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2.3 ACESSO À SAÚDE

2.3.2 Mecanismos de acesso à saúde no Brasil

Existem vários mecanismos para o efetivo acesso à saúde, estes podem ser gratuitos ou onerosos, programas estabelecidos pelo Estado ou iniciativas privadas, e podem abranger todo o território nacional ou tratar-se de iniciativas locais.

Primeiramente, conforme já descrito neste trabalho, tem-se o Sistema Único de Saúde (SUS), que é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, abrange desde o simples atendimento para avaliação da pressão arterial até o transplante de órgãos, e busca a garantia do acesso integral, universal e gratuito para toda a população do país (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2020).

Contudo, sabe-se que, na prática, o sistema público de saúde possui problemas quanto à sua gestão e financiamento, não sendo raras as notícias de falta de fornecimento de serviços, medicamentos e tratamentos, especialmente de média e alta complexidade em algumas regiões. Nesse cenário, é comum que as pessoas que tenham condições financeiras se utilizem de planos de saúde como principal mecanismo para garantia do seu acesso à saúde. O plano de saúde é um serviço oferecido por empresas privadas, com intuito de prestar assistência médica e hospitalar.

Nos casos em que o SUS ou o plano de saúde negam o fornecimento do serviço de saúde necessário para o tratamento da moléstia, é comum que o indivíduo necessite buscar a resolução da demanda por vias judiciais. A judicialização trata-se do pleito judicial de diversos serviços de saúde, como insumos, medicamentos, instalações, assistência em saúde, ou outras demandas protegidas pela garantia do princípio constitucional do direito à saúde.

Alguns projetos locais visam à garantia do acesso à saúde de forma mais ampla, célere e desburocratizada, buscando meios para evitar a judicialização. Esse é o caso do Programa SUS Mediado, aplicado nos Estados do Rio Grande do Norte e Rondônia, e do CAMEDIS (Câmara Permanente Distrital de Mediação em Saúde), aplicado no Distrito Federal. Esses programas buscam a mediação entre o indivíduo, a Defensoria Pública do Estado, a Secretaria de Saúde do Município e o SUS, como alternativa à judicialização para solucionar as demandas do indivíduo.

Também existem outros programas focados na diminuição das demandas judiciais de saúde por meio da mediação entre o indivíduo e seu plano de saúde, como o caso do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais (Nupemec), que está iniciando a sua aplicação no Estado do Rio de Janeiro.

Destarte, ultrapassada essa análise do direito à saúde à luz da Constituição Federal de 1988, bem como do acesso aos serviços de saúde, direcionar-se-á o estudo, no capítulo seguinte, ao tema da judicialização das políticas públicas de saúde.

3 JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE

A saúde pública no Brasil é garantida como um direito social pelo artigo 6° da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, a qual, em seu artigo 196, refere-se à saúde como um direito de todos e dever do Estado, que deverá ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença (BRASIL, 1988).

Contudo, a Constituição Federal não apresenta um rol do que se enquadra no âmbito do direito à saúde, nem sobre quais as políticas e serviços de garantia à saúde que deverão ser ofertados. Dessa forma, tem-se um conceito aberto e indeterminado acerca do que estaria albergado pela proteção ou pelo dever de prestação jusfundamental (QUEIROZ, 2013, p. 72).

A judicialização das políticas públicas passou a ser usada para alcançar o direito à saúde quando este é negado nas vias administrativas, sendo que a frequência de sua utilização aumentou gradativamente ao longo dos anos, conforme será estudado adiante.

A judicialização trata-se do pleito judicial de diversos serviços de saúde, como insumos, medicamentos, instalações, assistência em saúde, ou outras demandas protegidas pela garantia do princípio constitucional do direito à saúde (QUEIROZ, 2013, p. 72). Esse foi um dos primeiros meios utilizados para solucionar conflitos e efetivar o direito ao acesso aos serviços de saúde, garantidos após a promulgação da Constituição Federal, de 1988 (BALBÉ, 2018, p. 15).

[...] o fenômeno da judicialização da saúde expressa reivindicações e modos de atuação legítimos de cidadãos e instituições, para a garantia e promoção dos direitos de cidadania amplamente afirmados nas leis internacionais e nacionais. (VENTURA; et al, 2010, p. 78).

Para Barroso (2016), “A judicialização no Brasil decorre do modelo constitucional brasileiro e, portanto, em alguma medida ela é inevitável.”. O autor explica, ainda, que “Constitucionalizar é tirar uma matéria da política e trazê-la para dentro do Direito. E, portanto, existem prestações que o Judiciário não pode se negar a apreciar [...]” (BARROSO, 2016).

