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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP L

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Academic year: 2022

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LAIS MARTINS MORO

A HIPÓTESE DE AÇÃO RESCISÓRIA DO ART. 525, §15 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, SOB A ÓTICA DO SISTEMA BRASILEIRO DE

PRECEDENTES JUDICIAIS

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO 2022

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LAIS MARTINS MORO

A HIPÓTESE DE AÇÃO RESCISÓRIA DO ART. 525, §15 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, SOB A ÓTICA DO SISTEMA BRASILEIRO DE

PRECEDENTES JUDICIAIS

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Direito Processual Civil, sob orientação do Professor Doutor Nelson Luiz Pinto.

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO 2022

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BANCA EXAMINADORA

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A Deus e à Nossa Senhora, pela oferta do melhor caminho a trilhar.

Aos meus pais, com amor e admiração, pela oportunidade de ter chegado até aqui.

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Ubi societas, ibi jus.

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O ingresso no Mestrado e a sua conclusão não teriam sido possíveis sem a contribuição de pessoas especiais que estiveram ao meu lado.

Agradeço inicialmente à minha família. Aos meus pais, Vitorio e Cristina, que nunca mediram esforços para investir em minha educação e me conduziram para a melhor formação possível. À minha irmã, Isabella, por me mostrar que nunca estou sozinha. À minha avó Ruth, sempre presente, pelos conselhos, amor e por me fazer enxergar tudo pelo melhor lado. Ao meu tio Fábio, por todo o suporte desde que cheguei a São Paulo, no ano de 2007, e por me mostrar o verdadeiro significado da palavra padrinho.

Agradecimento especial ao ilustre Professor Nelson Luiz Pinto, que aceitou o pedido para ser meu orientador e viabilizou dar concretude ao sonho de iniciar essa jornada acadêmica. Serei eternamente grata pela oportunidade de ter retornado à PUC-SP, como mestranda. Agradeço também à Professora Renata Pinto, por todas as contribuições dadas, pela paciência e pelo carinho.

Agradeço muito à Professora Márcia Dinamarco, a maior incentivadora para meu ingresso no Mestrado, por todos os ensinamentos e suporte prestados, sempre de forma muito atenciosa, desde a graduação. Grande inspiração, sempre esteve carinhosamente presente e torcendo por mim nos momentos mais marcantes dessa caminhada. Com ela, sigo aprendendo a cada dia, motivada pela sua energia ímpar.

Agradeço a todos os professores do Mestrado com quem tive a honra de aprender muito, e em especial à Professora Teresa Arruda Alvim, exemplo a ser seguido. Também agradeço ao Professor Paulo Feux, que gentilmente dispôs de seu escasso tempo para a leitura deste trabalho e participação nas Bancas de Qualificação e Defesa.

Agracio, ainda, a todos os meus queridos colegas de Mestrado, pelo companheirismo e pelas discussões acadêmicas sempre instigantes, e em especial ao Rodolfo Bustamante, pela parceria desde o primeiro dia e por tornar tudo mais leve. Amizade verdadeira que levarei para a vida.

Por fim, e não menos importante, aos meus colegas e amigos do Escritório Dinamarco, Rossi, Beraldo & Bedaque Advocacia, minha segunda casa, da qual tenho a honra de fazer parte, pelos ensinos diários e principalmente pelo apoio, compreensão e pelo incentivo em me tornar mestre em Direito Processual Civil.

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O presente trabalho trata da hipótese de ajuizamento de ação rescisória prevista no

§15 do art. 525 do Código de Processo Civil e de suas implicações, sob o viés da segurança jurídica trazida pelo sistema brasileiro de precedentes judiciais. Inicialmente, será abordado o grande destaque dado pelo vigente diploma processual civil à necessidade de uniformização da jurisprudência, primando pela valorização da segurança jurídica e do tratamento isonômico dos jurisdicionados, por meio da criação de um sistema de precedentes judiciais.

Em seguida, será feita uma análise mais aprofundada sobre o princípio da segurança jurídica, consagrada pelo instituto da coisa julgada, cujos aspectos gerais, natureza jurídica, classificações, limites e formas de desconstituição serão tratados neste trabalho.

A partir disso, a exposição se voltará ao cabimento da ação rescisória, com enfoque na hipótese prevista no art. 525, §15 do Código de Processo Civil, ou seja, quando reconhecida a inexigibilidade de obrigação contida em título executivo judicial em virtude de declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, por meio do controle difuso ou concentrado. Nesse ponto, serão tecidas considerações sobre o fenômeno da inconstitucionalidade e sobre o controle de constitucionalidade propriamente dito.

Nesse contexto, será trazido em pauta o questionamento sobre a fragilização ou a reafirmação dos pilares dos precedentes judiciais, diante dessa nova possibilidade de se rescindir a coisa julgada, sobretudo em razão do alargamento do prazo decadencial para a propositura da ação rescisória.

Ao final do trabalho, será analisado se haveria incompatibilidade entre esta nova hipótese de cabimento da rescisória e a concretização da igualdade entre os jurisdicionados, no que diz respeito à uniformização da jurisprudência, e a garantia da segurança jurídica proporcionada pela previsibilidade da regulação das condutas sociais trazida pelos precedentes judiciais, considerando o fato de que a sociedade não é estática e que as decisões judiciais devem acompanhar a evolução social.

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This essay deals with setting aside proceedings set forth in §15 of s. 525 of the Code of Civil Procedure and its implications, in particular considering the notion of legal certainty introduced by the Brazilian system of precedents.

Firstly, this text analysis the emphasis given by the current Civil Procedural Law to case law uniformity, which prioritises legal certainty and also an isonomic method to guarantee individuals’ rights through a system of precedents.

Secondly, this essay carries out a more in-depth analysis of the principle of legal certainty, enshrined in the legal concept of res judicata. The general aspects of res judicata as well as its legal nature, classification, limits, and methods of disregard, are dissected on the following pages.

Well established the premises, this essay examines setting aside proceedings based on §15 of s. 525 of the Code of Civil Procedure, i.e., when the unenforceability of a court order for debt arises from a decision of unconstitutionality handed down by the Brazilian Supreme Court through diffuse or concentrated judicial review. The essay discusses the notion of unconstitutionality and its correspondent remedy of judicial review.

In this context, the text weights up the weaknesses and strengths of a system of precedents, given this new possibility of disregard of res judicata, mostly due to the lengthening of the time period to file setting aside proceedings.

At the end, this essay discussed the issue whether would exist any incompatibility between, on the one side, this new possibility of setting aside proceedings and, on the other side, the desired isonomy among individuals. This potential clash is assessed considering legal concepts like case law uniformity, legal certainty, predictability, and the dynamics of each society.

