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2 Algumas considerações históricas sobre o processo de consolidação da Campanha da Fraternidade como projeto nacional

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Academic year: 2021

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Algumas considerações históricas sobre o processo de

consolidação da Campanha da Fraternidade como projeto

nacional

Compreender a Campanha da Fraternidade não é uma tarefa fácil. Neste primeiro capítulo, vamos procurar compreender as suas origens nos fatos da conjuntura social e eclesial brasileira e o seu desenvolvimento inicial para que possamos descobrir, a partir de suas raízes e seus propósitos iniciais, os pressupostos teórico-teológicos que vão fundamentar a sua ação.

2.1. A fundação da CNBB e suas preocupações iniciais

A Campanha da Fraternidade é promovida pela CNBB, que possui os direitos sobre este título. Uma melhor compreensão da Campanha da Fraternidade exige conhecimentos sobre a CNBB. A origem e a caminhada da CNBB são, portanto, de extrema importância para que possamos compreender melhor a Campanha da Fraternidade, sua natureza e seus objetivos.

Em 1936, o padre Helder Pessoa Câmara foi transferido para o Rio de Janeiro e lá, pouco tempo depois, foi nomeado Assistente Geral da Ação Católica Brasileira. Seu primeiro trabalho foi organizar o Secretariado Nacional da Ação Católica Brasileira, contando com a colaboração de Aglaia Peixoto, Carolina Gomes, Maria Luiza Amarante e Edgar Amarante, Jeanette Pucheu, Vera Jacoud e Frei Romeu Dale, entre outros. Logo começaram a promover Encontros Regionais de Bispos, mostrando a necessidade da criação de um Secretariado Nacional que ajudasse os bispos a equacionar seus problemas locais. Amadurecia a idéia da criação da CNBB. O padre Helder iniciou, por sua própria iniciativa, um diálogo com o Cardeal Montini com objetivo de criar o organismo com autorização da Santa Sé1. No dia 20 de abril de 1952, o então monsenhor Helder foi ordenado

1 Cf. CÂMARA, H. “A CNBB nasceu assim” in INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL –

INP (Org.). Presença pública da Igreja no Brasil. São Paulo: Paulinas, p. 9-10.

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bispo auxiliar do Rio de Janeiro2. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil foi fundada no Palácio São Joaquim, Largo da Glória, no Rio de Janeiro, em uma reunião que começou no dia 14 de outubro de 1952 e prolongou-se até o dia 17 do mesmo mês3.

Em seguida, os religiosos se organizaram criando a Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB, após o I Congresso Nacional de Religiosos, realizado em fevereiro de 1954, no Rio de Janeiro4. Por fim, foi o episcopado continental quem criou o seu organismo próprio quando, após o 36o Congresso Eucarístico Internacional realizado em 1955 no Rio de Janeiro, aconteceu na Igreja da Candelária, na mesma cidade, uma Conferência Geral não conciliar, integrada por representantes de todos os episcopados latino-americanos e, durante este evento, ficou decidida a criação do Conselho Episcopal Latino-americano – CELAM. A sua primeira reunião plena foi na cidade do México em 1956 e, por decisão do Papa Pio XII, ficou estabelecida a sua sede em Bogotá, na Colômbia, por ser este o único país que une em si a América Central e a América do Sul5.

Os frutos pastorais da criação da CNBB logo começam a aparecer e os três primeiros foram a criação de três organismos: o Instituto Nacional de Catequese – INC, o Centro de Estatística Religiosa e Investigação Social – CERIS, e o Serviço de Cooperação Apostólica Internacional – SCAI, para intercâmbio de missionários entre o Brasil e os demais países, aos quais se agregou o Centro de Formação Intercultural – CENFI6.

Uma das preocupações iniciais da CNBB foi com o mundo rural. A CNBB chegou à conclusão de que o surgimento das favelas nas grandes metrópoles brasileiras era fruto do subdesenvolvimento no meio rural, marcado principalmente pela ausência de organização e de direitos. Por isso, foi realizada uma parceria entre a CNBB e o Serviço de Informação Agrícola – SIA, do Ministério da Agricultura, para a realização de semanas rurais buscando despertar a sociedade para o problema e encontrar caminhos de superação para o mesmo7.

2

Cf. BARROS, R. C. “Gênese e consolidação da CNBB no contexto de uma Igreja em plena

renovação” in INP (org.) opus cit., p. 31-32.

3 Cf. Ibid., p. 30-31. 4 Cf. Ibid., p. 34. 5 Cf. Ibid., p. 36. 6 Cf. Ibid., p. 35. 7 Cf. Ibid., p. 36-37.

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A partir daí, várias iniciativas foram surgindo. Dom Eugênio de Araújo Sales ajustou ao Rio Grande do Norte a experiência de educação de adultos desenvolvida na Colômbia por meio de escolas radiofônicas. A experiência logo se expandiu através da Representação Nacional de Emissoras Católicas – RENEC, ligada à Secretaria de Ação Social da CNBB, sob a responsabilidade de Dom Eugênio Sales. Um encontro entre Dom José Távora, bispo de Aracaju, e o presidente eleito do Brasil, Jânio Quadros, resultou na criação, por Decreto, do Movimento de Educação de Base, acontecida no dia 21 de março de 1961, e o estabelecimento de um convênio entre a República e a CNBB para instalação de 75.000 escolas radiofônicas. A experiência foi posteriormente enriquecida com a proposta pedagógica de Paulo Freire8.

Também merece destaque o processo de sindicalização rural, um dos frutos do Movimento de Educação de Base. Com o crescimento das Ligas Camponesas, de inspiração marxista, o Serviço de Assistência Rural – SAR da Arquidiocese de Natal, a quem estava ligado o Movimento de Educação de Base – MEB, iniciou um trabalho de sindicalização rural, como oposição às Ligas Camponesas. Este trabalho também foi desenvolvido em Pernambuco, berço das Ligas Camponesas, principalmente com a criação do Serviço de Orientação Rural de Pernambuco – SORP, com o mesmo objetivo do MEB. A CNBB, representada por Dom Helder Câmara, Dom Fernando Barros e Dom Eugênio Sales, conseguiu do Presidente João Goulart, a agilização dos processos de reconhecimento dos sindicatos rurais, que ficou ao cargo do Ministro do Trabalho André Franco Montoro9.

Em 1961, o Papa João XXIII escreveu uma carta aos bispos da América Latina10. Nesta carta, o Papa demonstra suas preocupações com o naturalismo de Charles Darwin, o marxismo, o espiritismo de Allan Kardec e a aliança entre o liberalismo e o protestantismo, e afirma a necessidade de uma Pastoral de Conjunto para que a Igreja possa enfrentar esses desafios. Como resposta concreta a esta carta, a CNBB aprovou o Plano de Emergência, que foi o primeiro plano de pastoral com a intenção de abranger todo o território brasileiro. O Plano de

8

Cf. Ibid., p. 38-39.

9 Cf. Ibid., p. 39-40.

10 Cf. Anexo 1 deste trabalho.

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Emergência foi aprovado em abril de 1962 e buscou a renovação da Igreja no Brasil através de quatro eixos11:

1. renovação das paróquias;

2. renovação do ministério sacerdotal; 3. renovação dos educandários católicos; 4. introdução a uma Pastoral de Conjunto12.

A importância do plano de Emergência é assim descrita pelo Pe. José Oscar Beozzo:

No Brasil, o Plano de “Emergência” foi preparado às pressas como o próprio nome o indica e aprovado durante a V Assembléia Ordinária da CNBB, de 2 a 5 de abril de 1962, já às vésperas do Concílio.

Ao mesmo tempo em que contemplava o princípio do planejamento pastoral, preparava as estruturas da própria CNBB e da Igreja do Brasil para aplicá-lo. A principal decisão foi a de descentralizar a sua implementação, criando-se os sete primeiros regionais da CNBB e solicitando-se a cada diocese o estabelecimento de um secretariado do PE, para servir de elo entre as estruturas nacionais e de centro propulsor das diretrizes do plano em âmbito local13.

Assim, vemos que a CNBB, originada a partir da experiência de organização da Ação Católica, apresenta no seu início a preocupação com a realidade brasileira, procura dar respostas concretas aos desafios por ela impostos, seja através de suas próprias estruturas, criando organismos quando isso se faz necessário, seja através do diálogo e cooperação mútua com o poder instituído. É importante, também, afirmar que a CNBB procura atuar no sentido de coibir o crescimento de organizações de inspiração marxista, como foi o caso das Ligas Camponesas. Também vemos a origem da preocupação pela pastoral de conjunto, vinda com a carta do Papa João XXIII, e que esta preocupação, que marca a Igreja no Brasil até os dias de hoje, traz logo respostas práticas, como foi o caso do Plano de Emergência.

