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O acesso à saúde e a diminuição da judicialização das políticas públicas de saúde por meio da mediação: uma análise acerca da (im)possibilidade de implementação do Programa "SUS Mediado" no Estado de Santa Catarina

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ISABELE SILVEIRA ZANELATTO

OACESSOÀSAÚDEEADIMINUIÇÃODAJUDICIALIZAÇÃODASPOLÍTICAS

PÚBLICASDESAÚDEPORMEIODAMEDIAÇÃO:UMAANÁLISEACERCADA

(IM)POSSIBILIDADEDEIMPLEMENTAÇÃODOPROGRAMA“SUSMEDIADO”

NO ESTADO DESANTACATARINA

Içara 2020

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ISABELE SILVEIRA ZANELATTO

OACESSOÀSAÚDEEADIMINUIÇÃODAJUDICIALIZAÇÃODASPOLÍTICAS

PÚBLICASDESAÚDEPORMEIODAMEDIAÇÃO:UMAANÁLISEACERCADA

(IM)POSSIBILIDADEDEIMPLEMENTAÇÃODOPROGRAMA“SUSMEDIADO”

NO ESTADO DESANTACATARINA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador(a): Prof. Vanessa de Assis Martins, Msc.

Içara 2020

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ISABELE SILVEIRA ZANELATTO

OACESSOÀSAÚDEEADIMINUIÇÃODAJUDICIALIZAÇÃODASPOLÍTICAS

PÚBLICASDESAÚDEPORMEIODAMEDIAÇÃO:UMAANÁLISEACERCADA

(IM)POSSIBILIDADEDEIMPLEMENTAÇÃODOPROGRAMA“SUSMEDIADO”

NO ESTADO DESANTACATARINA

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de bacharel em direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Içara, 11 de dezembro de 2020

______________________________________________________ Professora e orientadora Vanessa de Assis Martins, Msc.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Alex Sandro Sommariva, Esp.

Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________ Prof. Silvio Gama Farias, Esp.

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Este trabalho é dedicado a todos que me ajudaram nessa trajetória, com todo o incentivo, apoio e carinho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a minha orientadora Vanessa de Assis Martins por aceitar conduzir o presente trabalho de pesquisa. Seu incentivo e dedicação desde o projeto foram essenciais para a realização desta monografia.

Ao meu irmão e minha mãe, por acreditarem em mim em todos os momentos e por continuarem sendo minha família mesmo quando não estamos lado a lado.

A cada um dos meus amigos, por me guiarem, incentivarem e por me ajudarem a perseverar mesmo nos momentos mais difíceis.

Por último, agradeço a todos os meus professores do curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina pela excelência da qualidade técnica de cada um.

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“Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.” (Paulo Freire).

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RESUMO

O presente trabalho visa analisar a possibilidade da implementação do Programa SUS Mediado no Estado de Santa Catarina como mecanismo de facilitação ao acesso à saúde por meio da mediação e, consequentemente, de diminuição dos casos de judicialização dessa política pública. O objetivo é, por meio da análise do Programa SUS Mediado, estudar a mediação como método alternativo à judicialização excessiva dos serviços de saúde e como possibilidade para a garantia do direito à saúde e a efetivação do acesso à saúde de forma gratuita, universal e desburocratizada a toda a população. Para tanto, o trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro capítulo está destinado à análise do direito à saúde à luz da Constituição Federal de 1988 e do acesso à saúde. O segundo, trata da judicialização das políticas de saúde pública. Finalmente, no terceiro, faz-se uma avaliação da mediação como método alternativo às demandas de saúde, fazendo-se uma análise acerca do Programa SUS Mediado. A metodologia utilizada foi, no tocante ao método de abordagem, a indutiva; quanto ao método de procedimento, a monográfica; relativamente ao procedimento de coleta de dados, a bibliográfica e a documental. O tipo de pesquisa empregado, quanto à abordagem, foi o qualitativo. A pesquisa, outrossim, foi do tipo teórica e do tipo prescritiva. Por meio dos dados apresentados durante a monografia, verificou-se que a atividade do Programa SUS Mediado diminuiu os casos de judicialização em até 90% (noventa por cento) nos Estados em que foi implementado. Assim, neste trabalho, concluiu-se que a implementação do Programa SUS Mediado no Estado de Santa Catarina poderia ser efetiva para a diminuição da judicialização excessiva dos serviços de saúde, para a garantia do direito à saúde, e como método facilitador do acesso à saúde ao cidadão.

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ABSTRACT

The present study aims to analyze the possibility of the implementation of the SUS Mediated Program in the State of Santa Catarina as a mechanism to facilitate access to health through mediation which, consequently, reduces the cases of judicialization of this public policy. The objective is, through the analysis of the SUS Mediated Program, to study mediation as an alternative method to the excessive judicialization of health services and as a possibility to guarantee the right to health and the establishment of access to health in a free, universal, and unbureaucratic way for the whole population. For this purpose, the work was divided into three chapters, the first chapter addressed the right to health in light of the 1988 Federal Constitution and access to health, the second chapter dealt with the judicialization of public health policies, and the third chapter brings the discussion of mediation as an alternative method to health claims, making an analysis about the SUS Mediated Program. The methodology used was, regarding the research approach, it was inductive; for the method of procedure, it was monographic; relating to the procedure of data collection, it was bibliographic and documentary. The type of research employed, in terms of approach, was qualitative. The research was also theoretical and prescriptive. Through the data presented during the monograph, it was found that the Program's activity decreased the cases of judicialization by up to 90% (ninety percent) in the states where it was implemented. Through this work, it was concluded that the implementation of the SUS Mediated Program in the State of Santa Catarina could be effective to reduce the excessive judicialization of health services, to guarantee the right to health, and as a method that facilitates access to health for citizens.

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LISTA DE ABREVIATURAS

AASCAM – Associação de Assistência à Cultura na Amazônia Dom Moacyr Grechi AIDS – Acquired Immunodeficiency Syndrome (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – SIDA)

CAMEDIS – Câmara Permanente Distrital de Mediação em Saúde CF – Constituição Federal

CNJ – Conselho Nacional de Justiça DF – Distrito Federal

DPE – Defensoria Pública do Estado

DPE-RN – Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte DPE-RO – Defensoria Pública do Estado de Rondônia

FCR – Faculdade Católica de Rondônia IAP – Instituto de Aposentadoria e Pensão

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INPS – Instituto Nacional de Previdência Social

INSPER – Instituto de Ensino e Pesquisa

IRDR – Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas NOB – Normas Operacionais Básicas

NUPEMEC – Núcleo Permanente de Métodos Consensuais OMS – Organização Mundial da Saúde

PGE – Procuradoria Geral do Estado

SALTE – Saúde, Alimentação, Transporte e Energia

SEMUSA – Secretaria de Saúde do Município de Porto Velho SESAP – Secretaria de Estado da Saúde Pública

SESAU – Secretaria de Estado da Saúde

SES-SP – Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo

SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social STJ – Superior Tribunal de Justiça

SUS – Sistema Unico de Saúde

TJSC – Tribunal de Justiça de Santa Catarina USF – Unidade de Saúde da Família

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 O DIREITO À SAÚDE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE ... 15

2.1 HISTÓRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL ... 15

2.2 DIREITO À SAÚDE ... 18

2.2.1 Sistema Único de Saúde ... 20

2.3 ACESSO À SAÚDE ... 24

2.3.1 AS DIMENSÕES DO ACESSO À SAÚDE ... 25

2.3.2 Mecanismos de acesso à saúde no Brasil ... 29

3 JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE... 31

3.1 MÍNIMO EXISTENCIAL, RESERVA DO POSSÍVEL E MÁXIMO DESEJÁVEL 33 3.2 DADOS ACERCA DA JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE ... 36