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INTRODUÇÃO ... 10

1. PRECEDENTES JUDICIAIS ... 13

1.1. Conceito ... 13

1.2. A valorização dos precedentes judiciais no vigente Código de Processo Civil ... 14

1.3. Segurança jurídica, equidade, integridade e coerência ... 15

1.4. Necessidade de formação qualitativa ... 16

1.5. Garantiade imparcialidade ... 17

1.6. Desestímuloà litigância ... 18

2. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA JURÍDICA ... 19

2.1. Considerações iniciais ... 19

2.2. Estado de Direito e segurança jurídica ... 22

2.3. Asegurançajurídica sob o viés do pragmatismo jurídico: o raciocínio jurídico e o juízo obtido através da valoração ... 23

2.4. A concretizaçãoda segurança jurídica através dos precedentes judiciais ... 26

2.5. A concretizaçãoda segurança jurídica através da formação da coisa julgada ... 28

3. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A AÇÃO RESCISÓRIA... 31

3.1. Conceito ... 31

3.2. Requisitos, hipóteses de cabimento e prazos ... 33

4. A HIPÓTESE DE AÇÃO RESCISÓRIA PREVISTA NO ART. 525, §15 DO CPC 42 5. O FENÔMENO DA INCONSTITUCIONALIDADE ... 50

5.1. Consequências do ato inconstitucional ... 50

5.1.1. Existência, validade e eficácia dos atos normativos ... 51

5.1.2. Teoria da Nulidade ... 51

5.1.3. Teoria da Anulabilidade ... 52

5.1.4. Aplicação no Brasil ... 52

5.2. Espécies de inconstitucionalidade ... 54

5.3. Controle da constitucionalidade dos atos normativos ... 55

5.3.1 Evolução: breve histórico do controle da constitucionalidade das Constituições Brasileiras ... 56

5.3.2 Modalidades de controle da constitucionalidade ... 59

5.3.2.1 Controle preventivo ... 59

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5.3.2.4 Controle Concentrado ... 63 5.3.3 Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade nos Controles Difuso e Concentrado da Constitucionalidade ... 64 6 A HIPÓTESE DE RESCISÓRIA DO ART. 525, §15 DO CPC E A CONCRETIZAÇÃO DA JUSTIÇA, DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA IGUALDADE ENTRE OS JURISDICIONADOS ... 66 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 75 BIBLIOGRAFIA ... 77

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INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil brasileiro, cuja vigência se iniciou em março de 2016, deu grande destaque à necessidade de uniformização da jurisprudência, primando pela valorização da segurança jurídica e do tratamento isonômico dos jurisdicionados, não somente por meio da codificação ou da sistematização do Direito, mas também através da criação de um sistema de precedentes judiciais, mediante clara mitigação do sistema clássico da Civil Law.

Positivado no art. 926 do Código de Processo Civil, o dever de uniformização da jurisprudência se materializa através da observância aos precedentes judiciais elencados no art. 927, quais sejam, as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado, a orientação do plenário ou do órgão especial a que os magistrados estão vinculados, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, bem como as súmulas dos Tribunais Superiores, vinculantes ou não.

Com a observância aos precedentes, o novo diploma processual civil almeja eliminar a divergência dos pronunciamentos judiciais e dar maior celeridade aos processos, por meio do aumento da produtividade decisória, além de trazer estabilidade à ordem jurídica, isonomia de tratamento dos jurisdicionados e previsibilidade ao sistema, com vistas à proteção da confiança.

Todavia, o art. 525, §15, do Código de Processo Civil, que prevê o cabimento de ação rescisória quando reconhecida a inexigibilidade de obrigação contida em título executivo judicial em virtude de declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso), tem provocado certo alvoroço em parte da doutrina processualista brasileira, sobretudo pelo fato de protrair o prazo decadencial de 2 (dois) para propositura da demanda rescisória.

Nessa atividade, considerando que o prazo decadencial para ajuizamento da rescisória, na hipótese do art. 525, §15, do Código de Processo Civil, será contado do trânsito em julgado da pronúncia de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal anos (e não da decisão rescindenda), a primeira vista, podem restar fragilizados os mais densos pilares dos precedentes judiciais, quais sejam, os princípios da igualdade e da segurança jurídica.

A concretização da igualdade entre os jurisdicionados, no que diz respeito à uniformização da jurisprudência, e a garantia da segurança jurídica proporcionada pela

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previsibilidade da regulação das condutas sociais trazida pelos precedentes judiciais tendem a ser mitigadas pela criação desta hipótese de cabimento da ação rescisória (que nem sequer está elencada no taxativo art. 966 do Código de Processo Civil).

É certo que, para a tutela da segurança, apenas o pleno conhecimento do direito legislado não basta. São essenciais dois elementos: a previsibilidade e a estabilidade das decisões proferidas pelo Poder Judiciário. Neste aspecto, tem-se que a concretização da norma no caso específico, a denominada norma individual, sobrepõe-se à norma em abstrato. Por óbvio, a eliminação da dúvida interpretativa não é factível e a aplicação do Direito ao caso concreto pode apresentar divergências, mas a uniformização de interpretação das normas minimiza eventuais discrepâncias, aumenta o grau de certeza jurídica e se aproxima do ideal de previsibilidade, em razão de que os jurisdicionados atribuem maior confiança à jurisdição estatal.

Tendo em vista que a legalidade e a segurança jurídica dela decorrente só têm sentido se concretizadas à luz do princípio da isonomia, o sistema jurídico deve oferecer elementos para garantir previsibilidade e, assim, resguardar direitos fundamentais dos jurisdicionados, gerando plena confiança na jurisdição estatal.

O objeto desse trabalho é analisar como ficaria tal princípio da confiança – e mesmo a credibilidade da jurisdição do Estado –, com a possibilidade de se desconstituir a coisa julgada de certa sentença já em fase de execução, em decorrência de eventual mudança de entendimento jurisprudencial da Corte Constitucional brasileira, com a consequente interpretação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em que fundada a sentença exequenda.

Importante consignar que não será pretensão do presente trabalho estudar o instituo da ação rescisória em si, no sentido de esgotar esse interessante tema, cujo universo daria ensejo a muitas discussões igualmente instigantes que acabariam por extrapolar o objeto desta dissertação. O cerne do trabalho, portanto, limita-se à análise da hipótese de ação rescisória prevista no §15 do art. 525 do Código de Processo Civil.

A previsibilidade da regulação das condutas sociais gerada pelo sistema de precedentes judiciais não garantirá a segurança jurídica caso haja frenética alternância de posicionamentos jurisdicionais. A variação das decisões do Poder Judiciário acerca de determinado fato ou texto de lei contradiz a segurança jurídica. É bem por isto que a estabilidade que assegura o mínimo de continuidade da ordem jurídica é de extrema importância.

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Concomitantemente, deve-se ter em vista que a sociedade não é estática. E, bem por isso, o Direito e as decisões judiciais devem acompanhar a evolução social, sobretudo para que não se tornem tão obsoletos e não beirem a inaplicabilidade e ineficácia. Como se sabe, o Direito não é – e não deve ser – um fim em si próprio: deve servir os jurisdicionados e lhes proporcionar a pacificação social e trazer o bem da vida pleiteado em juízo, dirimindo os conflitos apresentados ao Estado-Juiz.

Sob esse viés, a possibilidade de se desconstituir a coisa julgada fundada em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso, após 2 (dois) anos do trânsito em julgado da decisão proferida pela Corte Constitucional (e não da decisão rescindenda) pode vir a ser de grande importância para a sociedade.

