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Tainá Revelles Vital TECNOLOGIAS DIGITAIS NA CULTURA ESCOLAR: UM ESTUDO DE CASO EM ESCOLAS DE SANTA CATARINA APÓS A POLÍTICA DE INCLUSÃO DIGITAL UCA

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Academic year: 2021

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TECNOLOGIAS DIGITAIS NA CULTURA ESCOLAR:

UM ESTUDO DE CASO EM ESCOLAS DE SANTA CATARINA APÓS A POLÍTICA DE INCLUSÃO DIGITAL UCA

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Educação

Orientador: Prof. Dra. Juliana Cristina Faggion Bergmann.

Florianópolis 2018

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Vital, Tainá Revelles

Tecnologias digitais na cultura escolar: : um estudo de caso em escolas de Santa Catarina após a política de inclusão digital UCA / Tainá Revelles Vital ; orientador, Juliana Cristina Faggion Bergmann, 2018.

147 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2018.

Inclui referências.

1. Educação. 2. Educação. 3. Políticas Públicas. 4. Tecnologias digitais. 5. Cultura Escolar. I.

Bergmann, Juliana Cristina Faggion. II.

Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.

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Agradeço inicialmente à professora Dra. Juliana Bergmann pela confiança, parceria e construção dessa pequisa, que me permitiu um mergulho mais profundo no campo da educação, uma área pela qual sempre tive interesse, mas ainda não havia tido oportunidade de me dedicar tão intensamente.

Às professoras Dra. Elisa Maria Quartiero e Dra. Maria Helena Bonilla pelas importantes contribuições dadas tanto nas pesquisas consultadas para a elaboração desse texto, quanto na banca de defesa do mestrado.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por tornar viável financeiramente a realização dessa pesquisa, e aos esforços da equipe do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catariana pela constante luta em manter um ensino púbico de qualidade mediante tantos cortes e retrocessos desencadeados por medidas do Governo Federal nos últimos anos.

Agradeço também a todos os autores que partilham seus textos livremente e todos os ativistas que fazem o trabalho de disponibilizar conhecimento de forma gratuita, por acreditar que somente dessa forma evoluímos enquanto sociedade.

A minha família pelo suporte e, em especial, aos meus pais Olga Helena Revelles e Joel Nunes Vital por todo o apoio dado ao longo desses anos, principalmente em uma mudança de cidade, vida e área de dedicação.

Aos professores e amigos de pós-graduação do PPGE/UFSC pela intensa troca ao longo desses dois anos, que contribuiu muito para minha formação profissional e política, enquanto cidadã. Em especial às professoras Andrea Lapa, Gilka Girardello e à Lucrezia Crescenzi, que foi professora convidada do Programa, com quem pude trocar bastante ao longo desse processo.

À rede de apoio dos amigos, pois sem ela, nada na vida é possível. Em especial à Maria Lúcia Montenegro, Marina Nicolaiewsky, Alfredo Pasin, Andrea Langbecker, Mariah Queiroz, Renata Lestro, Alice Volpi, Aline Freitas, Guilherme Tomaz, Guilherme Marcondes, Isabel Colucci e Gabriel Matos, por segurarem minha mão durante muitos momentos desse processo e me lembrarem constantemente do meu potencial.

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A sociedade de rede e a necessidade de novas instituições que exerçam o controle humano das tecnologias nos fazem refletir a respeito da importância da emancipação do sujeito crítico, capaz de dominar as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) e se apropriar delas, visando à transformação social. Esse empoderamento precisa existir também aos excluídos digitais, ou sociais, para que eles possam fazer parte das relações construídas em rede não apenas enquanto consumidor de informação, mas também como produtor de conhecimento. O lugar em que essa mudança de concepção de conhecimento deve ocorrer é na escola, com o financiamento de políticas públicas que garantam infraestrutura e formação – aos docentes e alunos – relativa às possibilidades de exploração e uso dessa tecnologia enquanto ferramenta pedagógica, objeto de estudo e meio de expressão para transformação do contexto dessa escola. Essa foi a perspectiva crítica que nessa pesquisa sintetizamos no termo formação apropriativa. Diante disso, foi realizada uma investigação sobre a presença das tecnologias digitais de informação e comunicação na cultura escolar sob a seguinte hipótese: se a entrada das TDIC nas escolas não vem associada com uma formação apropriativa, isso é – para o uso das TDIC enquanto ferramenta, meio de expressão e objeto de estudo – então ela poderia não se integrar à cultura escolar, perdendo-se na obsolescência do equipamento. O ponto de partida foi um estudo de caso das escolas que receberam o Projeto Um Computador por Aluno no Estado de Santa Catarina (Projeto UCA/SC), uma vez que essas escolas receberam dispositivos para todos os alunos com o intuito de serem usados em um contexto 1:1 e também formação continuada para os professores. No estado de Santa Catarina, essa formação teve dois anos, um a mais do que o previsto pelo Projeto UCA. O desenvolvimento de um segundo ciclo surgiu da demanda dos docentes das escolas participantes junto à equipe de formação, que elaborou esse novo conteúdo. Em SC, 12 escolas participaram do Projeto, sendo que 10 delas participaram de toda a formação. Dessas 10 escolas, oito fizeram parte desta pesquisa. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os gestores das escolas, uma vez que eles respondem tanto pela instituição, como também são a ponte de todos os membros que compõem a comunidade escolar. Através dos eixos ‘estrutura básica para as TDIC na escola’ e ‘formação apropriativa’, foi criado um panorama a respeito das TDIC na cultura escolar para avaliação da hipótese.

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The network society and the need for new institutions that exercise human control over technologies make us reflect on the importance of the emancipation of the critical subject. That which is capable of dominating the Digital Information and Communication Technologies (digital ICT) and appropriating them, aiming at social transformation. This empowerment must also exist for the digital or social excluded, so that they can be part of networked relationships not only as consumers of information but also as knowledge producers. This change of conception of knowledge must take place in schools. It shall happen with financing of public policies that guarantee infrastructure and training, to both teachers and students. And, regarding the possibilities of exploration and use of this technology, it should be seen as a pedagogical tool, an object of study and as means of expression for transforming the context of the school. This was the critical perspective that in this research we synthesize in the term ‘appropriative formation’. Therefore, an investigation on the presence of digital information and communication technologies in school culture took place, under the following hypothesis: if the entrance of the digital ICTs in schools is not associated with an appropriate training, that is – for the use of digital ICTs as a tool, as means of expression and as an object of study – then it could not integrate itself into the school culture, losing itself with the obsolescence of the equipment. The starting point was a case study of the schools that received the One Laptop Per Child Project in the State of Santa Catarina (UCA Project / SC), since these schools received devices for all students with the intention of being used in a 1 on 1 context and also received continued training for teachers. In the state of Santa Catarina, this training lasted two years, one year more than foreseen by the UCA Project.The development of a second cycle arose from the demand of the teachers of the participating schools towards the training team, who elaborated this new content. In SC, 12 schools participated in the Project, 10 of which participated in the whole training. Of these 10 schools, eight were part of this research. It were performed semi-structured interviews with the managers of the schools, since they respond for the institution, but are also the bridge between all members that make up the school community. To evaluate the hypothesis, a panorama was created regarding the Digital ICTs in school culture, using the axis ‘digital ICTs basic structure in school’ and ‘appropriative formation’.

