´
Algebra
Am´
ılcar Pacheco
Universidade Federal do Rio de Janeiro (Universidade do Brasil), Departamento de Matem´atica Pura
Sum´
ario
Cap´ıtulo 1. Preliminares 1
1.1. Rela¸c˜ao de equivalˆencia 2
1.2. Lema de Zorn e aplica¸c˜oes 3
Parte 1. N´umeros Inteiros 5
Cap´ıtulo 2. Algoritmos Euclideanos 7
2.1. O algoritmo euclideano para n´umeros inteiros 7
2.2. M´aximo divisor comum 8
2.3. An´eis e ideais 9
Cap´ıtulo 3. Fatora¸c˜ao de inteiros 11
3.1. Existˆencia 11
3.2. Unicidade 11
3.3. MDC e fatora¸c˜ao 12
3.4. Aplica¸c˜oes 13
3.5. Fun¸c˜oes aritm´eticas elementares 15
Cap´ıtulo 4. Indu¸c˜ao finita 19
4.1. Enunciados 19
4.2. Exemplos da indu¸c˜ao na sua primeira forma 19 4.3. Exemplos da indu¸c˜ao finita na sua segunda forma 20
Cap´ıtulo 5. N´umeros primos 23
5.1. Infinidade de primos 23
5.2. Primos em progress˜oes aritm´eticas 24
5.3. Infinidade de compostos por fun¸c˜oes polinomiais 26
5.4. N´umeros de Fermat e Mersenne 27
5.5. Contando n´umeros primos 27
5.6. Fun¸c˜ao zeta 30
Cap´ıtulo 6. Aritm´etica modular 35
6.1. Aritm´etica modular 35
6.2. Crit´erios de divisibilidade 37
6.3. Contando elementos invers´ıveis 38
Cap´ıtulo 7. Sistemas de congruˆencia 39
7.1. Equa¸c˜oes diofantinas 39
7.2. Equa¸c˜oes lineares 39
7.3. Sistemas de equa¸c˜oes lineares 40
7.4. Teorema Chinˆes dos Restos 41
iv SUM ´ARIO
7.5. Aplica¸c˜ao 41
Cap´ıtulo 8. Aplica¸c˜oes da teoria de grupos `a teoria elementar dos n´umeros 43
8.1. Primalidade de n´umeros de Mersenne 43
8.2. Primalidade de n´umeros de Fermat 43
8.3. N´umeros de Carmichael 44
8.4. Teorema da raiz primitiva 45
Parte 2. Grupos 47
Cap´ıtulo 9. Teoria de Grupos I 49
9.1. Defini¸c˜ao e exemplos 49
9.2. Subgrupos 52
9.3. Classes Laterais e Teorema de Lagrange 54
9.4. Ordem de elemento e expoente de grupo abeliano 55
Cap´ıtulo 10. Teoria de grupos II 59
10.1. Subgrupos normais e grupos quocientes 59
10.2. Homomorfismo de grupos 61
10.3. Produtos de grupos 64
10.4. Grupos metac´ıclicos 68
10.5. Classifica¸c˜ao de grupos de ordem≤11 70
Cap´ıtulo 11. Teoremas de Sylow 73
11.1. Represesenta¸c˜oes de grupos 73
11.2. Os teoremas de Sylow 75
11.3. Exemplos 77
Cap´ıtulo 12. Grupos sol´uveis 79
12.1. Teorema de Jordan-H¨older 79
12.2. Grupos sol´uveis 81
Cap´ıtulo 13. Grupos abelianos finitamente gerados 85
13.1. M´odulos sobre an´eis 85
13.2. Diagonaliza¸c˜ao de matrizes 86
13.3. Geradores e rela¸c˜oes para m´odulos 87
13.4. O teorema de estrutura 89
Parte 3. An´eis 91
Cap´ıtulo 14. An´eis de polinˆomios 93
14.1. Algoritmo da divis˜ao 93
14.2. M´aximo divisor comum de polinˆomios 95
14.3. Fatora¸c˜ao ´unica de polinˆomios 97
Cap´ıtulo 15. An´eis e dom´ınios 101
15.1. Dom´ınios euclideanos 101
15.2. Dom´ınios fatoriais 106
15.3. Fatores m´ultiplos e resultante 108
15.4. An´eis quocientes e teorema chinˆes dos restos 110
SUM ´ARIO v
Parte 4. Corpos 117
Cap´ıtulo 16. Extens˜oes finitas 119
Cap´ıtulo 17. Extens˜oes alg´ebricas 123
17.1. Elementos alg´ebricos e transcendentes 123
17.2. Extens˜oes alg´ebricas 124
17.3. Adjun¸c˜ao de ra´ızes 126
17.4. Fechos alg´ebricos 127
Cap´ıtulo 18. Extens˜oes separ´aveis 133
18.1. Corpos Finitos 137
Cap´ıtulo 19. Extens˜oes puramente insepar´aveis 139
Cap´ıtulo 20. Corpos de decomposi¸c˜ao e extens˜oes normais 143
20.1. Exemplos 146
Cap´ıtulo 21. Teoria de Galois 149
21.1. Correspondˆencia de Galois 149
21.2. Extens˜oes e subgrupos normais 152
21.3. Coeficientes e ra´ızes 153
Cap´ıtulo 22. Extens˜oes ciclotˆomicas 155
Cap´ıtulo 23. Extens˜oes c´ıclicas 159
Cap´ıtulo 24. Solubilidade por radicais 165
Parte 5. T´opicos adicionais 169
Cap´ıtulo 25. O problema inverso de Galois 171
25.1. GrupoSn 171
25.2. GrupoAn 175
25.3. M´etodo geral 175
Cap´ıtulo 26. Teoria de Galois infinita 177
26.1. Limite inverso 177
26.2. Completamento de um grupo 178
26.3. Teoria de Galois infinita 179
Cap´ıtulo 27. Teoria de transcendˆencia 181
27.1. Bases de trasncendˆencia 181
27.2. Transcendˆencia dee 181
27.3. Transcendˆencia deπ 181
27.4. Elementos de teoria de transcencˆencia 181
Bibliografia - Livros 183
Bibliografia - Artigos 185
CAP´ıTULO 1
Preliminares
Ao longo deste livro dentoraremos porNo conjunto dos n´umeros naturais,Zo conjunto dos n´umeros inteiros, Qo conjunto dos n´umeros racionais,Ro conjunto dos n´umeros reais e C o conjunto dos n´umeros complexos. Para todo x ∈ C
denotamos por |x| seu valor absoluto usual, i.e., se x = a+bi com a, b ∈ R, ent˜ao |x| :=√a2+b2. Para todo x∈R denotamos seu valor absoluto usual por
|x|:=x, sex≥0, e|x|:=−x, sex <0.
Sejam S eT conjuntos. Uma fun¸c˜aof : S → T ´e dita injetiva toda vez que x 6= y implicar f(x) 6= f(y). Isto tamb´em equivale a dizer que se f(x) = f(y), ent˜aox=y. A fun¸c˜aof ´e dita sobrejetiva, sef(S) =T.
Lema 1.1. Sejam S′ e R conjuntos. Ent˜ao existe um conjunto S′
1 e bije¸c˜ao ϕ0:S′→S′
1 tal queS1′ ∩R=∅.
Axioma 1.2 (axioma da boa ordena¸c˜ao). Todo subconjunto n˜ao vazio de N
possui um menor elemento.
Sejan≥1 inteiro. Sejamx, yvari´aveis. Considere o produto not´avel
xn−yn= (x−y)(xn−1+xn−2y+. . .+xyn−2+yn−1.
Podemos obter dele a soma dentermos de uma progress˜ao geom´etrica de raz˜aoq. Digamos que os termos sejama, aq,· · ·, aqn−1
. Assim,
a+aq+. . .+aqn−1=aq
n −1 q−1 . Basta na f´ormula anterior tomarx=q ey= 1.
Para inteiros 1≤m≤ndefinimos o n´umero binomial
n m
:= n!
m!(n−m)!, onden! :=n(n−1). . .1.
Lembre-se [Sp, p. 632] das seguintes expans˜oes em s´eries 1
1−x = 1 +x
2+x3+. . .+xn+. . .;
log(1−x) =x+x 2
2! + x3
3! +. . .+ xn
n! +. . . .
Dado um n´umero real x denotamos por ⌈x⌉ a parte inteira de x, ou seja, o maior n´umero inteiro menor ou igual ax.
Para todo inteiro n ≥ 1 e n´umero primo p, a ordem p-´adica ordp(n) de n ´e
definida porpordp(n)´e a potˆencia exata depque dividen.
2 1. PRELIMINARES
1.1. Rela¸c˜ao de equivalˆencia
Seja X um conjunto. Uma rela¸c˜ao bin´aria R ´e um subconjunto de X×X. Dado um par (a, b)∈Rdizemos quea´e relacionado abe denotamos poraRb. Por exemplo, podemos tomar comoX o conjunto de retas do plano e comoRa rela¸c˜ao de ortogonalidade.
Uma rela¸c˜ao de equivalˆencia em um conjuntoX ´e uma rela¸c˜ao bin´aria∼ satis-fazendo `as seguintes condi¸c˜oes:
(1) x∼x(reflexividade).
(2) Sex∼y, ent˜ao y∼x(simetria).
(3) Sex∼y ey∼z, ent˜ao x∼z (transitividade).
Exemplo 1.3. Seja X = Z e ∼ a rela¸c˜ao ≡ (mod n) definida por: dados a, b ∈ Z, a ≡ b (mod n) se e somente se n | (a−b), i.e., existe k ∈ Z tal que a−b=kn. Isto define uma rela¸c˜ao de equivalˆencia. De fato,
(1) a−a= 0 = 0.n.
(2) Sea≡b (mod n), ent˜ao existek∈Ztal quea−b=kn, logob−a= (−k)n eb≡a (mod n).
(3) Sea≡b (modn) eb≡c (modn), ent˜ao existemk, l∈Ztais quea−b= kneb−c=ln. Somando estas duas igualdades obtemosa−c= (k+l)n, logoa≡c (mod n).
