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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO CURITIBA GIOVANNI SANTORO NETO

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Academic year: 2022

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO CURITIBA

GIOVANNI SANTORO NETO

A SOCIEDADE ANÔNIMA DO FUTEBOL (SAF) E A MONETIZAÇÃO DA PAIXÃO

CURITIBA 2021

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO CURITIBA

A SOCIEDADE ANÔNIMA DO FUTEBOL (SAF) E A MONETIZAÇÃO DA PAIXÃO

Texto parcial apresentado como requisito à obtenção do título de Bacharel em Direito no Curso de Direito promovido pelo Centro Universitário Curitiba.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Osório Moraes Panza.

CURITIBA 2021

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GIOVANNI SANTORO NETO

A SOCIEDADE ANÔNIMA DO FUTEBOL (SAF) E A MONETIZAÇÃO DA PAIXÃO

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos

professores:

Orientador: Prof. Dr. Luiz Osório Moraes Panza

__________________________

Prof. Membro da Banca

Curitiba, 2021.

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AGRADECIMENTOS

Minha eterna gratidão e amor eterno ao meu pai, Fortunato Santoro, por me dar a possibilidade de estudar aquilo que me faz feliz e por me deixar mergulhar em seu oceano de conhecimento durante os 22 anos de minha existência.

Agradeço à minha companheira, Gabriela, que sempre me ofereceu seu apoio incondicional e, em gestos de puro amor, muitas vezes abdicou de si em favor de mim.

Obrigado, Antonella, minha amada filha, que com a força do seu inigualável sorriso me faz amar a vida em um ritmo crescente.

Minha gratidão à Prof.ª Dra. Nadia Mikos por todos os valiosos e imprescindíveis ensinamentos gentilmente transmitidos no início deste estudo.

À Prof.ª Dra. Maria da Glória Lins da Silva Colucci meus singelos agradecimentos pelo prazer de ter sido seu orientando em um primeiro momento.

Ao Prof. Dr. Luiz Osório Moraes Panza meu agradecimento por ter aceitado a tarefa de me orientar na reta final deste trabalho.

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RESUMO

O presente estudo objetiva demonstrar a evolução da prática profissional do futebol a partir de uma análise histórica e econômica, demonstrando de que modo o esporte deixou de representar mera atividade de lazer, de caráter eminentemente amador, para ser transformado em um verdadeiro produto que movimenta cifras bilionárias anualmente ao redor do planeta, com a profissionalização dos agentes envolvidos nas transações intrínsecas ao esporte, como por exemplo a negociação dos direitos de transmissão, principalmente televisivos, das partidas e as transferências de atletas entre clubes. Ainda, pretende se demonstrar de que forma a Lei n° 14.193/2021, marco legal da Sociedade Anônima do Futebol no Brasil, poderá afetar o modelo organizacional atual dos clubes de futebol, atualmente constituídos preponderantemente em associações sem fins lucrativos, que são objeto de críticas acintosas por parte de parte da doutrina sob a justificativa de uma defasagem em relação ao modelo de sucesso adotado em grande parte da Europa.

Palavras-chave: Futebol. Direito Empresarial. Direito Desportivo. Sociedade Anônima do Futebol.

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ABSTRACT

This study aims to demonstrate the evolution of professional soccer practice from a historical and economic analysis, demonstrating how the sport is no longer a mere leisure activity, with an eminently amateur character, to be transformed into a true product that moves billions annually around the planet, with the professionalization of agents involved in transactions intrinsic to the sport, such as the negotiation of the rights to broadcast matches and the transfer of athletes between clubs. It is also intended to demonstrate how Law No. 14.193/2021, legal framework of the “Sociedade Anônima do Futebol” in Brazil, may affect the current organizational model of football clubs, currently constituted predominantly in non-profit associations, which are the object of vehement criticisms by part of the doctrine under the justification of a delay in relation to the successful model adopted in much of Europe.

