristãs e romanas na Europa. (SILVA, 2014)

Além disso, devemos considerar as formas de sociabilidade predominantemente rurais, quase sem a existência de comércio a não ser aquelas ligadas aos feudos. Por sua vez, a estrutura feudal, propriamente, que foi formada a partir de uma relação de dependência, em um período na Europa marcado pela violência, fome, pobreza, saques, epidemias e invasões, além da fraqueza das organizações políticas. A forma de proteção e sobrevivência possível consistiu na aliança feita pelas pessoas para garantir sua subsistência, uma vez que as instituições políticas foram sendo descentralizadas.

Podemos constatar, portanto, uma séria dificuldade econômica e a preponderância da sociedade agrária, a qual possibilitou a decadência dos centros urbanos e a estagnação da sociedade medieval, nas configurações política, social e cultural, servindo de sustentação para a servidão e a vassalagem no sistema feudal.

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Com a queda do Império Romano, a Igreja passou a ser a instituição oficial do mundo medieval, do mesmo modo como passou a filtrar o conhecimento nesse período, sendo a guardiã e a intérprete do conhecimento da Antiguidade Clássica. (BEDIN, 2008)

Desse modo, se considerarmos a influência do Direito Romano, bem como a influência cristã ao longo do medievo podemos confirmar a fundação das bases europeias para a Modernidade. Gilmar A. Bedin (BEDIN, 2012, p.22) entende que “[...] com a queda do Império Romano, a Igreja passou a ser a única instituição organizada e com a capacidade de produzir uma síntese do legado desta estrutura política e das contribuições germânicas.” Desse modo, a Igreja passou a preencher os espaços deixados pelo Império Romano, já que no século IV o cristianismo passou a ser reconhecido como a religião oficial do Império.

O monopólio da Igreja fazia dela a instituição incontestável, sobretudo, pela prevalência da palavra de Deus, uma vez que a sociedade passou a girar em torno da Igreja e o poder papal se constituiu como supremacia político-moral na sociedade medieval. Assim sendo,

a nova visão de mundo criada pelo cristianismo é algo impressionante e marcante na História universal. A explicação de que o homem é uma criação de Deus, de que deve tudo a Ele e que a vida é provação para retornar aos céus é uma das expressões da ordenação mais marcantes do ocidente. [...] obedecer a Deus conforme lhe ensinam seus enviados aqui na Terra – os santos da Igreja (os pais-padre/papa – que são ideias de hierarquia natural divina. O sucesso do mundo poderia ser medido pelo sucesso da Igreja e quanto mais cristãos existirem maior seria o bem de Deus na Terra. (SILVA, 2014, p.38)

A centralização do poder do clero regulou todas as esferas da vida social, adquirindo um poder extraordinário e o seu representante máximo passou a exercer um poder típico de Estado, dirimindo conflitos e apaziguando as relações sociais. Neste sentido, o Clero passou a ser legitimado pelo poder divido, centralizando o poder de legislar e julgar, por exemplo, condicionando a cultura e impondo regras, praticamente de forma ilimitada.

O período central de afirmação do pensamento cristão na Idade Média ocorreu nos anos 900 a 1000 d.C., quando o advento das cruzadas passou a ganhar força e ser um mecanismo eficaz para o exército cristão assentar seus domínios.

Somente com Carlos Magno, a partir de 800 d.C, o projeto de estabelecer uma sucessão hereditária no Império Carolíngio e relacioná-lo com a ideia universal da Igreja

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Romana, foi a confecção em 817, do documento denominado Ordinatio Imperii, o qual estabeleceu que o Papa coroava o único Imperador, e que este reinaria sobre os reis dos demais reinos, firmando assim, uma linha única de sucessão. (SILVA, 2014)

Esse sistema se afirmou na Alta Idade Média, séculos X a XIII, por volta de 1270, momento este, em que se assentou a sociedade feudal, ou seja, o auge do feudalismo, preparando novos tempos, delimitando alguns aspectos da modernidade, do laicismo e da centralização administrativa. (BEDIN, 2012)

Por sua vez, o Declínio do Papado e a Baixa Idade Média repercutiu o conflito entre os reis e o poder da Igreja. O resultado prático dessa concorrência se baseou na noção de que o Império perdeu cada vez mais espaço e importância para a realidade política europeia, uma vez que a dimensão de Império não se configurou nos moldes do Império Romano, restando preponderante a ideia de “reinos”, até a consolidação de fato do Estado Moderno. De outro modo, o papado seguiu-se daquele momento histórico até os dias atuais, como uma forte força política e cultural, continuando a interferir de algum modo na configuração de Estados-Nações, que se sucederam na modernidade. (SILVA, 2014)

As monarquias emergentes entraram em conflito com o poder Papal. Um exemplo claro do declínio do poder da Igreja pode ser visto pelo Rei da França Felipe IV (1268-1314), o qual levantou fundos, para uma guerra, de terras da Igreja em seu país, ignorando a proibição contra a tributação dessas propriedades sem autorização do Papa. Além disso, em outro evento, invadiu a sede do papado enfraquecendo, desse modo, o poder do Clero e sobrepondo limites à atuação da Igreja. (BEDIN, 2012)

Outro exemplo, a Reforma, foi um episódio histórico que abalou a Igreja definhando as estruturas institucionalizadas da Igreja Católica. Em 1517, Martinho Lutero expos as 95 teses contra o poder dessa Igreja, que havia caído na corrupção, cometendo práticas como o tráfico de indulgências para obtenção de lucro. A Reforma impulsionou o Poder dos Reinos em detrimento do poder da Igreja, o que foi altamente inspirador para os reformadores. (SILVA, 2014)

Nesse sentido, podem ser definidos três aspectos desse momento. O aspecto teológico, pois o fundamento do cristianismo se assenta na fé e não na idolatria de imagens e ídolos.

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Moral, porque se opõe à corrupção e Política uma vez que os povos puderam ter uma leitura diferente da palavra de Deus na Bíblia, mais próxima da sua realidade. As palavras de Lutero estabeleceram os espaços que deveriam ser ocupados pela Igreja e os que deveriam ser ocupados pelo Estado, impulsionando um posicionamento estatal mais laico e mais moderado.

