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5 TDIC NA CULTURA ESCOLAR: DEPOIMENTO DOS

5.3 FORMAÇÃO APROPRIATIVA

5.3.2 Acesso à infraestrutura

Uma vez que a forma de pensar a produção de conhecimento foi esmiuçada e a infraestrutura foi detalhada (cf. item 5.2.2), se faz

importante entender como é o acesso ao que a escola tem disponível, isso é, como a comunidade escolar tem acesso ao(s) equipamento(s) que a escola tem disponível.

Um ponto chave, nesse sentido, está relacionado à disponibilidade de rede de internet nas escolas e sua velocidade. Nossa pesquisa constatou que, de todas as escolas, apenas a escola B possui sua rede aberta. Todas as outras sete necessitam de senha para acessar, sendo que a escola A diz estudar a possibilidade de colocar rede aberta, a mesma que, só no ano passado, conseguiu que a rede passasse a ser de 10 MB. Ainda que tal intenção exista na escola, ela vem acompanhada de um receio e necessidade de controle, presentes na fala da sua gestora quando afirma que estão “estudando a possibilidade de colocar uma rede livre, mas ela vai ficar ligada nos momentos em que a escola está funcionando, não nos momentos em que a escola não tem ninguém, para evitar alguns problemas” (Gestora A), mas não especifica quais seriam eles.

Nessa mesma escola, alunos e equipe sabem a senha de acesso, não sendo aberta apenas para as pessoas de fora da escola. O mesmo acontece com mais três escolas (D, F e G) da nossa amostra.

Em duas escolas, a senha é liberada apenas para o professor, sendo que em uma delas (escola C), o docente coloca no dispositivo do aluno quando necessita utilizar para trabalho. Na escola E, a senha é trocada sempre que o docente termina uma atividade. A gestora justifica a medida em função da Lei Estadual que proíbe o uso do celular, conforme discutimos anteriormente (cf. 5.2.2), e explica que “o Wi-Fi, a gente não tem aberto para os alunos porque é proibido uso do celular, então a gente tem que ficar maneirando ali” (Gestora C). Por fim, a escola H, em que a única internet disponível é a cabeada na sala dos professores, não tem rede disponível para os alunos.

Conforme foi desenvolvido no item 4.3, a disponibilidade do acesso à rede na cultura digital deveria ser o tempo todo, ainda que esses alunos não acessem todo o tempo. É dessa maneira que as redes sociais e a produção de conhecimento de forma colaborativa acontecem (BONILLA e PRETTO, 2015). Essa realidade ainda está muito distante da escola, seja por uma infraestrutura precária, ou pela necessidade de controle, estabelecida desde sua criação no século XX, em oposição à liberdade indispensável para um processo de criação de forma colaborativa. Seja qual for desses motivos, somente a conexão em rede permite essa articulação global, a disseminação da própria cultura e o contato com outras culturas mesmo às escolas isoladas fisicamente

(BONILLA e PRETTO, 2015), uma das maiores potências, senão a maior, da cultura digital.

Quando questionadas sobre como se dá o uso de dispositivos dentro de sala de aula, com exceção da escola H, que tem apenas um projetor e um computador interativo, todas as outras parecem ter como infraestrutura projetores e computadores disponíveis para agendamento e uso dos professores em sala de aula. As escolas B e G são as únicas que possuem com todas as salas de aula equipadas com essa tecnologia (projetor e computador para o professor). Com relação ao uso dos dispositivos dentro de sala de aula pelos alunos, tanto os celulares quanto os UCA – nas escolas em que são utilizados –, só é permitido o acesso quando o professor planeja uma atividade que envolva o uso de tecnologias. Em algumas escolas, o equipamento fica, inclusive, em outro ambiente ou trancado,

tem um armário com todos os UCA, um em cada sala de aula. Então, cada um tem o seu carregador também, e eles ficam em cada sala de aula. A chave somente que fica conosco para ficar abrindo quando a professora agenda, né, solicita, daí a gente pega e leva para eles. (Gestora E)

Somente duas escolas (B e F) se destacam por dar espaço para os alunos usarem livremente os dispositivos, no entanto é após o término de atividades propostas pelos professores. Em uma delas o uso se restringe aos alunos dos anos iniciais, apesar de ser uma escola com ensino fundamental I e II: “Hoje, os computadores são do primário, 1º ao 5º ano, eles ficam no armário e os alunos podem usar a hora que quiserem” (Gestora F). Quando questionada sobre o porquê dos alunos mais velhos não utilizarem os UCA, a justificativa passou pela questão do tempo escolar. Diferente dos anos iniciais, em que os alunos seguem com o mesmo professor por todo dia letivo, os anos finais trabalham com uma troca de professores o que dificulta operacionalizar esse uso principalmente porque não existe mais o coordenador do UCA, cabendo ao professor:

pegar os Uquinhas e muito deles não estão carregados, aí tem que carregar, e aí ele deixa carregando na sala e vai ter que usar no ginásio... ele só tem aula de 1h40, que não é nada, então é mais restrito. Na época, era assim: a professora agendava na terceira aula para usar os UCA, daí a Frida [Coordenadora do UCA] estava e já sabia

que tinha que carregar os computadores, que na terceira aula já tinha atividade (Gestora F).