Na medida em que a Constituição Federal brasileira consagra direitos sociais e individuais, bem como valores supremos de uma sociedade fraterna, afigura-se impraticável a imunização de decisões que violem a grandeza desses valores, alçados à dignidade de garantia constitucional tanto quanto a coisa julgada.

Feitas essas considerações, com o presente trabalho, pretende-se perquirir, por meio da análise do escopo do sistema de precedentes judiciais positivado no vigente Código de Processo Civil, se há incompatibilidade entre o desejo do novo diploma processual civil de concretização da igualdade com a uniformização da jurisprudência, como expressão da garantia da segurança jurídica, e a previsão de nova hipótese de cabimento de ação rescisória do art. 525, §15, que alarga o prazo decadencial para propositura da demanda desconstitutiva e, com isso, tende a mitigar a segurança jurídica trazida pela coerência, integridade, sistematicidade e previsibilidade da jurisprudência com os precedentes obrigatórios.

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1. PRECEDENTES JUDICIAIS

1.1. Conceito

Precedente, na linguagem comum, significa aquilo que vem antes, que acontece previamente. Do ponto de vista técnico-jurídico, em sentido amplo, consiste na decisão judicial apta a estear o julgamento de outros casos nos quais se repetiu idêntico substrato fático,1 ao passo que, em sentido estrito, corresponde à ratio decidendi.2

Ratio decidendi, razão para a decisão ou razão para decidir, mais que um raciocínio jurídico, é a tese jurídica ou a interpretação da norma consagrada na decisão. Não se confunde com a fundamentação em si, que pode conter várias teses jurídicas, e nem com a decisão propriamente dita, que não contém apenas teses jurídicas, mas também outras questões periféricas ao julgamento. A ratio decidendi é identificada por meio da verificação de quais fatos foram admitidos pelo juiz como materiais ou fundamentais para decidir.3 Trata-se da parcela vinculante da decisão que irradia eficácia prospectiva aos próximos casos.

Nesse esteio, constituindo-se como norma jurídica que vinculará os tribunais inferiores e mesmo o próprio tribunal prolator da decisão, para Daniel Mitidiero,4 precedentes são as razões generalizáveis que podem ser extraídas da justificação das decisões judiciais. O obiter dictum, por sua vez, é todo e qualquer argumento dispensável para a determinação da norma do precedente e que tem função apenas de complementação ou reforço argumentativo das razões da decisão.

A lógica subjacente ao precedente é de tratamento isonômico aos jurisdicionados que se encontrem em uma mesma categoria fático-jurídica, diante da vinculatividade aos julgadores, que precisam observá-lo na tomada de decisão. Para Michelle Taruffo,5 o precedente tem a aptidão de fornecer uma regra universalizável que poderá ser aplicada como critério de decisão no caso, em função da identidade ou da analogia entre os fatos.

Nesse ponto, insta registrar que o conceito de precedente não se confunde com o de jurisprudência, que é o conjunto de julgados harmônicos entre si, frutos de reiterada e

1 TARUFFO, Michele. As funções das Cortes supremas. Processo civil comparado: ensaios. Tradução Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013, p. 131.

2 TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Tradução Chiara Antonia Spadaccini de Teffé, p. 6.

3 GOODHART, Arthur L. Determining the ratio decidendi of a case. Essays in jurisprudence and the common law. Cambridge: University Press, 1931, p. 485.

4 MITIDIERO, Daniel. Precedentes, jurisprudência e súmulas no Novo Código de Processo Civil Brasileiro.

Revista de Processo | vol. 245/2015 | p. 333 - 349 | Jul / 2015 DTR\2015\11014. p. 4.

5 TARUFFO, Michelle. Precedente e jurisprudência. Revista de Processo | vol. 199/2011 | p. 139 - 155 | Set / 2011DTR\2011\2445. p. 3.

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constante interpretação e aplicação da lei em um determinado sentido. Pode-se afirmar que, embora ambos tenham, sob a ótica da argumentação jurídica, o condão de influenciar e convencer, a principal distinção entre precedente e jurisprudência é de caráter quantitativo, já que o precedente seria o substantivo singular, ao passo que a jurisprudência seria o coletivo de decisões de um tribunal acerca de uma questão no mesmo sentido.

Também as súmulas se diferem dos precedentes, desde o processo de criação e até em sua aplicação, pois se traduzem na indexação da jurisprudência que se orientou em um determinado sentido e que tem como premissa a abstração dos fatos. A súmula não reúne em si os elementos necessários para o entendimento do objeto que foi sintetizado, ou seja, para compreender a ratio decidendi, o que exige a investigação do caso subjacente à sua origem, inclusive para fins de aplicação nos casos futuros.

Fundado nestas premissas, o Código de Processo Civil avançou na valorização dos precedentes, primando pela uniformização da jurisprudência e pela manutenção da estabilidade, integridade e coerência das decisões judiciais. Não obstante, é importante ressaltar que a observância de precedentes não implica a estanqueidade do Direito, devendo haver o equilíbrio constante e permanente entre a estabilidade e a flexibilidade.6

1.2. A valorização dos precedentes judiciais no vigente Código de Processo Civil

No Código de Processo Civil brasileiro, cuja vigência se iniciou em março de 2016, a atividade jurisdicional ganhou enfoque. Mediante clara mitigação do sistema clássico da Civil Law, o novo diploma preza pela segurança jurídica não apenas pela codificação ou pela sistematização do Direito, mas também por meio da criação de um sistema de precedentes judiciais.

Positivado no art. 926 do Código de Processo Civil, o dever de uniformização da jurisprudência se materializa através da observância aos precedentes judiciais elencados no art. 927, quais sejam, as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado, a orientação do plenário ou do órgão especial a que os magistrados estão vinculados, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, bem como as súmulas dos Tribunais Superiores, vinculantes ou não.

6 COLE, Charles D. Precedente judicial: a experiência americana. Revista de Processo | vol. 92/1998 | p. 71 - 86

| Out - Dez / 1998 DTR\1998\460 p. 11.

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Com a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil e a estruturação do sistema de precedentes, pode-se verificar uma preocupação com a normatividade e previsibilidade das decisões judiciais. A observância aos precedentes mitiga a divergência dos pronunciamentos judiciais e dá maior celeridade aos processos, por meio do aumento da produtividade decisória, além de trazer estabilidade à ordem jurídica, isonomia de tratamento dos jurisdicionados e previsibilidade ao sistema, com vistas à proteção da confiança.

1.3. Segurança jurídica, equidade, integridade e coerência

A segurança jurídica, vista como expressão do Estado de Direito7 e retratada, dentre outros, por meio dos princípios da legalidade e da inviolabilidade do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito, traduz-se em valor constitucional fundamental que visa a assegurar comportamentos de acordo com o Direito e, ainda, a auxiliar os jurisdicionados a definirem suas próprias ações. Apresenta-se como valor máximo da organização da sociedade, ideal de certeza do Direito e também sob a perspectiva da previsibilidade em relação aos efeitos da regulação das condutas sociais.