Esse fato, ocasionado pelo fato de a Igreja Católica não mais passar a atender aos interesses de seus fiéis e tão pouco os setores do próprio clero. Por conseguinte, a Reforma dividiu os cristãos em católicos e evangélicos, pelos motivos expostos a seguir:

Com esse quadro consolidado, os ataques ao papado e à Igreja tornaram-se cada vez mais fortes e sistemáticos. Neste sentido, contribuiu também para a fragilização da Igreja e do papado a corrupção, o nepotismo, a busca de riqueza pessoal por parte dos bispos e a concupiscência do clero. Esses atos passaram a ser condenados publicamente pelos cristãos, letrados ou não. Essa condenação, no entanto, não revelava sentimento anti-religioso, de seus membros. Ao contrário, o que se condenava eram as práticas religiosas oficiais da Igreja, valorizando-se o resgate do espírito e dos princípios do cristianismo dos primeiros tempos, que muitos cristãos entendiam terem sido abandonados. (BEDIN, 2008, p. 73)

A Reforma protestante teve o apoio de três setores da sociedade. Os camponeses, os moradores das cidades, que emergiam, a nobreza e os monarcas. Os camponeses viam em Martin Lutero seu defensor contra a opressão da Igreja. Os moradores, que desejavam ter o seu dinheiro distribuído não para Roma, mas para o seu próprio país. E, por último, os monarcas que viam a possibilidade de confiscar as terras da Igreja sob seus domínios. Dessa forma, a figura de Martin Lutero e de outros reformadores como Jean Calvino representaram o fim da unidade cristã até o momento, bem como a ideia de universalidade da Igreja Romana. (BEDIN, 2012)

Esse movimento, no entanto, não passou invisível aos olhos da Igreja Católica, a qual propôs uma reação à essa reforma, ou seja, a Contra-Reforma Católica, que conjuntamente ao Renascimento estabeleceram as condições necessárias para o surgimento em definitivo do mundo moderno. Assim sendo, a Igreja Católica passou a se utilizar de diversos mecanismos para manter sua hegemonia. A partir do Concílio de Trento, a Companhia de Jesus foi o instrumento utilizado pela antiga Igreja retomar o poder exercido até então, buscando apoiar-se nos príncipes e outros apoiar-setores que os apoiavam. Do mesmo modo, a ampliação do papel dos tribunais de inquisição e a confecção do Índex, ou seja, o livro de obras proibidas pela Igreja Católica, possibilitaram a censura e a tomada de medidas hostis sobre aqueles que criticavam e possuíam um pensamento divergente ao da Igreja. (BEDIN, 2012)

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No entanto,

Essas medidas foram, portanto, fundamentais para a Igreja católica retomar a iniciativa. Não foram, contudo, suficientes para conter o processo de centralização do poder e, em consequência, frear a consolidação do Estado moderno. Nesse sentido, os fatos ocorreram de forma diversa, pois, ao invés de a Igreja tentar conter esse fenômeno político em expansão, acabou aliando-se aos reis católicos, numa espécie de aliança estratégica contra o protestantismo. Assim, também a Igreja Católica acabou auxiliando no processo de centralização política do Estado moderno. (BEDIN, 2008, p. 78)

Em suma, a Baixa Idade Média se caracterizou como o período em que o comércio foi se reascendendo, as cidades emergindo, ocasionando uma ruptura com a tradicional sociedade agrária, no caminho da afirmação do Estado Moderno. Após o apogeu da Idade Média, nos séculos XI e XIII, as profundas transformações provocaram o colapso no sistema feudal, ocasionado pela fome, guerra e pestes, ou seja, privações de todos os gêneros, como a Guerra dos Cem Anos, a peste negra e a fome decorrente da crise agrícola de 1315 e 1317. (BEDIN, 2008)

A mudança sobreveio por diversos fatores, sendo uma crise de grandes proporções, envolvendo aspectos demográficos, econômicos, sociais, políticos e clericais, por exemplo. A forma predatória e invasiva de lidar com a natureza e com as pessoas se tornou insustentável. Portanto, as formas de sociabilidade predominantemente agrárias se alteraram para uma configuração social, não mais balizada pelo feudo, mas sim pela indústria e pelo comércio, pelo modo de vida urbano, assim como por relações sociais mais livres. Assim, desenhava-se o início de um período que viria a seguir: a Modernidade, e em consequência, o Estado Moderno.

1.2. A doutrina contratualista e a transição para o Estado Moderno

Com o advento da Modernidade inaugura-se uma nova era, a qual seria o berço do que mais tarde iriam chamar de Estado Moderno. Assim sendo, por Modernidade se entende o período histórico datado desde o ano de 1500 até os dias atuais. Possibilitou a formação de um aparato público-estatal, o qual instituiu divisões e formas políticas pessoalizadas e parciais, sendo um contraponto à proposta de universalidade e impessoalidade das formas de representatividades. (TORRES, 1989)

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Esse novo período foi determinante em relação ao surgimento de novas ideias, pensamentos e reivindicações, as quais deram sentido ao pensamento da modernidade. Da mesma forma, se construíram doutrinas acerca do Estado de Direito, sobretudo, se compreendidas e alicerçadas nas revoluções Francesa (1789), Americana (1776) e a Inglesa, no século XVII, assim como na revolução industrial do século XVIII, iniciada pelas revoluções burguesas como a Revolução Puritana de 1640 e a Revolução Gloriosa, de 1688. Toda essa “era de revoluções” marcou um novo momento na história do direito, na política, na filosofia, nas artes, nas ciências, entre outros, o qual restou denominado de iluminismo, especialmente, porque a Idade das Trevas, como ficou conhecida a Idade Média, tinha sido inexpressiva para aquela ideologia que surgia, pautada, sobretudo, na razão humana, sendo esta a luz para o futuro da humanidade e esquecida durante o período que acabava de ser “superado”. (TORRES, 1989)

Um de seus expoentes, num primeiro momento, foi Nicolau Maquiavel, do século XVI, que rompe com pensamento teocrático. Defendeu um Estado fruto do racionalismo científico e não um mero acontecimento do mundo da natureza, ou, uma providência divina. Afirma ele, que todos os homens são medrosos e buscam incessantemente o poder, para se afirmar em algo. Mostrou que a política se consolida em um jogo de interesses, tendo escrito um verdadeiro manual de como manter bons governantes e como destituir os maus, aqueles sem virtude. Escrito entre 1513 e 1516, O Príncipe pode ser considerado uma das obras políticas mais importantes da história da humanidade. (SILVA, 2014)

Na obra, ele se preocupa muito com o momento histórico da Itália, que conta com uma fragilidade por falta de unidade nacional, intrigas políticas, imoralidades e instabilidade política. Sua preocupação com as finalidades lhe rendeu a utilização de seu sobrenome como adjetivo pejorativo: “maquiavélico”, ao defender que os fins justificam os meios. A maioria dos leitores não considera o propósito final, que para o autor seria o bem comum. Disserta que, se não tens bons fins não encontrarás os meios certos, da mesma maneira como não se deve escolher maus meios para não destruir os fins. Injustiçado ou não, cabe considerar que ele foi um dos maiores pensadores práticos da história. (MAQUIAVEL, 1987)

Fato é que este pensador pôs o homem, como um ser capaz, em frente ao poder divino, rompendo com as bases do direito natural. Neste sentido:

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O pensamento social da modernidade foi chamado de muitas formas: racionalismo, iluminismo, jusnaturalismo, evolucionismo, contratualismo, idealismo, etc., que partiam do pressuposto de que o homem é o centro de todas as coisas; de que o homem é o principal ser natural. (SILVA, 2014, p.45)

O uso da razão de Estado possibilitou novas perspectivas com as visões dos contratualistas, os quais afirmam ser o governo civil, isto é, governo das leis, condição indispensável para a sobrevivência dos homens e a preservação de sua liberdade.