3.3 INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS 01 ... 38

3.3.1 Demandas buscando a disponibilização de drogas ou terapias padronizadas pelo SUS... 39

3.3.2 Demandas visando ao fornecimento de insumos não padronizados pelo SUS 40 3.4 TESE 106 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ... 41

4 A MEDIAÇÃO COMO MÉTODO ALTERNATIVO ÀS DEMANDAS DE SAÚDE: ANÁLISE ACERCA DO PROGRAMA “SUS MEDIADO” ... 44

4.1 MEDIAÇÃO NA SAÚDE ... 49

4.2 O PROGRAMA “SUS MEDIADO”... 51

4.2.1 Etapas de funcionamento do Programa SUS Mediado ... 52

4.2.2 Orçamento e Estrutura ... 54

4.2.3 Termo de Cooperação Técnica da Defensoria Pública dos Estados do Rio Grande do Norte e Rondônia ... 55

4.2.4 Resultados do Programa “SUS Mediado” nos Estados do Rio Grande do Norte e Rondônia ... 58

4.3 POSSIBILIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA SUS MEDIADO NO ESTADO DE SANTA CATARINA ... 60

5 CONCLUSÃO ... 63

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ANEXOS ... 73 ANEXO A – TERMO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA N. 001/2012/DPE-RN ... 74 ANEXO B – TERMO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA N. 001/2015/DPE-RO ... 82

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1 INTRODUÇÃO

A principal motivação para sustentar o presente trabalho reside na importância que o tema possui para toda a população. O acesso universal aos serviços de saúde, além de tratar-se de uma garantia constitucional, também se relaciona diretamente com os fundamentos dos direitos de cidadania.

Nessa perspectiva, a acessibilidade que se pretende estudar vai além do alcance da população aos serviços de saúde e configura-se como um meio transformador da realidade do indivíduo.

A princípio, trata-se de um debate clássico: de um lado, o acesso aos serviços de saúde como um direito fundamental e universal, antagonizado, por outro lado, pela finitude dos recursos públicos para garantia desse direito a todos os cidadãos.

A presente pesquisa, contudo, ultrapassa esse debate, pois visa conferir-lhe uma nova perspectiva, trazendo a possibilidade de aprimorar a acessibilidade aos serviços de saúde e, por consequência, a diminuição da judicialização das políticas de saúde, por meio da cooperação técnica realizada entre a Defensoria Pública do Estado e Secretaria de Saúde Municipal e Estadual, como propõe o Programa SUS Mediado, já implantado nos Estados do Rio Grande do Norte e Rondônia.

O objetivo de estudar acerca da possibilidade de implementação do Programa SUS Mediado para o Estado de Santa Catarina deriva do seu êxito nos Estados no qual foi implementado. Durante o ano de 2016, a Defensoria Pública do Estado de Rondônia registrou o índice de 90% (noventa por cento) de resolutividade na atuação do Programa SUS Mediado.

Ademais, a utilização da mediação como método alternativo para resolução de conflitos já é amplamente utilizada e encorajada no âmbito jurídico, especialmente após o início da vigência do Novo Código de Processo Civil.

Nessa linha, a utilização da mediação de forma extrajudicial, com o objetivo de democratizar o acesso aos serviços de saúde – nessa área, pode ser considerada uma prática inovadora –, possivelmente, resultaria na diminuição da judicialização das políticas de acesso à saúde e, consequentemente, no auxílio à desobstrução do Poder Judiciário, em economia de recursos públicos, em agilidade no atendimento médico e obtenção de tratamento para a população amparada pelo Programa e na concretização do direito à saúde também em terras catarinenses.

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Com isso em mente, o objetivo geral que guiou essa monografia foi analisar a possibilidade, ou não, da implementação do programa “SUS mediado” no Estado de Santa Catarina como mecanismo de acesso à saúde por meio da mediação e, consequentemente, de diminuição dos casos de judicialização dessa política pública. Ainda, traçou-se os objetivos específicos desta monografia, que são estudar o direito à saúde no Brasil e os mecanismos disponíveis para o seu acesso, examinar os impactos da judicialização das políticas públicas de saúde para a população e para os poderes públicos brasileiros, entender a importância da mediação como método alternativo de resolução de conflitos, conhecer o Programa “SUS Mediado”, seus objetivos e modo de funcionamento, avaliar a estrutura necessária para implementar o Programa “SUS Mediado” e analisar a possibilidade de implementação do Programa “SUS Mediado” no Estado de Santa Catarina a partir da lógica do “custo-benefício”.

Assim, após a determinação dos objetivos, foram levantadas três hipóteses. Primeiramente, a de que a implementação do Programa “SUS Mediado” no Estado de Santa Catarina seria possível e seria efetiva para a diminuição dos casos de judicialização das políticas de públicas de saúde, e ajudaria na garantia do acesso à saúde. A segunda, a de que a implementação seria possível, contudo, não surgiria efeitos para a diminuição dos casos de judicialização e/ou aumento da efetividade do acesso à saúde no Estado. E, a terceira, a de que não seria possível realizar a implementação porque os investimentos necessários para tanto ultrapassam os benefícios trazidos pelo Programa.

Para tanto, a presente monografia será dividida em três capítulos. O primeiro, será destinado à abordagem inicial acerca do contexto histórico da saúde pública no Brasil, para, a seguir, discorrer-se sobre o direito à saúde garantido pela Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, e as formas de preservação do acesso à saúde, explicando suas dimensões e os mecanismos para a sua obtenção no Brasil.

O segundo capítulo servirá para explicar o fenômeno da judicialização das políticas públicas de saúde, elucidando-se o debate entre os conceitos de mínimo existencial, reserva do possível e máximo desejável. Posteriormente, serão expostos dados acerca dos números da judicialização no Brasil e, principalmente, em Santa Catarina, apontando seus impactos na organização do orçamento público e na vida do cidadão.

Ainda no segundo capítulo, será discorrido acerca do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 01 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) e a

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Tese 106 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), explicando-se o impacto que essas decisões tiveram nas demandas que visam ao fornecimento de medicamentos ou outros tratamentos de saúde, sejam eles padronizados pelo SUS ou não e os requisitos para cada um dos casos.

Por fim, o terceiro capítulo abordará a mediação como método alternativo de resolução de conflitos, focando-se na mediação na área da saúde, explicando-se, depois, o modo de funcionamento do Programa SUS Mediado implementado no Rio Grande do Norte e Rondônia. Serão expostas as etapas de funcionamento do Programa, a explicação do Termo de Cooperação Técnica realizado entre os partícipes de cada Estado, orçamento e estrutura necessários para o seu funcionamento, os seus resultados nos Estados em que foi implementado e, finalmente, será analisada a possibilidade de implementação do Programa no Estado de Santa Catarina a partir do critério de seu “custo-benefício”.

A ideia do Programa SUS Mediado, como o seu nome sugere, é utilizar da mediação para resolver a demanda por medicamentos e demais procedimentos médicos independentemente de judicialização. Contudo, desde logo, é importante deixar claro que, apesar de a iniciativa possuir inspiração na mediação, o funcionamento do Programa não se utiliza da aplicação da técnica da mediação propriamente dita, e sim de um diálogo institucional realizado entre os partícipes.

Para que sejam alcançados os objetivos expostos e divididos entre os capítulos, será utilizado o método indutivo, apontado como aquele que parte de constatações particulares, para se chegar a generalizações.

Assim, a pesquisa será pautada em identificar as categorias principais do tema pesquisado; apresentar seus conceitos operacionais com base na legislação de regência, na doutrina e na jurisprudência; colher nessas fontes os elementos relacionados ao assunto pesquisado, visando, por meio do resultado geral a ser alcançado, resolver o problema de pesquisa.

De maneira auxiliar, será utilizado, como método de procedimento, o monográfico, para investigar e obter dados descritivos acerca do Programa SUS Mediado, incluindo os aspectos especificados anteriormente.