11 Cf. GODOY, M. J. “A CNBB e o processo de evangelização do Brasil” in INP, opus cit., p. 388. 12 Evidentemente, sempre existiu, em toda a realização ou concepção da pastoral, uma

preocupação pela conjunção de todos os seus aspectos e setores. Isto foi conseguido, sobretudo, nas épocas em que a preocupação eclesiológica foi mais clara, já que a Igreja é o fundamento de toda a ação pastoral e, por conseguinte, de toda pastoral de conjunto.

13 BEOZZO, J. O. “A recepção do Vaticano II na Igreja do Brasil” in INP, opus cit., p. 432.

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2.2. O Concílio Vaticano II como pano de Fundo da Campanha da Fraternidade

O Concílio Vaticano II foi o evento do século para a Igreja. Ignorá-lo ou desconsiderá-lo seria uma falta muito grave. Quando pensamos na Igreja do Brasil, pensamos também na atuação de uma Igreja que procura, mesmo durante a realização do Concílio, adequar-se a ele, criar e lançar mão de todos os meios necessários para a sua implantação, entre eles, a Campanha da Fraternidade. O anúncio do Concílio Vaticano II, feito pelo Papa João XXIII, foi acolhido com alegria no Brasil14. Em 05 de outubro de 1960, o Papa João XXIII criou dez comissões preparatórias e a comissão central e, entre os seus 827 membros, apenas oito eram brasileiros: Dom Jaime de Barros Câmara, cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Helder Pessoa Câmara, Secretário-Geral da CNBB e segundo vice-presidente do CELAM, Dom Antônio Maria Alves Siqueira, bispo auxiliar de São Paulo, Dom José Távora, arcebispo de Aracaju, Dom Vicente Alfredo Scherer, arcebispo de Porto Alegre, Mons. Joaquim Nabuco, do Rio de Janeiro, Pe. Estevão Bentia, de São Paulo e Frei Boaventura Kloppenburg.

A pouca presença de representantes da Igreja do Brasil na preparação do Concílio e o sigilo imposto aos que participavam dos trabalhos das comissões preparatórias fez com que nem mesmo os bispos soubessem o que aconteceria no Concílio15. O Brasil levava para o Concílio a experiência de ser uma Igreja fortemente comprometida com as populações mais pobres. Este compromisso era manifesto na luta contra o subdesenvolvimento e nos programas de educação de base e sindicalização.

Outro elemento importante era o fato de que os bispos brasileiros pertenciam a uma Igreja com prática crescente na colegialidade episcopal e no trabalho em equipe, fruto da caminhada inicial da CNBB, e a isto se acrescenta o fato de que estavam inseridos numa articulação supranacional, o CELAM. Também convém salientar que o episcopado brasileiro tinha por característica um profundo amor e fidelidade ao Papa, o que vai fazer com que logo se alinhe ao bloco que se convencionou chamar da maioria16.

14 Cf. Id. O. A Igreja do Brasil: de João XXIII a João Paulo II – de Medellín a Santo Domingo.

Petrópolis: Vozes, 1993, 2ª ed., p. 72.

15 Cf. Ibid., p. 73. 16 Cf. Ibid., p. 74.

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Após a abertura solene do Concílio, um fato mudou os rumos estabelecidos previamente pela Cúria Romana em relação ao mesmo. O primeiro vice-presidente do CELAM, Dom Manuel Larrain, descobriu que as listas dos membros das Comissões Conciliares haviam sido elaboradas pela Cúria Romana e seria apresentada no dia 13 de outubro de 1962, para aprovação. Dom Manuel procurou Dom Helder, narrou-lhe o fato e, juntos, iniciaram um trabalho de articulação para que os bispos conciliares pudessem propor membros para as comissões e não simplesmente se verem obrigados a aprovar a lista da Cúria Romana17. Assim, no dia 13 de outubro, quando as listas foram apresentadas, os cardeais Liénart e Frings propuseram o adiamento das eleições para que os padres conciliares pudessem, em reuniões, elaborar listas de nomes. Com isso, o controle do Concílio saiu das mãos da Cúria Romana18. Em seguida, os dois bispos articularam, contrariando a Cúria Romana, uma reunião do CELAM para o mesmo dia, com a finalidade de levantar propostas de nomes para compor as comissões. O presidente do CELAM não aprovou a reunião e não realizou a sua convocação, que foi então feita pelo arcebispo de Santiago, o cardeal Silva Enríquez. Esta reunião encorajou outras Conferências Episcopais a fazer o mesmo e o resultado foi a eleição e a contribuição valorosa nas comissões de pessoas completamente desconhecidas em âmbito internacional, como Dom Zoa, de Camarões19.

Os bispos brasileiros ficaram todos hospedados na casa Domus Mariae, e o secretariado-geral da CNBB organizou reuniões e conferências, com teólogos e peritos, durante todo o Concílio, sob a coordenação do biblista brasileiro Pe. Antônio P. Guglielmi, que resultaram em poucas, mas grandes intervenções do episcopado brasileiro no Concílio. Essas conferências se tornaram um verdadeiro fórum de debates e uma universidade teológica. Os seminaristas brasileiros, no início, participaram das conferências, porém, a Sagrada Congregação para os Seminários logo proibiu sua participação, então os bispos passaram a gravar as conferências para que fossem reproduzidas no seminário20. Entre os frutos dessas conferências podemos citar a elaboração do Plano de Pastoral de Conjunto, 17 Cf. Ibid., p. 76-78. 18 Cf. Ibid., p. 75. 19 Cf. Ibid., p. 78-79. 20 Cf. Ibid., p. 79-91.

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estruturando as pastorais do Brasil a partir de linhas que eram definidas pelos principais documentos conciliares, e a Campanha da Fraternidade como um projeto nacional da Igreja no Brasil. O Plano de Pastoral de Conjunto elaborado pelos bispos brasileiros foi copiado no mundo todo.

2.2.1. O Concílio Vaticano II e a compreensão da Igreja

A Eclesiologia do Concílio Vaticano II vai ter uma forte influência no início da Campanha da Fraternidade. Por enquanto, a questão será abordada apenas para possibilitar a compreensão da primeira fase da Campanha da Fraternidade, uma vez que este tema será aprofundado no segundo capítulo deste trabalho.

2.2.1.1. A Igreja Ministério

A Lumen Gentium nos coloca a Igreja como sendo mistério que se manifesta a partir da sua fundação, é anunciadora e instauradora do reino de Deus na história dos homens21.

Em Cristo, a Igreja é sacramento, ou seja, sinal que manifesta a sua união íntima com Deus e a unidade de todo o gênero humano assim como é também instrumento para que esta união aconteça. "E, porque a Igreja é em Cristo como

que sacramento, isto é, sinal e instrumento, da união íntima com Deus e da unidade de todo o gênero humano, retomando o ensino dos concílios anteriores, propõe-se a explicar com maior clareza aos fiéis e ao mundo inteiro, a sua natureza e a sua missão universal"22.

Somos chamados a ser Igreja e este chamado nos destina às realidades eternas, o que nos mostra que uma das principais características desta pertença à Igreja é a consumação no final dos tempos.

A Igreja, à qual somos todos chamados em Jesus Cristo e na qual, pela graça de Deus, adquirimos a santidade, só será consumada na glória celeste, quando chegar o tempo da restauração de todas as coisas (At 3, 21), e quando com o gênero humano, também o mundo inteiro, que está intimamente unido ao homem e por ele atinge o seu fim, será totalmente reconciliado em Cristo (cf. Ef 1, 10; Cl 1, 20; 2Pd 3, 10-1)23. 21 Cf. LG 5. 22 LG 1. 23 LG 48.

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A Gaudium et Spes fala do mistério da Igreja tanto na sua origem quanto no plano escatológico quando afirma que a "Igreja, que tem a sua origem no amor do

eterno Pai, fundada, no tempo, por Cristo Redentor, e reunida no Espírito Santo, tem um fim salvador e escatológico, o qual só se poderá atingir plenamente no outro mundo"24.