O governo civil, pautado nas leis civis, possibilitou a concentração administrativa do Estado, o direito em questão passou a ser positivado em documentos, surgindo, então, o direito positivo, isto é, um direito positivado em cartas de direito, ou, artificial, oriundo da vontade do legislador. A partir dessa ideia, é possível aduzir que o direito positivo, criado pela vontade humana adveio de um projeto racional que definiu as leis, normas legais e constitucionais como “instrumentos da razão planificante”, capaz de regulamentar os problemas sociais. (SILVA, 2012, p.63)

Neste sentido, a análise do contratualismo, enquanto fenômeno de fundamentação do Estado de Direito na Modernidade, sobretudo, porque surgiu em oposição à concepção orgânica de sociedade, consolidou-se em sobreposição à doutrina do Direito Natural construída pelas leis da natureza, sendo estas inatas a cada indivíduo.

O contratualismo, por sua vez, apontou a ideia de contrato, pois fundamentada na criação artificial da razão humana por meio de um consenso entre os indivíduos. (STRECK; BOLZAN DE MORAIS, 2010). Logo, o estabelecimento de um Estado civil colocou a sociedade ocidental em um momento histórico distinto, em que o uso da razão humana surge como um imperativo em relação à organização primária e fora do contexto social, isto é, anterior à sociedade política. A razão passa a ser um dos elementos mais importantes para a formação do pensamento moderno, o qual tentou ser o mais fiel possível ao racionalismo científico.

Diante do exposto, o Estado de Direito transformou a razão de Estado na virtude de fazer leis civis e definiu normas substanciais para servirem de fundamento às constituições. No entender de Canotilho (CANOTILHO, 2010), o Estado Constitucional, na concepção

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liberal-formal de Estado de Direito, prescindiu de uma estrutura democrática para que tivesse a soberania e o domínio de suas ações legitimados pelo povo.

Ocorre que, o renascimento (XVI a XVIII), se refere à formação de um novo pensamento ocidental, que rompia com as bases católicas e feudais até então. Promoveu a sobreposição da ciência à religião, isto é, no âmbito político, por exemplo, a sobreposição da razão de Estado em detrimento da religião de Estado. (STRECK; BOLZAN DE MORAIS, 2010) (2010, grifo nosso)

A transição do modo de produção feudal, no qual preponderava a produção agrícola, camponesa e manual, em que o poder estava dividido em setores sociais hegemônicos, como os senhores feudais, o clero e os proprietários de terras, os cavaleiros, e outros, para a de produção industrial, mecânica e urbana, demonstrou uma mudança social, que mais tarde influenciou a concepção de Estado, marcado pela ideia de “neutralidade” e de contrato social, onde o Estado passou a existir como uma unidade centralizadora.

Houve, dessa maneira, um avanço do pensar humano, de explicar e buscar soluções para todos os problemas, sendo que a transição para um Estado Civil, pautado em leis civis, se consolidou com a doutrina contratualista, especialmente, inspirada por Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean Jacques Rousseau (1712-1778), os quais propuseram a elaboração de um pacto, ou seja, um contrato, como um meio de garantia de direitos, no intuito de preservar a vida, a liberdade e a propriedade dos indivíduos.

Como observa (SILVA, 2014), o pressuposto político da modernidade é fazer o homem sair do estado de Natureza e fundar a sociedade civil, isto é, a sociedade dos homens, na intenção de ultrapassar aquela concepção natural e ir em busca da capacidade de ser racional.

O contratualismo assumiu notória importância neste contexto de transição, de uma sociedade onde os indivíduos devem prover sua própria segurança e liberdade a uma sociedade onde os indivíduos são protegidos por um acordo, um contrato, sob a tutela de um governo que respeite as leis civis de um determinado Estado.

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A primeira versão do Estado Moderno se refere ao Estado Absolutista, o qual se baseou na ideia de soberania, levando à concentração de todos os poderes nas mãos dos monarcas, dando origem, às denominadas monarquias absolutistas. Neste sentido, estas últimas se apropriaram do Estado, assim como faz o proprietário sobre seus bens privados, fazendo surgir um poder de império, em que há o poder absoluto do rei sobre o Estado. (STRECK; BOLZAN DE MORAIS, 2010)

Na visão de Thomas Hobbes, no estado de natureza há a guerra de todos contra todos, mais precisamente por não haver um poder comum capaz de manter todos os homens em temor respeitoso. O autor assegura não haver prazer na companhia de um homem com outro, e sim apenas a necessidade de reconhecimento de seu poder. Assim, se não houver um poder capaz de intimidar a todos, no intuito de manter todos em respeito, os homens serão levados à ruína e destruição. (HOBBES, 2003)

O referido autor afirma encontrar nos homens igualdade ainda maior do que a força, sendo esta a prudência, a partir da experiência adquirida em vida. Com base nessa igualdade quanto à capacidade dos “homens deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos os nossos fins”. (HOBBES, 2003, p. 107-108). O caminho que leva a um determinado fim faz com que os homens se destruam e subjuguem um ao outro, uma vez, que o fim constitui-se na sua conservação e também no seu deleite. Por isso, surge nos homens a desconfiança, isto é, o alicerce para o que se pensa, uma maneira de se garantir, e esta é a antecipação. Nada mais razoável do que a força ou a astúcia para subjugar as pessoas e todos os homens que puder, durante o tempo necessário para que não veja mais poder algum que o ameace.

Na natureza dos homens se encontram três causas principais da discórdia: a competição, a desconfiança e a glória. A primeira leva os homens a atacarem os outros em busca do lucro, a segunda, a segurança e a terceira, a reputação. (HOBBES, 2003)

Dessa maneira, sem um poder comum capaz de manter todos os homens em temor respeitoso se encontram em estado de guerra uns com os outros.