Ademais, quanto aos procedimentos na coleta de dados, a monografia será desenvolvida a partir de pesquisa dos tipos bibliográfica e documental, buscando-se, nessas fontes, as informações acerca dos assuntos a serem tratados, tais como

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acesso aos serviços de saúde, judicialização da saúde e análise acerca da mediação e sua utilização como mecanismo alternativo para resolução de conflitos.

Além disso, a presente monografia se valerá da abordagem do tipo qualitativa, pois utilizará, principalmente, a análise de palavras e ideias, com conteúdo altamente descritivo.

Outrossim, a pesquisa será do tipo teórica e prescritiva, aquela pois se buscará respostas em fontes bibliográficas e documentais sobre o tema e esta com o intuito de procurar a solução ao tema proposto.

Em resumo, portanto, a presente pesquisa, no tocante ao método de abordagem, será indutiva; quanto ao método de procedimento, será monográfica; relativamente ao procedimento de coleta de dados, será bibliográfica e documental; em relação à abordagem, será do tipo qualitativa; e, finalmente, também será do tipo teórica e do tipo prescritiva.

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2 O DIREITO À SAÚDE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O ACESSO AOS SERVIÇOS DE SAÚDE

2.1 HISTÓRIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL

A preocupação com a saúde pública da população começou apenas no início do século XX, com a busca pelo controle da endemia de febre amarela, principalmente na cidade do Rio de Janeiro (POLIGNANO, 2001, p. 9). Na época, as políticas públicas na área de saúde tinham como objetivo principal dar apoio ao modelo econômico agrário-exportador, e para isso era necessário manter os trabalhadores dos setores de produção e exportação livres de doenças (JÚNIOR; JÚNIOR, 2006, p. 14).

Até 1930, as políticas de assistência à saúde eram voltadas às ações de saneamento e combate às endemias. As estratégias eram de responsabilidade do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, mais especificamente a Diretoria Geral de Saúde Pública.

A saúde nunca ocupou lugar central dentro da política do estado brasileiro, sendo sempre deixada na periferia do sistema, como uma moldura de um quadro, tanto no que diz respeito a solução dos grandes problemas de saúde que afligem a população, quanto na destinação de recursos direcionados ao setor saúde. Somente nos momentos em que determinadas endemias ou epidemias se apresentam como importantes em termos de repercussão econômica ou social dentro do modelo capitalista proposto é que passam a ser alvo de uma maior atenção por parte do governo, transformando-se pelo menos em discurso institucional, até serem novamente destinadas a um plano secundário, quando deixam de ter importância. (POLIGNANO, 2001, p. 02).

O modelo campanhista, utilizado para o combate das endemias nas grandes cidades, foi implementado por Oswaldo Cruz no início do século XX. Esse modelo era conhecido por ser militarizado e violento. A falta de esclarecimentos e as arbitrariedades cometidas pelos chamados “guardas-sanitários” causavam revolta na população (POLIGNANO, 2001, p. 4).

Contudo, as principais revoltas se formaram com a instauração da Lei Federal nº 1261, de 31 de outubro de 1904, que legislou acerca da obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. O movimento popular que surge a partir dessa insatisfação ficou conhecido como a revolta da vacina (POLIGNANO, 2001, p. 5).

Apesar dos abusos cometidos e da revolta da população, o modelo campanhista obteve sucesso no controle das doenças epidêmicas, com destaque

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para a erradicação da febre amarela na cidade do Rio de Janeiro. Esse modelo foi fortalecido por suas vitórias, fazendo que fosse utilizado como medida de intervenção na área da saúde pública até a década de 1930.

Em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde mostrando uma mudança de paradigma em relação à gestão de saúde, que passa dar ênfase para a assistência médica individual e não apenas às ações de caráter coletivo (JÚNIOR; JÚNIOR, 2006, p. 14).

Já em 1953, durante o governo do General Eurico Gaspar Dutra, o Ministério da Educação e Saúde foi dividido, criando-se o Ministério da Saúde, sob influência do plano SALTE (Saúde, Alimentação, Transporte e Energia). O Ministério da Saúde passou a se dedicar a atividades de caráter coletivo, como campanhas e vigilância sanitária.

Ainda assim, a assistência médica continuou crescendo e se desenvolvendo no âmbito das instituições previdenciárias, formado pelos IAPs - Institutos de Aposentadorias e Pensões.

Em 1966, ocorreu a fusão dos IAPs, originando o INPS, o Instituto Nacional de Previdência Social, que centralizou os recursos da Previdência Social e se tornou o principal órgão de financiamento dos serviços de saúde. Dessa forma, as políticas de saúde ficaram polarizadas entre as ações coletivas, como vacinação e vigilância sanitária, de responsabilidade do Ministério da Saúde, e assistência médica individual, financiadas pelo INPS. Contudo, beneficiava apenas os trabalhadores urbanos, sendo que os trabalhadores rurais e os domésticos passaram a ser beneficiados pela cobertura de assistência médica no sistema de saúde apenas em 1972.

Júnior e Júnior explicam que:

Com o passar dos anos as políticas de saúde passaram a ser prestadas principalmente através de contrato com setor privado com os recursos da previdência. O conjunto de políticas públicas da década de 1970, levou a um modelo médico–assistencial privatista assentado no Estado como grande financiador e no setor privado nacional como o maior prestador, tendo o setor privado internacional como o mais significativo produtor de insumo. (JÚNIOR; JÚNIOR, 2006, p. 16).

O modelo privatista iniciou-se com a estrutura proposta pelo SINPAS - Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, criado por meio da Lei 6.439/77. Esse sistema visava à regulamentação do Sistema Nacional de Saúde, mas não possuía um plano concreto para tal. Isso se evidenciou no fato de que as ações de saúde eram

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fragmentadas, cabendo ao Ministério da Saúde a responsabilidade da formulação das políticas de saúde coletivas, considerada um direito de todos, e ao Ministério da Previdência e Assistência Social a realização da assistência médica por intermédio do INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social), sendo que a assistência médica se tratava de um direito apenas dos trabalhadores contribuintes do Sistema Nacional de Previdência Social.

As Conferências Nacionais da Saúde trouxeram algumas ideias e estratégias para realização de reformas na saúde pública no Brasil. Contudo, apenas na VIII Conferência Nacional da Saúde, realizada em março de 1986, são dadas as diretrizes para a criação do Sistema Único de Saúde, instituído com base no direito universal à saúde, acesso igualitário e integral, descentralização e ampla participação da sociedade no sistema de saúde (JÚNIOR; JÚNIOR, 2006, p. 17).

As diretrizes criadas pela VIII Conferência Nacional da Saúde passaram a reger a Constituição Federal de 1988, que estabeleceu a saúde como direito universal à população e dever constitucional de todas as esferas.

Para Polignano (2001, p. 22), o artigo 198 da Constituição Federal de 1988 demonstra que a criação do SUS baseou-se na formulação de um modelo de saúde voltado para as necessidades da população, resgatando-se o compromisso do Estado com o bem-estar social, e consolidando-o como um dos direitos da cidadania.

E isso se deu devido ao momento político pós-ditadura militar em que a sociedade brasileira se encontrava, de luta pelo restabelecimento da democracia e por direitos e garantias fundamentais, com a busca de implementação de projetos que traduziam a ânsia pelo respeito às liberdades individuais, ao espírito democrático e aos direitos políticos, sociais e culturais.

Assis e Jesus (2007, p. 162) traduzem essa ideia ao explicar que “O acesso universal aos serviços de saúde, além de ser uma garantia constitucional, é uma bandeira de luta dos movimentos sociais, nos quais essa reivindicação passou a ser um dos elementos fundamentais dos direitos de cidadania.”.