Key words: Soccer. Company Law. Sports Law. Brazil’s Soccer Corporation.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...1

2. PANORAMA ATUAL DOS CLUBES DE FUTEBOL NO BRASIL...3

2.1 O ESTADO E O INCENTIVO AO ESPORTE...4

2.1.1 O Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (PROFUT)...6

2.2 PREDOMINÂNCIA DO MODELO ASSOCIATIVO...13

2.3 ENDIVIDAMENTO DOS CLUBES DE FUTEBOL BRASILEIROS...23

3. DIREITO COMPARADO...31

3.1.1 Inglaterra...32

3.1.2 Espanha...35

3.1.3 Alemanha...38

3.1.4 Portugal...42

4. A SOCIEDADE ANÔNIMA DO FUTEBOL (SAF)...44

4.1 LEI N° 14.193/2021 – MARCO LEGAL DA SOCIEDADE ANÔNIMA DO FUTEBOL...46

4.1.1 Constituição da Sociedade Anônima do Futebol...48

4.1.2 As Ações de Classe A e a proteção da identidade do clube...50

4.1.3 Quitação das obrigações...52

4.1.4 Financiamento da SAF. Criação de um Título Mobiliário Exclusivo (“Debênture- Fut”)...55

4.1.5 Modelo Tributário Específico (TEF)...58

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...61

REFERÊNCIAS...64

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1. INTRODUÇÃO.

O futebol é, indubitavelmente, paixão nacional. É exatamente por esta razão que o Brasil é chamado, dentre tantos outros apelidos, de “país do futebol”. O orgulho do futebol brasileiro surge, efetivamente em larga escala, com a escolha do País para sediar o maior evento esportivo da modalidade em 1950: a Copa do Mundo. Foi então que, mesmo com a derrota na final para o Uruguai dentro do Maracanã para aproximadamente 200 mil espectadores, o torcedor brasileiro uniu-se para prestigiar a sua seleção nos torneios posteriores. Já em 1958 o primeiro triunfo na competição surgiu dos pés do maior atleta de todos os tempos, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, que contou com a companhia de outros craques como Garrincha, Zito, Nilton Santos, Didi, Gilmar e companhia. Foi em uma final de Copa do Mundo contra a expressiva Suécia que Pelé, o estreante da seleção brasileira naquele ano, com apenas dezessete anos de idade, marcou um gol de “gente grande” ao “chapelar”1 o zagueiro da Suécia dentro da área adversária e finalizar com precisão para ter o nome consagrado para sempre na história do esporte.2

Todo esse introito tem o objetivo de demonstrar o interesse e a atualidade do tema escolhido para investigação no presente estudo. Além de aliar o natural interesse pelo desporto – como prática cultural – desenvolveu-se o reconhecimento de ser o Direito Desportivo uma nova área para a atuação jurídica e a necessidade de estudarem-se as normativas aplicáveis ao tema, sob um prisma constitucional e econômico.

Sob esse aspecto, o legislador vem criando desde 1993 normativas com o escopo de se viabilizar a prática desportiva profissional, adequando-a às novas tendências que surgem mundialmente, principalmente mercadológicas, advindas preponderantemente dos Estados Unidos da América e da Inglaterra, os dois modelos de maior sucesso mundial no esporte.

1 “Chapelar” é palavra advinda do vocabulário do futebol. Representa uma espécie de drible realizado no esporte. Drible, por sua vez, representa movimento com o corpo ou com a bola na tentativa de ludibriar o adversário.

2 Confederação Brasileira de Futebol; disponível em www.cbf.com.br. Acesso em 07/10/2020.

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Isto é, não se trata de sucesso pura e simplesmente desportivo, mas as razões pelas quais estes países chegaram no nível em que hoje se encontram neste meio. O berço do capitalismo e o seu maior praticante criaram para o esporte uma verdadeira indústria do entretenimento, que movimenta cifras bilionárias anualmente com negociações de patrocínio e direitos de transmissão, por exemplo.