Como conclusão desta parte, cabe afirmar que a Igreja, originada no mistério da cruz, cresce pela ação divina como presença do Reino de Deus na história humana e como manifestação de Cristo, luz que ilumina todo homem que vem a este mundo e finalidade da existência humana25.

2.2.1.2. A Igreja Comunhão

O modelo de Igreja comunhão que nos é proposto pelo Concílio Vaticano II representa a síntese de dois modelos: o primeiro é a Igreja Corpo Místico de Cristo e o segundo é o modelo Igreja Povo de Deus.

A Igreja é o Corpo Místico de Cristo, corpo no qual a vida de Cristo comunica-se a todos os membros principalmente através dos sacramentos. Cristo é a Cabeça deste corpo e todos os membros devem conformar-se a ele para que possam viver unidos a ele26. O documento Unitatis Redintegratio, sobre o ecumenismo, busca no Corpo Místico de Cristo a fundamentação para mostrar a necessidade da busca da unidade entre as religiões cristãs, o que é atestado pelo início deste documento, que afirma que Jesus fundou uma única Igreja27.

O crescimento da vida do Corpo Místico de Cristo através da comunhão entre as Igrejas é evidenciado no Concílio Vaticano II. O Concílio fala tanto da comunhão que deve haver em uma Igreja particular como também na comunhão que deve existir entre as Igrejas Particulares, que devem viver com a Igreja Universal e fomentar a comunhão com a Igreja Universal entre todos os seus membros28.

A imagem de Igreja como Povo de Deus também é manifesta no Concílio Vaticano II como, por exemplo, a Lumen Gentium que diz: "Assim a Igreja 24 GS 40. 25 Cf. LG 3. 26 Cf. LG 7. 27 Cf. UR 1. 28 Cf. AG 19.

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universal aparece como o 'povo congregado na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo'"29. Este povo vive neste mundo como uma sociedade constituída e organizada na qual subsiste a Igreja católica, embora fora do seu corpo possam ser também encontrados muitos sinais de verdade e de santificação que conduzem para a unidade católica30.

2.2.1.3. A Igreja Missionária

A Igreja é essencialmente missionária e por isso, o Concílio Vaticano II dedicou um documento exclusivamente para a missão, que é o Decreto Ad Gentes. No seu início, procurando estabelecer os objetivos da ação missionária da Igreja, o Decreto diz que a Igreja, sal da terra e luz do mundo, deve responder às mudanças do nosso tempo no sentido de renovar todas as pessoas, de modo que todos se irmanem como membros da única família e único povo de Deus. Esta obra, que pela ação divina, já vem sendo realizada na história com a participação de muitas pessoas que se dedicam ao trabalho de preparar a segunda vinda do Senhor31.

Todos são chamados a seguir o exemplo dos apóstolos, instruídos e enviados por Cristo a anunciar a todos os povos o Evangelho do Senhor e a levar uma vida coerente com o que pregam, procurando converter as pessoas, mas ao mesmo tempo respeitando os fracos. Esta atividade apostólica seguiu-se desde os tempos apostólicos até os dias de hoje, com o testemunho de mártires e fiéis. A Igreja deve ser, apesar de suas fraquezas, continuadora desta obra32. Desta missão

"derivam encargos, luz e energia que podem servir para o crescimento e a consolidação da comunidade humana segundo a Lei divina"33.

2.2.2. O conteúdo do Concílio como fonte dos temas da Campanha da Fraternidade na sua fase inicial

Os temas da CF, inicialmente, contemplaram mais a vida interna da Igreja. Três documentos conciliares foram importantes para o desenvolvimento da 29 LG 4. 30 Cf. LG 8. 31 Cf. AG 1. 32 Cf. DH 11-12. 33 Cf. GS 42.

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Campanha da Fraternidade: Sacrosanctum Concilium, sobre a liturgia; Lumen

Gentium, sobre a natureza e missão evangelizadora da Igreja; e Gaudium et Spes,

sobre a presença transformadora da Igreja no mundo de hoje.

2.2.2.1. Sacrosanctum Concilium

O documento Sacrosanctum Concilium faz com que a Campanha da Fraternidade reflita sobre a sua inserção no tempo quaresmal. A quaresma implica na penitência também em sua dimensão externa e social34. No Brasil, a dimensão comunitária da Quaresma é vivenciada e assumida pela Campanha da Fraternidade, na qual, a cada ano, a Igreja destaca uma situação da realidade social que precisa ser mudada.

O documento conciliar acentua a necessidade da formação dos fiéis sobre as conseqüências sociais do pecado35. A Campanha da Fraternidade, atendendo a esta exigência, também procura formar nas pessoas a consciência sobre as conseqüências sociais do pecado, seja em relação ao próprio pecado, que é sempre causa de sofrimento, seja em relação aos pecados de outras pessoas. Essas conseqüências exigem de todos nós solidariedade com os que sofrem e a necessidade de um trabalho evangelizador que gere mudanças e possibilite a superação do pecado, seja pela conversão das pessoas, seja a partir de mudanças na sociedade. Essas mudanças devem eliminar as causas do pecado.

A Campanha da Fraternidade ilumina de modo particular os gestos fundamentais da quaresma. Pelo exercício da oração, pessoal e comunitária, as pessoas se tornam sempre mais abertas e disponíveis às iniciativas da ação de Deus. O jejum e a abstinência de carne expressam a íntima relação existente entre os gestos externos da penitência, mudança de vida e conversão interior. A esmola confere aos gestos de generosidade humana uma dimensão evangélica profunda que se expressa na solidariedade. Coloca a pessoa e a comunidade face a face com o irmão empobrecido e marginalizado, para ajudá-lo e promovê-lo.

34 Cf. SC 110. 35 Cf. SC 109 b.

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2.2.2.2. Lumen Gentium

A Constituição Dogmática Lumen Gentium apresenta uma nova proposta eclesiológica. A eclesiologia não pode ser esgotada. Basta apreciarmos as imagens que nos são apresentadas na Lumen Gentium e que nos revelam a natureza íntima da Igreja: redil, rebanho, campo onde cresce a oliveira e a vinha, edifício que tem em Cristo a pedra angular e que é chamado também de casa de Deus, família, tenda de Deus, templo santo, Cidade Santa, Jerusalém do Alto36. O Concílio Vaticano I afirma que a Igreja é o Corpo de Cristo e que o cristianismo não pode ser praticado a não ser na Igreja. A Igreja é uma sociedade verdadeira, perfeita, espiritual, sobrenatural, visível e una, e fora da Igreja não há salvação. A Igreja é indefectível e infalível37. É interessante percebermos que, se por um lado o Concílio Vaticano I trabalha a questão eclesiológica a partir de um pano de fundo institucional, procurando mostrar sua legitimidade diante dos valores da modernidade, a fundamentação da eclesiologia do Concílio Vaticano II é eminentemente bíblica.

A Igreja existe em relação com a Trindade. A Trindade está presente no início da Igreja, com a criação do mundo e do homem à imagem e semelhança da Trindade para ser capaz de estabelecer um relacionamento com Deus e viver em comunhão com ele. Em seguida, vemos a Igreja prefigurada e preparada no Antigo Testamento, com a história do povo de Israel, a Antiga Aliança e os diferentes sinais que a prefiguram: arca da Aliança, Templo, Reino, caminhada do povo, vinha, etc. Ela é fundada por Jesus Cristo e manifestada em Pentecostes38.

A Trindade está presente também na história da Igreja, pois o Pai acompanha a Igreja pelo Espírito Santo e a acompanha por Jesus Cristo nos caminhos da história39. Por fim, a Trindade é o objetivo final da Igreja que busca a felicidade perfeita no Reino definitivo40, no qual ela aparece a partir da imagem da Jerusalém Celeste e é iluminada pelo próprio Deus.

36 Cf. LG 6. 37

Cf. ALBERICO, G. (org.). História dos Concílios Ecumênicos. São Paulo: Paulus, 2005, 5ª ed., p. 375.

38 Cf. SANTOS, B. B., “A perspectiva eclesiológica do Vaticano II: perfil da Igreja do terceiro

milênio” In: Diocese de Taubaté, Plano de evangelização – 1997-2000. Taubaté, [s.n.]. [1997 ?].

pg. 4-9. (Mimeografado), p. 5.