As bases do Sistema Único de Saúde foram criadas em 1986 e o Sistema foi definido na Constituição Federal de 1988, mas só foi regulado por meio da Lei 8.080 ,de 19 de setembro de 1990, que sedimentou as orientações constitucionais do modelo operacional do SUS, propondo a sua forma de organização e de funcionamento (JÚNIOR; JÚNIOR, 2006, p. 17; POLIGNANO, 2001, p. 22).

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Também foi editada a Lei 8.142/90, que regulamentou o envolvimento da comunidade na administração das questões de saúde. Para isso, criou-se conferências e conselhos de saúde em cada esfera do governo (JÚNIOR; JÚNIOR, 2006, p. 17).

As Normas Operacionais Básicas foram os principais instrumentos para a consolidação e descentralização das políticas e ações de saúde no Brasil. A modalidade mais avançada aumenta as possibilidades de autonomia administrativa para a gestão dos recursos financeiros da União que são repassados os municípios, aumentando a capacidade de planejamento dos municípios (JÚNIOR; JÚNIOR, 2006, p. 17; MERCADANTE et. al, 2002, p.257).

A NOB 01/1996, que foi implementada em 1998, editada pelo Ministério da Saúde, teve a intenção de dar continuidade ao processo de consolidação do SUS, colocando como objetivo "[...] promover e consolidar o pleno exercício, por parte do poder público municipal e do Distrito Federal, da função de gestor da atenção à saúde dos seus munícipios” e como consequência a “redefinição das responsabilidades dos Estados, do DF e da União, avançando na consolidação dos princípios do SUS." (BRASIL, 1996).

Outro ponto relevante nesse caminhar evolutivo do direito à saúde no Brasil deu-se com a Emenda Constitucional n. 29, promulgada no ano de 2000, com o objetivo de definir a forma de financiamento da política pública de saúde de maneira vinculada à receita tributária. Com essa Emenda Constitucional, o financiamento do SUS passou a ser garantido constitucionalmente.

Visto esse apanhado histórico, direciona-se, agora, ao estudo do direito à saúde, conforme tópico seguinte.

2.2 DIREITO À SAÚDE

A Constituição Federal de 1988 estabelece, no art. 196, que a saúde é “[...] direito de todos e dever do Estado [...]”. Além disso, institui o “[...] acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Diante disso, a partir da Constituição Federal de 1988, a prestação do serviço público de saúde não é mais exclusiva aos trabalhadores inseridos no mercado formal. Todos os brasileiros, independentemente de vínculo empregatício, passaram a ser titulares do direito à saúde (BARROSO, 2009, p. 40).

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A OMS (1946) define a saúde como “[...] um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade.”, e esse conceito foi aplicado no Brasil por meio do Decreto 26.042/1948.Assim, a implementação da saúde como um direito social depende de políticas e verbas públicas suficientes para o completo bem-estar físico, social e mental.

Para Bahia e Abujamra (2009, p. 303), o direito à saúde compreende tanto o direito de estar saudável quanto o direito de ser tratado e se preparar para a vida profissional e, ainda, o direito à prevenção de doenças. A efetivação do direito à saúde passa pela disponibilização de ações e serviços de todas essas naturezas.

A Constituição Federal de 1988 prevê a saúde como um direito fundamental do indivíduo. Nessa ótica, estabeleceu a competência solidária de todos os entes federativos do Estado a promoção de ações para a satisfação dessa dimensão dos direitos humanos de forma igualitária, integral e universal, por força do artigo 196 da Constituição Federal (CORRÊA; BERWIG, 2018, p. 3).

Dessa forma, saúde constitui-se como um direito público subjetivo, exigível contra o Estado, porque seu exercício e efetividade dependem de aporte de recursos materiais e humanos a serem implementados por meio de políticas públicas de saúde (BAHIA; ABUJAMRA, 2009, p. 303).

O acesso universal à saúde é uma das formas de superar as desigualdades presentes na sociedade, sendo, portanto, correlato à obrigação do Estado Democrático de Direito para com a igualdade social, como forma de realização da justiça social (CORRÊA; BERWIG, 2018, p. 3).

Nesse contexto, o artigo 6° da Constituição Federal estabelece que a saúde é um direito social, razão pela qual se exige do Estado prestações positivas no sentido de efetivá-la, sob pena de ineficácia desse preceito constitucional.

Os direitos sociais são uma dimensão dos direitos fundamentais. Portanto, detêm uma relevante característica, qual seja, a irrenunciabilidade. “Os direitos sociais são, nesse sentido, considerados normas cogentes, vale dizer, de ordem pública, não anuláveis por força da vontade dos interessados.” (TAVARES, 2012, p. 840).

Os artigos 23, 24 e 30 da Constituição Federal de 1988 definem as competências dos entes Federados quanto às matérias de saúde. O primeiro define como “[...] competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios [...]”, em seu inciso II, o cuidado com a saúde das pessoas com deficiência.

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O segundo define como competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar acerca da proteção e defesa da saúde (inciso XII). O terceiro determina, no inciso VII, que compete aos Municípios prestar os serviços de atendimento à saúde da população em cooperação técnica e financeira com a União e os Estados (BRASIL, 1988).

A Seção II, “Da Saúde”, composta pelos artigos 196 a 200, estabelece que o direito à saúde foi reconhecido como direito de todos, impõe ao Estado o dever de garanti-lo por meio de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e determina que o acesso deve ser universal e igualitário no tocante às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde.

O artigo 198 prevê um Sistema Único de Saúde, formado por ações e serviços públicos que integram uma rede regionalizada e hierarquizada, organizado de maneira descentralizada e com direção única em cada uma das esferas de governo, com a participação da comunidade, e com vistas ao atendimento integral, priorizando-se as ações preventivas, sem se olvidar dos serviços assistenciais.

Assim, por força do artigo 198 se deu a base para a criação do Sistema Único de Saúde, que se passará a estudar a seguir.

2.2.1 Sistema Único de Saúde

Para Barroso (2009, p. 41), “O SUS é concebido como o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais da Administração direta e indireta.”.

O Sistema Único de Saúde foi criado com fulcro no artigo 198 da Constituição Federal de 1988, e é regulamentado pela Lei n° 8.080/90, que define os objetivos, atribuições, princípios e diretrizes do sistema, e principalmente sua organização.

Presentes no artigo 5º da Lei 8.080/90 estão os objetivos do SUS, que consistem na identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde, a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a garantia da saúde e, também, a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde (BRASIL, 1990). As atribuições do SUS estão dispostas no artigo 6°, e entre as principais está a “Formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros

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insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção;”, presente no inciso VI.

Outrossim, destaca-se que cabe ao SUS não apenas as atribuições de atendimento médico de baixa, média e alta complexidade, mas também a promoção da saúde por meio de outras ações, como de vigilância sanitária e epidemiológica, de saúde do trabalhador, de assistência terapêutica e de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica (art. 6º, inc. I), dentre outras previstas no referido artigo 6º.

O sistema único de saúde deve, consoante o disposto no art. 200 da CF, controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde pública e, igualmente, participar da produção de medicamentos, equipamentos e insumos. Deve fiscalizar e inspecionar alimentos e bebidas, compreendendo-se aí seu teor nutricional. Cumpre também ao sistema único executar ações de vigilância sanitária, epidemiológica e de saúde do trabalhador. O sistema único deve participar da formulação da política e execução das ações de saneamento básico, neste caso, conjuntamente com os demais órgãos (públicos ou privados) específicos desse setor (TAVARES, 2012, p. 855).

O artigo 7° define os princípios e diretrizes que regem o SUS. Esses princípios se dividem entre doutrinários e organizativos. Entre os princípios doutrinários estão a universalidade, que garante a todas as pessoas o acesso às ações e serviços de saúde disponíveis; a equidade, que garante igualdade a todos os cidadãos na assistência à saúde; e, a integralidade, que define que as ações de saúde devem atender todas as necessidades do indivíduo (POLIGNANO, 2001, p. 23).

