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O constitucionalismo surgiu de diversos movimentos constitucionais, em diversas localidades, não havendo, portanto, um momento único ou um fato histórico determinante para a consolidação do Estado constitucional. Ocorre, que três movimentos constitucionais foram determinantes para se extrair uma definição de constitucionalismo, sobretudo, o denominado constitucionalismo moderno, o qual ficou conhecido por ser um movimento político, social e cultural, o qual questionava nos planos filosófico, político e jurídico as tradicionais configurações do domínio político. (CANOTILHO, 2003)

Essa inversão de pensamentos coloca o indivíduo no centro do mundo político e não mais o Estado, uma vez que o indivíduo passa a antecedê-lo. A ideia de que os homens possuem direitos e não apenas deveres fica clara com a consolidação do Estado Moderno, o qual pautado no constitucionalismo, abriu espaço para a ruptura com o passado, uma vez que a análise dos antigos documentos como a Lei das XII tábuas, a Lei de Eshunna, o Código de Hamurabi e os Dez Mandamentos são obras que elencam deveres e não direitos do homem. (BEDIN, 1998)

O que aconteceu para essa inversão de pensamento, em que a igualdade natural foi semeada entre as pessoas e a liberdade e a propriedade foram protegidas como essenciais à vida de cada indivíduo? Para responder a essa pergunta abordaremos três movimentos constitucionais, sejam eles, o Inglês, o Americano e o Francês, os quais se diferenciaram do movimento antigo, justamente por este ser um conjunto de princípios escritos ou consuetudinários sedimentados na existência de direitos estamentais perante os regimes

monárquicos, preponderantes do final da Idade Média até o século XVIII. (CANOTILHO, 2003)

A partir dessa exposição trataremos da importância dessas constituições em cada contexto histórico, como um conjunto de normas, tanto escritas quanto costumeiras, moldadas à determinadas estruturas e instituições, de acordo com uma ordem jurídico-política em uma dada sociedade.

Dessa forma, o constitucionalismo enquanto conceito pode ser definido como “[...] a teoria que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade”. (CANOTILHO, 2003, p.51)

No mesmo sentido, a constituição moderna, objeto de nossa pesquisa, pode ser entendida ainda, como um ordenamento sistemático, normativo e racional formulado pela comunidade política, por meio de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos, assim como se fixam os limites do poder político. (CANOTILHO, 2003). Deste modo, há a garantia e o reconhecimento das liberdades negativas, em que o Estado não deve interferir na vida privada dos indivíduos, ao passo em que há a limitação do poder político, em prol do poder popular.

Em outras palavras:

Os mecanismos constitucionais que caracterizam o Estado de Direito têm o objetivo de defender o indivíduo dos abusos do poder. Em outras palavras, são garantias de liberdade, da assim chamada liberdade negativa, entendida como esfera de ação em que o indivíduo não está obrigado por quem detém o poder coativo a fazer aquilo que não deseja ou não está impedido de fazer aquilo que deseja. (BOBBIO, 1993, p.20)

Essas definições nos trazem uma ideia de finalidade a ser alcançada pelo Estado Moderno. Por assim dizer, a consolidação do Estado, acrescido de constitucionalidade, pressupõe o poder não só de limitar o poder político, mas de delimitar o seu uso quando necessário. Caso este, em que o Estado está legitimado a intervir na esfera privada para julgar e punir os cidadãos conforme um processo justo.