É certo que, para a tutela da segurança, como se verá no próximo capítulo, apenas o pleno conhecimento do direito legislado não basta. São essenciais dois elementos: a previsibilidade e a estabilidade das decisões proferidas pelo Poder Judiciário.

Neste aspecto, tem-se que a concretização da norma no caso específico, a denominada norma individual, sobrepõe-se à norma em abstrato. Por óbvio, a eliminação da dúvida interpretativa não é factível e a aplicação do Direito ao caso concreto pode apresentar divergências, mas a uniformização de interpretação das normas minimiza eventuais discrepâncias, aumenta o grau de certeza jurídica e se aproxima do ideal de previsibilidade, em razão de que os jurisdicionados atribuem maior confiança à jurisdição estatal.

Todavia, a previsibilidade não garantirá a segurança jurídica caso haja frenética alternância de posicionamentos jurisdicionais. A variação das decisões do Judiciário acerca de determinado fato ou texto de lei contradiz a segurança jurídica. É bem por isto que a estabilidade que assegura o mínimo de continuidade da ordem jurídica é de extrema importância.

Considerado atributo da segurança jurídica e principal fundamento do sistema de precedentes judiciais, o princípio da igualdade aponta para a necessidade de haver

7 MACCORMICK, Neil. Rethoric and the rule of law – a theory of legal reasoning. New York: Oxford University Press, 2005, p. 18.

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julgamentos semelhantes em casos que versem sobre assuntos e fatos de forma semelhante.

Além de prestigiar a dignidade dos cidadãos, possibilitando que se autodefinam autonomamente, a concretização da igualdade de todos perante o Direito revela a prática efetiva da justiça e da equidade.

Trata-se da incidência da norma sobre os casos com coerência, integridade e sistematicidade, o que não somente é fundamental à afirmação, autoridade e credibilidade do Poder Judiciário, como também é imprescindível à manutenção do Estado de Direito. A coerência, neste aspecto, transmite confiança ao jurisdicionado, no sentido de proporcionar- lhe um bem-estar psicológico e a expectativa de um tratamento isonômico.

De fato, não há Direito coerente num Estado em que os juízes possam ter liberdade para formular normas individuais desiguais para casos similares. O tratamento equânime, contudo, não se limita à prolação de decisões iguais para casos que se assemelham. Tais decisões devem adotar os mesmos fundamentos: são os chamados motivos determinantes – ou ratione decidendi – que se tornam vinculantes para as futuras decisões que tratem sobre o tema por eles discutido.

A realização da igualdade requer a universalização do precedente. Seu fundamento determinante deve abarcar o maior número possível de situações jurídicas similares, de forma a lhes propiciar tratamento igualitário e tornar desnecessária a ampliação da esfera para a qual o precedente foi primitivamente elaborado. Não se pode invocar um motivo para justificar uma ação sabendo-se que não poderá utilizá-lo para justificar ações similares, sob pena de se caracterizar claras arbitrariedade e dificuldade de aceitação racional das razões de decidir.

Reside, neste ponto, a grande importância dada pelo Código de Processo Civil à necessidade de fundamentação das decisões judiciais, sempre com atenção à devida percepção das diferenças e com consciência de que o Direito deve estar em constante atualização e adaptação aos novos fatos sociais.

1.4. Necessidade de formação qualitativa

Em homenagem à igualdade de tratamento que deve prevalecer entre os jurisdicionados, é essencial consignar que não há uma vinculação cega aos precedentes em prol tão somente do julgamento quantitativo de litígios. É necessária a formação qualitativa do precedente judicial.

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Trata-se da verificação da aplicabilidade dos já mencionados motivos determinantes do precedente às questões jurídicas em debate no caso em julgamento. Para tanto, é importante conhecer os pilares do precedente pretérito, para vinculá-lo ou desvinculá-lo ao caso concreto – a partir do que nascem as práticas de distinguishing (distinção) e overruling (revogação).

A fundamentação do entendimento de vinculação ou desvinculação do caso em análise ao precedente, neste sentido, é de suma importância, eis que, a partir disso, será possível verificar se a norma jurídica extraível do precedente realmente se relaciona com o conjunto de fatos discutidos no caso em questão.

Ao avocarem as razões de aproximação ou distanciamento da ratio decidendi para regulação do caso concreto, os sujeitos processuais devem observar a dinâmica operacional do sistema de precedentes, para fins de fundamentação da sua aplicação, rejeição (distinguishing) e superação (overrulling). Havendo similitude da base fática, aplica-se a regra jurídica consubstanciada na ratio decidendi do precedente e, quando não houver essa identidade, a aplicação do precedente é afastada. Afasta-se também a sua aplicação em caso de modificação da ratio decidendi pelo órgão jurisdicional, sobretudo em função do dinamismo do Direito, que sempre precisa contemplar novas realidades sociais e tutelar as legítimas expectativas dos jurisdicionados.

É muito provável que eventual formação não qualitativa do precedente acarretará natural irresignação dos jurisdicionados, prejudicados pelo tratamento não isonômico que lhes foi dado pelo Judiciário. A consequência imediata é a multiplicação de recursos, levando a uma maior ineficiência da prestação jurisdicional.

1.5. Garantiade imparcialidade

A observância aos precedentes judiciais, com a concretização do princípio da igualdade em sua plenitude constitucional, também é fundamental para a realização do valor da imparcialidade.

A imparcialidade, aqui considerada não só relativamente ao juiz, mas também ao Estado, pode ser vista em duas dimensões: uma positiva, referente ao dever do Estado de exercer suas funções unicamente em nome do interesse público e da concretização dos direitos fundamentais, sem privilegiar a ninguém; outra, negativa, que diz respeito à vedação

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de condutas que possam conferir privilégios, ou preferências, e ao seu respectivo sancionamento.8

O julgador, nas palavras do jurista Lênio Streck:9

Mesmo que esteja autorizado a agir de ofício, não pode se colocar de um lado do processo, olvidando a necessária imparcialidade, que deve ser entendida, no plano do Constitucionalismo Contemporâneo, como o princípio que obriga o juiz a uma fairness (Dworkin), isto é, a um jogo limpo, em que as provas são apreciadas com equanimidade. Isso também quer dizer que, mesmo que possa agir de ofício, o juiz não o faça agindo por políticas ou circunstâncias de moralidade, e sim por intermédio dos princípios constitucionais.

Não poderá o juiz fundamentar a decisão alegando que julgou segundo a sua consciência uma vez que isso seria afastar a vontade legislativa.

Ao passo que se traduz como obstáculo à prática de arbitrariedades, subjetividades exacerbadas e privilégios de alguns em detrimento de outros, quando em situações idênticas, a imparcialidade se revela como verdadeiro estímulo ao desenvolvimento de um Direito coerente, em que se busca a realização dos direitos fundamentais e de uma organização social justa.