Essa questão reforça dois pontos trazidos nesta pesquisa. Um deles é a importância de ter um profissional responsável pela manutenção dos equipamentos na escola. O segundo deles evidencia um problema real relativo ao tempo escolar. Uma grade de aulas com tempos rígidos não condizem com uma escola preparada para a cultura digital, de conteúdos interdisciplinares e que se permeiam. Estrutura essa que, muitas vezes, inviabilizam a autonomia do docente em propor novas atividades que não caibam nos espaços de tempo estabelecidos.

Pensando nos espaços de acesso fora dos tempos escolares, indagamos sobre a possibilidade de se levar os dispositivos para casa. Somente as escolas A, D e H disseram que isso era possível. Duas delas (A e H) autorizam essa saída apenas quando os professores passam atividades que precisam ser desenvolvidas em casa.

A escola D que na época do projeto não permitia que os alunos levassem os dispositivos para casa, este ano, começou a liberar o UCA para três crianças de cada turma levarem para casa. A opção por liberar apenas alguns alunos da turma para levar esses dispositivos para casa nos parece ainda pior do que nenhum deles levar, uma vez que torna mais pesada a questão da exclusão pois alunos de uma mesma turma são segregados de acordo com um critério de decisão. Quando questionada sobre qual seria o critério, ela diz que é uma decisão do corpo docente:

a gente está ainda engatinhando para essa situação, porque a escola está inserida numa área de risco, onde há pessoas que não inspiram confiança, há famílias ainda que deixam a desejar. A escola não pode confiar algo assim para que eles tenham comprometimento de mandar de volta junto aos seus filhos (Gestora D).

Tais receios mostram a complexidade das situações enfrentadas pela escola e sua comunidade. O desafio de um projeto de inclusão digital que prioriza áreas menos favorecidas, e a difícil posição da gestão da escola diante de concretizá-lo como ele foi concebido e adaptá-lo ao que ela acredita ser a realidade da sua escola. Essa gestora estava presente quando houve a formação do Projeto UCA e, portanto, sabe perfeitamente o propósito do projeto. No entanto, essa decisão de não enviar equipamento a todas as casas é relatada como garantia de que

mais crianças, de futuras gerações, também tenham acesso a essa oportunidade, o que também é uma postura coerente de uma gestora de escolas. O que deve ser priorizado então e qual a parcela de responsabilidade do governo? Será que paralelamente a esse, o governo não deveria tratar outros programas direcionados à comunidade como forma de conscientização da importância de manter essa estrutura na escola? A responsabilidade de retorno desse equipamento à escola deveria ser da gestão ou também se deveria pensar em um seguro que garantisse que outras gerações de alunos não seriam desfavorecidas caso houvesse eventuais perdas como essa temida pela gestora?

Com relação ao acesso a dispositivos fora de sala de aula, foi questionado em que momentos os alunos poderiam ter acesso ao ambiente em que estes são disponibilizados. Uma única escola (H), cujos três computadores que ainda funcionam estão na biblioteca, permite que os alunos tenham acesso sempre que a escola estiver aberta, no entanto essa escola, como já foi descrito no item 5.2.2, só apresenta rede na sala dos professores. A gestora também expôs que a instituição tenta contornar o problema liberando, com o acompanhamento de um professor, os alunos que não têm possibilidade de acesso fora da escola a usar a sala dos professores, no caso de necessidade de pesquisa para alguma disciplina.

O acesso é parecido em três outras escolas da amostra, que também não possuem esse espaço. Duas (G e F) porque não têm mais sala de informática e a outra (D) porque os alunos têm aula em horário integral, sem tempo para acessar o ambiente de forma livre. A escola F, para amenizar a demanda de muitos alunos – que não possuem acesso em casa e necessitam do computador para as atividades escolares – acaba disponibilizando os dispositivos da sala dos professores, conforme é narrado pela gestora: “Tanto que muitos vêm aqui na sala dos professores, que tem computador, fazer pesquisa e salvam no pendrive e depois fazem o que querem. Ou vão numa casa de alguém por aqui que tenha, mas muitos vêm aqui na escola fazer pesquisa” (Gestora F).

Seguindo essa linha de que esse acesso precisa estar relacionado a uma atividade de classe, três delas (A, C e E) só autorizam o acesso do aluno quando o professor avisa que desenvolveu uma atividade que demanda o uso dos dispositivos: “No contraturno, com autorização do professor, para fazer uma pesquisa. Mas apenas com a autorização” (Gestora C). A escola A possui, na realidade, uma sala multiuso com cinco computadores e relata a necessidade de acompanhamento do professor. Por fim, na escola B, o acesso precisa ser agendado para que seja sempre acompanhado de um técnico em informática.