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Tabela 1 – Formação do PROUCA em Santa Catarina (2010-2012):…81 Tabela 2 – Nível escolar que atende e quantidade de alunos:…………88 Tabela 3 – Panorama dos gestores:……….94 Tabela 4 – Total de professores na escola X total de professores que participaram da formação do Projeto UCA e permanecem na escola………104

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ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

BNCC Base Nacional Comum Curricular

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social

CAI Computer Aided Instruction

CED Centro de Ciências da Educação da UFSC CEMUT Centro Municipal de Tecnologia

CIEd Centro de Informática na Educação de 1º e 2º graus

Cieps Centros Integrados de Educação Pública CIES Centro Informática na Educação Superior CIET Centro de Informática na Educação Técnica CIES Centro Informática na Educação Superior CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (até 1974 – Conselho Nacional de Pesquisas)

CSN Conselho de Segurança Nacional

EDUCOM Centros pilotos disseminadores de pesquisas a respeito de informática e educação

e-ProInfo Ambiente Colaborativo de Aprendizagem ETC Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos FiNEP Financiadora de Estudos e Projetos

FORMAR Curso de Especialização em Informática na Educação

GTUCA Grupo de Trabalho de Assessoramento Pedagógico ao Projeto Um Computador por Aluno.

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IES Instituição de Ensino Superior

IFSC Instituto Federal de Santa Catarina

Lab Laboratory (Laboratório)

Ltda Sociedade Empresarial de Responsabilidade Limitada

MEC Ministério da Educação

MIT Massachusetts Institute of Tecnology (Instituto de Tecnologia de Massachussets)

NTE Núcleos de Tecnologia Educacional

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PDE Plano de Desenvolvimento da Educação

PND Plano Nacional de Desenvolvimento

PR Presidência da República

PROGITEC Projeto de Gestão Integrada da Tecnologia ProInfo Programa Nacional de Tecnologia Educacional

(até 2007, Programa Nacional de Informática na Educação)

ProInfo Integrado Programa Nacional de Formação continuada em Tecnologia Educacional

PRONINFE Plano Nacional de Informática Educativa PROUCA Projeto Um Computador por Aluno PSEC Plano Setorial de Educação e Cultura

PST Postos de Serviços Telefônicos

PUC Pontifícia Universidade Católica SED Secretaria Estadual de Educação SEED Secretaria de Educação à Distância SEI Secretaria Especial de Informática SME Secretaria Municipal de Educação

TDIC Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação

TIC Tecnologia de Informação e Comunicação

UCA Um Computador por Aluno

UDESC Universidade Estadual de Santa Catarina UFBA Universidade Federal da Bahia

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFPE Universidade Federal de Pernambuco UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

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INTRODUÇÃO……….…...17

1 POR QUE INCLUSÃO DIGITAL NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA...25

2 A FORMAÇÃO APROPRIATIVA ENQUANTO INTRODUÇÃO DAS TDIC NA CULTURA ESCOLAR……….37

3 POLÍTICAS DE TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO DO . BRASIL……….………43

3.1 HISTÓRICO DAS POLÍTICAS DE TECNOLOGIAS DIGITAIS NA EDUCAÇÃO DO BRASIL...43

4 PROJETO UM COMPUTADOR POR ALUNO……….61

4.1 A ESCOLA NA PERSPECTIVA DO CONSTRUCIONISMO DE PAPERT………...…61

4.2 O PROJETO UM PARA UM...66

4.3 A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO UCA EM SANTA CATARINA...72

5 TDIC NA CULTURA ESCOLAR: DEPOIMENTO DOS GESTORES……….….85

5.1 DESCRIÇÃO DA AMOSTRA………..87

5.2 ESTRUTURA BÁSICA PARA TDIC NA ESCOLA...…… 95

5.2.1 Pesquisas prévias feitas sobre o estado de Santa Catarina……… 96

5.2.2 Intraestrutura...97

5.2.3 Equipe com formação em tecnologias e formação continuada...101

5.3 FORMAÇÃO APROPRIATIVA……...………...109

5.3.1 Construção de conhecimento e uso de tecnologias na escola………110

5.3.2 Acesso à infraestrutura………..116

5.3.3 Projetos na escola que envolvem tecnologia……….122

5.3.4 Uso das mídias………125

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS………129

REFERÊNCIAS……….133

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa parte de uma inquietação a respeito das tecnologias de informação e comunicação (TIC), das possibilidades que uma sociedade de rede oferece, e a forma como o Brasil, um país considerado em desenvolvimento, se insere diante da necessidade de pensar inclusão digital, mais especificamente, as políticas públicas de inclusão digital na educação.

Em meu ensino médio, tive a oportunidade de estudar no Colégio Pedro II, um colégio federal de excelência no Rio de Janeiro, cujos alunos ingressam por processo seletivo. Na época, ainda era permitido que as vagas ociosas1 fossem preenchidas por filhos de servidores da escola, o que ampliava a diversidade de realidades socioeconômicas, uma vez que esse processo se equipara a um processo de vestibular sem cotas, em que, muitas vezes, pela falta de cuidado do Estado em manter escolas de ensino básicas com condições dignas, levam ao sucateamento do ensino público, gerando uma competição injusta entre alunos de escolas particulares e alunos de escolas públicas. Como diria Martín-Barbero, é na escola pública em que ocorre:

o espaço de encontro das trajetórias socioculturais das maiorias e, portanto, é nela que se produz a mais ampla e permanente transformação da cotidianidade social e cultural cujos protagonistas são excluídos (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 11)

A imersão em uma escola pública me fez despertar a consciência sobre essas diferentes realidades e me responsabilizar por elas: a importância de lutar por direitos políticos, como o Passe Livre Estudantil, e de defender um ensino público de qualidade.

Já na graduação, cursando Comunicação Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro, dois projetos de pesquisa dos quais tive a oportunidade de participar me trouxeram novamente para perto da escola: o projeto CINEAD – Cinema para Aprender e Desaprender2, 1 Esta Esta prática foi abolida após decisão do Tribunal de Contas da União (Acórdão nº 1363/2010-TCU-Plenário, publicado no Diário Oficial da União, seção I – nº 118, de 23 de junho de 2010). Vide página oficial do Colégio: http://cp2.g12.br/ultimas_publicacoes/211-noticias2015/2767-consup-

se-posiciona-contra-o-preenchimento-de-vagas-ociosas-por-filhos-de-servidores.html

2 O projeto está inserido dentro do LECAV, Laboratório de Educação, Cinema e Audiovisual da Faculdade de Educação da UFRJ: http://www.cinead.org/

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coordenado pela Professora Dra. Adriana Fresquet, em que atuei como bolsista dando aulas de linguagem audiovisual para alunos do ensino fundamental do Colégio Aplicação da UFRJ e o Pontão de Cultura Digital da ECo/UFRJ.

O Pontão da Eco3 foi criado em 2009, através do Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura, sob a coordenação geral da Professora Dra. Ivana Bentes. Sua proposta consistia na difusão da cultura digital por meio de ações prioritariamente ligadas à Cultura Livre e ao Software Livre. De sua criação até 2011, eu atuava como coordenadora – junto com outros parceiros da equipe, pois era gerido de forma coletiva – dos Laboratórios de Formação e Vídeo. Nesse último, atuei ativamente lecionando cursos livres de audiovisual com software livre para movimentos sociais e escolas públicas municipais e estaduais, por meio de uma parceria com as Secretarias de Cultura Estadual e Municipal. Ainda dentro do Pontão da Eco tive a oportunidade de entrar em contato com o texto do Projeto UCA, pelo qual tive bastante interesse, uma vez que abarcava Cultura Digital e escolas públicas. Esses são os dois pilares da pesquisa na qual me dediquei nos últimos dois anos por acreditar na importância de um ensino público de qualidade e na relevância da cultura digital enquanto via de emancipação do sujeito crítico, conforme será melhor detalhado adiante. O ponto de partida dessa pesquisa, começou com o Projeto Um Computador por Aluno (UCA), implementado em mais de 300 escolas do Estado brasileiro durante os anos de 2010 a 2013, cujo objetivo foi democratizar o acesso às tecnologias e propiciar uma reformulação do dispositivo pedagógico, incluindo as tecnologias como parte integral no processo de formação dos alunos. Segundo o texto do projeto, “visa criar e socializar novas formas de utilização das tecnologias digitais nas escolas públicas brasileiras, para ampliar o processo de inclusão digital escolar e promover o uso pedagógico das tecnologias de informação e comunicação” (SEED, 2009, p.1).