Também estão presentes os princípios organizativos, como a hierarquização, que é entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema.

A hierarquização divide o sistema dentro de três níveis de complexidade: atenção primária ou atenção básica, atenção de média complexidade e atenção de alta complexidade. A primeira é responsável por fornecer atendimentos mais básicos, como consultas e vacinações. A atenção de média complexidade refere-se aos atendimentos que demandam acompanhamento especializado. A atenção de alta complexidade se dá em casos de quadro clínico mais graves, como, por exemplo, situações de internações em UTI, transplantes, tratamento oncológico (GONDIM et al, 2009, p. 98).

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Contudo, argumenta-se que a hierarquização das ações de saúde causa a fragmentação da atenção, e como consequência a baixa resolutividade dos primeiros níveis de atenção e a dificuldade de acesso aos níveis de maior complexidade (GONDIM et al, 2009, p. 98).

Outros princípios importantes são a participação popular, que é caracterizada pela democratização dos processos decisórios referentes ao sistema de saúde, por meio dos Conselhos Municipais de Saúde; a descentralização administrativa, a subsidiariedade e a municipalização, que buscam atribuir a responsabilidade das execuções das políticas de saúde prioritariamente aos Municípios, tornando os Municípios os gestores administrativos e financeiros da unidade do SUS que está presente em seu território (BARROSO, 2009, 41; POLIGNANO, 2001, p. 23).

A organização do SUS é trazida a partir do artigo 8°, que determina que as ações e serviços de saúde executados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente (BRASIL, 1990).

A Lei 8.080/90 define as atribuições a cada um dos entes federativos. No artigo 16, inciso XIII, atribuiu à direção nacional do SUS a competência de “Prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional;”, devendo “Promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios, dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal;” (BARROSO, 2009, 41).

No artigo 17, atribui-se à direção estadual do SUS a competência para promover a descentralização dos serviços e ações de saúde para os Municípios, devendo prestar apoio técnico e financeiro, bem como a competência de executar, supletivamente, ações e serviços de saúde.

À direção municipal do SUS, por força do artigo 18, cabe planejar, organizar, controlar, gerir e executar os serviços públicos de saúde.

Percebe-se que os Estados e a União devem executar as ações sanitárias de modo supletivo, apenas para suprir eventuais ausências dos Municípios, dinâmica que decorre dos princípios da descentralização administrativa, subsidiariedade e municipalização. Apesar disso, os municípios não devem ser os responsáveis exclusivos pelo financiamento do Sistema Único de Saúde.

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No período de 20 anos após a implementação do SUS, este alcançou resultados pouco previsíveis, como, por exemplo, a criação do Programa Saúde da Família, focado em reorientar o sistema de saúde a partir da atenção básica, na qual 80% (oitenta por cento) dos problemas de saúde podem ser solucionados, desafogando-se o atendimento de urgência e emergência dos hospitais do Brasil. O Programa Saúde da Família foi implementado a partir de 2007, atingiu mais de 94,2 milhões de cidadãos no ano de 2009 com cerca de 29 mil equipes de saúde da família (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008, p. 14).

O programa Saúde da Família visitou cerca de 4 em cada 10 domicílios do programa em 2019, 38,4% dos domicílios cadastrados em Unidades de Saúde da Família (USF) receberam pelo menos uma visita por mês de um agente comunitário de saúde ou membro da Equipe de Saúde da Família. Em número absolutos, isso corresponde a expansão de 1,3 milhão de domicílios visitados em 2019 quando comparado com 2013 (IBGE, 2019).

Entre os números dos serviços do SUS, estão 2,3 bilhões de procedimentos ambulatoriais, mais de 300 milhões de consultas médicas e 2 milhões de partos; nas ações de maior complexidade, foram realizados 15 mil transplantes, 215 mil cirurgias cardíacas, 9 milhões de procedimentos de radioterapia e quimioterapia e 11,3 milhões de internações, tudo relativo apenas ao ano de 2006 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008). Além disso, a qualidade e o impacto de alguns programas nacionais de saúde são altamente reconhecidos em termos internacionais, como, por exemplo, os programas de imunização de AIDS e do controle do tabagismo, atingindo resultados dificilmente igualáveis no mundo (BARBOSA; CARVALHO, 2012, p. 36).

No entanto, o SUS continua apresentando diversas crises com déficit na oferta de serviços em diversas regiões do país, resultando no excessivo tempo de espera para atendimento e na falta de fornecimento de serviços, medicamentos e tratamentos, especialmente de média e alta complexidade. Para Vieira e Benevides, “[...] já se estabeleceu consenso de que os principais problemas do SUS são de duas ordens, financiamento e gestão.” (2016, p. 4).

Para Barbosa e Carvalho (2012, p. 36), o problema não se dá apenas pela falta de recursos e má gestão, mas sim pelo fato de que o Estado assumiu a obrigação de cumprir e fazer cumprir com todos os compromissos assumidos pelo SUS, mas não possui estrutura ou maturidade para fornecer o acesso à saúde na amplitude que determina a Constituição Federal.

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Polignano (2001, p. 24) destaca que o SUS vem enfrentando dificuldades, mas, apesar disso, ao nível da atenção primária, apresentou progressos significativos no setor público. Para o autor, os maiores problemas encontram-se na ausência de parcerias com o setor privado, que detém a maioria dos serviços de complexidade e não se interessa em participar do modelo vigente junto ao SUS em virtude da baixa remuneração, o que vem inviabilizando a proposta de hierarquização dos serviços.

Diante desses problemas, deve-se sempre lutar por melhorias no SUS, buscando-se iniciativas com o objetivo de racionalizar o uso dos recursos e melhorar o desempenho do sistema.

2.3 ACESSO À SAÚDE

O acesso aos serviços de saúde, propriamente dito, foi definido pela OMS (1984, apud SANCHEZ; CICONELLI, 2012, p. 261) como o processo pelo qual as pessoas são habilitadas a melhorar a sua saúde e aumentar seu controle sobre ela.

Os autores variam acerca do foco que o conceito de acesso à saúde deveria ter. Alguns, concentram-se nas características dos usuários do sistema ou da população como um todo, enquanto outros autores focam apenas nas características do sistema, relacionando-o com a capacidade de sua oferta. Ou ainda, em ambas as características, dos indivíduos e do sistema (MARTINS; TRAVASSOS, 2004, p. 191).

Também há discordâncias se a avaliação do acesso deveria ser focada apenas nas características do sistema, se deveria considerar seus resultados ou se deveria criar uma relação entre os vários elementos que formam o sistema.

Segundo Sanchez e Ciconelli (2012, p. 260), o conceito de acesso à saúde foi se tornando mais complexo e tem mudado ao longo do tempo, à medida que as sociedades evoluem e novas necessidade surgem, e, ainda, com a incorporação de aspectos de mais difícil mensuração.

As mudanças que o conceito sofreu ao longo do tempo fez com que ele passasse a incorporar dimensões mais complexas para seu melhor entendimento. E essas dimensões refletem aspectos menos tangíveis do sistema de saúde e de seus usuários.

Atualmente, as principais características do acesso à saúde podem ser traduzidas em quatro dimensões: disponibilidade; capacidade de pagamento; informação; e, aceitabilidade, as quais serão tratadas no próximo tópico.