1.6. Desestímuloà litigância

A previsibilidade das decisões judiciais, a estabilidade e a certeza do Direito estimulam a pacificação social. Evidentemente, ao ter ciência de que o Judiciário não ampara sua pretensão, a parte que se julga prejudicada e que seria potencial litigante não irá se entusiasmar a propor uma demanda natimorta, em busca de uma tutela jurisdicional que jamais lhe será dada.

Diante de um cenário desfavorável a sua pretensão a ser apresentada ao Judiciário, mediante a contratação de advogado, o pagamento de custas judiciais e com a possibilidade de haver condenação, ainda, ao pagamento de verbas de sucumbência, a parte tende a não querer se aventurar.

É um custo, tanto financeiro, quanto psicológico, muito alto para se esperar por uma decisão desfavorável. A perpetuação do estado de litigiosidade no tempo é fonte de angústias

8 MARINONE, Luiz Guilherme. O STJ enquanto Corte de Precedentes. Recompreensão do Sistema Processual da Corte Suprema. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p.165-166.

9 L.L.Streck, D.Nunes, L.C.Cunha e A.Freire. Comentários ao CPC. São Paulo: Saraiva, 2016.

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e de sofrimentos, tendo em vista a indefinição da situação jurídica das partes e a inibição da regular continuidade de projetos de vida provocada pela pendência de um processo judicial em trâmite, razão pela qual a aplicabilidade dos precedentes judiciais se mostra como claro desestímulo à litigância.

2. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEGURANÇA JURÍDICA

2.1. Considerações iniciais

Nas palavras de José Afonso da Silva, “a segurança jurídica consiste no ‘conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida’. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída”.10

A Constituição Federal de 1988, após mencionar a segurança como valor fundamental em seu Preâmbulo, incluiu esse princípio no seleto elenco dos direitos invioláveis arrolados no caput do art. 5º, juntamente com os direitos à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade.

Apesar de o Constituinte nunca ter se referido a um direito à segurança jurídica propriamente dito, este acabou sendo contemplado por alguns dispositivos constitucionais, a começar pelo art. 5º, inciso II, que dispõe sobre o princípio da legalidade, passando pela expressa proteção do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, inciso XXXVI), bem como pelo princípio da legalidade e anterioridade em matéria penal (CF, art. 5º, inciso XXXIX) e da irretroatividade da lei penal desfavorável (CF, art. 5º, inciso XL), até chegar às demais garantias processuais, como é o caso da individualização e limitação das penas (CF, art. 5º, incisos XLV a XLVIII), das restrições à extradição (CF, art. 5º, incisos LI e LII) e das garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, incisos LIV e LV).

Outros exemplos se multiplicam – e não somente nos dispositivos de ordem constitucional –, tais como as regras sobre prescrição, decadência e preclusão; prazo para a propositura de recursos nas esferas administrativa e judicial; prazo para que sejam revistos os

10 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1992.

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atos administrativos; súmula vinculante (cujo objetivo, expresso no § 1º do art. 103-A da Constituição Federal, é o de afastar controvérsias que gerem “grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica”); e demais precedentes judiciais previstos no art. 927 do Código de Processo Civil também com a finalidade de proteger a isonomia entre os jurisdicionados.

Considerando que a segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do ser humano, viabilizando, mediante a garantia de uma certa estabilidade das relações jurídicas e da própria ordem jurídica como tal, tanto a elaboração de projetos de vida, bem como a sua realização, desde logo é perceptível o quanto a ideia de segurança jurídica encontra-se vinculada à própria noção de dignidade da pessoa humana.

José Augusto Delgado, em estudo dedicado à análise do princípio da segurança jurídica enquanto elemento indispensável à supremacia constitucional, ensina:

Os vários estamentos sociais reconhecem que, na atualidade, está instalado um clima de insegurança jurídica na prática dos atos administrativos do Poder Executivo, nas funções exercidas pelo Poder Legislativo e nas decisões jurisprudenciais emitidas pelo Poder Judiciário. Esses acontecimentos definham a estabilidade social e afrontam diretamente os direitos da cidadania e da valorização da dignidade humana.11

Com maestria, Ingo Sarlet conceitua dignidade humana como “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.12

Partindo-se desse pressuposto, infere-se que a dignidade humana não estará suficientemente respeitada e protegida em todo o lugar onde as pessoas estejam sendo atingidas por um tal nível de instabilidade jurídica que não estejam mais em condições de, com um mínimo de segurança e tranquilidade, confiar nas instituições estatais e em uma certa estabilidade das suas próprias posições jurídicas.

11 DELGADO, José Augusto. O Princípio da Segurança Jurídica: supremacia constitucional. In Produção Intelectual dos Ministros do STJ. Disponível em http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/448

12 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, 2ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 62.

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Sob esta ótica, a proteção dos direitos fundamentais, pelo menos no que concerne ao seu núcleo essencial e ao seu conteúdo em dignidade, evidentemente apenas será possível onde estiver assegurado o mínimo de segurança jurídica.

O princípio da segurança jurídica apresenta um aspecto objetivo, da estabilidade das relações jurídicas e, ainda, um aspecto subjetivo, da proteção à confiança (ou confiança legítima), que leva em conta a boa-fé do cidadão que acredita e espera que os atos praticados pelo Poder Público sejam lícitos e, nessa qualidade, serão mantidos e respeitados pelo próprio Estado e por terceiros. Tem por corolário – notadamente no âmbito das relações negociais – o dever da parte de não fraudar as legítimas expectativas criadas pelos próprios atos,13 o que evidencia a conexão direta com a boa-fé.

Miguel Reale afirma que acerca do tema segurança deve se observar a existência de

“algo de subjetivo, um sentimento, a atitude psicológica dos sujeitos perante o complexo de regras estabelecidas como expressão genérica e objetiva da segurança mesma”14 e adverte para uma distinção necessária entre o “sentimento de segurança”, ou seja, entre o estado de espírito dos indivíduos e dos grupos na intenção de usufruir de um complexo de garantias, e este complexo como tal, como conjunto de providências instrumentais capazes de fazer gerar e proteger aquele estado de espírito de tranquilidade e concórdia.

Para ele, “certeza e segurança formam uma ‘díade’ inseparável”,15 pois:

(...) se é verdade que quanto mais o direito se torna certo, mais gera condições de segurança, também é necessário não esquecer que a certeza estática e definitiva acabaria por destruir a formulação de novas soluções mais adequadas à vida, e essa impossibilidade de inovar acabaria gerando a revolta e a insegurança. Chego mesmo a dizer que uma segurança absolutamente certa seria uma razão de insegurança, visto ser conatural ao homem – único ente dotado de liberdade e de poder de síntese – o impulso para a mudança e a perfectibilidade, o que Camus, sob outro ângulo, denomina “espírito de revolta”.

A segurança jurídica, na sua dimensão objetiva, exige um patamar mínimo de continuidade do Direito, ao passo que, na perspectiva subjetiva, significa a proteção da confiança do cidadão nesta continuidade da ordem jurídica no sentido de uma segurança individual das suas próprias posições jurídicas.

13 COSTA, Judith Martins. A boa-fé no Direito Privado, p. 474-5.

14 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 86.

15 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 87.