A relevância do Projeto UCA se dá, principalmente, por ele considerar dois pilares em sua implementação nas escolas pela primeira vez em contexto nacional: propiciar a infraestrutura (dispositivo, servidor e rede wireless), sendo um dispositivo para cada aluno; e oferecer formações continuadas aos professores com um viés de mudança cultural, não apenas de caráter instrumental (MEC, 2009).

A formação continuada foi desenvolvida por uma Instituição de Ensino Superior (IES) e com o suporte dos Núcleos de Tecnologia Educacional (NTE) de cada estado. Essas formações tiveram como 3 Mais informações: http://pontaoeco.hotglue.me/

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objetivo promover a familiarização dos professores das escolas participantes com os laptops educacionais enquanto dispositivo e instigá-los, com fundamentações teóricas, a repensar suas práticas pedagógicas.

Em entrevista aos pesquisadores Pretto, Fantin, Quartiero e Bonilla, a diretora de Conteúdos Digitais do MEC de 2012, Mônica Franco, ao ser indagada a respeito do Projeto UCA, respondeu:

O que se espera desse Projeto é a conclusão dele como projeto-piloto; é um projeto que tem começo, meio e fim; é muito importante o resultado dessa avaliação para o Ministério da Educação, porque o resultado dessa avaliação é que possivelmente vai dar todas as diretrizes para implantação de políticas públicas na educação com tecnologias, voltadas para a distribuição de computadores para os alunos (QUARTIERO, 2015, p.48).

Nesse mesmo texto, os pesquisadores relataram que, entre 2010 e 2013, não houve por parte do MEC a promoção de uma escuta dos gestores das escolas, secretários da educação ou docentes das universidades responsáveis pela formação e acompanhamento dos professores. O Projeto UCA também não foi oficialmente finalizado. Se faz demasiadamente importante que as políticas públicas implementadas no Brasil tenham sua elaboração feita a partir de desdobramentos, análises e reflexões dos projetos anteriores, aplicados com intuitos semelhantes, a fim de evitar equívocos semelhantes aos das políticas anteriores. Diante disso, cabe a questão: será que o Projeto UCA foi importante enquanto projeto de inclusão digital na educação brasileira? Existe algum legado dessa política nas escolas participantes? Como o uso das TDIC nessas escolas hoje em dia?

Essa pesquisa teve como recorte as escolas que receberam o Projeto UCA no estado de Santa Catarina para investigar como as tecnologias estão presentes na cultura dessas escolas. A hipótese que queremos comprovar é: Se a entrada das TDIC4 nas escolas não vem associada com uma formação apropriativa, isso é – para o uso das 4 O recorte da pesquisa pretende uma investigação em torno das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), que são os equipamentos eletrônicos que baseiam seu funcionamento em uma lógica binária. No entanto, em alguns momentos do texto, com o intuito de abordar as transformações culturais de forma mais ampla, se utilize o termo Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC).

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TDIC enquanto ferramenta, meio de expressão e objeto de estudo – então ela poderia não se integrar à cultura escolar, perdendo-se na obsolescência do equipamento.

Para comprovar essa hipótese, a presente pesquisa precisou colher uma série de dados nessas escolas, sendo esses o objetivo desse trabalho: mapear a infraestrutura atual; mapear a equipe com formação em tecnologia; clarificar como é o acesso às TDIC e quais os projetos que envolvem tecnologia; listar o tipo de uso que é feito das mídias. Tudo isso gerou o panorama das TDIC cultura escolar.

Para o entendimento do que queremos dizer com cultura escolar, partimos da definição de Antonio Viñao Frago (1995). Partindo do pressuposto que a escola é uma instituição, precisamos considerá-la tanto através da sociologia de sua organização quanto da antropologia das práticas cotidianas. Portanto, para o autor, a cultura escolar diz que

inclui práticas e condutas, modos de vida, hábitos e rituais – a história cotidiana do fazer escolar – objetos materiais – função, uso, distribuição no espaço, materialidade física, simbologia, introdução, transformação, extinção… - e modos de pensar, assim como significados e ideias compartilhadas. Alguém dirá: tudo. E sim, é certo, a cultura escolar é toda a vida escolar: acontecimentos e ideias, mentes e corpos, objetos e condutas, modos de pensar, dizer e fazer. (VIÑAO FRAGO, 1995, p. 68)5.

Esse trabalho desenvolveu-se seguindo essa mesma linha de que a cultura escolar é toda a vida escolar, dedicando-se, nesse sentido, em analisar tanto aspectos ligados ao espaço físico e condições materiais quanto também à filosofia e práticas pedagógicas relacionadas ao uso de tecnologia, sem deixar de considerar também a relação da escola com a 5 Traduzido livremente pela autora. Original: “incluye prácticas y conductas, modos de vida, hábitos y ritos — la historia cotidiana del hacer escolar —, objetos materiales — función, uso, distribución en el espacio, materialidad física, simbología, introducción, transformación, desaparición... —, y modos de pensar, así como significados e ideas compartidas. Alguien dirá: todo. Y sí, es cierto, la cultura escolar es toda la vida escolar: hechos e ideas, mentes y cuerpos, objetos y conductas, modos de pensar, decir y hacer”.

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comunidade escolar. Por comunidade escolar, é importante destacar que consideramos não apenas os professores, funcionários, pais e alunos, como também associações de bairro, sindicatos, entidades comunitárias (TEIXEIRA, 2010) atuantes no bairro em que a escola está situada e que interagem de alguma forma com essa escola

A escolha de escolas que receberam o Projeto UCA em SC teve como critério a garantia de que essas escolas receberam infraestrutura, tanto humana quanto física para a inclusão das tecnologias nas práticas escolares.

O presente estudo estruturou-se em capítulos. No primeiro capítulo, intitulado “Porque a inclusão digital na educação brasileira”, partimos de um conceito inicial de tecnologias sob uma perspectiva humanista, desdobrando-o no sentido de que as tecnologias são produções humanas e, portanto, carregadas de valores. A partir desse ponto, clarifica-se que a lente da teoria crítica é necessária ao se pensar uma política de inclusão digital e defender que o viés do tecnicismo não seria aplicado como solução para o problema de exclusão digital. Não basta apenas o dispositivo e a conexão, é necessário ter a técnica, entender o funcionamento e saber se expressar em diferentes linguagens para sair do status de consumidor para assumir o de produtor, possibilidade que o meio digital nos permite.

Também se faz necessário discorrer sobre o conceito de desenvolvimento humano e exclusão digital, esse último sendo analisado muitas vezes somente por questões econômicas, que o limitam em uma dicotomia rasa de pobres x ricos, além de definir o modelo ocidental cultural e econômico como o ideal a ser alcançado pelos países em desenvolvimento, o que nos leva também a analisar a condição do Brasil na cadeia de desenvolvimento tecnológico global.

No segundo capítulo, intitulado “A formação apropriativa enquanto introdução das TDIC na cultura escolar”, caracterizamos a educação como um potente agente capaz de contribuir para a redução da exclusão digital e o aumento do desenvolvimento humano no Brasil. Com base nessa premissa, apresentaremos e definiremos o que seria a formação apropriativa que destacamos nesse estudo. Esse conceito parte dos fundamentos da mídia-educação e se desenvolve a partir da necessidade de pensar uma educação contextualizada na cultura digital e, portanto, a relevância de políticas públicas de inclusão digital na educação.