Exemplo 1.4. Seja X =Z×Z− {0}. Definimos dois pares (a, b),(c, d)∈X como equivalentes, denotando (a, b) ∼(c, d) se e somente sead =bc. Isto define uma rela¸c˜ao de equivalˆencia. De fato,
(1) ab=ba, logo (a, b)∼(a, b).
(2) Suponha que (a, b)∼(c, d), i.e.,ad=bc. Logocb=da, i.e., (c, d)∼(a, b). (3) Suponha que (a, b)∼(c, d) e (c, d)∼(e, f), i.e.,ad=bcecf =de. Logo
af =bcdf = bcfd = bded =be, i.e., (a, b)∼(e, f).
SejaX um conjunto e∼uma rela¸c˜ao de equivalˆencia emX. Definimos a classe [a] de um elemento a∈X por [a] ={b∈X|b∼a}. Note que [a] ´e um conjunto.
Lema1.5. SejaX um conjunto e∼uma rela¸c˜ao de equivalˆencia emX. Dados
a, b∈X, temos quea∼b se e somente se[a] = [b].
Demonstrac¸˜ao. Suponha que [a] = [b]. Observe que a ∈ [a], pois a ∼ a. Logoa∈[b], i.e.,b∼a, portantoa∼b.
Reciprocamente, suponhaa∼b ec∈[a], i.e.,c∼a. Por transitividade,c∼b, i.e., c ∈[b]. Suponhad ∈[b], i.e., d∼b. Por simetria, b ∼a, por transitividade,
d∼a, i.e.,d∈[a].
Corol´ario 1.6. Seja X um conjunto e ∼um rela¸c˜ao de equivalˆencia em X. Ent˜aoa≁b se e somente se[a]∩[b] =∅.
Demonstrac¸˜ao. Note que sea∼b, ent˜ao [a]∩[b] = [a] = [b]6=∅. Por outro lado, se existisse c ∈ [a]∩[b], ent˜ao c ∼ a e c ∼ b. Por simetria, a ∼ c e por
transitividadea∼b, o que ´e uma contradi¸c˜ao.
Corol´ario1.7. SejaX um conjunto e e∼um rela¸c˜ao de equivalˆencia emX. Ent˜aoX =S·
a[a], onde
·
S
1.2. LEMA DE ZORN E APLICAC¸ ˜OES 3
Demonstrac¸˜ao. Observe que o lado direito est´a claramente contido no lado esquerdo. Reciprocamente, pelo corol´ario anterior dado x∈ X existe uma ´unica
classe de equivalˆencia [a] tal quex∈[a].
SejaX um conjunto e e∼um rela¸c˜ao de equivalˆencia emX. DefinimosX := X/∼:={[a]|a∈X} como o conjunto das classes de equivalˆencia de∼em X. No caso particular em queX =Ze∼´e≡ (modn), denotamos a classe [a] dea∈Z
pora. Neste caso,X ´e denotado porZ/nZ.
1.2. Lema de Zorn e aplica¸c˜oes
Definic¸˜ao1.8. Um conjuntoM´e dito parcialmente ordenado, se existe uma rela¸c˜ao≤emMsatisfazendo `as seguintes condi¸c˜oes
(1) (reflexividade) a≤a, para todoa∈M.
(2) (Transitividade) Dadosa, b, c∈M, sea≤beb≤c, ent˜ao a≤c. (3) (Anti-simetria) Dados a, b∈M, sea≤beb≤a, ent˜ao a=b.
Esta ordem ser´a dita total, se para quaisquera, b∈Mtemosa≤boub≤a. Neste caso dizemos queM´e um conjunto totalmente ordenado.
Definic¸˜ao 1.9. Seja M um conjunto parcialmente ordenado. Um elemento m∈M´e dito um elemento maximal deM, se dado a∈Mtal quea≤m, ent˜ao a = m. Um elemento c ∈ M ´e dito um limite superior para M, se para todo a∈Mtemosa≤c. O conjuntoM´e dito indutivo, se todo subconjunto totalmente ordenadoL⊂Mpossui limite superior. Neste caso, M6=∅.
Lema 1.10 (lema de Zorn). (ver [vWa, §69]) Todo conjunto parcialmente or-denado indutivo possui elemento m´aximo.
Lema 1.11 (lema de Krull). Seja R um anel comutativo com unidade. Todo ideal n˜ao nuloa deR est´a contido em algum ideal maximalm deR.
Demonstrac¸˜ao. Considere o conjuntoN de todos os ideaisb(Rcontendo
a. ´E imediato que este conjunto ´e parcialmente ordenado com respeito `a rela¸c˜ao de inclus˜ao de conjuntos. SejaL⊂N um subconjunto totalmente ordenado e
C:= [ b∈L
b.
Segue de um exerc´ıcio do cap´ıulo de dom´ınios euclideanos queC´e um ideal deR. Al´em disto, este ideal ´e pr´oprio, do contr´ario, existiria b∈L tal que 1∈b, o que contradiria b ( R. Por constru¸c˜ao, o ideal C ´e um limite superior para L. Em particular, pelo lema de Zorn, existe m elemento m´aximo de N. Novamente por
Parte 1
CAP´ıTULO 2
Algoritmos Euclideanos
O objetivo deste cap´ıtulo ´e descrever o algoritmo euclideano que permite di-vidir um n´umero inteiro por outro, definir a no¸c˜ao de m´aximo divisor comum de n´umeros inteiros e provar o algoritmo euclideano estendido que d´a uma rela¸c˜ao de dependˆencia linear entre o m´aximo divisor comum e os n´umeros inteiros atrav´es da no¸c˜ao de ideais.
2.1. O algoritmo euclideano para n´umeros inteiros
Definic¸˜ao 2.1. Sejam a, b ∈Z. Dizemos que a divide b ou que b ´e divis´ıvel
porae denotamosa|bse existec∈Ztal que ac=b.
Proposic¸˜ao2.2. A divisibilidade satisfaz as seguintes propriedades:
(1) (Cancelamento). Se c6= 0 eac|bc, ent˜aoa|b.
(2) (Transitividade). Sea|b eb|c, ent˜aoa|c.
Demonstrac¸˜ao. (1) Existeα∈Ztal queαac=bc, i.e.,c(b−αa) = 0. Mas o produto de dois inteiros ´e igual a zero implica em que um dos inteiros ´e nulo. Observe quec6= 0, assimb=ac, i.e.,a|b.
(2) Existem α, β ∈ Z tais que b = αa e c = βb, substituindo a primeira
igualdade na segunda, obtemosc=βαa, i.e.,a|c.
Teorema 2.3 (algoritmo de Euclides). Sejam a, b ∈ Z com b 6= 0. Ent˜ao existemq, r∈Ztais que
a=bq+r, onde0≤ |r|<|b|.
Se a, b≥0, ent˜ao qe rs˜ao unicamente determinados por aeb.
Demonstrac¸˜ao. Suponha inicialmente que a, b≥0. Sea < b tome q = 0 e r=a. Suponha quea≥b. Considere o conjuntoS:={k≥1 inteiro|kb > a}. Este conjunto ´e um subconjunto n˜ao vazio deN. Assim, pelo axioma da boa ordena¸c˜ao (axioma 1.2) existeq+ 1∈S tal que q+ 1≤xpara todox∈S. Logoq /∈S, i.e., a≥bq. Sejar:=a−bq, portanto 0≤r <(q+ 1)b−b=b.
• Sea <0 eb >0, dividaa′:=−aporbcom quocienteq′ e restor′e tome q:=−q′ er:=−r′.
• Sea <0 eb <0, dividaa′:=−aporb′:=−b com quocienteq′ e restor′ e tomeq:=q′ er:=−r′.
• Sea >0 eb <0, dividaaporb′ :=−bcom quocienteq′e restor′ e tome q:=−qer:=r′.
Para provar a unicidade suponha que
a=bq1+r1=bq2+r2, onde 0≤r1, r2< b.
8 2. ALGORITMOS EUCLIDEANOS
Basta provar quer1=r2, pois neste casobq1=bq2e comob6= 0, pela propriedade do cancelamento,q1=q2. Suponhar1< r2. Neste caso,
r2−r1=b(q1−q2)≥b, mas r2−r1≤r2< b.
Similarmente, n˜ao podemos terr1> r2.
2.2. M´aximo divisor comum
Definic¸˜ao 2.4. Sejam a, b ∈ Z. Dizemos que d ∈ Z ´e um m´aximo divisor comum deaeb, denotado por mdc(a, b) se
(1) d|aed|b; (por isto d´e dito um divisor comum deaeb.) (2) Para todod′∈Ztal qued′|aed′|b,d′|d.
Observac¸˜ao2.5. • A no¸c˜ao de mdc est´a bem definida a menos de sinal. De fato seefor um outro mdc deaeb, ent˜ao por (2) e|ded|e, ou seja existem α, β ∈Z tais que d=αe=αβd, portantoαβ = 1, i.e., α∈ {±1}. Assim quando dizemosomdc deaebreferimo-nos `a escolha dedpositiva.
• mdc(a, b) = mdc(−a,−b) (exerc´ıcio).
• Seb|a, ent˜ao mdc(a, b) =b(idem).
• Denote porDa,b o conjunto dos divisores comuns positivos deaeb. Note
que para qualquer x∈ Da,b temos que x≤min{a, b}. Assim, este
con-junto ´e finito. Fica novamente como exerc´ıcio verificar que mdc(a, b) ´e justamente o elemento m´aximo deDa,b.
Lema 2.6. Sejama, b≥1 inteiros ea=bq+r onde0≤r < ba divis˜ao de a
porb. Ent˜aomdc(a, b) = mdc(b, r).
Demonstrac¸˜ao. Basta mostrar que os conjuntosDa,b eDb,r s˜ao coincidem.
De fato, neste caso seus elementos m´aximos s˜ao iguais, o que prova o lema. Seja e∈ Da,b, digamos a=eα eb=eβ para α, β∈Z. Logo r =a−bq=e(α−βq),
i.e., e|r, i.e.,e∈ Db,r, i.e.,Da,b ⊂ Db,r. Sejaf ∈ Db,r, digamosb=f β′ er=f γ
para β′, γ ∈ Z. Ent˜ao a = bq+r = f(β′q+γ), i.e., f | a, i.e., f ∈ Da,b, i.e.,
Db,r⊂ Da,b.