Assim, o que se pretende demonstrar é o aspecto mercadológico que atualmente engloba o esporte, especificamente no tocante ao futebol, que se tornou um dos maiores (se não o maior) produtos de entretenimento do planeta.

Especificamente ao Brasil, tratar-se-á da Lei n° 14.193/2021, que instituiu a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) como uma nova possibilidade dada aos clubes de futebol do País, que atualmente são preponderantemente constituídos enquanto associações civis sem fins lucrativos e, em virtude do modelo adotado (ou não), acumulam dívidas que por vezes ultrapassam a casa do bilhão.

A iniciativa legislativa vai muito além de mera criação de uma nova sociedade empresária, trazendo aos clubes que optarem pela adesão inúmeras ferramentas que não são afetas a qualquer outra modalidade societária, criadas exclusivamente para o mercado tão particular do futebol, como pretende se demonstrar adiante.

Para tanto, será feita uma análise histórica do esporte, desde o seu surgimento até o estado em que se encontra nos dias de hoje, explorando em que momento e de que modo a prática desportiva do futebol se transformou em um produto tão rentável para os players nele envolvidos, ofuscando o aspecto lírico para dar ênfase à uma análise com enfoque majoritariamente econômico.

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2. PANORAMA ATUAL DOS CLUBES DE FUTEBOL NO BRASIL.

Acredita-se que o futebol tenha surgido no Brasil em meados de 1894 por meio do anglo-brasileiro Charles Miller, que trouxe a modalidade esportiva do Reino Unido para as terras tupiniquins. O esporte, então, foi, aos poucos, ascendendo ao gosto popular, tornando-se marco exponencial de cultura no decorrer de sua prática, tanto profissionalmente quanto amador, ao longo dos anos.3

Em virtude da popularização do esporte no território nacional, começaram a surgir diversas agremiações com o único intuito de praticar futebol. Estas agremiações, intituladas de clubes, foram constituídas em um modelo associativo, no qual a presença dos associados é indispensável para sua subsistência já que, de acordo com o art. 53 do Código Civil de 2002, “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.”4

A primeira associação criada no Brasil com o escopo de se praticar o futebol foi a denominada “Sport Club Rio Grande”, que surgiu em 19 de julho de 1900. Inclusive, na data de criação do referido clube se comemora o “Dia Nacional do Futebol” no Brasil. O clube, apesar de precursor, nunca esteve na “prateleira de cima” do esporte nacional. Por outro lado, a Associação Atlética Ponte Preta, segunda instituição mais antiga do Brasil neste ramo, ainda hoje tem papel relevante nas competições desportivas profissionais.

O que se denota é que, apesar de seculares, as centenas de clubes de futebol do Brasil ainda apresentam, em esmagadora maioria, notável ausência de profissionalismo no tocante à gestão financeira. Nem o tempo foi capaz de sanar as adversidades decorrentes da falta de governança nas agremiações, que depende, antes de qualquer coisa, de uma mudança brusca na forma de pensar o esporte para iniciar um novo caminho rumo ao equilíbrio.

Nesse sentido, pretende-se demonstrar por meio do presente estudo as benesses que podem vir a surgir em virtude da transformação dos clubes de futebol do Brasil em

3 MILLS, John. Charles Miller: O pai do futebol brasileiro. São Paulo: Ed. Panda Books, 2013; página 16.

4 BRASIL. Lei n° 10.406/2002. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em: 25/01/2021,

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sociedades empresárias, posto que o modelo associativo efetivamente tornou-se ultrapassado diante da evolução do desporto.