No terceiro capítulo, intitulado “Políticas de tecnologias na educação do Brasil”, apresentamos um panorama histórico sobre as políticas de tecnologias na educação brasileira, dos anos 70 até a implementação do UCA e, brevemente, o que cada uma delas propôs em

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termos de possíveis avanços dentro do planejamento de políticas de inclusão. Dentro desse histórico, foi feita uma análise também sobre algumas reflexões quanto aos objetivos de cada uma dessas políticas até a chegada do termo inclusão digital como demanda de políticas de tecnologias na educação.

No quarto capítulo, intitulado “Projeto Um Computador por Aluno”, detalhamos o Projeto UCA no Brasil, com ênfase no histórico de implementação em Santa Catarina, abordado, mediante trechos da política, a visão de pesquisadores que se dedicaram ao tema e também de relatórios elaborados pela equipe de formação do estado. No entanto, para aprofundar a concepção que norteou esse projeto, foi realizada uma breve introdução a respeito do Construcionismo, uma teoria da área de educação desenvolvida por Seymour Papert. O Construcionismo influenciou bastante a proposta do One Laptop Per Child (OLPC), projeto no qual o governo brasileiro se inspirou para a elaboração do Projeto UCA.

O pensamento de Papert tem bastante influência no desenvolvimento de estudos relativos à implementação da tecnologia na educação no Brasil desde o início das pesquisas nesse campo. Em especial, algumas universidades – como a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - estabeleceram parcerias com o Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), no núcleo em que Papert desenvolvia a linguagem LOGO (também estudada aqui no Brasil). Os referenciais teóricos dessa parceria se refletem até hoje nas produções dessas universidades e na produção brasileira de conhecimento no campo de educação e tecnologias computacionais.

A partir dessa base, apresentamos o histórico do Projeto UCA, discutindo por que essa iniciativa poderia ser considerado relevante enquanto política de inclusão digital e quais foram suas características que a tornaram inovadora, bem como sua implementação no estado de Santa Catarina.

O Estado de Santa Catarina, estado brasileiro com o maior Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), teve 12 escolas participando do projeto e dez delas que finalizaram as formações oferecidas. Dessas dez, 4 em âmbito estadual e 6 em âmbito municipal. Com relação à localização dessas escolas, uma delas se localiza na área rural e as outras em perímetro urbano, sendo uma na capital e as outras no interior do estado, configurando-se, assim, um recorte bastante variado em termos de realidades do estado catarinense. Pretende-se, nesse capítulo, fazer uma ampla análise do processo, que considera os relatórios das formações e outras pesquisas feitas sobre o Projeto UCA

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no estado, com o intuito de abarcar o máximo de visões possíveis dos agentes envolvidos.

O recorte da amostra desta pesquisa foi composto por escolas que receberam o Projeto UCA no estado de Santa Catarina e também que participaram de toda a formação proposta pelo Projeto, em suas duas etapas. Das 10 escolas do recorte, oito estão, portanto, representadas nesta pesquisa.

O quinto capítulo, intitulado “TDIC na cultura escolar: depoimento das gestoras”, trouxe o desenho metodológico cuja técnica de produção de dados foi a realização de entrevistas semiestruturadas com gestores das escolas – uma vez que o gestor é a ponte entre todos os agentes da comunidade escolar, além de responder sob o viés da instituição. Detalhamos ainda o processo de elaboração desse roteiro, construído com base nos dois eixos que se relacionam na hipótese: estrutura básica para TDIC na escola e formação apropriativa.

O eixo estrutura básica para as TDIC nas escolas apresenta o que essas escolas ainda têm de infraestrutura, seja ela física (máquinas e conexão) ou humana (equipe e formações continuadas). Já o eixo de formação apropriativa tratou de investigar como essa tecnologia tem sido utilizada: como é pensado o uso das TDIC na construção de conhecimento; como é o acesso a elas; quais os tipos de projetos que a escola desenvolve envolvendo a comunidade e as tecnologias e qual o uso das mídias nessas escolas. A partir desses eixos, este estudo buscou trazer um extenso panorama sobre as TDIC na cultura escolar da amostra.

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1 POR QUE INCLUSÃO DIGITAL NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

O entendimento de tecnologia, conforme Bannell, Duarte, Carvalho, Pischetola, Marafon e De Campos (2016), são artefatos culturais desenvolvidos e implementados pelos seres humanos para que obtenham “ingerência sobre suas necessidades” (BANNELL, DUARTE, CARVALHO, PISCHETOLA, MARAFON e DE CAMPOS, 2016, p.67). É importante destacar dessa definição, como Andrew Feenberg (2015) também o faz, que “ainda que os humanos façam artefatos, eles o fazem de acordo com um plano e para um propósito que é um aspecto objetivo do mundo” (FEENBERG, 2015, p.3). Ou seja, apesar dos diferentes propósitos, a tecnologia é uma produção humana para colocar a natureza a serviço da humanidade.

Foi junto à Ciência, na sociedade moderna, que a tecnologia ganha um status de base para as novas crenças, que buscam explicações racionais para aspectos culturais, diferentemente das sociedades tradicionais, que se baseiam em crenças e mitos.

Passamos da Era Industrial, na modernidade, organizada em torno das indústrias, para a Era da Informação, também chamada de sociedade de rede, que tem como marco o advento da internet. O seu uso torna-se bastante importante em práticas sociais na sociedade, como destacam Bonilla e Pretto (2015):

pessoas, governos, empresas e instituições dependem de redes físicas e de conexões para articular a maioria de suas ações políticas, econômicas, sociais e culturais. A interconexão digital abre novas possibilidades de fazer, relacionar-se, criar, produzir, que não eram imaginadas num contexto analógico (BONILLA e PRETTO, 2015, p.500).

Para que se torne viável essa interconexão, é necessária uma infraestrutura, garantida por meio de tecnologias eletrônicas de produção de informação. Segundo Castells (2003), na sociedade de rede, três processos independentes se uniram, inaugurando uma nova estrutura social predominantemente baseada em redes: as exigências econômicas por flexibilidade administrativa e por globalização do capital, da produção e do comércio; as demandas da

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sociedade, em que os valores da liberdade individual e da comunicação aberta tornaram-se supremos; e os avanços extraordinários na computação e nas telecomunicações possibilitados pela revolução microeletrônica (CASTELLS, 2003, p.8).

Os modelos de produção sofreram alterações significativas mediante os avanços da tecnologia de comunicação e informação (TIC), conforme definição de Mariluci Zanela (2007): “O conjunto de tecnologias microeletrônicas, informáticas e de telecomunicações, que produzem, processam, armazenam e transmitem dados em forma de imagens, vídeos, textos ou áudio” (ZANELA, 2007, p.25).

Também nesse processo, o capitalismo informacional traz uma nova organização do cenário mundial em que se valoriza prioritariamente o conhecimento, como detalha Laymert Santos (2004)6: A aceleração tecnológica brutalmente intensificada a partir da década de 70 e a globalização, que se aprofundou nos anos 90, nos fizeram mergulhar numa sociedade complexa, na qual o conhecimento, a invenção e o processamento da informação deslocaram a centralidade do trabalho fabril, tornando a tecnociência o motor do processo de acumulação e a propriedade intelectual uma das principais riquezas. Na passagem do moderno ao contemporâneo, o trabalho foi reestruturado, a vida foi recombinada, a linguagem foi reconfigurada e mudou o campo epistemológico, cujas forças produzem novos enunciados e novas práticas (SANTOS, 2004, p.2).