Com isto torna-se manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de mantê-los todos em temor respeitoso, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. Pois a GUERRA não consiste apenas na batalha ou no ato

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de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida. (HOBBES, 2003, p. 109)

Na opinião do autor, o estado de natureza se constituiu como um estado de guerra onde todo homem seria inimigo de todos os homens. Neste sentido, a capacidade de cada indivíduo em proteger a si mesmo se constitui na verdadeira forma de proteger sua vida, propriedade e liberdade. Contudo, nesta condição não há espaço para o trabalho, isto é, o seu fruto torna-se incerto por haver sempre o perigo de roubo, disputas e guerras. Por conseguinte, não há cultivo de terra, nem navegação, comércio marítimo, não há construções confortáveis, nem instrumentos para garantir a movimentação de coisas que necessitam de uma grande força. Além disso, não há espaço para a ciência, entre ela, as artes, as letras; não há sociedade e se vive sempre com um medo continuo e perigo de morte violenta. Restando a vida do homem “solitária, miserável, sórdida, brutal e curta”. (HOBBES, 2003, p. 109)

Nessa guerra de todos contra todos não há espaço para a lei, logo, não há a noção de certo e incerto ou de justo e injusto. As virtudes da guerra são a força e a fraude, contrariamente à noção de justiça. Esta por sua vez, faz parte do homem que vive em sociedade, de forma coletiva. Do mesmo modo, não há a distinção entre o meu e o teu somente pertencendo a cada homem aquilo que for capaz de conservar e durante o tempo em que conseguir.

Quais os desejos dos homens em manter a paz? O uso da razão sugere algumas normas onde os homens conseguem entrar em comum acordo. Por outro lado, alguns dos desejos dos homens tendem para a paz. O medo da morte, o desejo das coisas necessárias a uma vida confortável e a esperança de alcançá-las por meio do trabalho. (HOBBES, 2003)

No intuito de procurar a paz e segui-la, (HOBBES, 2003) estabelece algumas leis da natureza, que se relacionam com a sociedade civil. A primeira lei da natureza diz respeito à superação de um estado de guerra, que ocorre com a utilização de um instrumento, o contrato, uma vez, que a palavra dos homens é fácil de ser desfeita. Assim, a justificativa de um poder absoluto sobre os homens encontra respaldo na intenção de obrigar os contratantes, isto é, os indivíduos, a cumprirem seus pactos. Caso este, que ocorre em uma República Civil, a qual institui um poder para coagir aqueles que violaram sua confiança.

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Surge então, para (HOBBES, 2003) a terceira lei da natureza, a qual afirma que uma vez celebrado o pacto todos devem cumpri-lo. Nestes termos, o fundamento do contrato e da lei em si é a possibilidade de ser exigida dos indivíduos uma conduta de acordo com a convenção das partes.

Nesta lei da natureza reside a fonte e a origem da JUSTIÇA. Porque sem um pacto anterior não há transferência de direito, e todo homem tem direito a todas as coisas; consequentemente nenhuma ação pode ser injusta. Mas, depois de celebrado o pacto rompê-lo é injusto. E a definição de INJUSTIÇA não é outra senão o não-cumprimento de um pacto. E tudo o que não é injusto é justo. [...]. Portanto, para que as palavras “justo” e “injusto” possam ter lugar, é necessário alguma espécie de poder coercitivo, capaz de obrigar igualmente os homens ao cumprimento dos seus pactos, mediante o terror de algum castigo que seja superior ao benefício que esperam tirar do rompimento do pacto, e capaz de confirmar propriedade que os homens adquirem por contrato mútuo, como recompensa do direito universal a que renunciaram. E não pode haver tal poder antes de se erigir uma república. (HOBBES, 2003, p. 124)

Com base no exposto, a superação do estado de natureza se propõe a retirar o poder de autotutela dos indivíduos para fazerem o que bem lhes aprouver. É o que dispõe a décima sétima lei da natureza, a qual nos mostra que ninguém pode ser seu próprio juiz. Assim, “Considerando que todo homem supostamente faz todas as coisas tendo em vista seu próprio benefício, ninguém pode ser árbitro adequado em causa própria”. (HOBBES, 2003, p. 134)

Desse modo, restam aqui estabelecidas as únicas leis que dizem respeito à doutrina da sociedade civil, as quais possuem como objetivo principal ditar a paz como um meio de “conservação dos homens em multidões”. (HOBBES, 2003, p. 135)

Por sua vez, John Locke, assegura a existência de leis no estado de natureza, contudo este estado não consiste na guerra de todos contra todos como supunha Hobbes. Assim, a superação do estado de natureza ocorre principalmente para proteger a liberdade e a propriedade dos indivíduos.

Neste sentido, a origem do poder político advém de um estado natural, onde todos os homens estabelecem formas de manter a propriedade e ordenar-lhes as ações conforme as leis naturais sem pedir autorização a outro homem. (LOCKE, 1963). Embora, possuam os homens, no estado de natureza, total liberdade de dispor da própria pessoa e posses, ninguém detém o poder, diga-se, direito de destruir a si mesmo ou a qualquer outro ser vivo existente.

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Assim, a lei da natureza caracteriza-se na busca pela paz e a preservação da humanidade se assemelhando em alguma medida do proposto por Hobbes.

Assim, neste estado todos são executores da lei da natureza e juízes em seus próprios casos. Desta forma, o governo civil é um remédio para os inconvenientes do estado de natureza, haja vista, que um homem que comete um mal contra outro, mesmo sabendo de tal malefício raramente condena a si próprio. Locke afirma que o mundo nunca estará com poucos homens nesse estado, porque mesmo o estabelecimento de um pacto para a vida em comunidade e em corpo político, não significa dizer, que qualquer pacto retire dos homens o estado de natureza. Neste sentido, cabe ressaltar que todos os homens se encontram naturalmente no estado natural até que por consentimento próprio se tornam membros de uma sociedade política.

Para Locke, o estado de guerra difere do estado de natureza, como se segue: “O estado de guerra é um estado de inimizade e destruição”. (LOCKE, 1963, p. 13). afirmando diferentemente de Hobbes, que “[...] não há quem deseje ter alguém sob seu poder absoluto senão para compeli-lo pela força ao que é contra o direito de liberdade, isto é, torna-lo escravo.” (LOCKE, 1963, p. 14)

Esse estado de guerra pretende a transgressão das leis naturais, dessa forma, é preciso evita-lo, o qual não se tem a quem apelar senão para os céus, onde também não existe autoridade que decida sobre a divergência e faça cessar tal violência.

