MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERALDA REPÚBLICA
DISCURSO DA PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA
RAQUEL DODGE
Campanha da Fraternidade 2019
Fraternidade e políticas públicas
Brasília, 6/3/2018
Eminentíssimo Cardeal Dom Sérgio da Rocha, Arcebispo de Brasília e Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
Agradeço a Vossa Eminência, muito honrada e emociona-da, o convite para participar do lançamento desta edição da Campa-nha da Fraternidade. Peço-lhe que receba os cumprimentos do Mi-nistério Público pela relevante contribuição da CNBB na construção de uma sociedade mais fraterna, justa e solidária.
Saúdo Dom Leonardo Ulrich Steiner, Bispo Auxiliar de Bra-sília e Secretário-Geral da CNBB; o professor Gilberto Vieira dos Santos, do Conselho Indigenista Missionário; a Sra. Vania Leite, da Pastoral da Criança; e o Dr. Geniberto Paiva Campos, médico e ins-tituidor do Observatório de Saúde do Distrito Federal; todos os que
Gabinete da Procuradora-Geral da República Brasília/DF
idealizaram e construíram esta Campanha. Envio uma saudação cordial aos amigos presentes.
O lema da Campanha em 2019 é Fraternidade e Políticas
Públicas. Esta edição da Campanha toca em uma dimensão da
fra-ternidade que fala ao Estado, aos gestores públicos, aos serviços públicos que todos utilizamos ou são postos a nossa disposição. Fala aos cristãos leigos, na sua atuação no campo da política.
Esta Campanha toca na esperança dos brasileiros, em suas perplexidades, em suas dores e expectativas de solução para problemas concretos que enfrentam, no cotidiano de suas vidas. O Santíssimo Padre Papa Francisco, ao tempo em que reconhece que “a fraternidade permanece a promessa não cumprida”, exorta os cristãos a “reagir aos espíritos negativos que fomentam divisões, in-diferenças e hostilidades”, para que façam a sua parte. A fraternida-de é uma força pofraternida-derosa, que, animada pela palavra, brota fraternida-de um espírito vivo e vibrante, e se transforma em ações concretas pela vida, e vida plena.
A Constituição Cidadã de 1988 também clama a sociedade a ser fraterna, pluralista e sem preconceitos, em respeito à dignida-de da pessoa humana que nos une a todas e todos, e é fundamento da República (artigo 1º-III). Segundo a Constituição, a prática da fraternidade é objetivo da República, que visa a construir uma soci-edade livre, justa e solidária (art. 3º-I); a erradicar a pobreza e a marginalização e a reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º-II); a promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º-IV).
A promoção da fraternidade, tema desta edição da Campa-nha, é, portanto, princípio que move a Igreja e deve mover o Estado brasileiro. A fraternidade e a sororidade, que fazem com que nos ve-jamos a todas e todos como irmãos e irmãs, devem fomentar solida-riedade, justiça e liberdade no cotidiano de ações em favor do próxi-mo, sobretudo os que mais necessitam e têm dificuldade de agir so-zinhos; os mais pobres; as crianças e os jovens; os marginalizados e menos favorecidos; os que sofrem discriminação; e os que são minorias étnicas, religiosas, sociais, vítimas de preconceitos e estig-mas; a todos devendo ser garantida liberdade de expressão e de opinião, inclusive quanto às opiniões das quais discordamos.
O Ministério Público tem várias funções institucionais esta-belecidas na própria Constituição. Uma delas consiste em "zelar
pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de re-levância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, pro-movendo as medidas necessárias a sua garantia." Em outras
pala-vras, o Ministério Público está incumbido de zelar para que as políti-cas públipolíti-cas não discriminem, nem deixem fora de seu alcance aqueles que têm direitos constitucionais, tampouco os que dela mais necessitam.