Nesse contexto, os processos sociais e culturais dependem cada vez mais das tecnologias, resultando na situação atual em que a técnica e o conhecimento compõem o que é considerado o bem cultural de maior valor social e econômico. Além disso, o desenvolvimento econômico, político e social está ligado diretamente à inovação – junção da 6 Palestra proferida no Colóquio Internacional CULTURA SÉCULO XXI –

Cooperação Internacional, Sociedade Civil, Educação e Cultura, realizado

em associação com o Fórum Cultural Mundial em 28 e 29 de junho de 2004 no Instituto Goethe São Paulo. Disponível em: < >. Acesso em 18/07/2017

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criatividade com a invenção. Numa perspectiva global, quem gerencia o fluxo dessa economia o faz por meio das mídias, conforme ressalta Stuart Hall: “Hoje, a mídia sustenta os circuitos globais de trocas econômicas dos quais depende todo o movimento mundial de informação, conhecimento, capital, investimento, produção de bens, comércio, matéria-prima e marketing de produtos e ideias.” (HALL, 1997, p.17).

A adoção da tecnologia em nosso cotidiano desenvolve-se de forma tão acelerada e onipresente que, em muitos momentos, é comum observar a sua utilização sem ao menos haver o questionamento dos propósitos e objetivos daquela criação, como definiu Nelson Pretto (2011, p.98): “O senso de urgência se transformou no capital mais importante do momento”. Muniz Sodré nos aponta uma consequência bastante relevante como desdobramento dessa realidade: “Faz algum tempo, ingressamos em uma era em que os objetos, aceleradamente impelidos pela tecnologia, chegam muito mais rápido do que suas causas ou justificativas sociais” (SODRÉ, 2012, p.160). Existe um interesse dessa indústria desenvolvedora de tecnologia em que nos tornemos apenas consumidores passivos das tecnologias, levando em consideração a praticidade apresentada como vantagem em sua publicidade de venda. Para o mercado, não interessa que façamos o uso crítico e criativo da base tecnológica.

Seguindo essa lógica de uso, o mercado introduziu a classificação da tecnologia enquanto os dois parâmetros: eficiência e controle. O filósofo Feenberg (2015, p.10) questiona essa classificação ao afirmar que “valores incorporados na tecnologia são socialmente específicos e não são representados adequadamente por tais abstrações como a eficiência ou o controle.” Ele justifica que essas ferramentas tecnológicas são criadas com algumas finalidades – que podem até estar embasadas nessas duas abstrações no momento de sua criação – no entanto, a técnica, ou seja, a forma de uso desses instrumentos, não pode ser restrita ao que se imaginou, ela depende da apropriação feita pelos sujeitos que a utilizarão. Essa apropriação, por sua vez, depende das subjetividades de cada um, ou seja, não é algo que possa ser predeterminado.

Feenberg introduziu, então, a autonomia do sujeito que utiliza a tecnologia como fator tão relevante quanto as abstrações consideradas pelo mercado no momento da criação da tecnologia. Podemos ir um pouco adiante nesse pensamento ao dizer que, quanto mais conhecimento se tiver a respeito do sistema de funcionamento daquela ferramenta tecnológica, maiores são as possibilidades de novos usos e

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do direcionamento desse sistema para propósitos pertinentes às subjetividades dos sujeitos.

Esse pensamento também está de acordo com o Movimento do Software Livre, cujo fundador foi o hacker Richard Stallman que, em sua frase mais célebre - “livre como liberdade de expressão, não como cerveja grátis” –, traz a reflexão da necessidade da autonomia do usuário das redes. A partir do código dos programas que esse usuário utiliza, ele teria liberdade de executá-lo, de estudá-lo e mudá-lo, redistribuindo cópias com ou sem mudanças. Seguindo essa mesma lógica, a cultura livre seria então a livre circulação de bens culturais. Ao falar sobre essa perspectiva da Cultura Livre, Pretto (2011, p 111) destaca que esta busca “fazer circular as informações, produzir e reproduzir permanentemente, remixando tudo e recriando em cima do já criado”. A essência política do movimento se baseia nos conceitos de compartilhamento e cooperação, por acreditar que a cultura e novas práticas sociais na era digital serão construídas colaborativamente.

No entanto, também não interessa ao mercado o uso colaborativo, crítico e criativo das tecnologias. O propósito de criação nunca é explicitado aos seus consumidores, pois é nele que reside o poder tecnológico. A definição de poder, nesse caso, nas palavras de Sérgio Amadeu Silveira, “não o poder entendido como coisa, mas como relação e como estratégia de agentes que constroem laços sociais e utilizam processos, técnicas e tecnologias como instrumentos do poder” (SILVEIRA, 2014, p.15).

Chegamos em um ponto que revela o poder político das tecnologias, o que nos leva à afirmação de que ela não é neutra, mas carregada de valores. Existe um objetivo na sua criação e ela é o principal meio onde se expressa ou para onde se direciona o conhecimento – a matéria-prima de maior valor político, econômico e social da sociedade contemporânea. Para João Brant, a tecnologia

pode ser entendida como resultado da interação de forças sociais, econômicas, políticas e culturais, que ao se estabelecer afirmam e reforçam os valores que vão dominar nessa complexa resultante. Mais além, o seu uso e a forma como é apropriada continuam a definir “o lugar” das tecnologias nessa batalha (BRANT, 2008, p. 71). Sendo um meio tão importante para a sociedade contemporânea, os países que detêm sua técnica, ou seja, o conhecimento necessário para sua produção, são os detentores da riqueza mundial. Nesse ponto,

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Santos (2005) nos alerta para um problema, em especial em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil, que muitas vezes não são os produtores das tecnologias consumidas. Esses países acabam participando desse processo apenas como fornecedor de matéria-prima que dará origem ao objeto tecnológico quando aplicada a técnica e o conhecimento, sendo todo esse processo realizado majoritariamente em países considerados desenvolvidos:

Então, o entendimento de que se está dentro do progresso ou da evolução tecnológica é feito pela via do consumo, e não pela via da produção ou da inovação. As elites pensam que basta aceder ao uso para se alcançar a modernidade. É por isso que considero a discussão muito limitada: o máximo que se consegue é o acesso a ela através do uso, e não a sua produção (SANTOS, 2005, p.163).

É relevante ressaltar aqui outro ponto que tange a autonomia do Brasil em relação às tecnologias diante dos países considerados desenvolvidos: o acesso às redes – uma das infraestruturas mais relevantes da sociedade de rede – também está na gerência de empresas internacionais que seguem a lógica do mercado neoliberal. Ou seja, até o controle do acesso brasileiro à cibercultura é gerido por empresas desses países.

Quando falamos em cibercultura, estamos falando da “crescente troca e processos de compartilhamento de diversos elementos da cultura a partir das possibilidades abertas pelas tecnologias eletrônico-digitais e pelas redes telemáticas contemporâneas” (LEMOS, 2009, p.39). Essa cultura em que o sujeito tem a possibilidade de produção e distribuição de informação e de realização dessas práticas de colaboração extravasam o ambiente da rede, sendo parte da sociedade on e offline e, portanto, chamada de cultura digital.

Partindo de pontos semelhantes ao de Santos sobre as empresas que detêm o controle das tecnologias na cultura digital, muitos estudos tendem a considerar a tecnologia digital como algo negativo. Dentro dessa perspectiva, culpabilizam-na como excludente social, pois somente os detentores do conhecimento a respeito da mesma é que de fato conseguem usar o sistema dela a seu favor, restando a muitos atores sociais apenas o consumo. Em casos mais extremos, ela segregaria ainda mais as classes sociais com a existência de novos personagens, os excluídos digitais, uma nova categoria de exclusão social.