Teorema 2.7. Sejam a, b≥1 inteiros. Consideremos a seq¨uˆencia de divis˜oes sucessivas:
(2.1)
a=bq1+r1, 0< r1< b b=r1q2+r2, 0< r2< r1
.. . ...
rn−2=rn−1qn+rn, 0< rn < rn−1 rn−1=rnqn+1,
ondern ´e o ´ultimo resto n˜ao nulo na seq¨uˆencia de divis˜oes. Ent˜ao mdc(a, b) =rn.
Demonstrac¸˜ao. Notemos inicialmente que em (2.1) ter´ıamos que ter um primeiro resto nulo,rn+1, pois
b > r1> r2>· · · ≥1
2.3. AN ´EIS E IDEAIS 9
Pelo lema anterior aplicado a cada linha de (2.1) obtemos
mdc(a, b) = mdc(b, r1) =· · ·= mdc(rn−1, rn).
Masrn|rn−1, logorn= mdc(rn, rn−1). A fortiori,rn = mdc(a, b).
Teorema 2.8 (algoritmo euclideano estendido). Sejama, b≥1inteiros ed= mdc(a, b). Existem s, t∈Ztais que d=sa+tb.
Demonstrac¸˜ao. Come¸camos com a pen´ultima linha de (2.1),
rn=rn−2+ (−qn)rn−1, tomeA1:=−rn−1 eB1:= 1. Da linha seguinte temos
rn−1=rn−3+ (−qn−1)rn−2, assim
rn=B1rn−2+A1rn−1=B1rn−2+A1(rn−3+ (−qn−1)rn−2). TomeA2:=B1−A1qn−1eB2:=A1. A linha seguinte nos d´a
rn−2=rn−4+ (−qn−2)rn−3. Substituindo na f´ormula anterior,
rn=B2rn−3+A2rn−2=B2rn−3+A2(rn−4+ (−qn−2)rn−3) TomeA3:=B2−A2qn−2eB3:=A2. Repetindo o mesmo argumento obtemos
rn=Bn−2r1+An−2r2.
Masr2=b+ (−q2)r1, donde
rn=Bn−2r1+An−2(b+ (−q2)r1),
tomeAn−1:=Bn−2−An−2q2 eBn−1:=An−2. Finalmente a primeira divis˜ao nos d´a,r1=a+ (−q1)be sustituindo na f´ormula anterior obtemos
rn=Bn−1b+An−1(a+ (−q1)b).
Basta tomars:=An−1 et:=Bn−1−An−1q1.
2.3. An´eis e ideais
Nesta se¸c˜ao daremos uma outra demonstra¸c˜ao (conceitual) do algoritmo eu-clideano estendido. Para isto precisamos da no¸c˜ao de ideais no conjunto Z dos n´umeros inteiros.
O conjuntoZdos n´umeros inteiros possui duas fun¸c˜oes. A soma + :Z×Z→Z
de n´umeros inteiros (a, b) 7→a+b que associa ao par (a, b) sua somaa+b. E o produto de inteiros ·:Z×Z→Zdada por (a, b)7→ab que associa ao par (a, b) o seu produtoab. Dados inteirosa, b, cas seguintes propriedades s˜ao satisfeitas:
(1) (Associatividade da soma)a+ (b+c) = (a+b) +c. (2) (Comutatividade da soma)a+b=b+a.
(3) (Elemento neutro da soma)a+ 0 = 0.
(4) (Inverso da soma) Dadoa∈Zexisteb∈Ztal quea+b= 0 e denotamos b=−a.
10 2. ALGORITMOS EUCLIDEANOS
(8) (Distributividade do produto em rela¸c˜ao `a soma)a(b+c) =ab+ac. Por satisfazer estas propriedades Z´e dito um anel comutativo com unidade. Al´em disto a seguinte propriedade ´e satisfeita:
(9) (Cancelamento) Se ab = 0, ent˜ao a = 0 ou b = 0. Por satisfazer esta propriedadeZ´e dito umdom´ınio de integridade.
Observac¸˜ao 2.9. Poder´ıamos perguntar sobre a existˆencia do inverso em Z
com rela¸c˜ao ao produto. Ou seja, suponhamos que a, b ∈ Z s˜ao tais que ab = 1. Suponha a ≥ 1. Neste caso b = 1
a ∈ Z tamb´em ´e um inteiro positivo, mas
a ´unica possibilidade destra fra¸c˜ao ser um n´umero inteiro ´e a = 1 e neste caso necessariamente b= 1. Sea <0, seja a′=−aeb′ =−b, logoab=a′b′ = 1 e pelo caso anterior a′ = 1 eb′ = 1, i.e., a=b=−1. Assim os ´unicos n´umeros inteiros que admitem inverso s˜ao±1.
Definic¸˜ao 2.10. Um subconjunto I ⊂ Z de Z ´e dito um ideal de Z, se as seguintes condi¸c˜oes s˜ao satisfeitas:
(1) 0∈I.
(2) (I´e fechado com rela¸c˜ao `a soma) Dadosa, b∈I,a+b∈I.
(3) (I´e est´avel com rela¸c˜ao `a multiplica¸c˜ao de elementos deZ) Dadoa∈Ie r∈Z, ent˜ao ra∈I.
Fica como exerc´ıcio mostrar que os seguintes conjuntos s˜ao ideais deZ:
• I:= 2Z={2k|k∈Z}(o conjunto dos n´umeros pares).
• Sejan≥1 inteiro eI :=nZ={nk|k∈Z} o conjunto dos m´ultiplos de n.
• Sejamn1,· · · , nk ≥1 inteiros. SejaI:=n1Z+. . .+nkZ={n1a1+. . .+
nkak|a1,· · ·, ak∈Z}o conjunto dos n´umeros que s˜ao somas de m´ultiplos
den1 com m´ultiplos den2, etc., com m´ultiplos denk.
Proposic¸˜ao 2.11. Todo idealI 6= (0) deZ´e da forma dZ para algumd≥1. Por isto dizemos que I´e um ideal principale queZ´e um dom´ınio principal.
Demonstrac¸˜ao. Observemos queI∩N=6 ∅. Dadoa∈I, se a≥1 nada h´a a fazer. Sen˜ao, ou seja, dadoa <0 emI, ent˜ao−a= (−1)a∈I pela propriedade (3) de ideais, mas−a≥1. Pelo axioma da boa ordena¸c˜ao existed∈I∩Ntal que d≤kpara todok∈I∩N. Afirmamos queI=dZ.
CAP´ıTULO 3
Fatora¸
c˜
ao de inteiros
Neste cap´ıtulo mostramos que todo n´umero inteiro fatora-se de forma ´unica como produto de n´umeros primos
3.1. Existˆencia
Definic¸˜ao 3.1. Seja p ≥ 2 inteiro. Dizemos que p´e um n´umero primo, se para todo inteirob≥1 tal que b|p, ent˜aob= 1 oub=p, i.e., os ´unicos divisores positivos de p s˜ao 1 e p. Os n´umeros inteiros que n˜ao primos s˜ao chamados de
n´umeros compostos, i.e., n≥ 1 ´e composto se e somente se existem 1 < a, b < n tais quen=ab.
Teorema 3.2 (teorema fundamental da aritm´etica - primeira vers˜ao). Seja
n≥1 inteiro, existem p1,· · ·, pk n´umeros primos (n˜ao necessariamente distintos) tais que
n=p1· · ·pk.
Demonstrac¸˜ao. Sen´e primo nada h´a a fazer. Suponhamos quenseja com-posto. Todo divisorddensatisfazd≤n, assim o conjunto dos divisores positivos den´e finito. Sejap1 o menor divisor positivo den. Afirmamos quep1´e primo.
Sep1 n˜ao fosse primo, ter´ıamos que existem 1< a, b < p1 tais quep1=ab, em particulara|n, mas isto contradiz a minimalidade dep1.
Sejan1:= pn1 < n. Sen1´e igual a 1 ou primo, ent˜aon=n1p1j´a ´e a fatora¸c˜ao procurada. Sen˜ao, com o mesmo argumento anterior, o menor divisor positivo p2 de n1 ´e primo. Seja n2 := n1
p2 =
n
p1p2 < n1. Se n2 ´e igual a 1 ou primo, ent˜ao
n =n2p2p1 ´e a fatora¸c˜ao procurada. Sen˜ao prosseguimos. Note que temos uma seq¨uˆencia estritamente decrescente n > n1> n2>· · · de inteiros positivos, assim existek≥1 tal quenk= 1, i.e.,n=p1· · ·pk.
3.2. Unicidade
Lema3.3. Seja p≥2 um n´umero primo ea, b∈Z\ {0}. Sep|ab, ent˜aop|a
oup|b.
Demonstrac¸˜ao. Note que dado um n´umero primo p, ent˜ao mdc(a, p) = 1 equivale a p ∤ a, pois os ´unicos divisores positivos de p s˜ao 1 e p. Suponha que p∤a, i.e., pelo algoritmo euclideano estendido, existems, t∈Ztais que 1 =sa+tp. Multiplicando ambos os lados por b obtemos b = sab+tpb. Mas ab = αp, pois p|ab, para algumα∈Z. Logob=p(sα+tb), i.e.,p|b.
Observac¸˜ao3.4. O lema anterior pode ser estendido imediatamente para um produto qualquer de inteiros, i.e., se p |a1· · ·an, ent˜ao existe 1≤ i ≤n tal que
p|ai.
12 3. FATORAC¸ ˜AO DE INTEIROS
Teorema 3.5 (teorema fundamental da aritm´etica - segunda vers˜ao). Seja
n≥1 inteiro, ent˜ao existem ´unicos n´umeros primos
p1<· · ·< pr e inteirose1,· · ·, er≥1 tais que
n=pe1
1 · · ·perr.