Ao refletir sobre fraternidade, a Campanha pede políticas públicas que ensejem vida digna para todos. Pede solidariedade com os que sofrem de doenças raras ou incuráveis, que necessitam de mais pesquisa científica e de medidas que aliviem a dor. Com os
que padecem de doenças curáveis ou controláveis e necessitam di-agnóstico mais rápido, de medicamentos constantes e de assistên-cia mais próxima de suas casas. Com os que perdem a vida em es-tradas mal preservadas e mal sinalizadas. Com os que sofrem sede de água potável, ou são forçados a sobreviver com acesso precário a águas impróprias para consumo humano. Com os que precisam de educação de qualidade, para romper o ciclo da miséria e para garantia do desenvolvimento nacional.
As políticas públicas devem resultar na inclusão de todos, com qualidade e trato humanitário, de modo a que ninguém esteja fora de seu âmbito de proteção.
Por isso, agradeço o convite feito ao Ministério Público para participar deste ato de lançamento, dada a ênfase da Campa-nha da Fraternidade na defesa de direitos, que coincide com nossa missão institucional e a do Estado brasileiro.
O Papa Francisco enfatiza que a fraternidade é virtude hu-mana em sua dimensão individual, mas também deve frequentar as relações entre nações e povos. Segundo o Sucessor de Pedro, a fraternidade manifesta-se nos deveres de solidariedade, de justiça social e de caridade universal.
Nesta dimensão, políticas públicas que estimulam relações fraternas entre brasileiros e com os imigrantes ajudam a superar a marginalização, o isolamento, a pobreza, a falta de acesso aos ser-viços básicos e a exclusão social. Ajudam a superar atos que empo-brecem as relações humanas.
A fraternidade é também caminho para redução da violên-cia cotidiana, e para enfrentar as muitas formas de corrupção e de crime organizado, que exploram as fraquezas humanas, como o trá-fico de drogas, a lavagem de dinheiro, a especulação financeira, o tráfico de pessoas, a escravidão; e também para enfrentar ações ilí-citas que fragilizam direitos e deixam milhares de pessoas submeti-das à força destrutiva da avareza e da manipulação.
A fraternidade estimula um trabalho mais vigoroso pela er-radicação da violência doméstica que mata, mutila e destrói a vida de muitas mulheres. Mas não é só. Na família e na sociedade, mui-tos filhos e parentes seguem suas vidas intensamente fragilizados pela dor e pelo trauma que a violência doméstica causa. É preciso desenvolver políticas públicas que socorram mulheres, reabilitem seus agressores, fortaleçam seus filhos, para que o ciclo da violên-cia se rompa e não se repita.
É igualmente importante que o fenômeno da violência e abusos contra crianças e adolescentes receba tratamento adequa-do e prioritário, para que as vítimas recebam o apoio psicológico, moral e financeiro que precisam para recompor suas vidas.
A fraternidade é necessária também para impedir a des-truição de florestas, a extinção da fauna e a degraçaão de recursos naturais, prevenindo desastres previsíveis e evitáveis, como os de-correntes do rompimento de barragens de rejeitos dede-correntes da exploração de minerais. São os mais pobres, sempre, as maiores vítimas do egoísmo humano, e a fraternidade é o seu maior antído-to.
Para manter uma comunidade que viva dignamente e res-peite cada um de seus integrantes como iguais entre si, além de evitar retrocesso, o Estado deve considerar duas outras dimensões que compõem esta Campanha da Fraternidade: Direito e Justiça. O Direito é instrumento da liberdade, com base em regras preestabe-lecidas. A Justiça é o intrumento do Direito, e consiste em fazer não apenas o que é legal, mas o correto.
Esta Campanha nos convida, finalmente, a refletir sobre o modo como realizaremos o justo. Propõe que estimulemos fraterni-dade nos objetivos, na idealização e na implementação de políticas públicas, que protejam a dignidade humana em uma sociedade li-vre, justa, pluralista e solidária.
Estou segura de que esta Campanha fortalecerá políticas públicas de qualidade, comprometidas com a proteção devida a to-dos, sobretudo aos mais frágeis e marginalizados. E, nos passos do Papa Francisco, também concluo: “A força da fraternidade […] é a nova fronteira do cristianismo” e da humanidade.