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Uma análise de quem são os excluídos digitais nos faz perceber que essa não é uma nova categoria, uma vez que continua sendo a mesma parcela da população da categoria de excluídos socioeconomicamente. Como um dos fatores para a inclusão digital é o acesso às tecnologias, Pischetola (2016) conclui que o “acesso desigual às TIC podia estar associado a desníveis territoriais, de renda, de gênero, de idade, de raça e de acesso à educação” (PISCHETOLA, 2016, p.25). Também é importante destacar que na perspectiva crítica, adotada também nessa pesquisa, não é somente o acesso que caracteriza a inclusão digital.

O entendimento de inclusão digital adotado nesse trabalho entende que a infraestrutura física é apenas um dos fatores para tornar essa perspectiva real, se faz necessário também

o acesso significativo à informação; a liberdade de desenvolver capacidades críticas para a seleção dos recursos postos à disposição pela tecnologia e, em particular, pela rede; finalmente, o acesso à rede social e, portanto, ao intercâmbio de opiniões e informações que podem levar os sujeitos a participarem da vida política, aprofundar temas de interesse e conhecer e interpretar os eventos mundiais (PISCHETOLA, 2016, p.37).

Ou seja, o despertar consciente do uso dessas tecnologias em prol dos interesses desses sujeitos, que eles consigam fazer esse uso de forma crítica e criativa e através dele seja possível a inserção social em questões políticas de forma a contribuir com a transformação social que julgam pertinente.

Esse despertar consciente depende do entendimento do seu funcionamento que, como uma criação humana, está nas mãos da humanidade o uso e forma de introdução das tecnologias. Ou seja, as instituições que produzem tecnologia e conhecimento mantêm essas informações – da ordem de causa, justificativa social e de funcionamento dos sistemas – fechadas por interesses próprios, em detrimento de um desenvolvimento humanitário maior. Nas palavras de Feenberg:

O problema não está na tecnologia como tal, senão em nosso fracasso até agora em inventar instituições apropriadas para exercer o controle humano dela. Poderíamos domar a tecnologia

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submetendo-a a um processo mais democrático de projeto [design] e desenvolvimento (FEENBERG, 2015, p. 9).

Para pensar onde seria possível reinventar essas instituições, cabe discorrer sobre as instituições de poder na sociedade de rede. A possibilidade de organização em rede, através do avanço das tecnologias digitais de informação, causou grandes impactos sociais e culturais, conforme ressalta Pischetola (2016):

as TIC geraram uma mudança nas formas de conhecer o mundo, transformando o modelo de conhecimento de “centro único” numa “rede” de pressupostos teóricos, atitudes, pensamentos e culturas diferentes (PISCHETOLA, 2016, p.20).

Somado a essa nova perspectiva, aliada às possibilidades que o uso das tecnologias de comunicação e informação agregaram ao nosso cotidiano, está a globalização e, com ela, o declínio de um dos pilares mais importantes da sociedade moderna. A consciência nacional, forjada a partir da noção de Estado Nacional, começa a dar lugar a uma mentalidade e consciência global. Essa questão se reflete especialmente na economia, atropelando as regulações nacionais em prol de um mercado financeiro global e, conforme foi destacado acima com uma citação de Santos, perpetuando a centralização de recursos que, por consequência, é nocivo aos países que se caracterizam como fornecedores de matéria prima em vez de desenvolvedores de tecnologia, como é o caso do Brasil. Com relação às mudanças sociais, Sodré destaca uma mudança de paradigma em torno das transformações sociais: “a sociedade não se transforma por escolha política, mas por impacto tecnológico” (SODRÉ, 2012, p.162).

O capitalismo informacional manifesta esse controle através de dispositivos distribuídos de acompanhamento e modulação dos comportamentos. Um dos sistemas de maior representação desse período e desse controle é a internet. Conforme define Pischetola (2016):

Em sociedades cada vez mais fundamentadas no compartilhamento de saberes, a tecnologia digital insere o sujeito em um novo contexto cultural, em que não somente ele transforma a tecnologia, mas é por ela transformado, através de seus hábitos de consumo, de trabalho, de comunicação e de

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acesso à informação (PISCHETOLA, 2016, p. 13).

A internet enquanto plataforma de comunicação cotidiana se apresenta com uma dualidade interessante: ela é usada como controle, uma vez que todo o conhecimento produzido e informações emitidas circulam por ela. Como sintetiza Castells (2003),

A Internet é de fato uma tecnologia da liberdade – mas pode libertar os poderosos para oprimir os desinformados, pode levar à exclusão dos desvalorizados pelos conquistadores de valor” (CASTELLS, 2003, p. 225)

No entanto, como relembra Rüdiger (2011), quando descreve a linha de pensamento do cibercriticismo de Stallabrass e Robins:

A comunicação por meio do computador e a cibercultura que ela enseja pertencem ao campo da atividade tecnológica tanto quanto da ação política e da criação cultural, posto que as fantasias e sonhos com que esses grupos as cercaram definiriam os limites da sua inventividade (RÜDIGER, 2011, p.37)

Os sujeitos também podem utilizar esse ambiente no seu processo de emancipação, ressignificando esse ambiente/sistema/ relações/conhecimento/cultura/política, etc através de sua autonomia tecnológica.

A convergência dos meios de comunicação oportunizou uma prática diferente tanto na forma de produzir quanto na de consumir conhecimento. A técnica associada ao acesso à rede e à conectividade nos permite acessar elementos, informações e culturas diversas do mundo que antes eram longínquas ou ignoradas.

O uso das TDIC permite o acesso ao conhecimento em qualquer lugar e a qualquer hora. A aprendizagem, em especial, passa a ter um importante espaço fora dos muros da escola. Na Era da Informação, o acesso à cibercultura é primordial, conforme destaca Pretto:

A apropriação da cultura digital passa a ser fundamental, uma vez que ela já indica intrinsecamente um processo crescente de

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reorganização das relações sociais mediadas pelas tecnologias digitais, afetando em maior ou menor escala todos os aspectos da ação humana (PRETTO, 2008, p.78).

Através desses mesmos dispositivos com conexão de rede, indivíduos têm a sensação de total liberdade no acesso às informações que desejam. No entanto, cabe ressaltar que essa falsa sensação se deve a um ponto já destacado aqui: a falta de conhecimento sobre o funcionamento dos sistemas e, portanto, a vulnerabilidade em que se encontram esses usuários, sendo perfeitamente monitorados e seus dados coletados através de uma adesão voluntária à alienação. Como ressalta Silveira (2014, p. 16), “para burlar os mecanismos de controle técnico, é preciso estar consciente de sua existência e estar preparado para utilizá-los de outro modo.”

A consciência que Silveira (2014) diz ser necessária remete ao entendimento de um sistema tecnológico. Sua compreensão permite não só um uso consciente que possibilita novas interpretações do sistema (ou subversões), como também um papel ativo de produtor na rede. Voltamos então à questão de reinvenção das instituições.

Para que uma sociedade seja considerada democrática, alguns direitos devem ser assegurados a todos os seus cidadãos, dentre eles, a educação. Nascida como forma de adequar os trabalhadores à sociedade moderna de meados do século XX, a escola foi criada com o intuito de garantir a soberania do Estado Nacional (legitimando o sentimento de nacionalidade, que é um dos principais pilares do Estado Moderno), diminuir o poder da Igreja enquanto detentora do conhecimento e, por fim, transmitir conhecimentos que fossem considerados úteis às funções das indústrias. Ao se referir ao surgimento da escola, Paula Sibilia (2012) comenta:

A democracia representativa exige que os cidadãos deleguem seu poder àqueles que manejarão diretamente os recursos do Estado e tomarão decisões políticas capazes de afetar toda a população do país. Por isso se fez necessário “educar o soberano” forjando sua “consciência nacional” (SIBILIA, 2012, p.22).