A liberdade de um homem denota-se tão necessária para a preservação de sua vida que ele não pode desfazer-se desta, senão perdendo o poder sobre a própria vida. Não obstante, a vida pode ser perdida não somente pelo pulsar, mas pela falta do direito de dela dispor, como se evidencia na condição de escravidão, a qual pode ser considerado “um estado de guerra continuado entre o conquistador legítimo e o cativo”. (LOKCE, 1963, p. 18). Por conseguinte, uma vez realizado um acordo entre ambos cessa o estado de guerra, por força de disporem de seus direitos, faculdades e liberdades sobre a própria vida.

A liberdade natural do homem consiste em estar livre de qualquer poder superior sobre a terra, e não sob a vontade ou a autoridade legislativa do homem, tendo somente a leis da natureza como regra. A liberdade do homem na sociedade não deve ficar sob qualquer outro poder legislativo senão o que se estabelece por consentimento na comunidade, nem sob o domínio de qualquer vontade ou restrição

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de qualquer lei senão esse poder legislativo promulgar de acordo com o crédito que lhe concedem. (LOCKE, 1963, p. 17)

Outro direito indispensável à sociedade civil versa sobre a propriedade, de tal modo, que apesar de todos os seres inferiores estarem em condição de apropriação por todos os homens, cada um possui a sua própria propriedade. Ninguém senão ele próprio possui direito sobre o que dela advier. Seja o que for que tenha retirado do estado de natureza pertence a ele, de modo que tenha o direito sobre isto, pois trabalhou para ter o que outros nãos fizeram. A despeito desse direito adquirido pelo trabalho, ninguém pode se apoderar da propriedade sem a existência de um pacto, exceto quando não houver o suficiente para terceiros e, desde que não prejudique aquele proprietário. (LOCKE, 1963)

Nesta passagem podemos observar:

Ninguém se julgaria prejudicado porque outro homem bebesse, embora fosse longo o trago, se dispusesse de um rio inteiro da mesma agua para matar a sede; e o caso da terra e da agua, quando há bastante para ambos é perfeitamente o mesmo. (LOCKE, 1963, p. 23)

Antes da apropriação da terra, o homem que empregava seu trabalho, colhendo o máximo de frutas possíveis, plantando e pescando, apanhando ou domando tantos animais quanto possíveis, adquiriu para si certa propriedade deste produto da natureza. Por conseguinte, o trabalho incorporou valores em tudo o que existe.

Em determinado momento, quando do surgimento das cidades o consentimento das pessoas tornou possível o acordo sobre os limites da propriedade, bem como a divisão das terras e de cada território através de leis que delimitaram a quantidade respectiva a cada membro da sociedade.

Quando esses homens formaram uma comunidade, como um só corpo essa vontade de agir ocorreu somente pela vontade da maioria. Assim sendo, em assembleias o poder legislativo passou a agir em nome da vontade da maioria e somente através dessa vontade possui, atualmente, legitimidade no ato de criar uma lei, seguindo desse modo, a lei da natureza e da razão.

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Todo homem quando concorda em fazer parte desse corpo político assume que a vontade da maioria deve prevalecer sobre sua singular vontade. Entretanto, presume-se que a união de homens em comum enfraqueça as discordâncias tornando-os raros ou poucos em comparação aos pontos em comum. Se os desencontros fossem maiores do que as semelhanças, o pacto de união de uma sociedade perante um governo dessa mesma sociedade não teria eficácia. (LOCKE, 1963)

Desde que o poder legislativo seja composto por membros da coletividade e representem as necessidades e imperativos da sociedade política o governo pode ser considerado legítimo. Por conseguinte, o que constitui ou o que dá início a uma sociedade política é a união de qualquer número de homens livres capazes de maioria para se reunirem e incorporarem a esta sociedade. Somente isto poderia originar um governo legítimo no mundo. Na visão de Locke, os membros de determinada sociedade se unem para um fim e assim, acabam por renunciar parte de sua liberdade existente no estado de natureza.

A maneira única em virtude da qual uma pessoa qualquer renuncia à liberdade natural e se reveste dos laços da sociedade civil consiste em concordar com outras pessoas em juntar-se e unir-se em comunidade para viverem com segurança, confôrto e paz umas com as outras, gozando garantidamente das propriedades que tiverem e desfrutando de maior proteção contra quem quer que não faça parte dela. Qualquer número de homens pode fazê-lo, porque não prejudica a liberdade dos demais; ficam como estavam na liberdade do estado de natureza. Quando qualquer número de homens consentiu dêsse modo em constituir uma comunidade ou govêrno, ficam, de fato, a ela incorporados e formam um corpo político no qual a maioria tem direito de agir e resolver por todos. (LOCKE, 1963, p. 60)

Até o estabelecimento de um governo, que precede a toda a história do mundo, os homens estão em perfeita liberdade e somente dá causa a este governo a união voluntária e consensual de homens livres, que agiriam livremente sobre a escolha dos governantes e das formas de governo.

Além disso, o autor afirma que em sociedades políticas menores, onde não existem conflitos sobre terras e cada indivíduo possui o suficiente para a subsistência, de forma que não prejudique os demais membros dessa comunidade, os conflitos existentes são menores do que em localidades em que existam mais membros e disputas por terras, riquezas e poder. A necessidade de muitas leis não existe, visto que os conflitos são menores ou em algumas situações, inexistentes. Da mesma forma, não era preciso muitos funcionários para gerir o governo e acompanhar a execução da justiça. (LOCKE, 1963)

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Naturalmente, os mais sábios e os mais fortes guerreiros sempre foram escolhidos para conduzir determinado povo, bem como em guerras contra os inimigos governando, principalmente, no intuito de evitar a destruição dessa comunidade. (LOCKE, 1963)

Do mesmo modo, independentemente quem pôs os primeiros governos nas mãos de uma pessoa só, agiu certamente no intuito de preservar o bem público e a segurança da comunidade. Todos os motivos levam a crer que o estabelecimento de qualquer governo se baseou no consentimento dos homens. Alguém nascendo sobre a tutela de um governo não pode criar novo governo legítimo, pois este já existe. Esta pessoa pode apenas participar desse governo, da forma que for, mas sempre estará vinculado à vontade dos homens livres que legitimaram tal governo. Se esta premissa for verdadeira, como se originaram as monarquias absolutas em tantos governos do mundo?

Todo homem no momento em que se vincula a um governo submete toda sua propriedade sob a tutela e legislação de tal governo. Caso contrário, o governo não teria sentido se não tivesse propriedade para proteger.

Assim, é fácil distinguir entre quem pertence e quem não pertence no corpo da sociedade política. Aqueles que unidos permanecem vinculados a uma legislação e estão em comum acordo sobre as penalidades de uma conduta que confronte os motivos da constituição da sociedade civil.