Demonstrac¸˜ao. J´a provamos anteriormente a existˆencia da fatora¸c˜ao, agru-pando os primos e colocando-os em ordem temos a express˜ao acima. Suponha que existam outros primos
q1<· · ·< qs e inteirosf1,· · ·, fs≥1
tais que
n=pe1
1 · · ·p
er
r =q f1
1 · · ·q
fs
s .
Pela observa¸c˜ao anterior temos que existe algum 1 ≤j ≤s tal que p1 | qj. Mas
ambos s˜ao primos, logo p1 = qj. O mesmo argumento acima mostra que existe
1 ≤i ≤rtal que q1 =pi. Afirmamos quej = 1. Caso contr´ario, ou seja j >1,
q1 = pi ≥ p1 = qj, o que contradiz a ordena¸c˜ao dos n´umeros primos q’s. Logo
j= 1. Afirmamos tamb´em quee1=f1. Suponha, por exemplo, quee1> f1. Neste caso, cancelandopf1
1 dos dois lados da equa¸c˜ao acima obtemos
pe1−f1
1 p
e2
2 · · ·perr =q f2
2 · · ·qsfs.
Repetindo a argumenta¸c˜ao anterior obtemos que q2 = pi para algum 1< i ≤ r.
Mas dessa forma, o fator primo p1 do lado esquerdo n˜ao cancelar´a com nenhum fator primo do lado direito. Portanto,e1=f1.
Isto nos fornece a igualdade
pe2
2 · · ·perr =q f2
2 · · ·qfss.
Pelo mesmo argumento anterior, p2 = q2 e e2 = f2. Assim sucessivamente con-cluimos que o n´umero de fatores primos em ambos os lados ´e igual, i.e., r =s e
para cada 1≤i≤r,pi=qi eei=fi.
3.3. MDC e fatora¸c˜ao
Proposic¸˜ao3.6. Sejama, b≥1 inteiros,
a=pe1
1 · · ·p
ek
k eb=p f1
1 · · ·p
fk
k
suas fatora¸c˜oes, comei, fi≥0 para0≤i≤k. Seja gi= min{ei, fi} e
d=pg1
1 · · ·p
gk
k . Ent˜aod= mdc(a, b).
Demonstrac¸˜ao. Notemos qued´e um divisor comum deaeb, pois
a=dpe1−g1
1 · · ·p
ek−gk
k eb=dp f1−g1
1 · · ·p
fk−gk
k ,
uma vez que para cadai,fi−gi, ei−gi≥0. Sejad′≥1 um divisor comum deae
b, i.e.,
d=ph1
1 · · ·p
hk
k
para 0≤hi≤ei, fi. Em particular,hi≤gi. Assim,
d=d′pg1−h1
1 · · ·p
gk−hk
k .
3.4. APLICAC¸ ˜OES 13
3.4. Aplica¸c˜oes
Proposic¸˜ao3.7. Seja p≥2 um n´umero primo. Ent˜ao √p /∈Q.
Demonstrac¸˜ao. Seja x∈ Q\ {0}. Ent˜aox = ab com a, b∈ Z\ {0}. Note quea =da′ eb =db′, onde d= mdc(a, b) e que mdc(a′, b′) = 1. Simplificando d obtemos quex= ab′′. Assim, dividindo pelo mdc, suporemos sempre que dado um
n´umerox∈Q\ {0},x´e da forma ab com mdc(a, b) = 1.
Suponha que √p∈Q, i.e., existema, b∈Z tais que√p= a
b e mdc(a, b) = 1.
Logoa2=pb2 ep
|a2. Pelo lema 3.3 concluimos quep
|a, digamosa=pα, para algumα∈Z. Substituindo na igualdade anterior concluimos quep2α2=pb2, i.e., pα2=b2. Mas isto implica emp
|b2. Novamente, pelo lema 3.3, obtemos quep
|b,
mas isto ´e imposs´ıvel pois mdc(a, b) = 1.
Definic¸˜ao3.8. Sejan≥1 inteiro. Dizemos quen´elivre de quadrados se sua fatora¸c˜ao ´e da forma
n=p1· · ·pk.
Lema3.9. Sejan≥1inteiro, ent˜ao existemQ, a≥1inteiros tais quen=a2Q, ondeQ´e livre de quadrados.
Demonstrac¸˜ao. Fatoramosncomo
n=pe1
1 · · ·pekk.
Pelo algoritmo euclideano, para cada 1≤ i≤ k, existem qi, ri ∈ Z tais que ei =
2qi+ri, onde 0≤ri<2. Assim
n=p2q1
1 p
r1
1 · · ·p 2qk
k p rk
k
e tomandoQ:=pr1
1 · · ·p
rk
k , excluindo os primos com expoente zero, temos queQ´e
livre de quadrados. O que sobra ´ea2 coma:=pq1
1 · · ·p
qk
k , i.e.,n=a2Q.
Proposic¸˜ao3.10. Seja n≥1 inteiro livre de quadrados, ent˜ao√n /∈Q.
Demonstrac¸˜ao. Suponha que√n= ab coma, b∈Ze mdc(a, b) = 1. Seja n=p1· · ·pk
a fatora¸c˜ao den. Ent˜ao
a2=p1· · ·pkb2.
Logo para cada 1≤i≤r temos quepi|a2. Pelo lema 3.3 concluimos que pi |a,
digamosa=piαi paraαi∈Z. Substituindo na igualdade anterior obtemos
p2
iα2i =p1· · ·pkb2.
Simplificandopina igualdade acima, obtemos
piα2i =p1· · ·pi−1pi+1· · ·pkb2=cb2,
ondec:=p1· · ·pi−1pi+1· · ·pk. Como pi∤ c, poispi n˜ao pode dividir nenhum dos
fatores decuma vez quep1<· · ·< pk, ou seja s˜ao todos distintos, concluimos que
pi|b2. Novamente pelo lema 3.3 temos quepi|b, o que contradiz mdc(a, b) = 1.
14 3. FATORAC¸ ˜AO DE INTEIROS
Demonstrac¸˜ao. Suponha que √fp=a
b coma, b∈Ze mdc(a, b) = 1. Ent˜ao
af =pbf ep|af. Pela observa¸c˜ao 3.4 concluimos quep
|a, digamosa=pα. Substituindo na igualdade anterior obtemos
pfαf =pbf,
simplificando a igualdade anterior porp, concluimos que pf−1αf =bf.
Como f ≥ 2 temos que p aparece na fatora¸c˜ao do lado esquerdo, em particular, p | bf. Novamente, pela observa¸c˜ao 3.4 concluimos que p
| b, mas isto contradiz
mdc(a, b) = 1.
Definic¸˜ao 3.12. Sejam n ≥ 1 e f ≥ 2 inteiros. Dizemos que n ´e livre de
f-potˆencias se a fatora¸c˜ao den´e da forma n=pe1
1 · · ·pekk
com 1≤ei< f para todo 1≤i≤k.
Lema 3.13. Seja n≥1 inteiro, ent˜ao existem Q, a≥1 inteiros tais quen= afQcomQlivre def-potˆencias.
Demonstrac¸˜ao. Seja
n=pe1
1 · · ·pekk
a fatora¸c˜ao den. Pelo algoritmo euclideano, para cada 1≤i≤k, existemqi, ri∈Z
tais queei=f qi+ri, onde 1≤ei< f. Assim escrevemos
n=pf q1
1 p
r1
1 · · ·p
f qk
k p rk
k .
Como anteriormente Q := pr1
1 · · ·p
rk
k ´e livre de f-potˆencias e tomando a :=
pq1
1 · · ·p
fk
k concluimos quen=afQ.
Proposic¸˜ao3.14. Sejamn≥1ef ≥2 inteiros. Suponhamos quenseja livre def-potˆencias. Ent˜ao √fn /
∈Q. Demonstrac¸˜ao. Seja
n=pe1
1 · · ·p
ek
k
a fatora¸c˜ao den, onde 1≤ei< f para todoi≤i≤k. Suponhamos que √fn= ab
coma, b∈Ze mdc(a, b) = 1. Ent˜ao af =pe1
1 · · ·pekkb f.
Logo para cada 1 ≤ i ≤ k pi | af. Pela observa¸c˜ao 3.4 concluimos que pi | a,
digamosa=piαi paraαi∈Z. Substituindo na igualdade anterior obtemos
pfiαfi =pe1
1 · · ·pekkb f.
Cancelandopei
i em ambos os lados da igualdade acima e denotando
c:=pe1
1 · · ·p
ei−1
i−1p
ei+1
i+1 · · ·p
ek
k ,
obtemos
pf−ei
i α f i =cbf.
Como anteriormente pi ∤ c uma vez que pi n˜ao divide nenhum fator de c. Logo
pi | bf. Novamente pela observa¸c˜ao 3.4 concluimos que pi |b, mas isto contradiz
3.5. FUNC¸ ˜OES ARITM´ETICAS ELEMENTARES 15
3.5. Fun¸c˜oes aritm´eticas elementares
Para todo n´umero inteiro n ≥ 1 denotemos por ν(n) o n´umero de divisores inteiros positivos dene porσ(n) a soma de todos estes divisores, i.e.,
ν(n) := #{d≥1|d|n}eσ(n) := X
d≥1,d|n
d.
Utilizaremos a fatora¸c˜ao ´unica para obter f´ormulas expl´ıcitas para estes dois n´ u-meros.
Proposic¸˜ao 3.15. Seja n=pa1
1 · · ·parr a fatora¸c˜ao de n em n´umeros primos. Ent˜ao
ν(n) = (a1+ 1)· · ·(ar+ 1) eσ(n) = p a1+1
1 −1
p1−1 · · · par+1
r −1
pr−1
.
Demonstrac¸˜ao. Note qued|nse e somente se dfatora-se como d=pb1
1 · · ·p
br
r com 0≤bi≤ai para todo 1≤i≤r.
Assim, os divisores positivos dencorrespondem bijetivamente asr-uplas (b1,· · ·, br)
satisfazendo a 0 ≤ bi ≤ ai para todo 1 ≤i ≤r. A quantidade destas r-uplas ´e
exatamente (a1+ 1)· · ·(ar+ 1).
Para a segunda igualdade observe que
σ(n) = X
(b1,···,br)
pb1
1 · · ·pbrr = X
b1
pb1
1
!