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2.3.1 AS DIMENSÕES DO ACESSO À SAÚDE

A primeira dimensão a ser trabalhada é a disponibilidade. Essa é considerada a mais tangível das quatro dimensões porque seus números podem ser mensurados mediante vários indicadores objetivos, como quantidade de atendimentos, de médicos, leitos e medicamentos disponíveis (SANCHEZ; CICONELLI, 2012, p. 261). Esta relaciona o volume de usuários com a quantidade, tipo e complexidade de serviços disponíveis, e constitui-se pela efetiva existência do serviço necessário ao cidadão quando precisa. Dentro da averiguação da existência do serviço, tem-se elementos como disponibilidade de medicamentos, de equipamentos e de funcionários para prestar atendimento (SANCHEZ; CICONELLI, 2012, p. 262).

Nos aspectos envolvidos nessa dimensão também estão presentes questões geográficas, como a distância entre o local de disponibilidade dos serviços e o indivíduo, e, ainda, os meios de transportes, públicos ou privados, disponíveis para que este alcance o serviço de que necessita.

Jesus e Assis (2007, p. 162) traduzem a acessibilidade dos serviços de saúde como “[...] a relação entre o modo como a oferta está organizada para aceitar os usuários e a capacidade/habilidade dos usuários acomodarem-se a esses fatores e perceberem a conveniência dos mesmos;”.

Assim, é necessário que, além de se ter a estrutura, equipamento e equipe para a realização do atendimento, estes estejam localizados em uma estrutura que seja geograficamente acessível para o usuário.

A disponibilidade – presença física de serviços, equipamentos e recursos humanos no local apropriado e no momento em que é necessário – representa a condição absolutamente necessária à utilização. Esta dimensão engloba tanto aspectos geográficos quanto organizacionais. As relações geográficas entre os usuários e os serviços, as distâncias, as opções de transporte, assim como a relação entre tipo, abrangência, qualidade e quantidade dos serviços de saúde prestados. (ITURRI, 2014, p. 86).

Outros indicadores dessa dimensão também são a conveniência do horário de funcionamento, o tempo de espera pelo atendimento ou procedimento médico e a formação e especialidade do profissional disponível (SANCHEZ, CICONELLI, 2013, p. 262).

A segunda dimensão trata-se da capacidade de pagamento, que se relaciona com o custo da utilização dos serviços de saúde contrapondo-se à capacidade de

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pagamento pelos serviços. Essa, por sua vez, é indicada pela renda e fonte de renda do usuário (SANCHEZ; CICONELLI, 2012, p. 263).

Mesmo o sistema público de saúde, em que não é necessário que o usuário pague diretamente pelo seu atendimento, é afetado por essa dimensão. Isso se evidencia pelo fato de que a quantidade de recursos públicos empenhados no financiamento do sistema de saúde também compõe essa dimensão.

Destaca-se que um sistema de saúde pública com pouco financiamento passa a ter dificuldades em manter a qualidade e quantidade de seus serviços, afetando a primeira dimensão, a acessibilidade.

Além disso, McIntyre e Mooney (2007, apud SANCHEZ; CICONELLI, 2012, p. 263) indicam alguns elementos que podem ser utilizados como indicadores da capacidade de pagamento. Esses são: os custos diretos com saúde, como, o preço das consultas, exames e remédios, as despesas indiretas, como transporte, alimentação especial ou perda de produtividade em decorrência do tratamento, a renda do indivíduo, assim como a existência de poupança, e sua elegibilidade a crédito, e, ainda, a elegibilidade dos indivíduos para a cobertura de planos de saúde ou a existência e qualidade do sistema público de saúde.

A informação, terceira dimensão, é essencial para o entendimento de todas as outras dimensões do acesso à saúde. Trata-se do resultado do processo de comunicação e distribuição de conhecimentos entre o sistema de saúde e o indivíduo (SANCHEZ; CICONELLI, 2013, p. 263).

Para Sanchez e Ciconelli (2013, p. 263), “A informação pode determinar a lacuna entre a oportunidade de utilização e a real utilização dos serviços de saúde.”. Por isso, alguns autores consideram essa dimensão o elemento central do debate acerca do acesso à saúde de forma igualitária, pois a informação, segundo Iturri (2014, p. 87), apresenta-se com o ponto central no debate acerca da equidade “[...] considerando que o processo de empoderamento das pessoas para que estas façam escolhas em relação ao cuidado com a sua saúde seja um objetivo fundamental das políticas de saúde em uma sociedade democrática.”.

A desigualdade de informação entre o usuário e os técnicos leva ao prejuízo do atendimento e do acesso à saúde. Isso porque “O conhecimento precário ou ausente impede o indivíduo de realizar as escolhas mais adequadas para a sua necessidade [...]” (SANCHEZ; CICONELLI, 2013, p. 263).

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Além disso, a informação é considerada uma das formas de melhoria do sistema de saúde, pois o monopólio da informação por apenas um dos atores do sistema faz com que o paciente não possua conhecimento suficiente para fazer uso do sistema de forma adequada ou para atender às suas reais necessidades. Esse efeito é descrito por Thiede e Mcintyre (2008) como falta de empoderamento, pois o indivíduo não percebe todas as alternativas disponíveis, devido à ausência de conhecimento de suas opções.

A aceitabilidade é a dimensão mais subjetiva das quatro explicadas, portanto, é a menos tangível e a mais difícil de ser detectada. Trata-se, resumidamente, da percepção que o indivíduo e a comunidade têm acerca dos serviços de saúde prestados. Essa percepção se relaciona com muitos fatores subjetivos, sociais e culturais.

A confiança no sistema de saúde e o respeito mútuo entre os profissionais da saúde e os usuários do serviço são destaques dessa dimensão, pois a falta de confiança no sistema de saúde pode implicar em um impedimento para o acesso aos serviços de saúde fornecidos (ITURRI, 2014, p. 86).

Essa confiança é criada pela interação entre os profissionais de saúde e os pacientes e pelo quanto suas expectativas são alcanças ou frustradas. Os profissionais de saúde podem criar expectativas como de que os pacientes respeitarão sua condição e aderirão ao tratamento prescrito. Enquanto os pacientes criam expectativas como as de que serão tratados com respeito pelos profissionais de saúde, de que serão ouvidos atentamente quando realizarem a descrição dos sintomas, conduzirão exames minuciosos, e que, ao fim, explicarão as doenças e discutirão alternativas de tratamento (SANCHEZ; CICONELLI, 2013, p. 263).

Também é natural que os indivíduos, tanto usuários quando profissionais da saúde, criem expectativas acerca do próprio sistema de saúde, sua eficácia e organização.

As características particulares de cada indivíduo também influenciam na aceitabilidade do sistema da saúde. Entre essas características estão a confiança e atitudes com relação à sua saúde ou de seus dependentes, conhecimento e fontes de informação acerca do cuidado com a saúde, medos e ansiedades quanto à própria saúde e os impedimentos do atendimento no sistema de saúde.

Essas características citadas podem ser influenciadas e mudadas por políticas de saúde e de conscientização. Contudo, há também características imutáveis que

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também são influenciadores relacionados à aceitabilidade, como idade, sexo, estado civil, comportamento de saúde anterior e experiências anteriores com o sistema de saúde, educação, etnia, tamanho e composição da família, religião e mobilidade residencial (SANCHEZ; CICONELLI, 2013, p. 264).

Essas quatro dimensões citadas se interconectam para traduzir um conceito mais completo de acesso à saúde e para que se entenda as dinâmicas existentes entre si e entre os sistemas de saúde e seus usuários.

Essas relações que ocorrem entre as diversas dimensões podem ser vistas, por exemplo, na relação com o financiamento da saúde, que impacta diretamente na disponibilidade dos serviços de saúde, porque, mesmo no sistema de saúde pública, é necessário que o financiamento seja coerente com as despesas trazidas pela disponibilidade. A consequência quando isso não acontece é um mal funcionamento do sistema e prejuízo à sua disponibilidade.