Quanto ao acesso, se estamos falando na escola enquanto polo produtor de conhecimento que integra a comunidade, um dos pontos relevantes é o quanto essa comunidade consegue ter acesso aos dispositivos através da escola e ser atendida em suas demandas. Nesse caso, apenas duas escolas (B e E) conseguem atendê-las. A escola B restringe esse acesso apenas aos momentos em que o laboratório não está sendo utilizado.

A escola E, em função do CEMUT, possui uma realidade distinta: Mas a gente tem o CEMUT com os computadores que são abertos para a comunidade escolar todos dias. A gente tem até dois horários para eles terem acesso, tanto os pais, como pessoas que são somente da comunidade – não tem ligação da escola – também podem utilizar (Gestora E).

Essa mesma escola iniciou, neste ano, um projeto para dar ainda mais acesso à comunidade. Em dois sábados do ano, os pais dos alunos podem ir à escola participar de uma oficina: “São oficinas abertas a toda comunidade escolar, são momentos em que eles podem acessar os sites que eles querem, jogos ou de informação. A gente deixa livre. E o coordenador do UCA fica ajudando nesse dia” (Gestora E). De todas as escolas da amostra, pareceu ser a escola mais inclusiva com relação à comunidade.

Nenhuma das outras sete escolas apresentam alternativa à comunidade. Algumas delas frisam que a ausência de um responsável pela sala de informática é o que, consequentemente, resultou na falta de estrutura para atender à comunidade, tanto em relação à manutenção dos equipamentos, quanto em suporte para esse acesso, conforme ilustra a gestora da escola H:

Não tem acesso, porque, na verdade, o que nós temos é basicamente insuficiente para os alunos e professores, então, nós não temos para comunidade. Quando nós tínhamos a sala de informática em funcionamento, eu lembro que alguns pais vinham imprimir documentos, fazer alguma atividade, preencher currículo, uma coisa ou outra, eles vinham, mas hoje. Isso aconteceu no período que nós tínhamos a sala de informática ativa, até 2016 (Gestora H).

A escola C relata que, até 2016, existia essa possibilidade: “Há um tempo atrás, até 2016, existia na biblioteca da escola, que era em parceria com a Prefeitura, computadores para as pessoas poder utilizar. De 2017 para cá, os computadores foram tiradas da biblioteca”.

Sobre a comunidade escolar, uma das funções do Projeto UCA era dar-lhe acesso. Esse envolvimento se daria não só com os dispositivos dentro de casa, que seriam levados pelos alunos, como também na abertura da escola para o seu entorno. Encontramos uma realidade em que a comunidade, cinco anos depois do fim do projeto, tem ainda menos acesso do que tinha na época do UCA. Claramente, algumas decisões do Governo do estado, como o corte do profissional responsável pelo laboratório de informática, vieram a contribuir e muito com o agravamento dessa situação. Nas municipais, as duas que não disponibilizam, como já foi descrito, também tiveram o corte desse profissional – o que também levou ao sucateamento dos equipamentos – e precisaram transformar esse espaço em salas de aula devido ao aumento de matrículas na escola, como também já foi descrito.

O fato de os UCA não serem enviados para casa nas escolas em que ainda estão ativos também contribui para esse distanciamento da comunidade. Quanto a isso, duas justificativas são colocadas de forma bastante pertinente: a primeira delas é que com a falta de manutenção, existem menos dispositivos disponíveis e eles precisam ser revezados entre os alunos dos dois turnos; assim, não existe a possibilidade concreta de um uso 1:1 fora de sala de aula – uma realidade já existente desde a época de implantação do projeto, conforme pesquisas apontadas no item 4.3. A outra, já colocada anteriormente, diz respeito a um receio de que com essa medida gerações posteriores fiquem sem a possibilidade de acesso a esses dispositivos.

Ainda em relação ao uso dos alunos, fica claro que poucas escolas da nossa amostra (duas em oito) disponibilizam tempo para que o equipamento seja usado livremente pelo aluno, descartando assim o potencial de apropriação que esse estudante poderia desenvolver com essa experiência, restringindo o acesso às demandas do professor. Essa gestão do acesso ainda reforça a ideia do aluno enquanto receptor passivo de conhecimento, pois não o considera enquanto autor do próprio processo de aprendizagem, limitando-lhe a possibilidade de agregar informações e conhecimento de seu interesse no processo. Principalmente, se consideramos a realidade narrada por muitas das gestoras: de que grande parte dessas escolas encontra-se em uma zona periférica das cidades, e este seria, na maioria dos casos, o único acesso dos alunos às TDIC.

Após um panorama sobre infraestrutura e acesso às tecnologias da escola, vamos entender os projetos dentro da escola que envolvem o uso de tecnologia e a que uso estamos nos referindo.