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Partindo de pressupostos básicos, John Rawls pensa a justiça com um viés igualitário, ancorado no que ele considerou nominar de liberalismo igualitário. O primeiro se refere à ideia de que a igualdade deve residir na garantia das liberdades civis e políticas, de forma a transformar as liberdades formais em liberdades substanciais dentro de um Estado, portanto, pensado como uma comunidade fechada, com suas próprias regras e princípios de justiça. De outro modo, as desigualdades econômicas e sociais devem ser ajustadas para serem as menores possíveis, além de servirem para o maior benefício possível dos membros menos favorecidos da sociedade. (RAWLS, 1997)

Apresenta um conceito de justiça que pretende ampliar o nível de abstração da teoria do contrato social. Pensa hipoteticamente na possibilidade de reunirem-se todas as pessoas, desde que apresentem capacidade política, para de forma razoável e racional, estabelecerem uma carta fundamental à sociedade.

A capacidade política caracteriza-se em considerar os cidadãos pessoas livres e iguais, pois concebem os outros e a si próprios como pessoas livres, capazes de discernimento, em outras palavras, são detentores da faculdade moral que lhes possibilita possuir uma concepção

do bem. Essencial também, que esse cidadão considere-se no direito de exigir das instituições a promoção da sua concepção do bem, tendo como condição preponderante a concepção pública de justiça. Nesse diapasão, um escravo não é dotado de qualidades que o permita assumir deveres e obrigações, considerando a falta de uma concepção particular de justiça, visto que não detém a liberdade em decorrência das suas faculdades morais, mas sim responde às ordens de seu proprietário. Assim, a impossibilidade de assumir responsabilidades pelos seus fins afeta a validade da exigência recíproca de bem e de justiça. (SEN, 2009)

Por conseguinte, nem todas as pessoas podem ser consideradas livres e iguais, mas todos os que possuem essas faculdades podem ser considerados cidadãos e participar da posição original, anterior ao contrato social. Assim, estariam todos em pé de igualdade no momento de decidir sobre os princípios regentes de um Estado Democrático de Direito. Neste caso, as pessoas não conheceriam a desigualdade e as diferentes distinções criadas pelo mundo da cultura, da mesma forma como não obteriam vantagens ou desvantagens do mundo da natureza.

A partir do momento em que todos se posicionam da mesma forma, ninguém seria capaz de fazer uma escolha que favoreça sua própria posição particular, e os princípios de justiça seriam o resultado de um acordo ou barganha equitativa. Estabelecidas as circunstancias da posição original, há uma simetria entre as relações de um para outro, esta posição inicial é boa entre indivíduos morais, isto é, agindo como seres racionais com seus próprios fins e, supõe-se, com a capacidade de atuar dentro de um sentido de justiça. Poder-se-ia dizer que a posição original é um status quo apropriado, e que então, desta forma, os acordos a que se chegam, nesta situação, são equitativos. (RAWLS, 1981, p.34)

Ante o exposto, podemos pensar que a justiça como equidade apenas pode ser concretizada quando a sociedade deixa de admitir desigualdades injustas, por ocasião de que cada indivíduo, nas suas particularidades, jamais abdicaria da sua quota parte de direitos, expectativas e projetos de vida, para viver de forma miserável, ainda que em benefício da maioria.

Essa posição inicial se esconde atrás de um véu da ignorância, sobretudo, de acordo com o seguinte:

[...] Antes de mais nada, ninguém conhece seu lugar na sociedade, sua posição de classe ou status social; nem sabe sua fortuna na distribuição de dotes e habilidades naturais, sua inteligência e força, e assim por diante. [...] Além disso, presumo que as partes não conhecem as circunstâncias especiais de sua própria sociedade, isto é, não sabem a situação econômica ou política, ou o nível de civilização e cultura que

foram capazes de atingir. As pessoas na posição original não têm informação sobre qual geração pertencem. [...] Precisam escolher princípios, com cujas consequências estejam preparadas a conviver, qualquer que seja a geração a que resultem pertencer. (RAWLS, 1981, p. 119)

Portanto, se ninguém pode se colocar em posição superior ou inferior, todos podem imaginar as consequências da escolha de princípios injustos, pois podem ser os destinatários desse ordenamento. Ainda, a ideia de John Rawls não reside em impedir o exercício das faculdades humanas, oriundas do mundo da natureza, o qual para o autor consiste quase em um sorteio e não deve ser considerado justo do ponto de vista da moral. Assim, a justiça leva em conta a racionalidade, assim como a utilização dos mesmos princípios em todos os casos, no intuito de oportunizar a todos um sistema de oportunidades diferentes daquele originário do mundo da natureza. (RAWLS, c1981)