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Ainda no que diz respeito à proteção de confiança, esta atua como importante elemento para a aferição da legitimidade constitucional de leis e atos de cunho retroativo, até mesmo pelo fato de que a irretroatividade de determinados atos do poder público encontra o seu fundamento justamente na necessidade de proteger a confiança do cidadão na estabilidade de suas posições jurídicas e do próprio ordenamento, o que tem levado ao reconhecimento, para além da salvaguarda dos direitos adquiridos, até mesmo de um certo grau de proteção das assim denominadas expectativas de direitos, assim como da necessidade de estabelecer regras de transição razoáveis, nos casos de uma alteração de determinados regimes jurídicos.

2.2. Estado de Direito e segurança jurídica

A segurança jurídica, vista como estabilidade e continuidade da ordem jurídica e previsibilidade das consequências jurídicas de determinada conduta, é indispensável para a conformação de um Estado de Direito, assumindo as figuras de princípio da ordem jurídica estatal e de direito fundamental.

Afirma Canotilho que os princípios da segurança e da confiança jurídica são inerentes ao Estado de Direito, ensejando uma dimensão objetiva da ordem jurídica, qual seja, a durabilidade e permanência da própria ordem jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas, sendo que outra garantística jurídico-subjetiva dos cidadãos legitima a confiança na permanência das respectivas situações jurídicas.

Considerando-a como subprincípio concretizador do princípio fundamental e estruturante do Estado de Direito, verifica-se que o Estado brasileiro, além de ter o dever de tutelar a segurança jurídica, deve realizar as suas funções de modo a prestigiá-la, estando proibido de praticar atos que a reneguem.

Para que a ideia de segurança jurídica não se perca em uma extrema generalidade, convém discriminar dois elementos imprescindíveis a sua caracterização. Para que o cidadão possa esperar um comportamento ou se portar de determinado modo, é necessário que haja univocidade na qualificação das situações jurídicas. Além disso, há que se garantir-lhe previsibilidade em relação às consequências das suas ações.

Ou seja: o cidadão deve saber não apenas os efeitos que as suas ações poderão produzir, mas também como os terceiros poderão reagir diante delas. Note-se, contudo, que a previsibilidade das consequências oriundas da prática de conduta ou ato pressupõe univocidade em relação à qualificação das situações jurídicas, o que torna esses elementos indissociavelmente ligados.

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Sepúlveda Pertence, apercebido da crise que pode ser gerada pela insegurança, afirmou que:

(...) o pressuposto de maior consolidação democrática é diretamente relacionado à segurança jurídica. Creio que a imprevisibilidade e a extrema difusão do Judiciário muitas vezes podem comprometer, efetivamente, a ideia de um desenvolvimento mais estabilizado e mais consolidado.16

Em outra perspectiva, a segurança jurídica reflete a necessidade de a ordem jurídica ser estável, com um mínimo de continuidade. E isso se aplica tanto à legislação quanto à produção judicial. Nessa atividade, a uniformidade na interpretação e aplicação do Direito revela-se como requisito indispensável ao Estado de Direito.

2.3. Asegurança jurídica sob o viés do pragmatismo jurídico: o raciocínio jurídico e o juízo obtido através da valoração

O raciocínio jurídico, na tradição formalista, é aquele que parte da norma abstrata e chega à decisão de casos concretos, de forma que a relação entre decisão e norma equivale à relação entre a conclusão e a premissa maior de um silogismo.

Alexy,17 no entanto, relata que não se pode mais defender tal posição, na medida em que o raciocínio jurídico vai além do que está previsto nas normas, não podendo, por conseguinte, ser descrito como um simples silogismo, sobretudo tendo em vista quatro constatações: (a) a imprecisão da linguagem, suscitando dúvidas a respeito da subsunção dos fatos à previsão normativa; (b) antinomias, ou conflitos entre normas, que só podem ser resolvidos recorrendo a critérios que estão além das normas; (c) lacunas e, ainda, (d) decisões consideradas juridicamente corretas mesmo em casos em que contrariam diretamente o conteúdo previsto nas normas abstratas.

A insistência no deficiente método do silogismo-dedutivo pela maioria dos julgadores, para Flavianne Nóbrega,18pode ser compreendida ora pela conveniência, ora pela

16 PERTENCE, João Paulo Sepúlveda. Entrevista concedida à Assessoria de Imprensa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Disponível em:

http://www.amb.com.br/congresso2006/index.asp?secao=mostraentrevista&mat_id=6016

17 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. Trad. Zilda Hutcheson Schield Silva. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005.

18 NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt. A proposta do raciocínio abdutivo para o Direito. In Um método para a investigação das consequências: a lógica pragmática da abdução de C. S. Peirce aplicada ao Direito. João Pessoa, Ideia, 2013, p. 105 a 117.

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inconsciência do julgador. Ela explica que a aplicação do método a priori, tão criticado por Charles Sanders Peirce, é claramente mais confortável e menos trabalhosa, tendendo a ser mais agradável à razão. A dúvida, por sua vez, é pouco oportunizada, não havendo um questionamento das razões que efetivamente culminaram na conclusão.

Diante de imprecisões de linguagem, antinomias ou mesmo lacunas, o aplicador do Direito, e mais especificamente o julgador, terá de fazer uma valoração, um sopesamento, o que demonstra ser inevitável recorrer a juízos de valor. Muito embora as decisões demandem fundamentação jurídica, para honrar a promessa constitucional do Estado de Direito, fato é que tais juízos de valor inevitavelmente são influenciados pelas crenças e valores pessoais do julgador, resultado de suas próprias experiências de vida.

Como afirma Flavianne Nóbrega, em estudo sobre o raciocínio abdutivo inspirado nas lições de Peirce, “o ato de duvidar não pode estar isento do acervo cultural e preconceitos que compõem inevitavelmente a formação de cada indivíduo”.19 Para Peirce, sob o viés pragmatista, o raciocínio deve levar em consideração os preconceitos humanos e o contexto em que o julgador se encontra inserido.

No entanto, o problema da influência da vivência pessoal nos juízos de valor é o alto grau de subjetividade que acaba por conferir às decisões judiciais, sobretudo porque, na medida em que nem sempre racionalmente aceitáveis para todos os envolvidos, esses juízos de valor não constam expressamente dos julgados, tornando impossível aos jurisdicionados submetê-los à crítica ou impugnação.

Uma vez não exteriorizados nas decisões, não se capturam os juízos de valor e nem as motivações reais dessa decisão, portanto, o que claramente fere o princípio da segurança jurídica, além do direito à ampla defesa, em sua plenitude constitucional. Nesse sentido, embora o silogismo dedutivo imprima racionalidade às decisões, acaba por omitir o caráter problemático da qualificação do fato e, com isso, construir uma verdadeira realidade artificial.

É evidente que o Direito não é inteiramente impermeável aos elementos políticos e valorativos. Em alguns pontos essa impermeabilidade pode existir, sobretudo quando não se tratar de análise de conceitos vagos. Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro traz muitas expressões vagas, ou ao menos flexíveis, além de lacunas e antinomias, as quais acabam ganhando sentido tão somente a partir da interpretação do jurista e quando postas em um contexto, no caso concreto.