2.1 O ESTADO E O INCENTIVO AO ESPORTE.

Em 1988, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, que tratou expressamente sobre o desporto, surge um dos marcos mais importantes para a história do Direito Desportivo nacional. A Carta Magna trouxe no art. 217 a previsão do fomento ao esporte por parte do Estado, a previsão de autonomia das agremiações desportivas, o aspecto residual da justiça comum em ações que versam sobre a disciplina em competições desportivas - que, de acordo com a redação do parágrafo 1°, terá decisão final proferida em no máximo sessenta dias –, entre outras disposições.5

Ainda no que se refere à Lei Maior, é pertinente apontar a consolidação da vasta gama de direitos fundamentais trazida pelo Texto Constitucional de 1988. Evidente que a intenção do legislador é predominantemente protecionista na redação do art. 5° e seguintes. Dentre todo o disposto naquele texto é necessário para o presente estudo o apontamento de alguns dos seus dispositivos. O art. 6°, por exemplo, aponta como direito fundamental social a educação, a saúde e o lazer, devendo, para tanto, o Poder Público praticar políticas públicas buscando a sua efetivação para a coletividade.

Evidente, pois, que a redação do art. 217 da Lei Maior insere o esporte nas tratativas atinentes à saúde, educação e, inclusive, ao lazer, estando, portanto, intimamente relacionado com os direitos fundamentais sociais presentes no art. 6°.

Faz-se necessária, então, a diferenciação entre a prática desportiva de alto rendimento e a prática do esporte com o escopo educacional. O inciso II do art. 217 da Constituição Federal prevê que: “II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;”.

5SOUZA, Gustavo Pires de Lopes (org). Direito Desportivo. 1ª Edição. Belo Horizonte: Ed. Arraes, 2014.

Páginas 4 a 10

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Desse modo, é cristalino que o papel do Estado no esporte é fomentá-lo no prisma da educação e subsidiariamente na vertente do alto rendimento, buscando, para tanto, a efetivação do esporte como meio de desenvolvimento educacional, cultural, de saúde e de lazer e, satisfeito o objetivo inicial, o fomento do esporte de alto rendimento, com os maios diversos objetivos, tanto econômicos quanto de representatividade em sede de competições internacionais por modalidade.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, política pública é “[...] um conjunto de atos unificados por um fio condutor que os une ao objetivo comum de empreender ou perseguir um dado projeto governamental para o País. [...]”.6

Desta feita, deve a Administração Pública praticar atos buscando a efetivação da educação, da saúde e do lazer. Ainda, o Poder Público pode praticar estes atos diretamente por meio dos serviços públicos ou indiretamente por meio das práticas de fomento, definidas por Sílvio Luís Ferreira da Rocha, conforme citação por Mello7, como

“[...] ação da Administração com vista a proteger ou promover as atividades, estabelecimentos ou riquezas dos particulares que satisfaçam as necessidades públicas ou consideradas de utilidade coletiva sem o uso da coação e sem prestação de serviços públicos.”7

Iniludível, portanto, que o desporto se insere no ordenamento jurídico pátrio como direito fundamental social. Isto é, a prática desportiva efetiva tanto os pilares do direito fundamental à saúde, quanto o igualmente fundamental social direito ao lazer. E, ainda, está intimamente atrelado à educação, considerando a expressa menção presente no inciso II do art. 217 da Constituição da República Federativa do Brasil.8

Nesse sentido, à Lei n° 9.615/1998 (Lei Pelé) coube efetivar os preceitos constitucionais quanto ao desporto, trazendo em seus artigos os objetivos da prática desportiva educacional: “desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o

6 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. p.814

7 Ibidem. p.815

8 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados: (...) II — a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; (...). Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 05/09/2020

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exercício da cidadania e a prática do lazer”9 e do desporto de participação, que, de acordo com a referida Lei, tem como escopo “a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente.”.10

Buscando efetivar estes mandamentos, a Lei Pelé regula a destinação dos recursos do Ministério do Esporte, que em 2019 foi incorporado ao Ministério da Cidadania, para a promoção tanto da prática desportiva profissional quanto educacional, com investimentos inclusive em capacitação de recursos humanos na profissionalização de professores e cientistas do desporto.11

O desporto, portanto, não é diferente de qualquer área de conhecimento. Isto é, necessita de investimentos para pesquisa e capacitação de profissionais com o intuito de se promover a prática desportiva com qualidade, principalmente em âmbito educacional, uma vez que os atletas de alto rendimento contam com mais recursos advindos dos particulares por meio dos contratos de patrocínio, ainda que grande parte não seja agraciada com um investidor que possa oferecer os recursos necessários para que o atleta atinja o melhor resultado possível nas competições.