39 Cf. Prefácio da Oração Eucarística VI-B. 40 Cf. Prefácio da Oração Eucarística VI-B.

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A Igreja também se manifesta como sacramento, como mistério. É mistério que se manifesta a partir da sua fundação e tem a missão de anunciar e instaurar o reino de Deus na história dos homens. Com a prática de Jesus e a pregação do Reino, se cumprem as promessas feitas por Deus no Antigo Testamento e, em Pentecostes, quando acontece a efusão do Espírito Santo, a Igreja inicia historicamente sua missão e se torna o germe e o início desse Reino41.

Em Cristo, a Igreja é sacramento que manifesta a íntima relação com Deus e a unidade de todo o gênero humano. É também meio de realização desta unidade42. Somos chamados a ser Igreja e destinados às realidades eternas, vocacionados à santidade, à reconciliação plena em Cristo43. A Igreja é o reino de Cristo já presente em mistério, que cresce a cada dia por graça divina para levar as pessoas a viverem em Cristo44.

A imagem de Igreja como Povo de Deus mostra a Igreja como povo congregado na unidade da Trindade45. Vivendo a unidade como povo de Deus e Corpo Místico de Cristo, a Igreja vive a comunhão e revela aos homens o mistério da Trindade na qual se encontra a sua origem e a sua vocação46.

A Campanha da Fraternidade sofre forte influência da Lumen Gentium. Inicialmente, a Campanha da Fraternidade vai ser um dos instrumentos mais poderosos nas mãos da CNBB para a divulgação das idéias do Concílio em geral e sua eclesiologia em particular, expressa principalmente no Plano de Pastoral de Conjunto.

Assim, a Campanha da Fraternidade deve “lembrar aos fiéis que eles são Igreja (fazer entender de modo prático e definitivo o erro de imaginar que a Igreja são só os bispos e os padres) (...) levar os fiéis a ser responsáveis pelas obras de apostolado e pelas obras sociais mantidas pela Igreja”47

. 41 Cf. LG 5. 42 Cf. LG, 1. 43 Cf. LG, 48. 44 Cf. LG 3. 45 Cf. LG 4.

46 Este elemento eclesiológico será o fundamento teológico para a realização das Campanhas da

Fraternidade nas suas duas fases iniciais: a Renovação da Igreja e a Renovação do Cristão. A Igreja é essencialmente missionária, é chamada a salvar e a renovar toda criatura, para que tudo seja instaurado em Cristo e nele os homens constituam uma só família e um só povo de Deus e a difundir por toda a parte o reino de Cristo. A missão da Igreja é evangelizar. Sem realizar a obra evangelizadora, a Igreja perde a sua razão de ser.

47 CNBB. Campanha da Fraternidade. São Paulo: Paulinas, 1983, Coleção Estudos da CNBB n.o

35, p. 22.

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2.2.2.3. Gaudium et Spes

A Igreja está também em relação com o mundo. A constituição pastoral

Gaudium et Spes nos mostra isso. A Igreja está vinculada com o mundo porque é

feita de realidades terrestres e porque é presença de Deus na história dos homens. Ela está ainda em relação com a missão através da ação inculturada, que penetre a história de um povo, assim como os seus costumes, hábitos sociais, leis, projeto de vida, enfim, sua cultura48.

Nesta relação, a Igreja se vê interpelada diante da injustiça social. Reconheçamos que existem valores na sociedade moderna, como o avanço científico, a cooperação entre as diversas formas de conhecer, a solidariedade internacional, o aumento da consciência e da responsabilidade de todos diante dos mais sofridos e necessitados, valores que nos revelam a presença atuante de Deus que prepara o coração dos seus filhos e filhas para o anúncio do Evangelho49. Mas devemos reconhecer também que a injustiça social se manifesta na fome, na pobreza, no analfabetismo, nas formas de escravidão. Diante dos abismos da sociedade moderna, há a exigência da solidariedade. Também é importante que se perceba que a preocupação com a ordem temporal cada vez mais deixa de lado a dimensão espiritual da pessoa humana50. Jesus exige de todos nós o amor e a solidariedade, que nos levem a uma comunhão fraterna e à prestação mútua de serviço51.

Esta mentalidade manifesta na Gaudium et Spes vai estar fortemente presente na Campanha da Fraternidade. No seu início, fica a motivação para a solidariedade que deve ser expressa na coleta do domingo de Ramos, mas a partir do seu crescimento e do seu comprometimento histórico, passa a unir profetismo, conversão, solidariedade e ação sócio transformadora.

A partir destes elementos que nos são colocados pelo Concílio Vaticano II, a Campanha da Fraternidade vai apresentar a sua proposta inicial que é a renovação da Igreja e do cristão.

48 Cf. SANTOS, B. B., op. cit., pg. 5. 49

Cf. GS 57.

50 Cf. GS 4. 51 Cf. GS 32.

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2.3. A criação da Campanha da Fraternidade e a sua consolidação como projeto nacional

A partir do contexto eclesial colocado nos dois itens anteriores, é possível analisar o surgimento da Campanha da Fraternidade e o seu rápido crescimento como ação da Igreja no Brasil. Para isso, o passo inicial é uma exposição do processo histórico que possibilitou o surgimento da Campanha no Rio Grande do Norte para, em seguida, expor os fatos que contribuíram para que ela se tornasse um projeto nacional. A partir de então, são analisadas as Campanhas da Fraternidade que aconteceram na sua primeira fase, iniciada em 1963 e que se prolongou até 1972, quando esta Campanha deixa de ser uma simples campanha de arrecadação de recursos para custear os trabalhos da Caritas Brasileira para, também, se tornar uma campanha de divulgação das propostas e resoluções do Concílio Vaticano II.

Inicialmente, precisamos conhecer o processo histórico que deu origem à Campanha da Fraternidade. Este processo iniciou-se na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Durante a Segunda Guerra Mundial, Natal foi escolhida pelos Estados Unidos como lugar estratégico para comandar as tropas que lutavam no norte da África e, no final do ano de 1941, a cidade, que tinha menos de 60.000 habitantes, recebeu 20.000 soldados norte americanos, o que gerou uma grande desordem social52. O crescimento da cidade foi vertiginoso, de modo que, em 1950, a sua população era de 103.215 habitantes, o que significou um crescimento populacional de 84,18% em uma década. Se esse índice de crescimento fosse mantido, Natal seria hoje pelo menos quatro vezes mais populosa e uma das cinco maiores cidades do país.

Este crescimento veio acompanhado de sérios problemas que desafiaram a Igreja. Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, os soldados norte-americanos deixaram Natal e, com eles, os recursos que moviam a economia local, gerando uma crise social de grandes proporções. Quem respondeu inicialmente aos desafios foi a Ação Católica que, a partir de 1945, deixa de ter apenas objetivos religiosos e missionários para se preocupar também com os problemas sociais, o que acontece com a realização da Primeira Semana da Ação Católica. O assistente eclesiástico das Senhoras da Ação Católica de Natal era o

52 Cf. ARAUJO, E. Quando fala o coração. Londrina: Livre Iniciativa, 2000, p. 44.

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padre Nivaldo Monte. Ainda em 1945, o padre Eugênio de Araújo Sales, diretor espiritual do Seminário Menor São Pedro, de Natal, criou a Juventude Masculina Católica, e logo se associou ao padre Nivaldo Monte na tarefa de responder aos desafios sociais da cidade de Natal. O resultado dessa união foi o estabelecimento de reuniões mensais, a partir de 1948, para discussão dos assuntos sendo que, aos poucos, todo o clero de Natal envolveu-se com a questão. Com isso, teve origem o do Movimento de Natal, que tem como referência de seu surgimento o ano de 1948, com ações sociais em diferentes frentes53.

Em 1961, a Caritas Brasileira idealizou uma campanha para arrecadar fundos para as atividades assistenciais e promocionais da instituição, buscando autonomia financeira para a prática da solidariedade. Era uma campanha de coleta que deveria acontecer no tempo da quaresma colhendo os frutos do jejum e da penitência. A atividade foi chamada Campanha da Fraternidade e realizada, pela primeira vez, na Quaresma de 1962, em Natal (RN), a pedido do então Administrador Apostólico Sede Plena54 Dom Eugênio de Araújo Sales, que havia sido nomeado bispo auxiliar em 1954 e, em 1962, assumiu a direção da Arquidiocese. A iniciativa contou com adesão de outras três dioceses e apoio financeiro dos bispos norte-americanos. No ano seguinte, dezesseis dioceses do Nordeste realizaram a Campanha55, sendo que o local onde ela obteve maior sucesso foi a Arquidiocese de Fortaleza, principalmente por causa do estímulo, apoio e comprometimento do seu arcebispo, Dom José de Medeiros Delgado56.