Neste sentido, podemos abordar o princípio da reserva legal, isto é, o princípio legal balizador de toda ação estatal, constituindo-se em uma garantia de que não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem aplicação de pena sem prévia previsão legal. Tal enunciado foi estabelecido pela primeira vez no art.39, da Carta Magna de João Sem Terra em 1215. (BEDIN, 1998)

Por sua vez, a Magna Carta de 1215 deu início ao movimento constitucional na Inglaterra, em que o rei João Sem Terra para não ser deposto cedeu e aceitou os termos elencados nessa carta, a qual limitou o seu poder. Não pode mais aumentar impostos ou alterar leis sem antes consultar o Grande-Conselho, órgão composto por integrantes da Nobreza e do Clero. Assim sendo, fez prevalecer as leis e costumes em detrimento da discricionariedade do poder real, a obediência e controle do poder executivo à soberania do parlamento, assim como o ideal de igualdade no acesso à justiça e aos tribunais. (CANOTILHO, 2003)

Mesmo após a Carta de 1215, os reis, advindos da alta nobreza, juntamente ao Clero detinham o poder monárquico em grande escala na Europa. Entretanto, a burguesia cresceu a partir do final da Idade Média com a adoção do mercantilismo e do livre comércio e começou a ocupar os espaços do parlamento e iniciar reivindicações, possibilitando as condições para as revoluções liberais europeias, bem como as revoluções industriais dos séculos XVIII e XIX. Por assim dizer, a Magna Carta de 1215 inicia o processo que culmina na Revolução Inglesa no século XVII, quando há a instauração da monarquia parlamentarista. (TORRES, 1989)

A Revolução Puritana, de 1640, inicia as revoluções liberais na Europa. Durante o início do século XVII, a dinastia dos Stuarts, seguintes à dinastia dos Tudors (final do século XV e XVI), sofreram com a divisão da burguesia britânica, uma vez que Jaime I, sucessor de Elizabeth I, última descendente da dinastia dos Tudors, tomou medidas contrárias àquelas tomadas em tempos de progresso, descontentando a alta burguesia. (TORRES, 1989)

No período da dinastia Tudor, o país adotou o Anglicanismo, consistindo em um grande instrumento do Estado, unificando a Inglaterra e fazendo a economia prosperar, sobretudo, com o descobrimento de novas colônias. De outra forma, após Jaime I assumir o cargo de monarca, os burgueses menos abastados começaram a reivindicar a livre-

concorrência no mercado. Assim, a alta burguesia utilizou a alta dos valores imobiliários da época, especialmente, de terras em zonas rurais para expandir seus negócios comprando e desapropriando terras para a produção, dentre tantas coisas, de lã, o que seria utilizado mais tarde para servir de matéria prima da revolução industrial inglesa. (TORRES, 1989)

Diante da ilegal cobrança de tributos e detenções de mercadorias, quando Jaime I morreu, em 1628, seu filho Carlos I assumiu o poder, mas o parlamento Inglês votou uma Petição de Direitos para limitar o monarca de realizar tais atos contra as classes menos abastadas no comércio. O rei, insatisfeito, dissolve o parlamento e o reabre em 1640 e 1653. Dentro desse período, ocorre uma guerra civil, entre os parlamentares e a realeza Inglesa. (TORRES, 1989)

Passados alguns anos de lutas o rei foi obrigado e se retirar para a Escócia, onde tinha muitos inimigos. Acaba preso e vendido ao parlamento Inglês, vindo a ser executado. Então, assume o Poder Oliver Cromwell, líder parlamentarista, o qual manteve o apoio dos militares e da burguesia após a execução de Jaime I.

Ocorreram diversas disputas do poder real até o ano de 1689, com a proclamação do Bill os Rights, quando foi estabulado direitos e garantias individuais aos súditos, bem como a sucessão da Coroa e os direitos do Parlamento, sendo o primeiro documento permissivo em relação à participação do povo, ainda que representados, para a implementação de cobranças de tributos, por exemplo. Essa carta ficou conhecida por ser a mais importante carta de direitos após o Magna Carta de João Sem Terra, servindo como base para as cartas de direitos subsequentes na Inglaterra. (TORRES, 1989)

De certo modo, a crise existente nas instituições como a Igreja e a instabilidade política deram causa às mudanças de pensamento determinantes à consolidação da monarquia parlamentarista, a qual estabeleceu para além do rei o poder do parlamento como uma espécie de conselho, ocasião esta em que o Estado começa a respeitar diversas cartas de direitos.