Podemos ir mais longe e afirmar que os dois pressupostos básicos do liberalismo igualitário, expressos anteriormente, devem ser vistos de forma hipotética, visto que o marco inicial do contrato social já ocorreu e a realidade fática rejeitou ambos os pressupostos. Talvez, neste ponto resida a parte mais importante da teoria da justiça, pois ela expõe a privação dos indivíduos de serem livres e iguais pelo fato da existência de desigualdades. Assim sendo, o fundamento do contrato social, juntamente à persecução da justiça objetiva a retomada desses direitos aos cidadãos, representando a tentativa de conserto dessa situação de desigualdade e, por conseguinte, injusta.

Por isso, a ideia de posição inicial do contrato social deve ser considerada fundamental para pensarmos uma concepção política de justiça, acreditando ser o marco da sociedade contratual um sistema intergeracional de cooperação entre os cidadãos considerados como livres e iguais. (RAWLS, 1997)

Além disso, justiça pode ser considerada uma virtude das instituições sociais, as quais se referem às constituições políticas e os principais entendimentos econômicos e sociais, sobretudo, porque se uma instituição for injusta deverá ser abolida ou reformulada, de forma a atender aos princípios da justiça. Estes, por sua vez, para validarem a ideia de justiça, devem determinar os ajustes sociais, de modo a assegurar um acordo de partilha correta das vantagens e encargos estabelecidos na sociedade. (RAWLS, c1981)

Uma distribuição justa deve oportunizar a todos possuírem propriedade e capital. A cobrança justa e proporcional de impostos deve atender a gradual e continua distribuição da riqueza, a fim de evitar sua concentração em monopólios prejudiciais à equitativa distribuição de valores como a liberdade política e a equitativa igualdade de oportunidades. (RAWLS, c1981)

Devemos, ainda, considerar a justiça inserida sob a ótica das sociedades democráticas modernas, observando que em qualquer dessas sociedades a cultura política será caracterizada pela diversidade de doutrinas, sejam elas, políticas, religiosas, filosóficas e morais, concebidas de forma oposta e irreconciliável. Deste modo, as concepções de bem, de justo ou injusto variam em diferentes doutrinas, distinguindo-se da idade Clássica, em que as diferentes percepções de bem não eram aceitas. (RAWLS, 1997)

Podemos nos perguntar como a ideia de universalidade e de direitos comuns se mantém com base nas distintas doutrinas concebidas em um Estado Democrático. Tal pergunta evidencia a necessidade de pensar a concepção política de justiça. Esta, se diferencia das concepções morais, por delimitar o seu objeto à seara política, mesmo que se utilize em parte dessa doutrina moral mais abrangente e genérica. Essa concepção política se volta para as instituições políticas, sociais e econômicas, simplesmente, pela necessidade desse consenso público incorporar os princípios de justiça política, tendo por substancia as ideias fundamentais baseadas no Estado constitucional, de forma distinta daquelas concebidas no munda da natureza. (RAWLS, 1997)

Igualmente, pode ser considerada de modo independente das demais concepções de justiça, como acontece com a concepção individual de justiça, em que cada indivíduo pode ter as suas convicções sobre o significado de justiça, desde que as noções de arbitrariedade e equilíbrio estejam abertas a interpretação subjetiva de cada um. Ocorre que esse debate se restringe a qual ou quais dos princípios da justiça são considerados por cada indivíduo, não encerrando, propriamente, a questão. (RAWLS, 1981)

Nessa perspectiva, se pensarmos a justiça como equidade pensaremos naquela partilhada por todos os cidadãos, com base em um acordo político pensado, informado, ou seja, pautado em razões públicas. Tal acordo, pautado na doutrina contratualista, pressupõe a publicidade de todos os direitos e deveres a que gozam todos os membros de uma sociedade,

concebendo a ideia de que ninguém é obrigado a viver em determinada comunidade se não aceita as regras impostas por esta mesma sociedade, invocando, assim a ideia de reciprocidade, já observada anteriormente.

Nesse sentido, esses problemas apenas podem ser enfrentados se levarem em consideração a justiça como finalidade, contudo, não a justiça individual, mas sim a justiça social ou política, aqui concebida como um conjunto de princípios e valores morais.