As dimensões da disponibilidade e da informação, por sua vez, impactam diretamente na aceitabilidade do sistema. Isso se dá porque, na dimensão da informação, o usuário cria uma expectativa acerca do sistema de saúde. Essa expectativa se baseia no conhecimento e nas fontes de informação que o indivíduo possui em relação ao sistema, à própria saúde e aos procedimentos de atendimento e tratamento médico.

Essa expectativa poderá ser alcançada ou frustrada, principalmente, na esfera da disponibilidade, que incluirá a equipe de atendimento médico, os tratamentos ou medicamentos disponíveis para sua condição, e até mesmo a estrutura do local em que estão sendo atendidos.

Caso a esfera da disponibilidade reste aquém as expectativas criadas pelo indivíduo, sua confiança nesse sistema é quebrada, sendo, então, natural que o usuário crie resistências ao sistema. Dessa forma, na próxima vez que necessite utilizar um sistema de saúde, é provável que este não se sinta seguro para confiar novamente no sistema de saúde pública, de modo que, se possuir condições, buscará outros sistemas de saúde, como planos de saúde ou atendimento particular.

Com a aceitabilidade prejudicada e após a busca por outros sistemas, a tendência do indivíduo será afastar-se e negar o sistema de saúde pública, pois este não o acolheu quando necessitou. A tendência da diminuição da aceitabilidade é de que os indivíduos aceitem cada vez menos a existência desse sistema, por não acreditar na tua efetividade.

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Compreendida as dimensões do acesso à saúde, passa-se, em seguida, à análise dos mecanismos de acesso à saúde no Brasil.

2.3.2 Mecanismos de acesso à saúde no Brasil

Existem vários mecanismos para o efetivo acesso à saúde, estes podem ser gratuitos ou onerosos, programas estabelecidos pelo Estado ou iniciativas privadas, e podem abranger todo o território nacional ou tratar-se de iniciativas locais.

Primeiramente, conforme já descrito neste trabalho, tem-se o Sistema Único de Saúde (SUS), que é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, abrange desde o simples atendimento para avaliação da pressão arterial até o transplante de órgãos, e busca a garantia do acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020).

Contudo, sabe-se que, na prática, o sistema público de saúde possui problemas quanto à sua gestão e financiamento, não sendo raras as notícias de falta de fornecimento de serviços, medicamentos e tratamentos, especialmente de média e alta complexidade em algumas regiões. Nesse cenário, é comum que as pessoas que tenham condições financeiras se utilizem de planos de saúde como principal mecanismo para garantia do seu acesso à saúde. O plano de saúde é um serviço oferecido por empresas privadas, com intuito de prestar assistência médica e hospitalar.

Nos casos em que o SUS ou o plano de saúde negam o fornecimento do serviço de saúde necessário para o tratamento da moléstia, é comum que o indivíduo necessite buscar a resolução da demanda por vias judiciais. A judicialização trata-se do pleito judicial de diversos serviços de saúde, como insumos, medicamentos, instalações, assistência em saúde, ou outras demandas protegidas pela garantia do princípio constitucional do direito à saúde.

Alguns projetos locais visam à garantia do acesso à saúde de forma mais ampla, célere e desburocratizada, buscando meios para evitar a judicialização. Esse é o caso do Programa SUS Mediado, aplicado nos Estados do Rio Grande do Norte e Rondônia, e do CAMEDIS (Câmara Permanente Distrital de Mediação em Saúde), aplicado no Distrito Federal. Esses programas buscam a mediação entre o indivíduo, a Defensoria Pública do Estado, a Secretaria de Saúde do Município e o SUS, como alternativa à judicialização para solucionar as demandas do indivíduo.

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Também existem outros programas focados na diminuição das demandas judiciais de saúde por meio da mediação entre o indivíduo e seu plano de saúde, como o caso do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais (Nupemec), que está iniciando a sua aplicação no Estado do Rio de Janeiro.

Destarte, ultrapassada essa análise do direito à saúde à luz da Constituição Federal de 1988, bem como do acesso aos serviços de saúde, direcionar-se-á o estudo, no capítulo seguinte, ao tema da judicialização das políticas públicas de saúde.

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3 JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE

A saúde pública no Brasil é garantida como um direito social pelo artigo 6° da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, a qual, em seu artigo 196, refere-se à saúde como um direito de todos e dever do Estado, que deverá ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença (BRASIL, 1988).

Contudo, a Constituição Federal não apresenta um rol do que se enquadra no âmbito do direito à saúde, nem sobre quais as políticas e serviços de garantia à saúde que deverão ser ofertados. Dessa forma, tem-se um conceito aberto e indeterminado acerca do que estaria albergado pela proteção ou pelo dever de prestação jusfundamental (QUEIROZ, 2013, p. 72).

A judicialização das políticas públicas passou a ser usada para alcançar o direito à saúde quando este é negado nas vias administrativas, sendo que a frequência de sua utilização aumentou gradativamente ao longo dos anos, conforme será estudado adiante.

A judicialização trata-se do pleito judicial de diversos serviços de saúde, como insumos, medicamentos, instalações, assistência em saúde, ou outras demandas protegidas pela garantia do princípio constitucional do direito à saúde (QUEIROZ, 2013, p. 72). Esse foi um dos primeiros meios utilizados para solucionar conflitos e efetivar o direito ao acesso aos serviços de saúde, garantidos após a promulgação da Constituição Federal, de 1988 (BALBÉ, 2018, p. 15).

[...] o fenômeno da judicialização da saúde expressa reivindicações e modos de atuação legítimos de cidadãos e instituições, para a garantia e promoção dos direitos de cidadania amplamente afirmados nas leis internacionais e nacionais. (VENTURA; et al, 2010, p. 78).

Para Barroso (2016), “A judicialização no Brasil decorre do modelo constitucional brasileiro e, portanto, em alguma medida ela é inevitável.”. O autor explica, ainda, que “Constitucionalizar é tirar uma matéria da política e trazê-la para dentro do Direito. E, portanto, existem prestações que o Judiciário não pode se negar a apreciar [...]” (BARROSO, 2016).

Barroso também expõe pontos negativos do mecanismo de judicialização, como, por exemplo, o fato de que, se uma matéria precisa ser resolvida mediante uma demanda judicial, é sinal de que não pôde ser atendida pelo seu modo natural de

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atendimento das demandas, seja administrativamente seja por meio de soluções legislativas ou negociadas.

Ainda, os direitos sociais são garantidos por meio de fundo público que é sustentado por toda a coletividade. Contudo, a necessidade de se utilizar do Judiciário para alcançá-los faz com que esses direitos sejam desfrutáveis apenas por uma parcela da população, limitando o acesso à saúde para a outra parcela (WANG, 2008, p. 309).

A judicialização individual favorece a parcela da população que tem mais informação, esclarecimento e acesso a advogado ou Defensor Público, beneficiando aqueles que não estão na base mais vulnerável da sociedade e distanciando o sistema dos ideais de universalização e igualdade.

Assim, cria-se a necessidade de se discutir os critérios de justiça utilizados para permitir ou negar o acesso de alguém ao financiamento público para a concretização desses direitos. Isso porque, uma decisão que concede um direito social para um demandante, não se limita ao montante que o Estado deverá gastar e ao cidadão que receberá determinado serviço ou insumo, mas se estende a todos os membros da sociedade que, considerando a escassez de recursos, poderão deixar de ter suas necessidades atendidas devido à realocação de verbas para favorecer o autor de determinada ação judicial, criando-se, assim, situação social desproporção e desigual quanto aos mecanismos de acesso aos serviços de saúde.

Para Barroso (2009), “Desenvolveu-se certo senso comum, que é preciso enfrentar, de que o Judiciário, no caso de judicialização, pondera o direito à vida e à saúde de uns e, de outro lado, pondera princípios orçamentários, separação de Poderes.”. O autor complementa explicando que “Infelizmente, esta não é a verdade. O que o Judiciário verdadeiramente pondera é direito à vida e à saúde de uns contra o direito à vida e à saúde de outros.”. E é por esse motivo que não existe uma solução jurídica que seja fácil ou moralmente simples para solucionar essa problemática.