Durante os séculos XIV e XV, a Inglaterra vivenciou a deposição de cinco reis ingleses, com derramamento de sangue e grandes batalhas por territórios. Por conseguinte, havia a carência de unidade política, objeto de acordo da Paz de Westefália (1648), em que a

unidade política passa a ser observada pela soberania estatal, delimitada por um território de determinado povo. (CANOTILHO, 2003)

Além disso, a Inglaterra passou a ser parte do movimento constitucional na modernidade, o qual foi acompanhado por mais países como veremos a seguir. (TORRES, 1989). Antes, porém, cabe referimos ao papel do parlamento, o qual atuava, inicialmente, em casos de restrição ao poder de tributar e participava, quando necessário, na atividade legislativa. Com o tempo, além de dessas atribuições o parlamento passou a fiscalizar os gastos da Coroa Inglesa. Ocorre que, em alguns momentos, o parlamento foi praticamente vendido ao rei, em escândalos de corrupção e demonstrações do poder monárquico em relação ao parlamento. Nesse sentido, com algumas exceções, o parlamento passou a se subordinar, após o século XII, quase inteiramente às decisões do rei, o que durou até a consolidação da tripartição dos poderes proposta por Charles de Montesquieu, mas de fato, passou a ser um novo centro dinástico de poder, composto por barões, condes, prelados e pela comunidade do reino. (TORRES, 1989)

Nos Estados Unidos da América (EUA), inicialmente habitada por nativos da América do Norte e posteriormente colônia Inglesa, a Declaração de Direitos de Virgínia, em 16 de junho 1776, alguns dias antes da Declaração de Independência dos EUA, em 04 de julho de 1776, estabeleceu, por meio de um documento escrito, leis e princípios norteadores da organização político-jurídica do povo da Virgínia. A Declaração de Independência, por sua vez, foi um documento que declarou a independências das treze colônias americanas do domínio da Grã-Bretanha. (CANOTILHO, 2003)

Logo, o Estado Constitucional dos EUA teve sua legitimidade popular na criação desses documentos, condizentes com uma lei suprema e fundamental para o povo, escrita, de forma a estabelecer os esquemas essenciais de governo, os respectivos limites de ação do poder político arbitrário, gerados em uma república, incluindo-se, mais uma vez, os direitos e garantias individuais de cada cidadão. Além disso, o governo submeter-se-ia à lei, sendo possível justificar o governo quando este cumprisse sua obrigação jurídico-constitucional, segundo os princípios de unidade, publicidade, durabilidade e antecedência. (CANOTILHO, 2003)

Para o povo dos EUA não bastou a elaboração de um instrumento normativo qualquer, baseado, por exemplo, na iluminação divina de um monarca, por mais bem intencionado que este fosse. Ocorre que as normas, isto é, as leis deveriam ser elaboradas de acordo com a razão pública para que estas se tornassem as razões do governo. (CANOTILHO, 2003). Assim sendo, o governo passou a se subordinar à lei, ou seja, à constituição, a qual seria um composto de direitos e justiça, legitimados pela ideia de soberania dos indivíduos, em que a autoridade pertencesse ao povo e, consequentemente, dele emanaria o poder.

Ainda, a justiça seria judicializada por juízes agentes do povo, os quais controlariam as ações do governo com base no enunciado constitucional, exercendo a justiça em nome do povo, justamente por estarem os juízes condensados ao poder popular. (CANOTILHO, 2003)

Igualmente, a França passou de forma mais acentuada por momentos de revoltas e lutas em prol do reconhecimento e respeito aos direitos do homem, as quais deram condições a mais uma revolução liberal, talvez a mais importante e significativa para o ocidente.