Em 1963, na cidade de Nísia Floresta, quatro religiosas da Congregação Missionária de Jesus Crucificado realizaram, à luz do Concílio Vaticano II que estava em andamento, uma experiência de inserção, indo morar na paróquia que era sede vacante e atuando como verdadeiras vigárias, inseridas também no contexto da Arquidiocese de Natal. Ao constatar a péssima condição de vida do povo e a necessidade de uma ação mais efetiva de solidariedade, criaram a Marcha da Solidariedade, caminhada a pé passando de casa em casa recolhendo

53 Cf. Ibid., p. 45-46. 54

De acordo com os cânones 312 a 318, do Código de Direito Canônico publicado em 1917 e que estava em vigor na época, em determinados casos a Santa Sé nomeava um bispo auxiliar como Administrador Apostólico Sede Plena. O Administrador Apostólico Sede Plena gozava de plenos poderes na Igreja Particular, embora houvesse outro bispo como titular no cargo. O bispo titular, por algum motivo estabelecido pelo Direito Eclesiástico, estava impedido de exercer o seu ofício.

55 Cf. CNBB, Documento-base CF 1968, mimeografado, p. 132. 56 Cf. CNBB, Campanha da Fraternidade, p. 20.

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doações para a solidariedade. Esta caminhada usava de todos os recursos disponíveis como carro de som, faixas, cartazes, etc., e todos os meios de locomoção e acontecia na semana que precedia o Domingo de Ramos57. Nesta caminhada, arrecadavam todos os tipos de doações, como roupas, utensílios domésticos, alimentos, remédios e, principalmente, produtos da agricultura local como o coco, mandioca, abóbora, etc. Alguns produtos eram distribuídos diretamente e outros comercializados nas feiras livres da região. Com os recursos angariados, eram comprados objetos que respondiam às necessidades da população como alimentos, redes, roupas, panelas, etc., que as irmãs distribuíam para as pessoas carentes nas suas próprias casas. A comunidade que mais participou desta atividade em Nísia Floresta foi a de Timbó, distante cinco quilômetros da sede, onde estive presidindo a Eucaristia e fiz uma reunião com os moradores que narraram fatos do início da Campanha da Fraternidade e pediram explicações sobre a situação atual da referida Campanha.

Durante o desenvolvimento do Concílio Vaticano II, o Cardeal Suenens fez um discurso, no final da primeira sessão, que gerou uma discussão entre o episcopado brasileiro sobre a realização de uma campanha de arrecadação de fundos para a ação social. A conseqüência dessa discussão foi que durante uma reunião dos Bispos do Brasil, na casa Domus Mariae em Roma, que aconteceu em outubro de 1963, foi aprovada a realização da Campanha da Fraternidade em âmbito nacional, seguindo o modelo que acontecia no Estado do Rio Grande do Norte. A partir das decisões desta reunião, Dom Helder Câmara, Secretário-Geral da CNBB, escreveu uma circular a todos os bispos do Brasil, datada de 26 de dezembro de 1963, que ficou conhecida como “certidão de nascimento da Campanha da Fraternidade” na qual coloca os seus princípios fundamentais58

. A primeira Campanha Nacional aconteceu na quaresma de 1964 e procurou unir a coleta com a conversão quaresmal e a implantação das decisões do Concílio. Para a sua divulgação, havia o cartaz da Campanha, inicialmente encomendado pela CNBB aos artistas e, a partir de 1976, os cartazes passaram a ser fruto da realização de um concurso nacional, e eram distribuídos folhetos

57 ARAUJO, E. opus cit., p. 36.

58 Correspondência de Dom Helder encontra-se transcrita no “Anexo 2” deste trabalho.

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volantes a todos os fiéis durante os domingos da quaresma, juntamente com envelopes para a coleta59.

Em 20 de dezembro de 1964, os bispos aprovaram o projeto inicial da Campanha da Fraternidade, através de um documento com o título: “Campanha da Fraternidade: pontos fundamentais apreciados pelo episcopado em Roma”. Em 1965, a Campanha da Fraternidade foi vinculada diretamente ao Secretariado Geral da CNBB, que passou a assumir a sua organização, realização e definiu a sua estrutura básica, trabalho desenvolvido pelo Secretário-Geral, Dom José Gonçalves da Costa60.

Em 1967, iniciaram-se os encontros nacionais das Coordenações Nacional e Regionais da Campanha da Fraternidade. O padre Tomé Morressey, redentorista, foi nomeado coordenador da CF, e o padre Irineu Bérvian, da Diocese de Passo Fundo, assessor eclesiástico. No ano seguinte, assumiu a coordenação nacional o padre redentorista Alfredo Novak, que tinha experiência de coordenação da Campanha da Fraternidade em Manaus, Belém e Teresina61. Hoje ele é bispo emérito de Paranaguá.

Neste mesmo ano, surge também o então chamado Documento-base, um livreto de orientações, subsídios de planejamento e publicidade62. Em 1969, o Documento base foi acrescido de subsídios litúrgicos e, em 1972, passou a ter também subsídios catequéticos e recebeu o nome de Manual. O manual, com o conjunto de tudo o que é publicado pela Campanha da Fraternidade, continua sendo publicado. O Documento base ficou sendo uma parte do Manual e permaneceu até a Campanha de 1977, quando foi substituído pelo Texto-base, que passou a adotar o método Ver-Julgar-Agir e foi utilizado pela primeira vez na Campanha de 1978, e continua nas campanhas atuais63. Em 1970, teve início a mensagem do Papa, que era transmitida em cadeia nacional de rádio e televisão na Quarta feira de Cinzas, quando acontece a abertura da Campanha64. Hoje, o Papa envia sua mensagem aos brasileiros por ocasião do início da Campanha da

59 CNBB. Campanha da Fraternidade, p. 40. 60 Cf. Ibid., p. 26. 61 Cf. Ibid., p. 26-27. 62 Cf. Ibid., p. 40. 63 Cf. Ibid., p. 40. 64 Cf. CNBB Documento-base CF 1968, p. 133.

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Fraternidade, que é lida pelo Presidente da CNBB na cerimônia de abertura da Campanha da Fraternidade, que acontece na Quarta feira de cinzas na sede da CNBB em Brasília com uma entrevista coletiva, mas a mensagem do Papa não é mais transmitida em cadeia nacional.

A partir de 1971, tanto a Presidência da CNBB como a Comissão Episcopal de Pastoral começaram a ter uma participação mais intensa em todo o processo da CF, que estabeleceu os seguintes princípios para a sua realização:

1 – O objetivo geral da Campanha da Fraternidade é o mesmo do Plano de Pastoral de Conjunto;

2 – A Campanha da Fraternidade é um instrumento extraordinário que, em tempo oportuno, quer intensificar a realização dos objetivos ou fins do Plano de Pastoral Orgânica;

3 – A determinação desses objetivos deve brotar da reflexão conjunta dos órgãos pastorais da CNBB;

4 – A Campanha da Fraternidade situa-se como órgão intersetorial a serviço das seis Linhas do Plano de Pastoral Orgânica em dependência direta da Comissão Episcopal de Pastoral;

5 – Esses mesmos princípios se aplicarão, analogamente, em nível nacional, diocesano e paroquial.

A Campanha da Fraternidade tem como objetivos permanentes:

“1 – Despertar o espírito comunitário e cristão no povo de Deus, comprometendo, em particular, os cristãos na busca do bem comum;

2 – Educar para a vida em fraternidade, a partir da justiça e do amor, exigência central do Evangelho;

3 – Renovar a consciência da responsabilidade de todos pela ação da Igreja na evangelização65, na promoção humana, em vista de uma sociedade justa e

65 A 35ª Assembléia Geral da CNBB, que aconteceu em 1997 em Itaici, aprovou a criação da

Campanha para a Evangelização a ser realizada no tempo do Advento com uma coleta específica para a evangelização. Com isso, os recursos da Campanha da Fraternidade deixaram de custear a ação evangelizadora da Igreja no Brasil e passaram a constituir os Fundos Nacional e Diocesano de Solidariedade, destinando recursos apenas para a ação social.

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solidária (todos devem evangelizar e todos devem sustentar a ação evangelizadora e libertadora da Igreja)”66

.