· · · X br
pbr
r !
e que cada soma no segundo membro ´e a soma dos termos de uma progress˜ao
geom´etrica, disto segue a f´ormula paraσ(n).
3.5.1. Fun¸c˜ao de Mœbius. Definimos a fun¸c˜ao de Mœbiusµ:N\ {0} →Z
por µ(1) := 1, µ(n) := 0, se n n˜ao ´e livre de quadrados, caso contr´ario, i.e., n=p1· · ·pr, onde ospi’s s˜ao primos distintos definimosµ(n) := (−1)r.
Proposic¸˜ao3.16. Se n >1, ent˜ao X
d≥1,d|n
µ(d) = 0.
Demonstrac¸˜ao. Seja n = pa1
1 · · ·parr a fatora¸c˜ao de n. Pela defini¸c˜ao de µ
temos que
X
d≥1,d|n
µ(d) = X (ǫ1,···,ǫr)
µ(pǫ1
1 . . . pǫrr),
onde osǫi’s s˜ao 0 ou 1. Portanto,
X
d≥1,d|n
µ(d) = 1−r+
r 2 − r 3
+. . .+ (−1)r= (1
−1)r= 0.
Para entender melhor a fun¸c˜ao de Mœbius precisamos introduzir a multi-plica¸c˜ao de Dirichlet. Sejamf, g:N\ {0} →C, definimos
f◦g(n) := X
d1,d2≥1,d1d2=n
16 3. FATORAC¸ ˜AO DE INTEIROS
Este produto ´e associativo. Isto segue do seguinte exerc´ıcio
f◦(g◦h)(n) = (f ◦g)◦h(n) = X
d1,d2,d3≥1,d1d2d3=n
f(d1)g(d2)h(d3).
Definimos a fun¸c˜ao1:N\ {0} →Zpor1(1) := 1 e1(n) := 0, sen >1. Segue da defini¸c˜ao que para toda fun¸c˜aof :N\ {0} →Ctemosf ◦1=1◦f =f. Defina tamb´em a fun¸c˜aoI:N\ {0} →ZporI(n) := 1 para todon. Novamente, por esta defini¸c˜ao obtemosf ◦I(n) =I◦f(n) =P
d≥1,d|nf(d).
Lema3.17. I◦µ=µ◦I=1.
Demonstrac¸˜ao. E claro que´ µ◦I(1) = µ(1)I(1) = 1. Se n > 1, ent˜ao µ◦I(n) =P
d≥1,d|nµ(d) = 0. A prova paraI◦µ´e idˆentica. Teorema 3.18 (teorema de invers˜ao de Mœbius). Seja
F(n) := X
d≥1,dmind
f(d).
Ent˜ao
f(n) = X
d≥1,d|n
µ(d)F(n/d).
Demonstrac¸˜ao. Por defini¸c˜aoF =f◦I. Logo,F◦µ= (f◦I)◦µ=f◦(I◦µ) = f◦1=f, i.e.,
f(n) =F◦µ(n) = X
d≥1,d|n
µ(d)F(n/d).
O teorema de invers˜ao de Mœbius tem diversas aplica¸c˜oes, dentre elas a fun¸c˜ao φde Euler definida da seguinte forma. Seja n ≥1 inteiro, φ(n) denota o n´umero de inteiros positivosd≤ntais que mdc(d, n) = 1. ´E claro que sepfor um n´umero primoφ(p) =p−1.
Proposic¸˜ao3.19.
X
d≥1,d|n
φ(d) =n
Demonstrac¸˜ao. Consideremos asnfra¸c˜oes 1/n,2/n,· · · ,(n−1)/n, n/n. Po-demos reduzir cada uma delas a forma m´ınima cancelando os fatores primos comuns do numerador e denominador. Assim, cada uma delas ser´a igual a uma fra¸c˜aoa/b com mdc(a, b) = 1. Os denominadores ser˜ao sempre divisores den. O n´umero de fra¸c˜oes na forma m´ınima com denominadord, pela defini¸c˜ao da fun¸c˜aoφ, ´e igual a
φ(d). Disto segue a proposi¸c˜ao.
Proposic¸˜ao3.20. Se n=pa1
1 . . . parr, ent˜ao
φ(n) =n
1− 1 p1
. . .
1− 1 pr−1
.
Demonstrac¸˜ao. Como
n= X
d≥1,d|n
3.5. FUNC¸ ˜OES ARITM´ETICAS ELEMENTARES 17
pelo teorema de invers˜ao de Mœbius temos
φ(n) = X
d≥1,d|n
µ(d)n/d=n−X
i
n pi
+X
i<j
n pipj
+. . .
=n
1− 1 p1
. . .
1− 1 pr−1
CAP´ıTULO 4
Indu¸
c˜
ao finita
Neste cap´ıtulo apresentamos o m´etodo da indu¸c˜ao finita. Este m´etodo ´e uti-lizado em diversas circunstˆancias em matem´aticas para provar afirmativas que de-pendem “indutivamente” dos n´umeros naturais.
4.1. Enunciados
Axioma 4.1 (princ´ıpio da indu¸c˜ao finita na sua primeira forma). Seja A(n) uma afirmativa sobre n´umeros naturaisn∈N. Suponha que
(1) exista n0∈Ntal que A(n0) seja verdadeira.
(2) Dado k ≥n0, toda vez que A(k) for verdade, ent˜ao A(k+ 1) tamb´em o ser´a.
Ent˜ao para todon≥n0 a afirmativaA(n) ´e verdadeira.
Axioma 4.2 (princ´ıpio da indu¸c˜ao finita na sua segunda forma). Seja A(n) uma afirmativa sobre n´umeros naturaisn∈N. Suponha que
(1) exista n0∈Ntal queA(n0) seja verdadeira.
(2) Se A(k) ´e verdadeira para todo n0 ≤ k < nent˜ao A(n) tamb´em ´e ver-dadeira.
Logo para todon≥n0 a afirmativaA(n) ´e verdadeira.
4.2. Exemplos da indu¸c˜ao na sua primeira forma
Exemplo 4.3. Para todo inteiron≥1 temos
n X
i=1
i= n(n+ 1)
2 .
Demonstrac¸˜ao. (1) Para n= 1 temos que 1 =1.2 2 . (2) Suponha que Pni=1i= n(n2+1). Ent˜ao
n+1
X
i=1 i=
n X
i=1
i+ (n+ 1) = n(n+ 1)
2 + (n+ 1) =
(n+ 1)(n+ 2)
2 .
Lema4.4. Seja pum n´umero primo e 1≤i < pinteiro, ent˜ao o binomial pi ´e divis´ıvel porp.
Demonstrac¸˜ao. Por defini¸c˜ao
p
i
= p(p−1)· · ·(p−i+ 1) i(i−1)· · ·1 ∈Z.
20 4. INDUC¸ ˜AO FINITA
Note que p n˜ao divide nenhum dos fatores do denominador, pois i < p. Logo podemos colocarppara fora da fra¸c˜ao e o que sobra
(p−1)· · ·(p−1 +i) i(i−1)· · ·1
tamb´em ´e inteiro.
Exemplo 4.5. Sejapum n´umero primo. Para todo inteiron≥1 temos quep dividenp
−n.
Demonstrac¸˜ao. (1) Para n= 1 temos quepdivide 1p−1 = 0. (2) Suponha que p|(np
−n). Ent˜ao
(n+ 1)p−(n+ 1) =
p−1
X
i=1
p i
ni+ (np−n).
Pelo Lema 4.4 e pela hip´otese de p | (np−n) concluimos que p| ((n+ 1)p
−(n+ 1)).
Teorema4.6 (pequeno teorema de Fermat). Sejapum n´umero primo ea∈Z. Ent˜aop|(ap−a).
Demonstrac¸˜ao. O exemplo mostra o teorema para inteiros positivos. Seja m < 0 inteiro, digamos m = −n para n ≥ 1. Suponha p > 2. Neste caso, mp−m= (−n)p−(−n) =−(np−n) que ´e divis´ıvel porp. No caso dep= 2 temos
que sen2−n= 2α, ent˜ao m2−m=n2+n=n+ 2α+n= 2(α+ 1).
Observac¸˜ao4.7. O teorema anterior ´e na verdade equivalente para um inteiro an˜ao divis´ıvel porpap|(ap−1
−1). De fato, suponha queap
−a=a(ap−1
−1) =αp paraα∈Z. Sep∤a, ent˜ao pelo Lema 3.3 concluimos quep|(ap−1
−1).
4.3. Exemplos da indu¸c˜ao finita na sua segunda forma Ordenamos os n´umeros primos
p1= 2< p2= 3< p3= 5· · ·< pn· · ·,
ondepn denota o n-´esimo n´umero primo. SejaP o conjunto dos n´umeros primos. Teorema 4.8 (Euclides). O conjuntoP ´e infinito.
Demonstrac¸˜ao. Suponhamos queP seja finito, digamos com kelementos,
P ={p1<· · ·< pk}.
Seja
M :=p1· · ·pk+ 1.
Notemos queM > p1· · ·pk≥2pk > pk, logoM tem que ser um n´umero composto.
Pelo teorema fundamental da aritm´etica M ´e produto de n´umeros primos. Logo os ´unicos primos que podem aparecer na sua fatora¸c˜ao s˜aop1,· · ·, pk, digamos que
pi|M, i.e., existeαi ≥1 inteiro tal queM =αipi. Retornando `a defini¸c˜ao de M
obtemos
pi(αi−p1· · ·pi−1pi+1· · ·pk) = 1.
4.3. EXEMPLOS DA INDUC¸ ˜AO FINITA NA SUA SEGUNDA FORMA 21
o lado esquerdo ´e pelo menos 2, enquanto o lado direito ´e 1, o que ´e imposs´ıvel. A contradi¸c˜ao vem do fato de termos supostoP finito, portantoP ´e infinito.
No pr´oximo cap´ıtulo daremos outras demonstra¸c˜oes deste teorema bem como discutiremos em maior profundidade os n´umeros primos.
Exemplo 4.9. Para todo inteiron≥1 temospn≤22
n
.