Em 4 de agosto de 1789, ocorre a queda do regime feudal, em que há a renúncia de privilégios por parte da nobreza. Mais adiante, adveio a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 26 de agosto de 1789, marcando o fim de uma época e o início de uma nova era para o pensamento político e humanitário ocidental, após um período de sete dias de discussões, marcando o fim do antigo regime. Possuía ideais de liberdade, igualdade e soberania popular, os quais caracterizavam as reivindicações, sobretudo, inspiradas em Jean Jacques Rousseau, autor já estudado neste trabalho. (BOBBIO, 1992)

O atendimento a esses princípios consagrou a os pilares da constituição que viria a seguir, em 03 de setembro de 1789, pulverizando toda uma era de repressão, medo e de poder absoluto de um soberano, o monarca. Um novo Estado surgiu ao avesso daquele em que o poder estava nas mãos de um rei, o soberano, de tal modo que possuía algumas características como a descentralização do poder político, uma vez que os cidadãos estavam livres para buscar a felicidade. Cabe ainda ressaltar, a liberdade advinda de uma sociedade desigual, fragilizando a prática desse discurso teórico de liberdade para todos os cidadãos. Por isso mais tarde o Estado volta a se preocupar em garantir e proteger os direitos básicos aos seus indivíduos. (BOBBIO, 1992)

Assim, como a revolução Inglesa, a revolução francesa reservou um lugar propício aos ensinamentos de John Locke, que erigiu em primeiro lugar a proteção da propriedade, a qual por meio de um contrato, juntamente à liberdade, a segurança e a resistência a opressão, tornaram-se os fundamentos inegáveis desse novo Estado artificial. Tais fundamentos foram positivados no art.2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e desde lá estão elencados nas mais diversas constituições nacionais, inclusive, de âmbito internacional.

Como bem observa (RAMOS, 2015), podemos observar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, elenca alguns direitos da mesma forma como estes foram positivados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. O art.1º do seu diploma assevera que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” (ONU, 2016). Dessa feita, são elencados alguns direitos inatos a cada pessoa, isto é, direitos oriundos do jusnaturalismo, compreendidos como essenciais a todos, indistintamente de crença ou condição social, econômica e religiosa, por exemplo. Ainda, assumiram um caráter mais amplo e universalista.

De outro modo, a forma como esses princípios demonstraram a essência e o caráter da Revolução Francesa de 1789 foi questionada por duas correntes de pensamentos distintas: os socialistas e os reacionários. Os primeiros afirmavam que os interesses da burguesia eram apenas de classe, referentes a eles próprios e a mais ninguém. Já os segundos, o clero e a nobreza, afirmavam que ela era demasiadamente contrária aos interesses políticos de manutenção da ordem social, econômica e religiosa. (BOBBIO, 1992)

Esse momento histórico vivido pela França já havia presenciado no ocidente outras revoluções, como a Inglesa e a Americana, as quais tiveram importância para seus idealizadores, ou seja, seus cidadãos, contudo, fora a francesa o grande marco para a história contemporânea do ocidente. Como a carta foi erigida sob sólidos princípios garantidores de direitos individuais, bem como sob a égide da vontade geral unificante do povo francês, foi possível visualizar a inversão da relação entre governantes e governados, ao menos enquanto garantia constitucional, porquanto, até aquele momento, apenas o rei detinha o poder político, com raras exceções de concessões e privilégios, que de longe alteravam a configuração de um Estado Monárquico. (BOBBIO, 1992)

Mais tarde, é verdade, foi possível distinguir a quem exatamente esses princípios serviram, pois mesmo a revolução tendo melhorado e muito a vida dos cidadãos da França e ter iniciado um novo momento político-jurídico, não modificou no mundo dos fatos as condições materiais na sociedade, especialmente, porque viriam a seguir as revoluções industriais, marcando ainda mais a ideia de liberalidade econômica já pleiteada antes dessas revoluções, por alguns grupos contra hegemônicos à época das monarquias absolutistas.

Por fim, vimos os principais pontos da primeira geração de direitos, sendo estes os direitos civis e liberdades civis clássicas, que estabelecem uma distinção entre as esferas privada e pública, as quais se transformam nas principais características do pensamento liberal e democrático.