Desta forma, a Campanha da Fraternidade se consolida como um projeto nacional. Não apenas porque dela participam todas as Igrejas Particulares do Brasil, mas também porque acontece o envolvimento de todas as pastorais, através da Comissão Episcopal de Pastoral. As reuniões que passaram a acontecer entre a coordenação diocesana e as coordenações dos Regionais vão possibilitando que aos poucos o processo de escolha do tema e do lema da Campanha e o seu processo de elaboração, execução e avaliação tornem-se mais participativos. Assim, a escolha do tema e do lema da Campanha da Fraternidade deixa de ser apenas resultado do trabalho da Presidência da CNBB – em especial do Secretário-Geral – juntamente com o coordenador e o assessor eclesiástico.

A Campanha da Fraternidade, em toda a sua história, se caracteriza como uma atividade ampla de evangelização libertadora desenvolvida no tempo quaresmal, para realizar a dimensão sócio-transformadora da ação da Igreja, a partir de um problema específico. Procura desenvolver o espírito quaresmal de conversão e de prática solidária. Retoma o profetismo confirmado por Cristo na parábola do bom samaritano (Cf. Lc 10, 25-37) e no discurso sobre o juízo final (Cf. Mt 25, 31-46).

2.3.1. A primeira fase histórica da Campanha da Fraternidade a renovação da Igreja e do cristão

A primeira fase da Campanha da Fraternidade será voltada para a renovação da Igreja e do cristão, seguindo as propostas do Plano de Emergência e do Plano de Pastoral de Conjunto, abrangendo as Campanhas que aconteceram entre 1964 e 1972. Nesta fase, destacamos dois momentos: um primeiro, no qual aconteceram duas campanhas, 1964 e 1965, na qual a preocupação foi a renovação da Igreja e a segunda foi a renovação do cristão, abrangendo as demais campanhas do período.

Este é um período de aprendizado e de grande crescimento da Campanha da Fraternidade, tanto em termos quantitativos como em termos qualitativos.

66 Cf. CNBB. Campanha da Fraternidade, p. 36-37.

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O Concílio Vaticano II estava em andamento, porém a cada dia ficava mais clara a proposta de Igreja que seria aprovada no Documento Lumen Gentium. Os bispos brasileiros tinham a grande preocupação de fazer com que a proposta conciliar fosse compreendida e assumida por todos os membros da Igreja no Brasil, de modo que a renovação da Igreja fosse possível, realizando também uma das metas do Plano de Emergência. A realização da Campanha da Fraternidade não apenas com a finalidade da coleta solidária, mas também com um conteúdo evangelizador, apresentava-se como um novo instrumento para que esses propósitos viessem a se concretizar. Assim, a preocupação foi que a Campanha da Fraternidade abordasse os dois elementos fundamentais dessa renovação: o primeiro seria, a partir do modelo de Igreja comunhão, despertar nos fiéis a consciência de pertença à Igreja a partir da graça batismal; e o segundo seria voltado para a realidade paroquial, pois nela a dimensão eclesial da fé acontece, já que a paróquia é a referência eclesial para todos os fiéis, visto que é nela que participam dos sacramentos e dela recebem os serviços prestados pela Igreja. As organizações da Igreja que vão além da realidade comunitária e paroquial, como as dioceses, as províncias eclesiásticas, as conferências episcopais regionais, nacionais e continentais e os organismos da Igreja Universal são estranhos à maioria do nosso povo.

Esses objetivos de renovação da Igreja e do cristão se expressam nas Campanhas da Fraternidade entre 1964 e 1972, conforme a apresentação que segue.

2.3.1.1. A Campanha da Fraternidade de 1964

Teve como tema: “Igreja em renovação”, e como lema: “Lembre-se: você também é Igreja”.

A metodologia utilizada foi o envio das folhas volantes às Dioceses para que fossem mimeografas e distribuídas entre os fiéis.

Os bispos afirmaram que precisamos encontrar a maneira mais adequada para revisar a vida interna da Igreja e a sua ação apostólica no mundo. Para isso, todos devem dar o máximo de si procurando, inicialmente, fazer um exame de consciência no sentido de descobrir as próprias falhas e não as falhas dos outros. Antes de criticar, as pessoas devem participar do trabalho apostólico e social da

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Igreja, pois todos são Igreja67. Todos devem entender de forma prática que é um erro imaginar que a Igreja são somente os bispos e os padres, mas todos devem ser responsáveis pelo trabalho apostólico e social da Igreja, procurando conhecer e divulgar esse trabalho68. Muitos fazem pouco ou nada e ficam criticando a Igreja, jogando pedras, sem colaborar com a superação dos problemas eclesiais69. A partir de questionamentos sobre a realidade, todos devem discutir o trabalho apostólico da Igreja e participar dele70. Todos devem unir-se aos esforços dos bispos e dar o máximo de si para melhorar a paróquia e a diocese, começando pela melhora de si, para poder contribuir para a expansão da obra apostólica e social da Igreja71.

Embora a Lumen Gentium ainda não tivesse sido aprovada quando a Campanha da Fraternidade de 1964 foi preparada, pode-se perceber claramente a influência do modelo eclesiológico de comunhão na sua elaboração, principalmente quando vemos que os leigos e leigas são também responsáveis pela obra social e evangelizadora da Igreja, assim como pela superação dos problemas eclesiais e devem dar a sua contribuição para que a Igreja realize plenamente a sua missão. Também fica claro o interesse institucional presente na Campanha, pois discutiu o Concílio em vista de uma nova visão de participação dos fiéis na diocese e na paróquia, à luz da Lumen Gentium, porém não foi colocada a questão a participação dos fiéis na ação socio-transformadora da Igreja, embora também estivesse sendo discutido o documento Gaudium et Spes, que mostra a necessidade da presença da Igreja no mundo, e não simplesmente na diocese e na paróquia.

As responsabilidades dos erros que acontecem na vida da Igreja também são transferidas para os fiéis, sem levar em consideração os erros institucionais. Os fiéis são chamados a fazer um exame de consciência, procurando descobrir as próprias falhas, pois as falhas são sempre dos fiéis, nunca da Igreja. Todos devem participar das atividades da Igreja, porém a crítica é reprimida. Isso revela uma mentalidade de fundo: a de que os fiéis são para a Igreja e não o inverso, a Igreja não pensa em mudar para satisfazer as necessidades dos fiéis, pois os bispos e os 67 CNBB. Folhas Volantes CF 1964. p. 1. 68 Cf. Ibid., p. 4. 69 Cf. Ibid., p. 8. 70 Cf. Ibid., p. 9. 71 Cf. Ibid., p. 10-11.

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padres já são muito esforçados e já fazem a sua parte, enquanto que os fiéis não. Assim, os fiéis precisam converter-se e devem unir-se aos esforços dos bispos e dos padres. Tudo isso nos mostra uma identificação entre Igreja e hierarquia de modo que, embora a palavra de ordem seja comunhão, a lógica hierárquica permanece. O próprio lema da Campanha da Fraternidade coloca os leigos e leigas em segundo plano: Lembre-se, você também é Igreja72.

2.3.1.2. A Campanha da Fraternidade de 1965

Teve como tema: “Paróquia em renovação”, e como lema: “Faça de sua paróquia uma comunidade de fé, culto e amor”.

A Campanha da Fraternidade de 1965 comemora o sucesso da campanha anterior em levar a mensagem do trabalho apostólico, social e de renovação da Igreja aos fiéis73, ao mesmo tempo em que mostra a necessidade – expressa na Missa voltada para o povo, dialogada e em português – da união de todos os que são Igreja, Corpo místico de Cristo74.

Esta união se expressa na vida de comunidade, conteúdo central das Folhas Volantes da campanha, que deve ser uma comunidade de fé, de culto, de caridade, missionária em clima de Concílio Ecumênico75.

A partir do lema, volta-se o olhar para o local da vivência concreta da vida comunitária, que é a paróquia, local privilegiado do encontro com Cristo para a transformação da vida do fiel através de um sentido novo, motivo do convite da Igreja para que todos se tornem membros vivos da comunidade paroquial, que é a comunidade de todos. A quaresma deve ser a oportunidade para que todos assumam a vida paroquial como comunidade de fé viva e vivida, tornando-se também comunidade de caridade76.

Um elemento que passa a ser mais evidenciado é o da coleta da fraternidade que aconteceu no dia 04 de abril, Domingo da Paixão. Cria-se assim a consciência de que tudo o que temos vem de Deus, por isso devemos ser gratos a ele retribuindo um pouco do dom divino à paróquia para ajudar na sua construção,

72 O grifo é meu.

73 Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1965. Mimeografado, p. 1. 74

Cf. Ibid., p. 4.