Demonstrac¸˜ao. (1) Observe quep1= 2≤22= 4. (2) Suponha que para todo 1≤m < ntenhamospm≤22
m
. A demonstra¸c˜ao do teorema de Euclides mostra queM :=p1· · ·pn−1+ 1 n˜ao pode ser di-vis´ıvel por nenhum dos primosp1,· · ·, pn−1. LogoM s´o pode ser divis´ıvel por primos maiores quepn−1, em particular,pn≤M. Assim,
pn≤p1· · ·pn−1+ 1≤22
2
+. . .2n−1+ 1.
Mas 22+. . .+ 2n−1= 2(1 +. . .+ 2n−2) = 22n−1
−1
2−1 = 2n−2. Portanto, pn ≤22
n
−2+1. Basta mostrar que 22n
−2+1
≤22n
, i.e., 4≤22n+2
−22n
= 22n
(4−1), o que ´e verdade.
Exemplo 4.10 (algoritmo de Euclides). Sejab≥1 inteiro. Para todo inteiro n≥1 existemq, r∈Ztais quen=bq+rpara 0≤r < n.
Demonstrac¸˜ao. (1) Sen < btomeq= 0 er=n. Sen=btomeq= 1 er= 0.
(2) Suponhamos quen > b. Ent˜ao 1≤n−b < n. Por hip´otese de indu¸c˜ao, para todo 1≤m < n existem qm, rm ∈Ztais que m=bqm+rm, onde
0 ≤rm < n. Em particular, existemq′, r′ ∈Z tais quen−b =q′b+r′
onde 0≤r′< b. Logon= (q′+ 1)b+r′ e basta tomarq=q′+ 1 er=r′.
CAP´ıTULO 5
N´
umeros primos
No cap´ıtulo anterior provamos que o conjunto dos n´umeros primos ´e infinito. Daremos 3 outras demonstra¸c˜oes para este fato. Cada qual tem seu m´erito pr´oprio. A prova apresentada no cap´ıtulo sobre indu¸c˜ao finita ´e a original de Euclides. Provaremos tamb´em que existe uma infinidade de n´umeros primos em certas progre-ss˜oes aritm´eticas e que fun¸c˜oes polinomiais n˜ao lineares produzem uma infinidade de n´umeros compostos.
5.1. Infinidade de primos SejaP o conjunto dos n´umeros primos.
Teorema 5.1 (Euclides). O conjuntoP ´e infinito.
2a. Demonstrac¸˜ao. Suponhamos que P seja finito, digamos P ={p1,· · · , pk}. Seja n ≥ 1 inteiro. Pelo Lema 3.9, n = mQ2, com m, Q ≥ 1 inteiros e m
livre de quadrados. Por um lado a quantidade de n´umeros inteiros positivos at´en´e exatamenten. Por outro,m=pe1
1 · · ·pekk, ondeei ∈ {0,1}, para 1≤i≤k. Assim,
escolher m ´e equivalente a escolher os expoentes ei, e como tenho duas escolhas
para cadai, o n´umero de escolhas poss´ıveis param´e no m´aximo 2k. Observemos
tamb´em queQ≤√n, logo o n´umero de escolhas paraQ´e no m´aximo√n, portanto, o n´umero de escolhas para n´e no m´aximo 2k√n, i.e., n ≤2k√n, i.e.,√n ≤2k,
i.e.,n≤22k. Mask´e fixo, ´e a cardinalidade do conjunto de n´umeros primos, en´e
um inteiro qualquer, i.e., estamos mostrando que o conjunto dos inteiros positivos ´e limitado, o que ´e imposs´ıvel. Portanto,P ´e infinito.
3a. Demonstrac¸˜ao. Seja F(n) := 22n
+ 1 o n-´esimo n´umero de Fermat. Mostramos anteriormente (exerc´ıcio do cap´ıtulo sobre algoritmo de Euclides) que sen > m≥1, ent˜ao mdc(F(n), F(m)) = 1. Come¸camos escolhendo um fator primo q1deF(1). Pelo resultado anterior, todo fator primo deF(2) ´e distinto deq1, escol-hemos um destes fatores primos, digamosq2. Suponhamos que para todo 1≤m < n tenhamos escolhido para cada F(m) um fator primo distinto. Novamente pelo re-sultado anterior todo fator primo deF(n) ´e distinto deq1,· · · , qn−1, escolhemos um destes fatores primos, digamosqn. Provamos assim (via a Indu¸c˜ao na sua segunda
forma) que para todon≥1 temos um n´umero primo qn fator deF(n) distinto de
q1,· · ·, qn−1. Produzimos assim um subconjunto infinito {q1,· · · , qn,· · · } ⊂ P de
P. Em particular,P ´e infinito.
Uma quarta demonstra¸c˜ao ´e conseq¨uˆencia do seguinte teorema.
Teorema 5.2 (*). A s´erie
X
p∈P 1 p
24 5. N ´UMEROS PRIMOS
diverge.
Para a no¸c˜ao de divergˆencia de s´erie veja [Li, Cap´ıtulo IV].
Demonstrac¸˜ao. Sejam n≥1 inteiro e p1,· · ·, pl(n) os n´umeros primos me-nores ou iguais an. Seja
λ(n) :=
l(n)
Y
i=1 1 1−pi
.
Segue das Preliminares que
1 1−pi
= X
ai≥0
1 pai
i
,
logo
λ(n) = X
(a1,···,al(n))
1 pa1
1 . . . p
al(n)
l(n) ,
onde al(n)-upla (a1,· · · , al(n)) ´e formada de inteiros n˜ao negativos. Em particular,
como
1 +1
2 +. . .+ 1
n < λ(n),
concluimos que λ(n) → ∞ quandon → ∞ (ver [Li, Cap´ıtulo IV, Exemplos 23]). Em particular,P ´e um conjunto infinito.
Calculando o logartimo deλ(n) (ver Preliminares) obtemos
log(λ(n)) =−
l(n)
X
i=1
log(1−pi) = l(n)
X
i=1
X
m≥1 1 mpm
i
= 1
p1 +. . .+ 1 pl(n)
+
l(n)
X
i=1
X
m≥2 1 mpm i . Note que X
m≥2 1 mpm
i
< X
m≥2 1 pm i = 1 p2 i 1 1−p−i1 ≤
2 p2
i
.
Logo,
log(λ(n))< 1
p1 +. . .+ 1 pl(n)
+ 2 1 p2
1
+. . .+ 1 p2
l(n)
!
.
Segue de [Li, Cap´ıtulo IV, Exemplo 29] queP
n≥1n−2converge, a fortiori o mesmo vale paraP
i≥1p− 2
i . Dessa forma, se P
p∈Pp−1convergisse, existiria uma constante M tal que log(λ(n))< M, i.e.,λ(n)< eM, masλ(n)
→ ∞, quandon→ ∞. Assim,
P
p∈Pp−1 n˜ao pode convergir.
5.2. Primos em progress˜oes aritm´eticas
5.2. PRIMOS EM PROGRESS ˜OES ARITM´ETICAS 25
Lema 5.3. Existem infinitos n´umeros primos da forma 4n+ 3 com n ≥ 1
inteiro.
Demonstrac¸˜ao. Seja p > 2 um n´umero primo. Comecemos analisando os poss´ıveis restos da divis˜ao de ppor 4. Pelo algoritmo da divis˜ao existem q, r∈Z
tais que p= 4q+r com 0≤r <4. Comop´e primo as ´unicas possibilidades para rs˜ao 1 e 3.
SejaP4,3o conjunto dos n´umeros primos maiores ou iguais a 7 da forma 4n+ 3. Suponha queP4,3seja infinito, digamos P4,3={p1<· · ·< pk}. Seja
M := 4p1· · ·pk+ 3.
Observe que M deixa resto 3 na divis˜ao por 4. Observe tamb´em que M > 4p1· · ·pk > 4pk > pk, logo (como pk ´e o maior n´umero primo que deixa resto
3 na divis˜ao por 4) M ´e composto. Pelo teorema fundamental da aritm´etica M fatora-se em um produto de primos.
Note que sea, b≥1 s˜ao inteiros que deixam resto 1 na divis˜ao por 4, ent˜ao o mesmo ocorre paraab. De fato, sea= 4x+ 1,b= 4y+ 1, ent˜ao
ab= 4(4xy+x+y) + 1.
Fica como exerc´ıcio verificar (utilizando a primeira forma da indu¸c˜ao finita) que o mesmo vale para um produto finitoa1· · ·ande inteiros positivos cada qual deixando
resto 1 na divis˜ao por 4.
Assim, n˜ao ´e poss´ıvel que todo fator de M deixe resto 1 na divis˜ao por 4, i.e., existe algum 1 ≤ i ≤ k tal que pi | M, i.e., M =piαi para αi ≥1 inteiro.
Retornando `a defini¸c˜ao deM obtemos
pi(αi−4p1· · ·pi−1pi+1· · ·pk) = 3.
No lado esquerdo temos um produto de um n´umero inteiro positivo por outro cujo produto tamb´em ´e um inteiro positivo, logo o n´umero inteiro entre parentˆeses ´e um inteiro positivo. Comop1≥7, o lado esquerdo ´e pelo menos 7, o que ´e imposs´ıvel.
PortantoP4,3 ´e infinito.
Lema 5.4. Existem infinitos n´umeros primos da forma 6n+ 5 com n ≥ 1
inteiro.
Demonstrac¸˜ao. Seja p > 2 um n´umero primo. Pelo algoritmo da divis˜ao existemq, r∈Ztais quep= 6q+rcom 0≤r <6. Comop´e primo,rs´o pode ser 1 ou 5.
SejaP6,5o conjunto dos n´umeros primos maiores ou iguais a 11 da forma 6n+5 paran≥1 inteiro. Suponha queP6,5 seja finito, digamos P6,5={p1<· · ·< pk}.
Seja
M := 6p1· · ·pk+ 5.
Note queM deixa resto 5 na divis˜ao por 6. Note tamb´em que M > 6p1· · ·pk >
6pk > pk. Como pk ´e o maior n´umero primo que deixa resto 5 na divis˜ao por 6
obtemos queM ´e composto.