Com o passar dos anos, novas estratégias de controle foram criadas, uma vez que os agentes da escola começaram a despertar para a

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potência política transformadora desse ambiente, como destacam Juana Sancho e Fernando Hernandez (2004):

dar acesso às linguagens, saberes e comportamentos da “alta cultura” a mais e mais indivíduos os permitirá conhecerem a si mesmos, entender os problemas sociais e superar sua condição ao poder fazer parte do sistema produtivo e de uma cidadania responsável (SANCHO & HERNANDEZ, 2004, p.25).7

O educador Paulo Freire traz em seus estudos o reconhecimento da escola como ambiente de luta pela emancipação do sujeito social. Para isso, avalia que a escola pública precisa de um ensino contextualizado que leve em consideração o contexto social de seus alunos. Pretto (2011) ao discorrer sobre as TIC, afirma que são construidoras de cultura e:

exatamente por isso, demandam olharmos a educação numa perspectiva plural, afastando a ideia de que educação, cultura, ciência e tecnologia possam ser pensadas enquanto mecanismos de mera transmissão de informação, o que implica pensar projetos que articulem todas essas áreas concomitantemente (PRETTO, 2011, p.111).

Se as TIC se encontram enquanto possibilidade de construção de cultura, têm importância significativa no contexto da sociedade atual. Elas precisam estar na escola porque o contexto social é outro e as TIC fazem parte dele. Elas precisam estar na escola envolvendo professores, alunos e comunidade junto à rede de conexão mundial. Como sugerem Bonilla e Pretto (2015) quanto ao uso:

alunos e professores vão conversar com os outros através das mensagens instantâneas, vão participar de redes sociais, produzir conhecimento nas wikis 7 Texto traduzido livremente pela autora. Original: “dar acceso a los lenguajes, saberes y comportamientos de la “alta cultura” a más individuos les permitirá conocerse a sí mismos, entender los problemas sociales y superar su condición al poder formar parte del sistema productivo y de una ciudadanía responsable”.

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e blogs espalhados pelo mundo, produzir textos, vídeos, imagens e culturas a partir da própria cultura local e, no momento em que isso estiverem fazendo, estarão se relacionando com a cultura e a ciência instituída. Assim, produzirão efetivamente conhecimentos e culturas de forma permanente (BONILLA e PRETTO, 2015, p.511).

O entendimento do que as tecnologias são (dos seus sistemas e possibilidades de uso e expressão através das mesmas) deve ser trabalhado na escola, para assim dar início a um processo de inclusão digital:

A articulação entre cultura digital e educação se concretiza a partir das possibilidades de organização em rede, com apropriação criativa dos meios tecnológicos de produção de informação, acompanhado de um forte repensar de valores, práticas e modos de ser, pensar e agir da sociedade, o que implica na efetiva possibilidade de transformação social (PRETTO, 2008, p.82).

Apesar dessa possibilidade de transformação social e, portanto, reinvenção das instituições ser real, ela depende – além de formação para a cultura digital – de dispositivos tecnológicos e acesso a uma rede de dados para concretizar-se, o que torna essa oportunidade pouco democrática, seletiva para os que podem ter acesso a esses bens, ou seja, os que podem pagar por essa estrutura. Portanto, se estamos falando de sociedade democrática que garanta o mínimo de inclusão de seus cidadãos, temos que considerar a necessidade de pensar políticas de inclusão social e digital. Uma das vias poderia ser por meio de uma educação crítica e reflexiva voltada para o contexto da cultura digital, que resulta em uma formação apropriativa do uso das tecnologias.

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2 A FORMAÇÃO APROPRIATIVA ENQUANTO INTRODUÇÃO DAS TDIC NA CULTURA ESCOLAR Neste capítulo pretende-se desenvolver o conceito de formação apropriativa que cunhamos para o desenvolvimento da pesquisa. Conforme será descrito, ele parte de fundamentos importantes da educação crítica. Dentro das teorias críticas da educação existe o campo em construção da mídia-educação. Como destaca Maria Luiza Belloni (2012), “a mídia-educação faz parte do conjunto de competências a que as crianças e adolescentes têm direito, sendo indispensável como letramento, à formação do cidadão” (BELLONI, 2012, p.31). Para a mídia-educação, a apropriação das TIC deve ocorrer em três dimensões: enquanto objeto, ferramenta pedagógica e conteúdo, sendo assim capaz de formar um sujeito crítico e emancipado. A mídia-educação busca, por meio da educação, diminuir desigualdades sociais e acredita que esse objetivo só será possível com a emancipação do sujeito crítico.

Para isso, é necessária “a apropriação das mídias como meios ou ferramentas de expressão e participação” (BEVORT e BELLONI, 2009, p.1098). Conforme explica Fantin (2011), “a mídia-educação constitui um espaço de reflexão teórica sobre as práticas culturais e também se configura como um fazer educativo numa perspectiva transformadora de reaproximar cultura, educação e cidadania” (FANTIN, 2011, p.30). Essa prática de educação se desenvolve para as mídias, com as mídias, sobre as mídias e pelas mídias (BEVORT e BELLONI, 2009).

Como as mídias, nessa perspectiva, são ao mesmo tempo objeto de estudo, meio de expressão e ferramenta pedagógica, a mediação docente acaba também refletindo sobre a prática de pesquisa e recepção de informação desses alunos, o que se mostra extremamente importante dentro da concepção de formação crítica do sujeito. Conforme destaca, Birgitte Tufte e Ole Christensen (2009) sobre os usuários das redes:

[eles] muitas vezes não possuem uma perspectiva crítica sobre suas fontes de informação. Eles nem sempre têm consciência da necessidade de obter habilidades práticas sobre o próprio uso das mídias, o que inclui seus aspectos estéticos e analíticos (TUFTE e CHRISTENSEN, 2009, p.100).

Segundo esse campo em construção, as reflexões críticas do sujeito devem ocorrer a partir do contato com a arte e práticas plurais de aprendizagem e através do estímulo de produção em diferentes linguagens, para que, ao final, se reflita criticamente sobre o que foi

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produzido tanto em relação à arte que foi ponto de partida, quanto em relação à produção dos próprios alunos. Conforme Tufte e Christensen sintetizam:

o objetivo geral da mídia-educação pode ser resumido nos seguintes elementos: comunicação; busca de informação; percepção, análise e avaliação da produção profissional de mídia; produção, análise e avaliação da produção de mídia dos estudantes (TUFTE e CHRISTENSEN, 2009, p.104).

O papel do docente passa a ser, então, fundamental nesse processo. A ação do docente em relação aos conhecimentos no ambiente escolar entra, não na figura do detentor do conhecimento, mas como mediador entre conhecimento e alunos, estimulando o aluno a se posicionar enquanto consumidor, leitor, autor e produtor nas redes e na vida. Esse formato de aprendizagem será executado através da mediação pedagógica, na qual o docente se coloca como questionador, estimulando reflexões de seus alunos sem ter uma proposta fechada de respostas a esses estímulos. Essas respostas surgirão através do contexto do grupo, seus interesses, reflexões e questionamentos a partir da mediação desse docente. O objetivo dessas mediações é o desenvolvimento do sujeito crítico emancipado, conforme detalha Fantin (2011):

as mediações pedagógicas visam capacitar crianças e professores para uma recepção ativa e a uma produção responsável que auxilie na construção de uma atitude mais crítica em relação ao que assistem, acessam, interagem, produzem e compartilham, visto que a precariedade da reflexão sobre linguagens, conteúdos, meios e interesses econômicos impede uma compreensão mais rica (FANTIN, 2011, p.28).