75 Cf. Ibid., p. 3, 4, 5, 7, 8, 12, 15, 16. 76 Cf. Ibid., p. 1, 3, 5, 7, 12. 17.

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como sinal do dom de si mesmo, manifestação de viva participação na comunidade viva que testemunha a presença de Cristo e se torna comunidade de caridade77. A coleta deve ser, antes de tudo, manifestação da conversão acontecida no tempo quaresmal, na qual foram assumidas as responsabilidades diante da vida paroquial78.

A preocupação continua sendo institucional, mas agora voltada unicamente para a paróquia. A partir das mudanças na liturgia, apresenta-se a eclesiologia do Corpo Místico de Cristo que foi apresentada no Concílio Vaticano I, mas que teve uma maior expressão com a Encíclica Mystici Corporis Christi, escrita pelo Papa Pio XII em 1955 e que teve grande influência no Concílio Vaticano II, na construção da eclesiologia de comunhão.

Fala-se da coleta como manifestação da conversão, mas ela também é voltada para a paróquia, é retribuição à paróquia de um pouco do dom divino para ajudar na sua construção. A comunidade se torna comunidade de caridade e a conversão significa assumir as responsabilidades diante da vida paroquial.

Novamente, os valores que estão sendo discutidos na elaboração da

Gaudium et Spes não aparecem na Campanha da Fraternidade, de modo que a

Igreja volta-se para si mesma e não leva em consideração a realidade e as necessidades do povo de Deus, embora estas tenham sido as motivações para o surgimento da Campanha e o elemento fundamental para o discurso da sua legitimação. Isso demonstra a sua instrumentalização para a satisfação de necessidades institucionais.

A preocupação da Campanha da Fraternidade, em seguida, passa a ser a renovação do cristão, e esta preocupação irá abranger sete campanhas, começando com a de 1966 e seguindo até o ano de 1972.

2.3.1.3. A Campanha da Fraternidade de 1966

Teve como tema: “Fraternidade”, e como lema: “Somos responsáveis uns pelos outros”.

A Campanha da Fraternidade de 1966 foi muito rica, a sua reflexão foi muito extensa, profunda, abrangente e original. Trabalhou elementos conjunturais,

77 Cf. Ibid., p. 5, 6, 8, 9, 11. 78 Cf. Ibid., p. 15.

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doutrinais e metodológicos. A mudança de ótica, saindo da Igreja para focar a vida do cristão, embora mantendo o pano de fundo da reflexão eclesiológica do Concílio Vaticano II, exigiu que um grande esforço fosse desenvolvido e deu a esta campanha uma importância ímpar no conjunto histórico da Campanha da Fraternidade.

Esta campanha teve como objetivo reavivar nos fiéis a consciência de que são membros do Povo de Deus, co-responsáveis por toda a comunidade da Igreja local, diocesana, nacional e universal. Todos são chamados a servir todos os homens, especialmente os pobres79.

Novamente, temos como referência o Concílio Vaticano II. O espírito do Concílio deve estar na consciência de todos os cristãos a fim de que comecem a pensar de acordo com ele80. Para isso, é importante que todos tenham presente o momento histórico no qual está inserida a Campanha da Fraternidade e assumam o 1º Plano de Pastoral de Conjunto, desenvolvido para que a Igreja no Brasil possa tornar-se mais rapidamente uma imagem da Igreja proposta pelo Vaticano II, renovando as paróquias, através do compromisso do clero e dos católicos. Um importante instrumento para que isso aconteça é a Campanha da Fraternidade81. O Concílio abriu novos caminhos de renovação da Igreja para que ela seja esposa sem ruga e sem mancha, e isso desafia a nossa consciência, principalmente na quaresma, tempo de conversão. A renovação da Igreja começa por nós para estender-se a toda a comunidade, na qual devemos viver como irmãos82. Também é necessária a oração pela renovação da Igreja na linha conciliar para que, tendo como centro o Cristo e assumindo o Plano de Pastoral de Conjunto, torne-se autêntica comunidade Igreja, testemunha da verdade e servidora dos pobres83.

Uma das exigências do Concílio é a pastoral de conjunto84. O Plano de Pastoral de Conjunto foi desenvolvido para ser um instrumento que possibilite a

79

Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1966. Mimeografado, p. 1.

80 Cf. Ibid., p. 32. 81 Cf. Ibid., p. 8. 82 Cf. Ibid., p. 35-36, 58. 83

Cf. Ibid., p. 64-65.

84 A eclesiologia do Concílio Vaticano II, contida na Lumen Gentium, expressa uma visão de

Igreja como comunhão, e uma das conseqüências da Igreja em comunhão é a pastoral de conjunto, que deve ser assumida por todos, inclusive pelos leigos e leigas (Cf. CD 17) que edificam o Corpo Místico de Cristo (Cf. CD 16). A pastoral de conjunto revela esta unidade da Igreja. Agora não existe mais lugar para o individualismo ou para iniciativas particulares. Nos somos a Igreja, o Povo de Deus, o Corpo Místico de Cristo, o sinal da união íntima com Deus e com todos os

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implantação da pastoral de conjunto na Igreja do Brasil. A Campanha da Fraternidade deve integrar-se com todas as pastorais procurando levar os fiéis a participar na solução de todos os problemas e a fortalecer a estrutura da Igreja para cooperar com as reformas conciliares. Neste sentido, a Campanha da Fraternidade é uma das grandes esperanças da Igreja no Brasil85.

A preocupação eclesiológica continua presente na Campanha de 1966. O tempo da quaresma, como tempo privilegiado de conversão, deve nos levar a promover a unidade da Igreja a partir da sua relação pessoal com Cristo e da adesão pessoal dos seus membros a ele, que realiza a íntima união dos homens com o Pai e dos homens entre si86. É por isso que o primeiro objetivo da Campanha é fazer com que todos descubram que cristianismo é vida. Esta descoberta mostra que todos somos Igreja, irmãos entre nós, filhos do mesmo Pai e que devemos viver a fraternidade no serviço aos irmãos, principalmente os mais pobres87.

Jesus Cristo é o centro da unidade da Igreja e de toda a humanidade. Nele, a humanidade supera o egoísmo, a divisão, a oposição, o pecado, e caminha para a fraternidade, para a vivência da filiação divina. Ele, pelo sangue derramado, fez a aliança da humanidade com Deus, realizando o desejo divino de que todos encontrem nele a salvação e a amizade divina88.

Para que isso seja possível, a campanha retoma as campanhas anteriores, propõe renovar Dioceses e Paróquias conforme o espírito do Concílio e o Plano de Pastoral de conjunto, o que começa com a renovação da consciência dos fiéis,

homens. Somos povo e não massa ou mera multidão. Temos objetivos comuns, a finalidade última da nossa existência é a mesma, apesar de apresentar-se de inúmeras formas.

Somos Corpo de Cristo, um corpo, único, orgânico, que tem um único objetivo: a Vida. Devemos viver a unidade para manifestarmos a Unidade da Trindade.

Somente a unidade da ação pastoral, que é a busca multiforme da realização de um único objetivo geral, Evangelizar, realiza todos os elementos que são propostos pela eclesiologia do Vaticano II. Esta unidade da Igreja deve respeitar as diferenças que existem dentro dela. De fato, existem muitos dons, mas um só é o Espírito que os suscita (Cf. 1Cor 12, 4). Na Igreja existe uma grande diversidade de ministérios e ambos só encontram o seu sentido quando participam da construção do todo, que é o Reino de Deus. Porém, devemos levar em consideração que as diferenças não existem à toa. Se elas existem e foram suscitadas pelo Espírito Santo, é porque elas são essenciais para a obra do Reino, de modo que essas diferenças precisam ser respeitadas e valorizadas.

85 Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1966. p. 8, 36. 86

Cf. Ibid., p. 36.

87 Cf. Ibid., p. 44, 52, 56. 88 Cf. Ibid., p. 39, 42.

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para que se sintam membros da Assembléia dos batizados, formando um povo, convocado para a marcha em direção à casa do Pai89.

Algumas conseqüências práticas dessas afirmações são:

o amor nos torna missionários que se fazem notar pelos seus sinais neste mundo de egoísmos e conflitos90;

necessidade de testemunho de vida, que leve as pessoas a perceberem pela nossa prática que somos uma família reunida, ligados por um intenso amor, que somos assembléia e comunidade91;

necessidade do diálogo com o mundo para testemunhar a fé e ser presença dela entre as pessoas, dando testemunho da palavra de Deus no meio em que vivemos92.