2.1.1 O Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (PROFUT).

Conforme exposição acima, o Estado deverá contribuir para o desenvolvimento do desporto nacional em virtude dos mandamentos expressamente previstos na Carta Magna, que investiu o desporto na qualidade de direito fundamental social.

Deste modo, cabe ao Estado promover os investimentos necessários para que o desporto, tanto educacional quanto profissional, possa ser praticado com qualidade, princípio contido no inciso IX, art. 2° da Lei n° 9.615/1998.12

Nesse contexto

9 BRASIL. Lei n° 9.615/1998. Art. 3°. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 05/09/2020.

10 BRASIL. Lei n° 9.615/1998. Art. 3°. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 05/09/2020.

11 BRASIL. Lei n° 9.615/1998. Art. 7°. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 05/09/2020.

12 BRASIL. Lei n° 9.615/1998. Art. 2°. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 05/09/2020.

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Alguns municípios brasileiros, com o claro propósito de cumprir o determinado pela Constituição Federal e ditar políticas públicas locais de desenvolvimento desportivo, criam leis específicas para o fomento do esporte dentro de sua competência territorial e tributária.13

Já em âmbito federal, cumpre destacar o papel exercido pela Lei n° 11.438/2006, denominada de Lei de Incentivo ao Esporte, que trata, em resumo, acerca de benefícios fiscais concedidos àqueles que contribuírem em projetos destinados ao esporte educacional, de rendimento e de participação.

Para que se efetivasse a dedução em imposto de renda devido, a pessoa física ou jurídica deveria prestar apoio às iniciativas aprovadas pelo Ministério do Esporte, que realizaria análise valorativa quanto à pertinência e viabilidade dos projetos apresentados.

Deste modo, o Estado traz aos particulares benefícios para que atuem em prol da evolução do desporto, uma vez que tal descentralização é, historicamente, fundamental para o desenvolvimento de determinado setor.

Isto é, em uma tendência liberal o que se almeja é o Estado Mínimo, zelando pura e simplesmente pelo essencial à sociedade, sem interferência naquilo que poderá ser enfrentado pelos particulares.

Sob esse aspecto, a atuação que se espera do Estado é na esfera do Poder Legislativo, criando mecanismos por meio da Lei para incentivar a iniciativa privada a investir no desporto como um todo, além do futebol profissional.

Entretanto, a criação de facilitadores que atraiam os particulares ao investimento no esporte não é suficiente para garantir a efetivação dos mandamentos constitucionais, posto que - agora particularmente no que concerne ao futebol brasileiro -, para tornar o mercado futebolístico cativante ao investidor se faz necessária uma organização, principalmente financeira, que traga um aspecto de segurança na aplicação de recursos, cumprindo um imperativo de transparência, papel fundamental para a viabilidade.

13 SOUZA, Gustavo Pires de Lopes (org). Direito Desportivo. 1ª Edição. Belo Horizonte: Ed. Arraes, 2014. p.174.

(15)

É sabido que em âmbito de organização financeira e transparência os clubes de futebol brasileiros apresentam inúmeras falhas dignas de críticas acintosas, principalmente pela mídia e pelos torcedores. A imagem deste meio é, assim, deteriorada por todo um histórico recheado de acontecimentos que demonstram, no mínimo, ausência de profissionalismo daqueles incumbidos pela gestão dos clubes.

A lista de acontecimentos que podem ser citados como exemplos sobre o tema é extensa.

Quanto à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), por exemplo, há de se ressaltar o modelo oligárquico adotado pela autarquia na nomeação de dirigentes, que culmina, em regra, na ausência de credibilidade aos olhos de quem acompanha. Isto é, adotada a oligarquia como forma de perpetuação no poder, os quesitos de competência e pertinência na contratação de um profissional para exercer função fundamental à instituição são deixados de lado. Assim, não importa, em regra, o profissionalismo, mas pura e simplesmente o fato de estar relacionado a alguém por um vínculo familiar.