19 NÓBREGA, Flavianne Fernanda Bitencourt. A proposta do raciocínio abdutivo para o Direito. In Um método para a investigação das consequências: a lógica pragmática da abdução de C. S. Peirce aplicada ao Direito. João Pessoa, Ideia, 2013, p. 105-117.

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Sob esta ótica, a efetiva aplicação do Direito ao caso concreto nitidamente leva em consideração os preconceitos humanos e o contexto em que o julgador se encontra inserido, no sentido da dúvida viva e do raciocínio abdutivo de Peirce.

Eventual subsunção ou omissão utilizada como subterfúgio para não expor valorações ou convicções de cunho político, quando assim exige o caso concreto, pode revelar evidente negativa de prestação jurisdicional, o que viola, em última instância, a garantia constitucional do acesso à justiça e, primordialmente, a garantia da segurança jurídica.

É importante, ressaltar, nessa atividade, que uma forte valoração política da decisão também pode trazer uma carga demasiada de subjetividade ao pronunciamento, a qual pode extrapolar a necessária imparcialidade do julgador, o que não tem respaldo na legislação processual e muito menos na Constituição Federal de 1988.

Há um trecho do icônico livro “Alice através do espelho” (1871), de Lewis Carrol, que simboliza de maneira perfeita essa situação, e inclusive serve de alicerce para discussões filosóficas sobre o ativismo judicial, pois traduz a capacidade de se dar diversos sentidos a um texto a partir da própria consciência e da maneira que convém ao intérprete.

Nas palavras do personagem Humpty Dumpty, “quando eu uso uma palavra, ela significa exatamente o que quero que signifique: nem mais nem menos. A questão é, disse Alice, se pode fazer as palavras significarem tantas coisas diferentes. A questão, disse Humpty Dumpty, é saber quem vai mandar - só isto”.

Apesar de superadas tanto a concepção tradicional de Savigny de que a interpretação não é mais que a reconstrução do pensamento do legislador, quanto a ideia de Montesquieu de que o juiz seria la bouche de la loi, deve haver um equilíbrio quando se fala em permeabilidade do Direito aos elementos políticos e valorativos. Eros Grau ensina que a interpretação do Direito não é atividade de conhecimento, mas construtiva e, portanto, decisional, embora não discricionária.

Certamente, cabe ao juiz interpretar a lei, pois é pela interpretação que a norma abstrata adquire vida, mas, segundo Humberto Theodoro Júnior, a atividade jurisdicional não pode se centrar em ideologias ou crenças pessoais, sendo dever do magistrado realizar a aderência da norma ao quadro fático posto.

Para Neil MacCormick, influenciado por John Dewey, a solução seria verificar se a decisão, ainda que resultado de valoração do julgador, pode ser universalizável ou utilizada como paradigma para casos futuros. E, nesse aspecto, é que se insere a relevância do sistema

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de precedentes judiciais obrigatórios trazido pelo Código de Processo Civil brasileiro, como se verá no capítulo a seguir.

2.4. A concretizaçãoda segurança jurídica através dos precedentes judiciais

No Código de Processo Civil brasileiro com vigência desde março de 2016, a atividade jurisdicional ganhou enfoque. Como visto, mediante clara mitigação do sistema clássico da Civil Law, o novo diploma preza pela segurança jurídica não apenas pela codificação ou pela sistematização do Direito, mas também por meio da criação de um sistema de precedentes judiciais, que preza pela uniformização da jurisprudência.

Para garantir segurança, previsibilidade e o próprio Estado Democrático de Direito, o julgador não pode ignorar o direito posto, muito embora o princípio da legalidade não signifique replicar a literalidade da lei. Ao aplicador das normas jurídicas cabe interpretar os conceitos jurídicos, sobretudo aqueles indeterminados, que contêm palavras ou expressões vagas ou imprecisas. Do ponto de vista linguístico, tais conceitos não possuem um conteúdo claro e somente adquirem um sentido determinado após sua interpretação, que deverá levar em consideração e valorar as circunstâncias do caso concreto.

Exemplos clássicos de conceitos jurídicos indeterminados são: “interesse público”,

“boa-fé”, “função social”, “bem comum”, “bons costumes”, "atividade de risco" etc. Nessas ocasiões, o aplicador do direito tem certa margem de atuação, havendo quem cogite se tratar de verdadeira delegação legislativa ao juiz, que deverá averiguar no caso concreto qual medida seria juridicamente mais adequada.

Como fica evidente, a adoção de textos abertos representa uma completa superação do ceticismo sobre o juiz que existia no século XIX, cujo expoente foi a Escola francesa da Exegese. De “o boca da lei”, o juiz passa a ser cada vez mais visto como o criador do direito.

A criatividade judicial e a carga normativa da jurisprudência (ou ativismo judicial), a despeito de diversas críticas, apresentam-se como estritamente necessárias para que se adeque a aplicação das normas à realidade fática do jurisdicionado.

Isso porque quanto menos o texto legal se descolar do suporte fático, é mais provável de se obter uma sentença justa. Nesse ponto, destaca Dworkin que:20

A compreensão meramente burocrática do decidir despe o juiz da responsabilidade e o afasta do compromisso com o caso. Quando se deixam

20 DWORKIN, Ronald. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 175.

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de julgar os casos, para julgarem-se teses, tem-se sintoma inequívoco da suplantação da atividade judicial pela burocracia.

Sob esta ótica, para a prática efetiva da justiça e da equidade, fica também evidenciada a necessidade de haver julgamentos semelhantes em casos que versem sobre fatos semelhantes, concretizando a igualdade de todos perante o Direito. A coerência trazida pela aplicação dos precedentes, neste aspecto, transmite confiança ao jurisdicionado, no sentido de proporcionar-lhe um bem-estar psicológico e a expectativa de um tratamento isonômico.

Sobre o tema, cabe citar o interessante trecho de umas das obras do antropólogo Roberto Damatta:21

Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado. Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado.

Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não:

cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro. Mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.

De fato, não há Direito coerente num Estado em que os juízes possam ter liberdade para formular normas individuais desiguais para casos similares. O tratamento equânime, contudo, não se limita à prolação de decisões iguais para casos que se assemelham. Tais decisões devem partir da mesma ratio decidendi.

A realização da igualdade requer a universalização do precedente. Seu fundamento determinante deve abarcar o maior número possível de situações jurídicas similares, de forma a lhes propiciar tratamento igualitário e tornar desnecessária a ampliação da esfera para a qual o precedente foi primitivamente elaborado.

Para Daniel Sarmento,22 em matéria de tutela dos direitos sociais, em razão do princípio da isonomia, a reserva do possível fática dever ser concebida como “a razoabilidade da universalização da prestação exigida, considerando os recursos efetivamente existentes”.

Trata-se da responsabilidade do julgador na construção da solução do caso concreto de forma a constituir uma norma jurídica universalizante aos casos semelhantes.