Observe que sea, b≥1 s˜ao inteiros que deixam resto 1 na divis˜ao por 6, ent˜ao o mesmo ocorre comab. De fato, sea= 6x+ 1,b= 6y+ 1, ent˜ao
ab= 6(6xy+x+y) + 1.
Fica como exerc´ıcio mostrar que o mesmo vale para um produto finitoa1· · ·an de
26 5. N ´UMEROS PRIMOS
Assim n˜ao ´e poss´ıvel que todo fator deM deixe resto 1 na divis˜ao por 6, i.e., existe 1 ≤ i ≤ k tal que pi | M, M = piαi para αi ≥ 1 inteiro. Retornando `a
defini¸c˜ao deM obtemos
pi(αi−6p1· · ·pi−1pi+1· · ·pk) = 5.
No lado esquerdo temos um produto de um n´umero inteiro positivo por outro cujo produto tamb´em ´e um inteiro positivo, logo o n´umero inteiro entre parentˆeses ´e um inteiro positivo. Comop1≥11, o lado esquerdo ´e pelo menos 11, o que ´e imposs´ıvel.
PortantoP6,5 ´e infinito.
No par´agrafo sobre fun¸c˜ao zeta a seguir enunciaremos um teorema devido a Dirichlet que generaliza os dois lemas anteriores.
5.3. Infinidade de compostos por fun¸c˜oes polinomiais
Queremos agora analisar o que ocorre se a fun¸c˜ao considerada anteriormente for polinomial. Veremos que em geral o fenˆomeno se contrap˜oe ao caso linear, ou seja, ´e poss´ıvel apenas garantir uma infinidade de n´umeros compostos na imagem def.
Teorema 5.5. Seja
f(n) :=adn+ad−1nd−1+. . .+a1n+a0,
onde ad,· · · , a0 ∈Z com ad > 0. Ent˜ao existem infinitos n´umeros compostos da forma f(n).
Demonstrac¸˜ao. Se para todo n ≥ 1, f(n) for composto nada h´a a fazer. Caso contr´ario, sejan0∈Ntal quef(n0) =pn´umero primo. Sejah≥1 inteiro e
f(n0+hp) =ad(n0+hp)d+ad−1(n0+hp)d−1+. . .+a1(n0+hp) +a0.
Note que a soma dos termos constantes (considerando a express˜ao acima como um polinˆomio emh) ´e igual a
adnd0+ad−1n0d−1+. . .+a1n0+a0=p.
Logo,
f(n0+hp) =p(1 +a1h+a2(2n0h+h2p) +. . .
+ad−1((d−1)n0d−2h+. . .+ (d−1)n0hd−2pd−3+hd−1pd−2) +ad(dnd0−1h+. . .+dn0hd−1pd−2+hdpd−1)).
Observe que o termo l´ıder da express˜ao acima como polinˆomio em h ´e igual a adpd−1p > 0. Assim para um inteiro h ≥ 1 suficiente grande a express˜ao entre
parˆenteses do lado direito menos 1 ´e sempre positiva, portantof(n0+hp) =p(1+α) comα≥1 inteiro. Em particular, f(n0+hp) ´e sempre composto para todoh≥1 suficientemente grande.
Para o caso d= 2 a cota para h´e h >−(2an0+b)/(ap) (fa¸ca a conta neste
5.5. CONTANDO N ´UMEROS PRIMOS 27
5.4. N´umeros de Fermat e Mersenne
Nesta se¸c˜ao apresentamos os n´umeros de Fermat e Mersenne e come¸camos a discuss˜ao de quando podem ser n´umeros primos. No cap´ıtulo subseq¨uente sobre aplica¸c˜oes da teoria de grupos `a aritm´etica elementar descreveremos de forma mais precisa crit´erios para decidir quando estes n´umeros s˜ao primos.
Para todo n ≥ 1 inteiro seja F(n) := 22n
+ 1 o n-´esimo n´umero de Fermat. Fermat afirmava que todo n´umero desta forma era primo. Na verdade o que deve ter ocorrido ´e que ele calculou os quatro primeiros que realmente s˜ao. Entretanto, Euler mostrou que 641|F(5). Daremos uma demonstra¸c˜ao disto posteriormente.
Para todon≥1 inteiro sejaM(n) := 2n
−1 on-´esimo n´umero de Mersenne.
Lema5.6. Sen´e composto, ent˜ao M(n)tamb´em ´e composto.
Demonstrac¸˜ao. Suponha quen=abcom 1< a, b < n. Ent˜ao 2n−1 = (2a)b−1 = (2a−1)(2a(b−1)+ 2a(b−2)+. . .+ 2a+ 1)
o que mostra queM(a)|M(n).
Observac¸˜ao 5.7. Se quisermos que um n´umero de Mersenne seja primo, de-vemos nos restringir `aqueles n´umeros de Mersenne cujo ´ındicen seja um n´umero primo. Mersenne produziu uma lista incompleta e incorreta deM(p)’s parapprimo tais queM(p) ´e primo. Novamente, produziremos a posteriori uma lista ocrreta, a menos da complexidade computacional, utilizando teoria de grupos.
5.5. Contando n´umeros primos
Para todo n´umero realx >1 seja π(x) := #{p| n´umero primo com p≤x}. O teorema de Euclides nos garante que limx→∞π(x) =∞(para a no¸c˜ao de limite veja [Li, cap´ıtulo IV]). Nosso objetivo ´e determinar uma estimativa elementar para a fun¸c˜ao π(x) que conta a quantidade de n´umeros primos menores ou iguais a um dado n´umero real maior que 1. Note que se 1< x≤y, ent˜aoπ(x)≤π(y). Sejapn
on-´esimo n´umero primo. Ent˜aoπ(pn) =n.
Proposic¸˜ao5.8. Seja log(x)o logaritmo na base e. Ent˜ao
π(x)≥log(log(x)).
Demonstrac¸˜ao. J´a obtivemos anteriormente (via indu¸c˜ao finita) que pn ≤
22n
. Para todox > 1 real fixado o conjunto {m ≥1| inteiro, eem
≤ x} ´e finito. Sejan−1 seu maior elemento, i.e.,een−1
≤x < een
. Observe que
een−1 ≥22n paran≥4. De fato, basta mostrar que
en−1≥2nlog(2), ou seja, n−1≥nlog(2) + log(log(2)), o que ´e verdade pois log(2)<1. Logo
π(x)≥π(een−1)≥π(22n)≥π(pn) =n≥log(log(x)).
28 5. N ´UMEROS PRIMOS
Proposic¸˜ao5.9.
π(x)≥log(2 log(2)⌈x⌉),
onde⌈x⌉denota a parte inteira dex(para a defini¸c˜ao ver Preliminares).
Demonstrac¸˜ao. Para qualquer conjunto de n´umeros primos S denotamos por fS(x) o n´umero de inteiros positivos n≤xtais que γ(n)⊂S. Suponha que
S seja finito de cardinalidade t. Escrevemos n =m2s coms livre de quadrados. Note que m ≤√x. Al´em disto temos no m´aximo 2t escolhas para s. Portanto,
fS(x) ≤ 2t√x. Seja m := π(x), assim pm+1 > x. Se S = {p1,· · · , pm}, ent˜ao
fS(x) =⌈x⌉. Em particular,⌈x⌉ ≤2π(x)√xe disto segue a proposi¸c˜ao.
O m´etodo acima nos d´a uma nova demonstra¸c˜ao do teorema 5.2. De fato, se
P
p∈P1/pfosse convergente, ent˜ao existirian≥1 tal que
X j>n 1 pj <1 2.
SejaS:={p1,· · ·, pn}ex≥1 inteiro. Ent˜aox−fS(x) ´e igual ao n´umero de inteiros
positivos m≤x tais queγ(m)6⊂S. Em outras palavras, contamos o n´umero de inteiros 1≤m≤xpara os quais existej > ntal quepj |m. Para cada primopj
existem⌈x/pj⌉m´ultiplos depj menores ou iguais ax. Portanto,
x−fS(x)≤ X j>n x pj ≤X j>n x pj < x 2.
A fortiori,fS(x)≥x/2. Mas,fS(x)≤2n√x. Logo, 2n ≥√x/2, o que ´e imposs´ıvel
poisn´e fixo ex´e vari´avel.
Intimamente relacionada `a fun¸c˜aoπ(x) temos a seguinte fun¸c˜ao
θ(x) := X
p∈P,p≤x
log(p).
Utilizaremosθ(x) para limitarπ(x). Sejaθ(1) := 0.
Proposic¸˜ao5.10.
θ(x)<(4 log(2))x.
Demonstrac¸˜ao. Considere o binomial
2n
n
= (n+ 1). . .2n 1.2. . . n .
Este n´umero ´e um inteiro divis´ıvel por todo n´umero primon < p <2n. Al´em disto, como
(1 + 1)2n=
2n X j=0 2n j
, ent˜ao 22n> 2n
n
.
Em conseq¨uˆencia,
22n>
2n n
> Y
n<p<2n
p.
Calculando o logartimo,
2nlog(2)> X
n<p<2n
5.5. CONTANDO N ´UMEROS PRIMOS 29
Somando esta rela¸c˜ao paran= 1,2,4,· · ·,2m−1 obtemos θ(2m)< log(2)(2m+1
−2)<log(2)2m+1.
Como na demonstra¸c˜ao da proposi¸c˜ao 5.8 existe m ≥1 tal que 2m−1 < x
≤2m,
donde
θ(x)≤θ(2m)<log(2)2m+1= (4 log(2))2m−1<(4 log(2))x.
Proposic¸˜ao5.11. Existe um realc1>0 tal que
π1(x)< c1 x
log(x), parax≥2.
Demonstrac¸˜ao. Observe que
θ(x)≥ X √
x<p≤x
log(p)≥log(√x)(π(x)−π(√x))≥log(√x)π(x)−√xlog(√x).
Logo,
π(x)≤ 2θ(x) log(x)+
√
x≤(8 log(2)) x log(x)+
√
x,
onde a ´ultima desigualdade segue da proposi¸c˜ao anterior. O resultado segue da
observa¸c˜ao que√x <2x/log(x) parax≥2.