Ocorre, que limitaremos nossa concepção de justiça à justiça política, a qual expressa um consenso de sobreposição, isto é, uma doutrina que sustenta de forma abrangente suas concepções, sem utilizar o Estado para dominar ou sobrepor-se a essas doutrinas. Propõe uma aceitação da doutrina política por parte das demais, indicando os valores da justiça política na seguinte transcrição:

[...] estes valores regulam a estrutura básica da vida social – a própria base da nossa existência – e especificam os termos fundamentais da cooperação política e social. Na justiça como equidade alguns destes importantes valores – os valores da justiça – são expressos pelos princípios da justiça para a estrutura básica: entre eles, os valores da igual liberdade política e civil; a igualdade equitativa de oportunidades; os valores da reciprocidade económica; as bases sociais do respeito mútuo entre os cidadãos. (RAWLS, 1997, p. 146)

Esses princípios expressam uma sociedade bem ordenada, referindo-se a valores essenciais para a sociedade, os quais são amplamente aceitos. Mais além, apresentam o conjunto de valores relativos ao domínio político, deixando a faculdade, no plano individual, de cada cidadão relacioná-los a sua maneira com outros valores.

Formula a justiça como a correlação do justo e do bem, de forma que ambos não podem ser considerados separadamente para que se efetive a justiça. O bem, segundo Rawls, enquanto ideal tende a não ser convergente em uma sociedade democrática, porquanto o uso da razão humana resulta em maiores divergências de pontos de vista e de significados de bem. Este, por sua vez, significa a busca de cada indivíduo por propriedade, liberdade, poder, riqueza e reciprocidade. (RAWLS, 1997)

Rawls afirma existir a democracia em um Estado, cuja razão transcende a razão individual, exclusiva de alguns grupos, passando a razão pública, justamente, porque os

regimes autoritários e autocráticos possuem como o bem da sociedade a utilização de uma razão individual no lugar da razão pública.

Assim,

A razão pública é característica de um povo democrático: é a razão dos seus cidadãos, daqueles que partilham o estatuto da igual cidadania. O objeto da razão dos cidadãos é o bem da esfera pública (do povo em geral): o que a concepção política da justiça requer da estrutura básica de instituições da sociedade e dos propósitos e fins que essas instituições devem servir. Assim, a razão pública é pública em três sentidos: enquanto razão típica dos cidadãos, é a razão da esfera pública. O seu objeto é o bem do domínio público e as questões de justiça fundamental. A sua natureza e o seu conteúdo são públicos, dado que são estipulados pelos ideais e princípios expressos pela concepção de justiça política eleita pela sociedade, sendo administrados abertamente nessa base. (RAWLS, 1997, p.209)

Com isso, observamos que a razão pública deve ser respeitada, ainda que a razão individual entre em conflito, uma vez que a sociedade política e o poder público pressupõem cidadãos livres e iguais como corpo coletivo. Caso contrário, em que houvesse a preponderância da razão individual, não estaríamos respeitando o ideal de justiça estabelecido pelos cidadãos democráticos, mas sim por aqueles intolerantes, indiferentes e irracionais, voltando a um Estado anterior à sociedade política democrática ou saindo dos seus limites.

Quanto à importância da razão pública e de um Estado Democrático de Direito:

A combinação do dever de civilidade com os elevados valores do político produz o ideal de cidadãos que se orientam e governam a si próprios segundo preceitos que cada um acredita que os outros podem razoavelmente aceitar; e, por sua vez, este ideal é favorecido pelas doutrinas abrangentes que as pessoas razoáveis defendem. Os cidadãos afirmam o ideal da razão pública não em resultado de um compromisso político, como sucede num modus vivendi, mas a partir - de dentro – das suas próprias doutrinas razoáveis. (RAWLS, 1997, p.214)

Ante o exposto, os valores assimilados por um regime constitucional bem ordenado, com base no significado do autor, de respeito aos direitos civis e políticos, bem como a ideia de igualdade na liberdade, são muito altos, portanto, se cada cidadão compreende a razão pública de ser de um Estado, nestes termos, e age com base nos deveres e direitos inerentes a esse ordenamento, a consequência são cidadãos livres e iguais, ordenados e governados por si próprios.

Por fim, para Rawls a liberdade é fundamental e deve ser assegurada para cada indivíduo, mas a ética e os valores morais devem ser válidos de forma universal, isto é, para todos. Dessa maneira, propõe a justiça como um ideal a ser alcançado por todo cidadão livre e igual com os seus concidadãos, pautando princípios comuns para todos dentro de uma concepção política de justiça.