21 DAMATTA, Roberto Augusto. Carnavais, Malandros e Heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª edição. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

22 SARMENTO, Daniel. Por um constitucionalismo inclusivo: História Constitucional Brasileira, Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

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Nota-se que deve haver uma preocupação e um olhar prospectivo do julgador com relação aos efeitos da sua decisão no futuro, de tal sorte que sejam dimensionáveis os seus impactos nos meios social e jurídico – especialmente no ambiente decisional dos julgadores do futuro – quanto às categorias assimiláveis à aplicação da norma do precedente.

O que se permitiu com o regramento do Código de Processo Civil foi parametrizar o processo criativo, que restou disciplinado e que representa a concretização dos predicados da segurança jurídica, estabilidade, coerência da ordem jurídica e previsibilidade.

É certo que a previsibilidade, por si só, como tendência, não garantirá a segurança jurídica caso haja frenética alternância de posicionamentos judiciais e, assim, a estabilidade que assegura o mínimo de continuidade da ordem jurídica é de extrema importância.

Bem por isso, consta expressamente do art. 927, §§ 3º e 4º, do diploma processual civil que, “na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica” e, ainda, que “a modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia”.

Reside neste ponto a grande importância dada à necessidade de fundamentação das decisões judiciais (CF, art. 93, inciso IX), o que deve ser feito sempre com atenção à devida percepção das diferenças e com consciência de que o Direito deve estar em constante atualização e adaptação aos novos fatos sociais. É através da fundamentação que se permite vincular o julgador tanto aos precedentes, quanto aos casos futuros.

A racionalização decisória, a previsibilidade das decisões e a estabilidade da jurisprudência culminam na sua uniformidade, escopo principal do sistema brasileiro de precedentes, o que revela inequívoca valorização da segurança jurídica mediante a correta aplicação dos precedentes nos julgamentos, em homenagem à isonomia entre os jurisdicionados e à proteção da boa-fé e da confiança.

2.5. A concretizaçãoda segurança jurídica através da formação da coisa julgada

O Poder Judiciário e, por consequência, a jurisdição, compõem o Estado Democrático de Direito, positivado no art. 1º da Constituição Federal. Nessa lógica, fica

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evidente que uma importante manifestação do Estado Democrático de Direito se dá por meio da aplicação do instituto da coisa julgada.

A Constituição Federal de 1988, fonte originária de direito no sistema jurídico brasileiro, determina algumas cláusulas assecurativas aos litigantes no processo, quais sejam, a publicidade dos atos processuais, o tratamento isonômico, a motivação das decisões judiciais, o contraditório e a ampla defesa, a inafastabilidade de lesão ou ameaça de direito da apreciação do Judiciário, o acesso à Justiça, a proibição da prova ilícita, a atuação do juiz e promotor naturais, o duplo grau de jurisdição, o devido processo legal e a segurança decorrente da coisa julgada.

O instituto da coisa julgada possui hierarquia de garantia oferecida pelo Estado às partes, alçada à qualidade de cláusula pétrea, uma vez prevista no art. 5º, inciso XXXVI, da Carta Constitucional. Na esfera legal, dispõe o Código de Processo Civil, em seu art. 502, que se denomina coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

Na esteira dos ensinamentos de Cândido Rangel Dinamarco,23 com influência na obra de Enrico Tullio Liebman, trata-se da qualidade de imutabilidade ou indiscutibilidade do pronunciamento jurisdicional, em seu mérito, o que decorre da eficácia declaração que surge após seu trânsito em julgado, estando as partes subordinadas à eficácia desse ato e à regra jurídica concreta por ele estabelecida. Esse status, que transcende a vida do processo, consiste na intangibilidade das situações jurídicas ali discutidas em concreto.

Nas palavras de Eduardo Talamini, que adota a linha de que a natureza jurídica da coisa julgada é processual, trata-se da “proibição de que se emita novo comando jurisdicional sobre o mesmo objeto processual e, ainda, a determinação de que se adote o comando anterior como premissa inafastável nos pronunciamentos jurisdicionais proferidos nos processos subsequentes para os quais o objeto do processo anterior funcione como questão prejudicial”.24

Para que se opere a coisa julgada é imprescindível a ocorrência do trânsito em julgado, certificado quando não mais couber a interposição de quaisquer recursos pelas partes.

Tais conceitos, contudo, não se confundem: o trânsito em julgado diz respeito ao aspecto cronológico do esgotamento dos meios internos de reforma, invalidação ou complementação

23 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2004. v. 3, p.

309.

24 TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 45.

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da sentença, ao passo que a coisa julgada é a qualidade de imutabilidade da decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

A eficácia da coisa julgada se opera ope legis, ou seja, o juiz não pode recusá-la, restringi-la ou a agregar a atos que não possuem aptidão para adquiri-la. Sua eficácia vincula quaisquer órgãos jurisdicionais, independentemente da hierarquia,25 pois tem força de lei (CPC, art. 503).

Ressalta-se, nesse ponto, que a projeção da coisa julgada material se diverge da formal, pois enquanto esta se limita à produção de efeitos endoprocessuais, aquela os lança de forma externa, uma vez julgado o mérito da demanda posta em litígio (CPC, art. 487). Se não resolvido o mérito, com a formação apenas da coisa julgada formal (CPC, art. 485), poderá ser renovada a ação para se buscar a solução da lide ainda não pacificada (o que não exclui a primeira sentença, terminativa, frise-se), observando-se, nos casos do § 1º do art. 486 do Código de Processo Civil, a correção do vício que levou à sentença sem resolução do mérito, para a posterior repropositura da ação.

A coisa julgada atua dentro de limites objetivos e subjetivos. Estes se referem a quem está sujeito à sua autoridade, enquanto aqueles definem o que, na decisão, adquire o selo da imutabilidade e se torna indiscutível. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida (CPC, art. 503), o que significa que a autoridade da coisa julgada recai sobre o objeto litigioso, não podendo o juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida (CPC, art. 492) e nem conhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte (CPC, art. 141). Subjetivamente, o art. 506 do diploma processual civil prevê que a sentença faz coisa julgada às partes as quais é dada, não podendo prejudicar terceiros estranhos à relação jurídica processual.

Nas lições de Barbosa Moreira, “o interesse na preservação da res iudicata ultrapassa, contudo, o círculo das pessoas diretamente envolvidas”.26 É que a coisa julgada visa a oferecer estabilidade às relações jurídico-sociais, trazendo não apenas a efetividade da tutela jurisdicional, mas, em última análise, a pacificação social.

Trata-se de nítida concretização do princípio constitucional da segurança jurídica, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Assim como o ato jurídico perfeito e o direito adquirido (CF, art. 5º, XXXVI), a coisa julgada é indissociável da segurança jurídica,

25 ASSIS, Araken de. Processo Civil brasileiro: parte especial: procedimento comum (da demanda à coisa julgada). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. v. 3, p. 1.381.

26 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Considerações sobre a chamada “relativização” da coisa julgada material.

In: DIDIER JR., Fredie. Relativização da coisa julgada. Salvador: Jus Podivm, 2008. p.233.

Referências

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