Barroso também expõe pontos negativos do mecanismo de judicialização, como, por exemplo, o fato de que, se uma matéria precisa ser resolvida mediante uma demanda judicial, é sinal de que não pôde ser atendida pelo seu modo natural de

atendimento das demandas, seja administrativamente seja por meio de soluções legislativas ou negociadas.

Ainda, os direitos sociais são garantidos por meio de fundo público que é sustentado por toda a coletividade. Contudo, a necessidade de se utilizar do Judiciário para alcançá-los faz com que esses direitos sejam desfrutáveis apenas por uma parcela da população, limitando o acesso à saúde para a outra parcela (WANG, 2008, p. 309).

A judicialização individual favorece a parcela da população que tem mais informação, esclarecimento e acesso a advogado ou Defensor Público, beneficiando aqueles que não estão na base mais vulnerável da sociedade e distanciando o sistema dos ideais de universalização e igualdade.

Assim, cria-se a necessidade de se discutir os critérios de justiça utilizados para permitir ou negar o acesso de alguém ao financiamento público para a concretização desses direitos. Isso porque, uma decisão que concede um direito social para um demandante, não se limita ao montante que o Estado deverá gastar e ao cidadão que receberá determinado serviço ou insumo, mas se estende a todos os membros da sociedade que, considerando a escassez de recursos, poderão deixar de ter suas necessidades atendidas devido à realocação de verbas para favorecer o autor de determinada ação judicial, criando-se, assim, situação social desproporção e desigual quanto aos mecanismos de acesso aos serviços de saúde.

Para Barroso (2009), “Desenvolveu-se certo senso comum, que é preciso enfrentar, de que o Judiciário, no caso de judicialização, pondera o direito à vida e à saúde de uns e, de outro lado, pondera princípios orçamentários, separação de Poderes.”. O autor complementa explicando que “Infelizmente, esta não é a verdade. O que o Judiciário verdadeiramente pondera é direito à vida e à saúde de uns contra o direito à vida e à saúde de outros.”. E é por esse motivo que não existe uma solução jurídica que seja fácil ou moralmente simples para solucionar essa problemática.

Alguns juristas acreditam que o excesso da judicialização no sistema público de saúde cria um sistema com duas portas de entrada. Uma, para os cidadãos que podem recorrer e ter acesso à justiça, e, consequentemente, a qualquer tipo de tratamento independentemente dos custos. Outra, para o resto da população, que não tem acesso ao Judiciário. Assim, as pessoas que acessam o SUS apenas pela via administrativa acabam penalizadas e muitas vezes perdem o seu lugar na fila de espera em razão de uma demanda judicial, ainda que, eventualmente, possa

apresentar até maior complexidade ou gravidade do quadro clínico de saúde (MINAS GERAIS, 2020).

Por outro lado, uma característica positiva da judicialização é o fato de que quando o indivíduo tem seu direito fundamental negado ou não observado, ele pode buscar a sua efetivação pelo Poder Judiciário (BARROSO, 2016).

As dificuldades em descrever o fenômeno são acompanhadas pela dificuldade em estabelecer as suas causas e efeitos. A judicialização das políticas de saúde pode se dar no âmbito da saúde privada ou pública, sendo que, no primeiro, o número excessivo de demandas judiciais costuma decorrer de disfunções nas relações entre beneficiários de planos de saúde e suas operadoras, sendo o Judiciário um importante local para o cumprimento dos termos estabelecidos nos contratos e nas normas que disciplinam essas relações. As demandas judiciais podem, por outro lado, reclamar elementos que não estão previstos nos contratos e, como tal, implicar efeitos sobre os custos de contratação e a segurança jurídica (CNJ; INSPER, 2019, p. 14).

Contudo, no âmbito da saúde pública e do Sistema Único de Saúde (SUS), o foco deste estudo, as demandas judiciais podem decorrer de ineficiências na atuação da autoridade pública de saúde, que não executa a contento a política pública de saúde, ou em razão de pedidos individuais solicitando procedimentos e tratamentos não incluídos na política de saúde (CNJ ; INSPER, 2019, p. 14).

O fenômeno da judicialização das políticas públicas pode ser estudado sob vários ângulos, seja acerca da crítica ao ativismo judicial, o debate entre o mínimo existencial e a reserva do possível, as preocupações acerca da obstrução do Judiciário ou, ainda, o fato de que a judicialização pode ser considerada uma ferramenta antidemocrática de acesso aos serviços de saúde. Neste texto, não se pretende aprofundar em todo esse debate, em razão de sua extensão e complexidade, mas sim explicar alguns dos pontos principais para o entendimento do assunto e a necessidade de se trabalhar para que o acesso à saúde se dê sem a necessidade de judicialização das políticas de saúde.