Tudo isso vai promover uma ação educativo-evangélica que tem por finalidade dar aos fiéis a oportunidade de participar de modo prático e concreto na comunidade eclesial93. Uma das finalidades da Campanha da Fraternidade é colaborar para a renovação da Igreja94.

Todos são chamados a ser membros vivos deste povo e nele se encontram visivelmente na medida em que vivem o próprio batismo, renunciando ao mal e renovando sua adesão pessoal a Cristo através da comunidade Igreja. O sinal visível para o mundo desta assembléia de batizados é a caridade, que realiza a sua transfiguração, os une a Cristo e revela a santidade presente em todos, despertando naqueles que não participam da Igreja o desejo de unirem-se a ela95.

O batismo torna o cristão luz do mundo, testemunha de Cristo e capaz de ver no próximo outro Cristo. A Campanha da Fraternidade quer recordar esta verdade: todos são irmãos, filhos do mesmo Pai que está nos céus e devem fazer do tempo quaresmal uma oportunidade para a renovação da graça que recebem com esse sacramento96.

89 Cf. Ibid., p. 10, 38, 65. 90 Cf. Ibid., p. 37. 91 Cf. Ibid., p. 39. 92 Cf. Ibid., p. 42, 43. 93 Cf. Ibid., p. 10. 94 Cf. Ibid., p. 55. 95 Cf. Ibid., p. 39, 40. 96 Cf. Ibid., p. 50, 51, 65,

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Outra expressão desta comunhão que deve existir na Igreja é o sacramento da Eucaristia. Todos chamam a Eucaristia de comunhão, participação na mesma comunidade, unidade formada pela união entre todos os cristãos, expressão da caridade, do amor fraterno, do reconhecimento da presença de Cristo no próximo. Na sua celebração, todos se tratam como irmãos e se apresentam a Deus como família, o que deve ser uma expressão da vida de todos, para que não seja uma mentira, pois a celebração deve ser traduzida em gestos de comunhão humana.

A Eucaristia gera sentimentos de liberdade, filiação, e não escravidão. Na Eucaristia, continuação da multiplicação dos pães na Igreja, próprio mistério da Igreja que vive este sinal, se realiza e pereniza a plenitude da Promessa. É a própria vitória, na Igreja, do Mistério Pascal, a continuação do “Pão vivo que desceu do céu tanto no sentido da Palavra evangélica como da presença sacramental, que realiza a plena comunhão de vida com o Pai e entre nós, em Cristo, no dom do Espírito Santo, pela mediação visível da Igreja”97

.

A partir destas reflexões, a Campanha da Fraternidade se encaminha para o gesto concreto, que é a coleta. Esta se faz necessária inicialmente devido à falta quase permanente de recursos, seja por causa da pobreza, seja por falta de formação da consciência de pertença eclesial e co-responsabilidade na ação da Igreja para a colaboração sistemática dos que podem contribuir. Para superar esta dificuldade, a Campanha da Fraternidade realiza uma coleta em todo o Brasil, no domingo da Paixão, cujos recursos serão utilizados de acordo com um plano a ser apresentado à comunidade. A coleta deve ser um sinal, uma prova concreta de que cada fiel é membro vivo e responsável por sua comunidade98.

Todos são convidados a participar da coleta, contribuindo para a renovação da Igreja, a realização do seu trabalho apostólico e para a ajuda aos pobres99. Esta participação é fruto do jejum e da abstinência quaresmal, de privações de coisas supérfluas e de ocupação de parte do tempo livre para contribuir eficazmente para os movimentos de caridade e para a obra evangelizadora da Igreja. Assim os recursos obtidos permitirão um impulso novo e mais amplo à ação apostólica e

97

Cf. Ibid., p. 45-46.

98 Cf. Ibid., p. 57-59. 99 Cf. Ibid., p. 54, 61.

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social da Igreja, e as novas responsabilidades advindas do Concílio e do Plano de Pastoral de Conjunto poderão ser assumidas100.

Por fim, a Campanha da Fraternidade de 1966 trabalha também a questão metodológica e o envolvimento dos fiéis leigos101. A Coordenação Nacional da Campanha da Fraternidade propõe um temário que pode ser adaptado pelos Regionais e Dioceses e desenvolvido em sermões, artigos de jornais, programas de rádio e volantes para serem distribuídos a fim de que as mensagens da campanha cheguem ao maior número de pessoas e estas participem da coleta com consciência da grandeza deste gesto102. Esta divulgação deve acontecer também em jornais-murais, nas escolas, nos colégios e principalmente nas homilias, que devem ser adequadas para a formação dos fiéis que desejam ouvir a voz do seu irmão dedicado ao sacerdócio e encontrar meios para refletir a própria vida em todas as suas situações. As orações dos fiéis devem fundamentar-se nas idéias desenvolvidas na homilia103.

Também se torna clara a preocupação com as pessoas que irão trabalhar na realização da Campanha da Fraternidade. Para isso, é preciso que haja uma Comissão Executiva, com tempo para dedicar à Campanha e capacidade para assimilar seu espírito e seus objetivos. São necessárias também equipes de trabalho, compostas de dirigentes dos movimentos apostólicos e sociais e outros grupos de influência local, que se reúnam para a própria preparação e para a concretização da campanha e envolvam a comunidade, inclusive os doentes, que podem contribuir com orações e sacrifícios104.

Para a realização da coleta, é importante a distribuição de envelopes, no 4º Domingo da quaresma, com uma folha explicativa dos objetivos da campanha e esclarecimentos sobre as motivações para a doação. Esses envelopes não devem ser distribuídos apenas na Igreja, mas ter pessoas preparadas e credenciadas para visitar as famílias da Paróquia, que pode ser dividida em quarteirões ou zonas, a fim de esclarecer pessoalmente o sentido da campanha e, se for oportuno, recolher os envelopes do Domingo da Paixão105.

100 Cf. Ibid., p. 7, 11, 19. 101 Cf. Ibid., p. 11. 102 Cf. Ibid., p. 15, 27, 28, 29, 32. 103 Cf. Ibid., p. 30, 31, 63. 104 Cf. Ibid., p. 13, 14. 105 Cf. Ibid., p. 15, 18.

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Também é importante a elaboração de um relatório de avaliação, tanto da Paróquia como da Diocese, do Regional e do Nacional para que se possa ter uma visão de conjunto da Campanha da Fraternidade. Na avaliação deve ser apresentado, por um membro leigo da Comissão executiva, o resultado da coleta106.

A mudança de enfoque da Campanha da Fraternidade de 1966, passando da renovação da Igreja para a renovação do cristão, criou um número muito grande de necessidades novas e mostrou a inviabilidade da preparação, realização e avaliação da Campanha da Fraternidade serem feitas apenas pelos bispos. A partir desta Campanha, muitas coisas novas vão surgir e o processo começará a ser mais participativo.

Isso vai fazer com que, na prática, uma nova eclesiologia vai começar a se tornar presente na Campanha da Fraternidade. Aos poucos saímos de uma visão de Igreja voltada para a instituição para criar uma eclesiologia de comunhão. Porém, o assunto não é discutido nas folhas volantes, de modo que aqui se trata mais de uma questão prática do que uma reflexão eclesiológica que traz mudanças na forma de realização da Campanha da Fraternidade.

2.3.1.4. A Campanha da Fraternidade de 1967

Teve como tema: “Co-responsabilidade”, e como lema: “Somos todos iguais, somos todos irmãos”.

A Campanha da Fraternidade de 1967 sublinha, inicialmente, que todos devem ter em vista o momento eclesial de então no qual, para levar a efeito as conclusões do Concílio Vaticano II, a CNBB elaborou o 1º Plano de Pastoral de Conjunto, que exige reformas nas estruturas temporais, a criação e a dinamização de movimentos apostólicos e sociais adaptados à época. A Campanha da Fraternidade é vista pela Igreja como um importante meio para que essas reformas aconteçam107.

A Campanha da Fraternidade de 1967 tem por objetivo reativar a consciência de que todos são membros do povo de Deus, co-responsáveis por toda a comunidade da Igreja local, diocesana, nacional e universal. Também são

106 Cf. Ibid., p. 17, 18.

107 Cf. CNBB. Folhas Volantes CF 1967. Mimeografado, p. 1, 6.

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