Para John Locke, se as pessoas se inserem na sociedade política não podem se eximir da obrigação e do imperativo da lei.

Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto da sua própria pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá êle mão dessa liberdade, por que abandonara seu império e sujeitar-se-á ao domínio e contrôle de qualquer outro poder? (LOCKE, 1963, p. 59)

Para responder a essa pergunta o autor menciona que nenhum indivíduo trocaria o estado de natureza voluntariamente para um Estado pior do que estava em perfeita liberdade, uma vez, que o poder do Estado perante a sociedade civil limita-se ao bem comum.

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Como no estado de natureza todos possuem o poder de castigar um ao outro, na sociedade política, o governo é em regra, o único que pode opor-se aos membros da própria sociedade para resguardar a paz, a segurança, a propriedade e o bem comum.

Além da propriedade e da liberdade a união em sociedade procura preservar a vida. Dessa forma, em tudo o que acordar a comunidade, se estabelece a legitimidade do poder executivo e legislativo, bem como dos governos e sociedades.

Consoante a Locke, Rousseau declara que a passagem do estado de natureza para o estado civil implica a observância da justiça e da razão. O contrato social fez o homem perder a liberdade natural em um direito sem limites, contudo, faz ganhar a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Entre os três autores citados neste capítulo, Rousseau é aquele que melhor descreve o que seria o pacto social. Para ele no estado de natureza não há pacto e, por conseguinte, não há dever com alguém que não se estabeleceu pacto algum. O mesmo não ocorre no estado civil. Portanto, o autor formula o que seria a vontade geral, que guiaria o povo para a “conservação comum e o bem de todos”. Com base nessas ideias é possível descrever brevemente a passagem do estado de natureza ao estado civil. (ROUSSEAU, 2012)

Toda ação livre possui duas causas. Uma delas é a vontade moral, aquela que determina o ato e outra, a vontade física a qual se constitui na potência que a executa. Da mesma forma, há no corpo política duas forças. Uma delas é o poder legislativo e a outra o poder executivo. (ROUSSEAU, 2012)

O governo ou suprema administração, é o exercício legítimo do poder executivo e, o príncipe, ou magistrado, o homem ou corpo que executa. Se as ordens do governo não são seguidas pelo povo, não havendo equilíbrio entre a relação dos vassalos e soberanos, sem que ocorra controle sobre todos os produtos de ambos, corre-se o risco de o Estado ser dissolvido devido à não mais haver uma força uníssona que o move caindo no despotismo ou na anarquia.

Rousseau afirma em O Leviatã que o povo unido forma um soberano e nada mais representa do que a fragmentação do poder individual. Assim, suponha-se que existam 100 membros do povo, o poder de cada um é dividido à fração de um centésimo do poder do

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soberano, isto, se este poder for considerado como um corpo político. Assim, o autor conclui que quanto mais se estende o Estado, mais se diminui a liberdade. (ROUSSEAU, 2012)

Por existir uma variação na constituição do Estado aufere-se que podem haver tantos Estados e constituições diversas quantos os existentes e, por isso, o governo pode ser diferente em cada Estado, mas não haverá por isso uma constituição de governo única e absoluta.

Para Rousseau, o governo “[...] é em pequeno o que é em grande o corpo político que o inclui; é uma pessoa moral dotada de certas faculdades, ativa como soberano, passiva como o Estado [...]”. (ROUSSEAU, 2012, p.60). Por sua vez, essas particularidades e atributos pressupõem a existência de “[...] assembleias, conselhos, o poder de deliberar, de resolver, e supõe direitos, títulos e privilégios, que pertençam exclusivamente ao príncipe e que tornem a condição de magistrado mais respeitável [...]”. (LOCKE, 1963, p.61)

Assim, podemos dizer que passaram a existir alguns princípios norteadores das cartas de direitos nos países ocidentais, influenciados, principalmente, a partir das revoluções oitocentristas. Esses princípios, via de regra, foram concentrados em direitos fundamentais, ou seja, nas constituições nacionais, as quais possuíram um viés bastante substancial em limitar o exercício do poder político.

Houve, portanto, um movimento jurídico e político para expandir os direitos civis e políticos da população. Assim, a sociedade foi se desenvolvendo e ampliando a possibilidade de votar e ser votado, por exemplo, algo restrito na história da humanidade àqueles oriundos de uma camada mais influente econômica e politicamente.

Sob outro aspecto, após a garantia dos direitos civis, políticos, individuais e outros, a partir das conquistas e lutas históricas, isto é, em sua maior parte, direitos subjetivos a cada indivíduo, o Estado passou a ser um instrumento de limitação de poderes, mas também como um instrumento de trabalho em prol da sociedade. Montesquieu (2010), afirma que a liberdade política só se encontra nos governos moderados, em que não haja abuso de poder. Para que o povo detenha o poder preponderante na sociedade, há que existir um instrumento, qual sejam as constituições, em que ninguém seja forçado a fazer as coisas que a lei não obriga, e a não fazer o que a lei lhe permite.

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Como bem sabemos, a centralização administrativa e burocrática atribuiu poderes e funções ao poder público, no intuito de concretizar os direitos oriundos das cartas magnas, isto é, das cartas de direitos. Por isso, surge de forma criteriosa e relevante a tripartição dos poderes proposta por Charles de Secondat, Barão de Montesquieu, no que se refere à divisão estrutural do exercício do poder, com base nos tradicionais Poderes do Estado na Modernidade, sendo eles o Legislativo, Executivo e o Judiciário, aos quais foram atribuídos competências, atribuições e poderes. (MONTESQUIEU, 2010)

Diante dessa nem tão simples teoria e definição, o espírito, ou seja, a virtude da lei, em uma República, deve ser considerada como um sentimento e não uma série de conhecimentos. Para Rousseau “[...] cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebemos enquanto corpo cada membro como parte indivisível do todo”. (ROUSSEAU, 2012, p.26)

A democracia se consolidou, de forma mais pujante, após a utilização da tripartição dos poderes e a limitação das funções de cada membro do Estado, como uma forma de governo que englobou a participação política, as liberdades materiais e formais, além de um espaço de diálogo entre os agentes públicos, sociedade civil, órgãos estatais e de todas as esferas organizacionais e gerenciais do governo.

