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Amartya Sen, em seu livro A Ideia de Justiça (2009), critica alguns aspectos da teoria da justiça proposto por John Rawls, pois vê falhas graves de sustentação da mesma.

Antes, porém, aborda algumas questões. Enxerga dificuldades em obter uma unanimidade dos conceitos de justiça e igualdade, sobretudo, em países onde não existe uma tradição democrática. Por isso, se os indivíduos são iguais e livres antes de estabelecer o pacto por que o estabeleceriam? Por que pensar que deveriam ser feitos incentivos em uma sociedade pautada pela justiça como equidade, já que todos estariam exercendo sua máxima capacidade produtiva? Como conceber a justiça no mundo globalizado, tendo em vista não

haver instituições plausíveis com a justiça como equidade nem sequer nos Estados nacionais? (SEN, 2009)

Algumas dessas perguntas o autor não responde, aliás, as utiliza para afirmar a imperfeição da teoria de Rawls.Iniciaremos considerando a posição original estabelecida por Rawls, de que todos são livres e iguais e os princípios de justiça podem ser escolhidos de acordo com a justiça política como equidade. Em seguida, esses princípios levam à escolha das instituições reais para funcionarem de acordo com os princípios de justiça escolhidos. Ocorre que Rawls estipula dois princípios obtidos na posição original. A ideia de igualdade na liberdade e a existência apenas das chamadas desigualdades justas, de forma a obedecerem à ordem do benefício dos membros menos favorecidos da sociedade pode não resistir às diferenças.

Descreve Amartya Sen (2009) que ao restringir esses princípios Rawls somente considera a escolha desses dois princípios na posição original, desconsiderando a existência de diferentes percepções de mundo e de bem. Mesmo concebendo a justiça como equidade, Rawls enxerga dificuldades em obter um acordo unânime sobre o conjunto de princípios de justiça. Por isso, afirma Sen, que a Teoria de Justiça proposta por Rawls pode ser, inclusive, abandonada para a compreensão genérica de justiça, mas serve para compreender um dos aspectos da justiça, ou seja, a justiça como equidade.

Para Sen (2009), a liberdade foi colocada em um pedestal na teoria de Rawls, sendo a prioridade do alcance da sua Teoria de Justiça. Entretanto, é possível a liberdade ser considerada como prioridade, mas não absoluta, levando em conta o direito à vida e às condições mínimas de sobrevivência, as quais podem ser mais relevantes em alguns contextos no mundo. Nestes casos, podem ser consideradas prioritárias perante a liberdade.

De outro modo, a justiça como equidade considera a diferença do mundo da natureza, mas desconsidera a capacidade humana de converter os bens primários em condições melhores de vida. Dessa forma, Rawls propõe que a utilização do que chama de bens primários levaria, se atendidos os princípios entabulados na Teoria da Justiça, sempre a mesma concepção ideal de justiça. (SEN, 2009)

Para Sen (2009) é importante considerar que uma gestante deverá necessitar mais alimento para satisfazer suas necessidades do que uma pessoa que não esteja grávida, ou, então, que uma pessoa com deficiência possa fazer muito menos com os mesmos recursos disponíveis em relação à outra pessoa com aptidões físicas melhores. Ainda, se alguém utilizasse algum outro princípio na posição original e chegasse até a justiça como na doutrina de Rawls, sua tese estaria comprometida.

Destarte, os dois princípios de justiça como equidade visam à escolha das instituições sociais e o surgimento, em decorrência, de um comportamento real correspondente a essas instituições. Na visão de Sen (2009), esse fato desconsidera o comportamento real das pessoas, independentemente do fim estabelecido por uma instituição, ainda que estas se enquadrem no modelo de justiça proposto por Rawls.

Sen (2009), concebe diferentes princípios de justiça, diferenciando o dever ser do ser, atentando para a realidade concreta e social, não apenas ideal. Analisa a teoria da justiça de Rawls de forma comparativa e não somente identificando a justiça como uma solução transcendental. Assim, pretende eliminar os casos reais e urgentes de injustiça no mundo, bem como possibilitar o surgimento de olhares divergentes ao movimento contratualista.