A autonomia do docente é então fundamental, para que ele possa conduzir esse processo de aprendizagem, uma vez que cada contexto vai gerar um interesse próprio. No entanto, o modelo escolar brasileiro não considera o docente enquanto autor, o que acaba por engessá-lo dentro dessa estrutura e por podar suas iniciativas pessoais que poderiam contribuir no processo de ensino.

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Um currículo mais flexível daria conta de abarcar as necessidades do grupo plural que esse docente media, mas, o Ministério da Educação tem tomado o caminho oposto. Desde 2017, o Brasil retomou a proposta de um currículo obrigatório através da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), algo que estava extinto da nossa educação desde 1996, com a LEI Nº 9.394, que passa a garantir, segundo o artigo 26:

Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos (BRASIL, 1996).

A partir de 2017, começou a se delimitar também “a definição das aprendizagens essenciais, e não apenas dos conteúdos mínimos a serem ensinados” (BRASIL, 2017, p.9). Que é mais bem detalhado no parágrafo seguinte:

Por meio da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC (BRASIL, 2017, p.11).

Essa medida tornou ainda mais controlado o processo de docência em sala de aula, uma vez que os professores das redes públicas precisam, até 2019, ter aderido ao currículo comum e aprendizagens que não consideram o contexto particular de cada escola e nem a autonomia do professor em decidir, junto à turma, quais seriam essas aprendizagens.

As Secretarias de Educação têm realizado reuniões regulares com os docentes sobre o que precisa ser dado em cada semestre. Esse

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professor é tolhido do papel de autor, junto aos alunos, do processo educativo para assumir um papel de técnico de transmissão de informações. E já lembrava Freire (2007) que

educar, não é transmitir conhecimento, nem tampouco acomodar o educando na reprodução de técnicas ou no depósito de palavras aleatórias. O grande papel do educador está em instigar o educando a dúvida, a indagação. Quem educa, aprende ao ensinar e quem aprende, ensina ao aprender (FREIRE, 2007, p.47).

Uma realidade cada vez mais distante da autonomia de alunos e professores endossada por Pretto (2011) como necessária para uma educação na cultura digital.

A autonomia docente também é negligenciada em outros processos que envolvem o Estado. Se fizermos uma reflexão sobre os processos de formação continuada do docente, desenvolvidos pelo Estado, geralmente se configuram enquanto cursos de especialização fechados, sem levar em conta a possibilidade desse mesmo docente contribuir para aquele processo de formação e nem mesmo se manifestar sobre que tipo de conhecimentos acredita ser necessário para aprimorar sua prática. Assim como é feito com os alunos na perspectiva da educação bancária, é feito com o professor: depositam neles mais um conteúdo. Conteúdo que nesse formato, quando ligado às tecnologias, é elaborado de forma instrumental perpetuando ainda mais o modelo educacional instituído.

Voltando à mediação pedagógica, uma outra questão diz respeito a uma cultura escolar que precede esse momento da sociedade atual: o modelo de disputa e competição entre os alunos. A possibilidade de emancipação mais significativa na cultura digital tange a construção colaborativa de conhecimento enquanto prática ativista de evolução social. Essa mentalidade precisa ser desenvolvida na escola, fazendo com que esses alunos adotem uma perspectiva colaborativa, intensificando trabalhos coletivos e em redes. Dessa forma, o ambiente escolar se tornaria um polo de produção permanente de novos conhecimentos (PRETTO, 2008), a partir das demandas dos próprios contextos. Pretto (2008) desenvolve o que seria uma educação contextualizada dentro da cultura digital:

A articulação entre cultura digital e educação se concretiza a partir das possibilidades de

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organização em rede, com apropriação criativa dos meios tecnológicos de produção de informação, acompanhado de um forte repensar de valores, práticas e modos de ser, pensar e agir da sociedade, o que implica na efetiva possibilidade de transformação social (PRETTO, 2008, p.82).

O objetivo de inclusão digital dos sujeitos faz com que a proposta de apropriação não se contente apenas com o uso do das TDIC enquanto dispositivo pedagógico, o que significa que somente a introdução deles nas escolas não conseguiria garantir a inclusão de alunos e professores na cibercultura, ainda que a presença desse dispositivo seja importante nesse processo.

A inserção meramente instrumental da tecnologia contribui apenas para a formação de mais consumidores de informação em vez de produtores de conteúdo. Brant (2008) aponta que esse fator é um dos problemas-chave em relação ao desinteresse dos jovens atuais ao processo de aprendizagem escolar:

Para uma geração da juventude forjada nessas referências, ser submetida a um olhar simplista sobre as mídias e sobre as tecnologias é a revelação de uma fraqueza que contribui para negação cada vez maior da escola como espaço de aprendizagem que possa ir além da formalidade (BRANT, 2008, p.73).

É importante destacar que o acesso é fundamental para que se pense as tecnologias e as mídias nas escolas com um papel significativo enquanto inclusão digital. Como relatam Bonilla e Pretto:

Um dispositivo que opere fora da rede, com o qual podemos apenas ler e escrever, fica quase que obsoleto, uma vez que a demanda é por dispositivos que agreguem todas as possibilidades de comunicação, produção, interação e participação (BONILLA e PRETTO, 2015, p.500).

Conforme Pretto (1986) destaca ao falar da introdução das tecnologias nas escolas, seria uma oportunidade na incorporação da tecnologia na educação, considerar o forte vínculo desta com a cultura,

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afim da compreensão das tecnologias como elementos fundantes das transformações que estamos vivendo (PRETTO,1986) e com o objetivo de fortalecer culturas e valores locais. É importante destacar o termo “elementos fundantes da cultura”, pois muitas políticas públicas têm priorizado apenas a parte instrumental da inserção tecnológica, o que acaba por não produzir condições de criação de outras possibilidades de afirmação no mundo a partir da relação com a tecnologia.

Pensar em políticas públicas é relevante à medida que teóricos como Maria Luiza Belloni têm investigado desde os anos 80 as práticas mídia-educativas e concluindo que, até então, seguem sendo realizadas de formas pontuais ou ativistas (BELLONI, 2012), de acordo com a prática de professores específicos em determinadas escolas. E também que a mídia-educação visa a um projeto nacional para a educação que estimule práticas de desenvolvimento de um sujeito crítico mais reflexivo em relação às mensagens das tecnologias de informação e comunicação, com a finalidade de emancipação desse sujeito.

Para que se consiga aplicar as transformações desenvolvidas, faz-se necessário uma mudança estrutural da escola que consiga abarcar tanto a infraestrutura quanto os processos de formação continuada para os docentes, assim como uma reestruturação de currículo escolar no que tange a obrigações dos conhecimentos que devem ser adquiridos na escola. A escola precisa ter autonomia e infraestrutura para poder vir a se constituir enquanto polo produtor de culturas e conhecimentos (PRETTO, 2011). Essa mudança estrutural precisa ser realizada por meio de políticas públicas para que sejam desenvolvidas de forma consolidada e não dependa de ações individuais.

Na aplicação do projeto Um Computador por Aluno, alguns teóricos ligados a uma educação crítica – da mídia-educação de referência mundial e nacional, em especial – perceberam-no como uma oportunidade de iniciar práticas de transformação na educação conforme essa ideologia. Alguns fatores contribuíram para isso, como o dispositivo estar nas mãos dos alunos, os professores receberem cursos de formação continuada e contarem ainda com uma infraestrutura de acesso. Vamos detalhar todos estes aspectos mais adiante, porém antes – para que se entenda a relevância dessa infraestrutura do Projeto UCA no contexto da educação brasileira – cabe primeiro um olhar sobre o histórico das políticas públicas de tecnologias nas escolas no país.

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