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2 A EXTENSÃO DEMOCRÁTICA DO ESTADO DE DIREITO E A CONSOLIDAÇÃO DO CONSTITUCIONALISMO NA MODERNIDADE

A doutrina contratualista clássica vista no capítulo anterior estabeleceu um direito na modernidade pautado em acordos de vontades, estabelecendo direitos e limites às ações estatais. A seguir, veremos alguns acontecimentos que colocam essa doutrina em prática e corroboram para a divisão do poder político. Nesse sentido, o surgimento dos Estados nacionais, com as novas configurações geopolíticas, possibilitou a criação de cartas de direitos que acomodaram objetivos comuns de convivência entre os povos.

2.1 A consolidação do Constitucionalismo

O constitucionalismo surgiu de diversos movimentos constitucionais, em diversas localidades, não havendo, portanto, um momento único ou um fato histórico determinante para a consolidação do Estado constitucional. Ocorre, que três movimentos constitucionais foram determinantes para se extrair uma definição de constitucionalismo, sobretudo, o denominado constitucionalismo moderno, o qual ficou conhecido por ser um movimento político, social e cultural, o qual questionava nos planos filosófico, político e jurídico as tradicionais configurações do domínio político. (CANOTILHO, 2003)

Essa inversão de pensamentos coloca o indivíduo no centro do mundo político e não mais o Estado, uma vez que o indivíduo passa a antecedê-lo. A ideia de que os homens possuem direitos e não apenas deveres fica clara com a consolidação do Estado Moderno, o qual pautado no constitucionalismo, abriu espaço para a ruptura com o passado, uma vez que a análise dos antigos documentos como a Lei das XII tábuas, a Lei de Eshunna, o Código de Hamurabi e os Dez Mandamentos são obras que elencam deveres e não direitos do homem. (BEDIN, 1998)

O que aconteceu para essa inversão de pensamento, em que a igualdade natural foi semeada entre as pessoas e a liberdade e a propriedade foram protegidas como essenciais à vida de cada indivíduo? Para responder a essa pergunta abordaremos três movimentos constitucionais, sejam eles, o Inglês, o Americano e o Francês, os quais se diferenciaram do movimento antigo, justamente por este ser um conjunto de princípios escritos ou consuetudinários sedimentados na existência de direitos estamentais perante os regimes

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monárquicos, preponderantes do final da Idade Média até o século XVIII. (CANOTILHO, 2003)

A partir dessa exposição trataremos da importância dessas constituições em cada contexto histórico, como um conjunto de normas, tanto escritas quanto costumeiras, moldadas à determinadas estruturas e instituições, de acordo com uma ordem jurídico-política em uma dada sociedade.

Dessa forma, o constitucionalismo enquanto conceito pode ser definido como “[...] a teoria que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade”. (CANOTILHO, 2003, p.51)

No mesmo sentido, a constituição moderna, objeto de nossa pesquisa, pode ser entendida ainda, como um ordenamento sistemático, normativo e racional formulado pela comunidade política, por meio de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos, assim como se fixam os limites do poder político. (CANOTILHO, 2003). Deste modo, há a garantia e o reconhecimento das liberdades negativas, em que o Estado não deve interferir na vida privada dos indivíduos, ao passo em que há a limitação do poder político, em prol do poder popular.

Em outras palavras:

Os mecanismos constitucionais que caracterizam o Estado de Direito têm o objetivo de defender o indivíduo dos abusos do poder. Em outras palavras, são garantias de liberdade, da assim chamada liberdade negativa, entendida como esfera de ação em que o indivíduo não está obrigado por quem detém o poder coativo a fazer aquilo que não deseja ou não está impedido de fazer aquilo que deseja. (BOBBIO, 1993, p.20)

Essas definições nos trazem uma ideia de finalidade a ser alcançada pelo Estado Moderno. Por assim dizer, a consolidação do Estado, acrescido de constitucionalidade, pressupõe o poder não só de limitar o poder político, mas de delimitar o seu uso quando necessário. Caso este, em que o Estado está legitimado a intervir na esfera privada para julgar e punir os cidadãos conforme um processo justo.

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Neste sentido, podemos abordar o princípio da reserva legal, isto é, o princípio legal balizador de toda ação estatal, constituindo-se em uma garantia de que não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem aplicação de pena sem prévia previsão legal. Tal enunciado foi estabelecido pela primeira vez no art.39, da Carta Magna de João Sem Terra em 1215. (BEDIN, 1998)

Por sua vez, a Magna Carta de 1215 deu início ao movimento constitucional na Inglaterra, em que o rei João Sem Terra para não ser deposto cedeu e aceitou os termos elencados nessa carta, a qual limitou o seu poder. Não pode mais aumentar impostos ou alterar leis sem antes consultar o Grande-Conselho, órgão composto por integrantes da Nobreza e do Clero. Assim sendo, fez prevalecer as leis e costumes em detrimento da discricionariedade do poder real, a obediência e controle do poder executivo à soberania do parlamento, assim como o ideal de igualdade no acesso à justiça e aos tribunais. (CANOTILHO, 2003)

Mesmo após a Carta de 1215, os reis, advindos da alta nobreza, juntamente ao Clero detinham o poder monárquico em grande escala na Europa. Entretanto, a burguesia cresceu a partir do final da Idade Média com a adoção do mercantilismo e do livre comércio e começou a ocupar os espaços do parlamento e iniciar reivindicações, possibilitando as condições para as revoluções liberais europeias, bem como as revoluções industriais dos séculos XVIII e XIX. Por assim dizer, a Magna Carta de 1215 inicia o processo que culmina na Revolução Inglesa no século XVII, quando há a instauração da monarquia parlamentarista. (TORRES, 1989)

A Revolução Puritana, de 1640, inicia as revoluções liberais na Europa. Durante o início do século XVII, a dinastia dos Stuarts, seguintes à dinastia dos Tudors (final do século XV e XVI), sofreram com a divisão da burguesia britânica, uma vez que Jaime I, sucessor de Elizabeth I, última descendente da dinastia dos Tudors, tomou medidas contrárias àquelas tomadas em tempos de progresso, descontentando a alta burguesia. (TORRES, 1989)

No período da dinastia Tudor, o país adotou o Anglicanismo, consistindo em um grande instrumento do Estado, unificando a Inglaterra e fazendo a economia prosperar, sobretudo, com o descobrimento de novas colônias. De outra forma, após Jaime I assumir o cargo de monarca, os burgueses menos abastados começaram a reivindicar a

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livre-concorrência no mercado. Assim, a alta burguesia utilizou a alta dos valores imobiliários da época, especialmente, de terras em zonas rurais para expandir seus negócios comprando e desapropriando terras para a produção, dentre tantas coisas, de lã, o que seria utilizado mais tarde para servir de matéria prima da revolução industrial inglesa. (TORRES, 1989)

Diante da ilegal cobrança de tributos e detenções de mercadorias, quando Jaime I morreu, em 1628, seu filho Carlos I assumiu o poder, mas o parlamento Inglês votou uma Petição de Direitos para limitar o monarca de realizar tais atos contra as classes menos abastadas no comércio. O rei, insatisfeito, dissolve o parlamento e o reabre em 1640 e 1653. Dentro desse período, ocorre uma guerra civil, entre os parlamentares e a realeza Inglesa. (TORRES, 1989)

Passados alguns anos de lutas o rei foi obrigado e se retirar para a Escócia, onde tinha muitos inimigos. Acaba preso e vendido ao parlamento Inglês, vindo a ser executado. Então, assume o Poder Oliver Cromwell, líder parlamentarista, o qual manteve o apoio dos militares e da burguesia após a execução de Jaime I.