Corol´ario 5.12.
lim
x→∞ π(x)
x = 0.
Nosso objetivo agora ´e obter uma cota inferior para a fun¸c˜ao π(x). Para isto comecemos observando que
2n n =
n+ 1 1
n+ 2 2
. . .
n+n n
≥2n.
Por um exerc´ıcio deste cap´ıtulo temos
ordp
2n n
= ordp (2n)! (n!)2 = tp X j=1 2n pj −2 n pj ,
ondetpdenota o maior inteiro tal queptp≤2n. Logo,tp=⌈log(2n)/log(p)⌉. Al´em
disto,⌈2x⌉ −2⌈x⌉´e sempre 0 ou 1, assim
ordp 2n
n
≤ log(2n)log(p) .
Proposic¸˜ao5.13 (*). Existe realc2>0tal que
π(x)> c2 x log(x).
Demonstrac¸˜ao. Pelo que foi feito anteriormente,
2n ≤ 2n n ≤ Y
p<2n
ptp.
Calculando o logaritmo obtemos,
nlog(2)≤ X p<2n
tplog(p) = X
p<2n
log(2n)
log(p)
30 5. N ´UMEROS PRIMOS
Se log(p)>(1/2) log(2n), i.e., p >√2n, ent˜ao⌈log(2n)/log(p)⌉= 1. Assim,
nlog(2)≤ X
p≤√2n
log(2n)
log(p)
log(p) + X √
2n<p<2n
log(p)≤√2nlog(2n) +θ(2n)
Portanto, θ(2n) ≥ nlog(2)−√2nlog(2n). Mas, limn→∞(√2nlog(2n))/n = 0. Assim, existe uma constante real T > 0 tal que para n suficientemente grande θ(2n)> T n. Toamndoxsuficientemente grande e tal que 2n≤x <2n+ 1 obtemos
θ(x)≥θ(2n)> T n > Tx−1 2 > Cx,
para algum realC >0 conveniente. Portanto, existe realc2>0 tal queθ(x)> c2x para todox≥2. Para completar a prova observamos que
θ(x) =X
p≤x
log(p)≤π(x) log(x).
Portanto,
π(x)≥ log(x)θ(x) > c2 x log(x).
5.5.1. Coment´arios. As duas proposi¸c˜oes anteriores s˜ao devidas a ˘Cebychef (1852). O seguinte teorema suplanta ambas (cf. [Ap, chapter 4], este resultado depende de teoria anal´ıtica dos n´umeros).
Teorema 5.14 (teorema dos n´umeros primos).
lim
x→∞π(x) = x log(x).
O teorema dos n´umeros primos foi conjecturado por Gauss na idade de 15 ou 16 anos. A prova correta surgiu apenas em 1896 por Hadamard e de la Vall´e Poussin utilizando a fun¸c˜ao zeta de Riemann, que introduziremos no par´agrafo seguinte.
Existem uma infinidade de problemas abertos sobre os n´umeros primos. Para mencionar apenas dois :
• Existem infinitos n´umeros primos da forman2+ 1?
• (Primos gˆemeos) Existem infinitos pares de n´umeros primos da forma (p, p+ 2)?
Para mais problemas abertos veja [Si] e [Sh].
5.6. Fun¸c˜ao zeta
Nesta se¸c˜ao descreveremos sem prova diversos fatos a respeito da fun¸c˜ao zeta de Riemann (para a prova destes fatos ver [IrRo, chapter 16]). Esta fun¸c˜ao ´e definida por
ζ(s) :=X
n≥1
n−s, ondes
∈C,ℜ(s)>1.
5.6. FUNC¸ ˜AO ZETA 31
Proposic¸˜ao5.15. Para ℜ(s)>1 temos
ζ(s) = Y
p∈P 1 1−p−s.
Particularmente importante ´e o comportamento assint´otico desta fun¸c˜ao quan-dos→1. Considerando queP
n≥11/ndiverge suspeitamos queζ(s)→ ∞quando s→1. Lembre queζ(s) ´e uma fun¸c˜ao de uma vari´avel complexa.
Proposic¸˜ao5.16. Suponha queℜ(s)>1. Ent˜ao
lim
s→1(s−1)ζ(s) = 1.
A proposi¸c˜ao na verdade diz que ζ(s) ´e uma fun¸c˜ao meromorfa com um p´olo simples ems= 1 (para mais detalhes ver [Ap, chapter 12]).
Corol´ario 5.17. Quandos→1 temos
log(s)
(log(s−1))−1 →1.
Proposic¸˜ao5.18.
ζ(s) =X
p∈P 1
ps +R(s),
ondeR(s)fica limitada quando s→1.
Dado um subconjunto S do conjunto dos n´umeros primos P, dizemos que S
tem densidade de Dirichlet se o limite
lim
s→1
P p∈Sp−s (log(s−1))−1
existe. Neste caso este limite ´e denotado por d(S) e ´e chamado a densidade de Dirichlet deS. Esta densidade satisfaz as seguintes propriedades.
Proposic¸˜ao5.19. SejaSum subconjunto do conjuntoP dos n´umeros primos. Ent˜ao
(1) Se S ´e finito, ent˜ao d(S) = 0.
(2) Se S cont´em todos os n´umeros primos, exceto um n´umero finito deles, ent˜ao d(S) = 1.
(3) Se S=S1∪ S2 comS1∩ S2=∅, ent˜ao d(S1∪ S2) =d(S1) +d(S2).
Teorema 5.20 (teorema das progress˜oes aritm´eticas de Dirichlet). Sejama∈
Zem≥1inteiro tais quemdc(a, m) = 1. SejaP(a;m)o subconjunto do conjunto P dos n´umeros primos que cont´em os primos p tais que p≡ a (mod m). Ent˜ao
d(P(a;m)) = 1/φ(m). A fortiori,P(a;m)´e infinito.
5.6.1. Coment´arios (*). Riemann propˆos a seguinte conjectura (que per-manece em aberto at´e hoje).
Conjectura 5.21 (hip´otese de Riemann). Todos os zeros da fun¸c˜ao zeta de Riemannζ(s) est˜ao contidos na retaℜ(s) = 1/2.
32 5. N ´UMEROS PRIMOS
O inteiro positivo n nada mais ´e que a cardinalidade do anel Z/nZ da arit-m´etica modular (a ser introducido no pr´oximo cap´ıtulo). Esta analogia faz com que Dedekind considere a seguinte extens˜ao da fun¸c˜ao zeta. SejaK uma extens˜ao finita do corpo dos racionais Q (ver a parte referente `a teoria de corpos). Existe um subconjuntoOK deKque cumpre o mesmo papel deZcom rela¸c˜ao aQ. Este
conjunto ´e chamado o anel de inteiros de K. Ele tem (entre outras propriedades importantes) a caracter´ıstica que o anel quociente OK/I (onde I ´e um ideal de OK, para mais sobre anel quocientes ver a parte de an´eis) ´e um conjunto finito cuja
cardinalidade ´e denotada por N(I). Assim, Dedekind define a fun¸c˜ao zeta de K por
ζK(s) := X
I
N(I)−s, onde
ℜ(s)>1,
e I percorre todos os ideais de OK. Novamente conjectura-se que os zeros desta
fun¸c˜ao est˜ao na retaℜ(s) = 1/2, o que permanece em aberto. Note queζQ nada mais ´e que a fun¸c˜ao zeta de Riemann.
Nos anos 20 e 30 do s´eculo XX, E. Artin, H. Hasse e A. Weil consideraram um an´alogo “geom´etrico” desta situa¸c˜ao. Nele o papel deQera ocupado pelo corpo de fun¸c˜oes racionais em uma vari´avel Fq(τ) sobre um corpo finito Fq de qelementos
(ver parte de corpos). Neste contexto,L´e uma extens˜ao finita de Fq(τ). O corpo
Lpossui tamb´em um subanel com propriedades similares aOK (quandoK ´e uma
extens˜ao finita de Q). Isto permite a constru¸c˜ao de uma fun¸c˜ao zeta associada a L. Similarmente, pode-se formular como acima uma “hip´otese de Riemann” para L. Esta ´e chamada uma “hip´otese de Riemann para curvas” porqueL nada mais ´e que o corpo de fun¸c˜oes racionais de uma curva sobre um corpo finito (para mais sobre curvas sobre corpos finitos e a hip´otese de Riemann neste contexto ver [Lo]). Ap´os casos particulares da hip´otese de Riemann para curvas terem sido tratados por Artin e Hasse, Weil utilizando variedades abelianas e representa¸c˜oes ℓ-´adicas obt´em em 1948 a prova da “hip´otese de Riemann para curvas” de forma geral.
No ano seguinte (1949) Weil prop˜oe uma vasta generaliza¸c˜ao deste resultado substituindoFq(τ) por um corpo de fun¸c˜oesκemnvari´aveis sobreFq. Neste caso
a extens˜ao finita L de κ nada mais ´e que o corpo de fun¸c˜oes de uma variedade alg´ebrica sobre Fq (para variedades alg´ebricas ver [Ha]). De maneira vision´aria
Weil percebe que uma prova da hip´otese de Riemann neste contexto mais geral seria conseq¨uˆencia de uma teoria de cohomologia suficientemente “rica” para re-produzir as propriedades da cohomologia singular sobre os complexos. Segundo muitos, as conjecturas de Weil foram sem sobra de d´uvida o problema matem´atico mais profundo ap´os a segunda guerra mundial. Na busca da cohomologia perdida, os primeiros passos foram dados por J.-P. Serre introduzindo a cohomologia de feixes de vetores de Witt. Mas foi A. Grothendieck que compreendeu que a fun¸c˜ao zeta traz em si algo de novo que n˜ao havia sido percebido pelos gˆeometras alg´ebricos, desde de os italianos do s´eculo XIX. Ela necessitava de uma base vari´avel, ou seja, a variedade alg´ebrica era considerada simultaneamente sobre todos os corpos finitos
Fqn. Para isto introduziu o conceito que revoluciona completamente a geometria
5.6. FUNC¸ ˜AO ZETA 33