Alguns juristas acreditam que o excesso da judicialização no sistema público de saúde cria um sistema com duas portas de entrada. Uma, para os cidadãos que podem recorrer e ter acesso à justiça, e, consequentemente, a qualquer tipo de tratamento independentemente dos custos. Outra, para o resto da população, que não tem acesso ao Judiciário. Assim, as pessoas que acessam o SUS apenas pela via administrativa acabam penalizadas e muitas vezes perdem o seu lugar na fila de espera em razão de uma demanda judicial, ainda que, eventualmente, possa

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apresentar até maior complexidade ou gravidade do quadro clínico de saúde (MINAS GERAIS, 2020).

Por outro lado, uma característica positiva da judicialização é o fato de que quando o indivíduo tem seu direito fundamental negado ou não observado, ele pode buscar a sua efetivação pelo Poder Judiciário (BARROSO, 2016).

As dificuldades em descrever o fenômeno são acompanhadas pela dificuldade em estabelecer as suas causas e efeitos. A judicialização das políticas de saúde pode se dar no âmbito da saúde privada ou pública, sendo que, no primeiro, o número excessivo de demandas judiciais costuma decorrer de disfunções nas relações entre beneficiários de planos de saúde e suas operadoras, sendo o Judiciário um importante local para o cumprimento dos termos estabelecidos nos contratos e nas normas que disciplinam essas relações. As demandas judiciais podem, por outro lado, reclamar elementos que não estão previstos nos contratos e, como tal, implicar efeitos sobre os custos de contratação e a segurança jurídica (CNJ; INSPER, 2019, p. 14).

Contudo, no âmbito da saúde pública e do Sistema Único de Saúde (SUS), o foco deste estudo, as demandas judiciais podem decorrer de ineficiências na atuação da autoridade pública de saúde, que não executa a contento a política pública de saúde, ou em razão de pedidos individuais solicitando procedimentos e tratamentos não incluídos na política de saúde (CNJ ; INSPER, 2019, p. 14).

O fenômeno da judicialização das políticas públicas pode ser estudado sob vários ângulos, seja acerca da crítica ao ativismo judicial, o debate entre o mínimo existencial e a reserva do possível, as preocupações acerca da obstrução do Judiciário ou, ainda, o fato de que a judicialização pode ser considerada uma ferramenta antidemocrática de acesso aos serviços de saúde. Neste texto, não se pretende aprofundar em todo esse debate, em razão de sua extensão e complexidade, mas sim explicar alguns dos pontos principais para o entendimento do assunto e a necessidade de se trabalhar para que o acesso à saúde se dê sem a necessidade de judicialização das políticas de saúde.

3.1 MÍNIMO EXISTENCIAL, RESERVA DO POSSÍVEL E MÁXIMO DESEJÁVEL

A garantia do mínimo existencial trata-se da obrigação que o Estado possui em criar condições mínimas para a garantia de uma vida digna para seus cidadãos. É pautada nos princípios da dignidade da pessoa humana, no direito à vida, à

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integridade física, e no direito geral de liberdade. Não é possível especificar o que é o mínimo existencial, pois essa quantificação se altera a depender do lugar, tempo, questões socioeconômicas e necessidades da população (SARLET; FIGUEREDO, 2008, apud WANG, 2008, p. 311).

Essa variação se dá porque o mínimo existencial não trata da simples garantia da sobrevivência física, mas está intrinsecamente atrelado à garantia de uma existência digna, com fruição de todos os direitos fundamentais, inclusive com inclusão de um mínimo existencial sociocultural (SARLET; FIGUEREDO, 2008, apud WANG, 2008, p. 311).

Considerando que não é possível quantificar única e definitivamente um padrão existencial mínimo, surge a questão de como se pode determiná-lo dentro de cada sociedade. Entende-se que a função de decidir sobre a forma da prestação, o montante e as condições para a fruição de um direito cabem ao legislador, restando aos Tribunais a tarefa de decidir sobre um padrão existencial mínimo apenas em caso de omissão ou desvio de finalidade por parte dos órgãos legisladores. Contudo, há a ressalva de que o legislador deverá respeitar um padrão basilar para assegurar as condições materiais indispensáveis para uma existência digna (SARLET; FIGUEREDO, 2008, apud WANG, 2008, p. 311).

De outro lado, a implementação de uma política pública depende, primeiramente, de disponibilidade financeira, conhecida como reserva do possível. A falta de recursos acaba sendo a justificativa mais comum da administração para a omissão da entrega dos serviços previstos na Constituição Federal como de sua obrigação, nesse caso, especificamente, os serviços de saúde (GRINOVER; WATANABE, 2013, p. 132). Dessa forma, é possível dizer que os direitos sociais possuem uma limitação fática à sua efetivação, que se trata da existência de recursos para que o Estado cumpra com suas obrigações (WANG, 2008, p. 313).

O princípio da reserva do possível não deve impedir o Poder Judiciário de zelar pela efetivação dos direitos sociais dos cidadãos ou ser usado como escusa do Judiciário para não intervir nas matérias de direito social, mas sim, confere-lhe a obrigação de fazê-lo com responsabilidade e consciência da escassez de recursos. Outrossim, a reserva do possível deve ser relativizada quando se relaciona com o mínimo existencial (WANG, 2008, p. 313).

Tratando-se de demanda judicial em que se pleiteia o fornecimento de medicamentos ou outros tratamentos, conforme será visto na discussão acerca do

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Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas 01, deverá ser demonstrado, pelo autor da ação, que o fornecimento de tal insumo é necessário para garantir-lhe o mínimo existencial. Essa demonstração se dá pela comprovação da hipossuficiência do autor e de seu núcleo familiar, da inexistência de política pública que garanta o tratamento para a moléstia ou, se existente, da demonstração de sua ineficácia para o caso concreto, e da necessidade do fármaco ou procedimento atestado por meio de laudo médico.

Há, ainda, um terceiro elemento para a análise da situação, sob a ótica da promessa constitucional do máximo desejável. É possível afirmar que, constitucionalmente, o Estado se obrigou à criação de políticas públicas constantes e graduais, considerando a evolução da tecnologia e medicina, e o aumento dos recursos financeiros, com o objetivo de alcançar o máximo desejável (DANIELLI, 2016, p. 88; TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA, 2016).

Assim, é necessário entender, em cada caso concreto, se o tratamento, medicamentoso ou não, pleiteado por meio de demanda judicial está relacionado ao mínimo existencial ou o máximo desejável, pois, nesse segundo, diferentemente do primeiro, deverá o caso ser submetido à reserva do possível.

Então, cabe ao magistrado perceber se o pleito judicial se trata de uma pretensão voltada para a garantia do mínimo existencial, ligado à dignidade da pessoa humana e direito que o Estado se comprometeu a efetivar desde já, ou se o autor busca alcançar o máximo desejável, que se relaciona com o direito subjetivo coletivo de criação de uma política pública de saúde para suprir essa necessidade (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA, 2016).

Complementando a ideia de que a busca pelo máximo desejável se relaciona com a criação de política pública de saúde, acredita-se que, para melhorar a atuação do Judiciário frente à judicialização, é preciso que não se atenda apenas a postulação individual, mas que se utilize dela para a criação de uma política pública de saúde. A transformação de uma disputa individual em coletiva acarretaria a diminuição de privilégios dentro do acesso ao direito e à saúde, tornando-os mais democráticos e universais (BARROSO, 2009).

No próximo tópico, serão apresentados dados acerca da judicialização dos procedimentos de saúde no Brasil e no Estado de Santa Catarina.

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