Ocorreram diversas disputas do poder real até o ano de 1689, com a proclamação do Bill os Rights, quando foi estabulado direitos e garantias individuais aos súditos, bem como a sucessão da Coroa e os direitos do Parlamento, sendo o primeiro documento permissivo em relação à participação do povo, ainda que representados, para a implementação de cobranças de tributos, por exemplo. Essa carta ficou conhecida por ser a mais importante carta de direitos após o Magna Carta de João Sem Terra, servindo como base para as cartas de direitos subsequentes na Inglaterra. (TORRES, 1989)

De certo modo, a crise existente nas instituições como a Igreja e a instabilidade política deram causa às mudanças de pensamento determinantes à consolidação da monarquia parlamentarista, a qual estabeleceu para além do rei o poder do parlamento como uma espécie de conselho, ocasião esta em que o Estado começa a respeitar diversas cartas de direitos.

Durante os séculos XIV e XV, a Inglaterra vivenciou a deposição de cinco reis ingleses, com derramamento de sangue e grandes batalhas por territórios. Por conseguinte, havia a carência de unidade política, objeto de acordo da Paz de Westefália (1648), em que a

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unidade política passa a ser observada pela soberania estatal, delimitada por um território de determinado povo. (CANOTILHO, 2003)

Além disso, a Inglaterra passou a ser parte do movimento constitucional na modernidade, o qual foi acompanhado por mais países como veremos a seguir. (TORRES, 1989). Antes, porém, cabe referimos ao papel do parlamento, o qual atuava, inicialmente, em casos de restrição ao poder de tributar e participava, quando necessário, na atividade legislativa. Com o tempo, além de dessas atribuições o parlamento passou a fiscalizar os gastos da Coroa Inglesa. Ocorre que, em alguns momentos, o parlamento foi praticamente vendido ao rei, em escândalos de corrupção e demonstrações do poder monárquico em relação ao parlamento. Nesse sentido, com algumas exceções, o parlamento passou a se subordinar, após o século XII, quase inteiramente às decisões do rei, o que durou até a consolidação da tripartição dos poderes proposta por Charles de Montesquieu, mas de fato, passou a ser um novo centro dinástico de poder, composto por barões, condes, prelados e pela comunidade do reino. (TORRES, 1989)

Nos Estados Unidos da América (EUA), inicialmente habitada por nativos da América do Norte e posteriormente colônia Inglesa, a Declaração de Direitos de Virgínia, em 16 de junho 1776, alguns dias antes da Declaração de Independência dos EUA, em 04 de julho de 1776, estabeleceu, por meio de um documento escrito, leis e princípios norteadores da organização político-jurídica do povo da Virgínia. A Declaração de Independência, por sua vez, foi um documento que declarou a independências das treze colônias americanas do domínio da Grã-Bretanha. (CANOTILHO, 2003)

Logo, o Estado Constitucional dos EUA teve sua legitimidade popular na criação desses documentos, condizentes com uma lei suprema e fundamental para o povo, escrita, de forma a estabelecer os esquemas essenciais de governo, os respectivos limites de ação do poder político arbitrário, gerados em uma república, incluindo-se, mais uma vez, os direitos e garantias individuais de cada cidadão. Além disso, o governo submeter-se-ia à lei, sendo possível justificar o governo quando este cumprisse sua obrigação jurídico-constitucional, segundo os princípios de unidade, publicidade, durabilidade e antecedência. (CANOTILHO, 2003)

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Para o povo dos EUA não bastou a elaboração de um instrumento normativo qualquer, baseado, por exemplo, na iluminação divina de um monarca, por mais bem intencionado que este fosse. Ocorre que as normas, isto é, as leis deveriam ser elaboradas de acordo com a razão pública para que estas se tornassem as razões do governo. (CANOTILHO, 2003). Assim sendo, o governo passou a se subordinar à lei, ou seja, à constituição, a qual seria um composto de direitos e justiça, legitimados pela ideia de soberania dos indivíduos, em que a autoridade pertencesse ao povo e, consequentemente, dele emanaria o poder.

Ainda, a justiça seria judicializada por juízes agentes do povo, os quais controlariam as ações do governo com base no enunciado constitucional, exercendo a justiça em nome do povo, justamente por estarem os juízes condensados ao poder popular. (CANOTILHO, 2003)

Igualmente, a França passou de forma mais acentuada por momentos de revoltas e lutas em prol do reconhecimento e respeito aos direitos do homem, as quais deram condições a mais uma revolução liberal, talvez a mais importante e significativa para o ocidente.

Em 4 de agosto de 1789, ocorre a queda do regime feudal, em que há a renúncia de privilégios por parte da nobreza. Mais adiante, adveio a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 26 de agosto de 1789, marcando o fim de uma época e o início de uma nova era para o pensamento político e humanitário ocidental, após um período de sete dias de discussões, marcando o fim do antigo regime. Possuía ideais de liberdade, igualdade e soberania popular, os quais caracterizavam as reivindicações, sobretudo, inspiradas em Jean Jacques Rousseau, autor já estudado neste trabalho. (BOBBIO, 1992)

O atendimento a esses princípios consagrou a os pilares da constituição que viria a seguir, em 03 de setembro de 1789, pulverizando toda uma era de repressão, medo e de poder absoluto de um soberano, o monarca. Um novo Estado surgiu ao avesso daquele em que o poder estava nas mãos de um rei, o soberano, de tal modo que possuía algumas características como a descentralização do poder político, uma vez que os cidadãos estavam livres para buscar a felicidade. Cabe ainda ressaltar, a liberdade advinda de uma sociedade desigual, fragilizando a prática desse discurso teórico de liberdade para todos os cidadãos. Por isso mais tarde o Estado volta a se preocupar em garantir e proteger os direitos básicos aos seus indivíduos. (BOBBIO, 1992)

Referências

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