Por isso, justiça para Amartya Sen significa a eliminação da pobreza, pois esta representa a privação das liberdades e capacidades individuais, portanto, é pré-requisito para a garantia dos direitos civis e políticos, base da teoria da justiça. A democracia auxilia no processo de eliminação das privações das liberdades e, desse modo, na ampliação das liberdades substantivas.

De acordo com essas proposições, as pessoas não querem viver apenas num plano ideal, porque de nada adianta um plano ideal para quem não consegue obter no plano real as condições mínimas existenciais. Eis o aspecto transformador da teoria de justiça de Amartya Sen (2009), pois busca na eliminação das injustiças a consagração da justiça. Afinal, se existem divergências profundas sobre justiça, pelo menos as pessoas, do ponto de vista prático, reconhecem uma injustiça facilmente.

CONCLUSÃO

Inicialmente, a abordagem da doutrina contratualista clássica, os principais acontecimentos no período da Baixa Idade Média e as diferentes faces assumidas pelo Estado de Direito na modernidade revelaram as intensas lutas pela divisão do poder político e a limitação da atuação estatal na esfera individual.

O poder exercido pela Igreja e pelos Monarcas, nos diversos reinos existentes durante a Idade Média, em várias ocasiões, não possuía limites, ocasionando atos intolerantes por parte do Estado e atrocidades das mais diversas. Não obstante, as revoltas Baroniais do século XII e XIII, a revolução Inglesa, no século XVII, a Americana e a Francesa, em 1776 e 1789, respectivamente, possibilitaram o surgimento de constituições nacionais, no intuito de proteger os direitos do homem.

Então, o Estado de Direito assume um caráter liberal, o qual se sustenta até o fortalecimento da igualdade nas sociedades modernas, transformando o Estado Liberal de Direito em Estado Social de Direito. Este Estado, influenciado pelas doutrinas da Revolução Russa, da Constituição Mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar, na Alemanha, de 1919, teve como propósito a proteção de direitos sociais, econômicos e culturais.

Ocorre, que a evolução dos direitos do homem transcendeu a perspectiva dos Estados nacionais, intrínsecos da modernidade, possibilitando a ascensão dos direitos na esfera internacional, como os direitos humanos, entendidos por muitos, como exigências éticas e morais para além do positivismo jurídico.

Vimos também, que os diferentes Estados de Direito visaram um equilíbrio social, através da razão humana, a qual se apresentou como principal elemento democrático, pois possibilitou a diminuição das tensões sociais e o uso arbitrário do poder político.

No último capítulo, tratamos da justiça como equidade, partindo da doutrina liberal igualitária proposta por John Rawls, a qual concebeu dois princípios básicos para a teoria da justiça: a ideia de igualdade na liberdade e a existência apenas das chamadas desigualdades justas. Além disso, abordamos algumas críticas feitas por Amartya Sen a essa teoria, uma vez que este considera a eliminação das injustiças e privações de liberdades individuais um meio de alcançar a justiça, não se limitando apenas aos dois princípios acima descritos.

Nesse sentido, o uso da razão, o fortalecimento dos Estados Democráticos de Direito e a busca pela eliminação de injustiças possibilitou a resposta ao problema da pesquisa, confirmando a hipótese inicial de que a análise histórico-jurídica poderia nos proporcionar a compreensão da formação do Estado de Direito e a sua repercussão na filosofia política moderna.

Assim, a consolidação dos Estado de Direito na modernidade dirigiu-se para a ideia de democracia e tolerância, a qual só se sustentou com a utilização da razão humana, sendo esta última, indispensável para a ideia de justiça na contemporaneidade. Ou seja, existe uma relação de cooperação entre democracia, justiça e Estado de Direito.

Encerramos o trabalho sobre filosofia política reiterando a busca incessante da justiça e a concretização dos direitos civis e políticos, dos direitos econômicos, sociais e culturais, como uma reação contrária e necessária à injustiça, à insegurança, às opressões, à intolerância e às desigualdades injustas.

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