Tal fato fica ilustrado pela presidência da CBF dos anos 1989 a 2012, que teve como responsável Ricardo Teixeira, empresário de ramo alheio ao esporte e, principalmente, genro de João Havelange, presidente da referida autarquia de 1958 a 1975, quando assumiu a função diretiva da Federação Internacional de Futebol (FIFA), órgão máximo do futebol.

No decorrer de sua gestão, Ricardo Teixeira acumulou escândalos relacionados aos esquemas de corrupção que vieram a ser deflagrados tanto em cenário nacional quanto internacional.

Um acontecimento relevante a ser citado nesse sentido é a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a apurar a regularidade de um contrato de patrocínio celebrado entre a Confederação Brasileira de Futebol e a empresa Nike em meados de 1996, que teve como intermediário a empresa Traffic Assessoria e Comunicações. 14

14 TORRES, Silvio. Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Apurar a Regularidade do Contrato Celebrado entre a CBF e a Nike: Relatório da CPI da Nike – Ministério do Esporte. Brasília, junho de 2001.

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A CPI foi instaurada no ano de 2000, mediante requerimento no ano anterior por parte do então Deputado Federal Aldo Rebello, que sustentou a necessidade de tal procedimento em virtude da

[...] existência de cláusulas contratuais que asseguram à Nike a organização dos jogos e a escolha dos times que competirão com a seleção brasileira e limitam o poder de decisão da CBF sobre os jogos amistosos destinados à preparação técnica e tática do time 15

E, complementarmente,

Argumentava que tais cláusulas podiam significar o desrespeito aos princípios fundamentais inscritos no artigo 2º da Lei Geral do Desporto, entre os quais os da soberania, da autonomia e da identidade nacional; e ao art. 4º, § 2º da mesma Lei, que dispõe que “a organização desportiva do País, fundada na liberdade de associação, integra o patrimônio cultural é considerada de elevado interesse social”.16

Uma questão suscitada pela Confederação Brasileira de Futebol quando chamada ao inquérito merece destaque. De acordo com o inciso I do art. 217 da Constituição da República Federativa do Brasil, é dever do Estado observar “a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento”.17

Assim, posto que a CBF é constituída em um modelo de associação civil sem fins lucrativos, de direito privado, não faria sentido a interferência do Estado para apurar condutas possivelmente ilegais em sede de CPI, que tem caráter eminentemente público.

De todo modo, tal questão foi afastada pelo então Deputado Federal Silvio Torres, que, ao analisar o disposto no art. 217 da Carta Magna quanto a prerrogativa de autonomia das entidades desportivas, entendeu que

A interpretação correta do art. 217 é que a autonomia não é um fim em si mesmo, nem é ilimitada: não exime o Estado do dever de traçar e implementar políticas de desenvolvimento do desporto, não o desobriga de suas responsabilidades

15 Idem. p. 14.

16 Idem. p.14.

17 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em: 05/10/2020

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relativas ao fomento das práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, nem inibe, de qualquer forma, a ação do poder público em matéria de desporto. Ao assegurar autonomia às entidades desportivas, os constituintes apenas reconheceram que existe uma realidade do desporto, que cumpre respeitar18

No entanto, ainda que a CPI tivesse, aos olhos do Deputado Silvio Torres, indícios suficientes para levar as investigações adiantes, o procedimento foi arquivado após a ausência de aprovação do relatório que continha as informações do caso e que traçavam sua justificativa de pertinência. Ainda que seja impossível concluir com precisão, há de se indicar a possibilidade de o arquivamento da CPI ter sido concretizado em virtude de fatores eminentemente políticos, em razão de suposta “influência” dos diretores da CBF perante agentes do Poder Legislativo.

Como já mencionado no início do presente capítulo, a lista de escândalos envolvendo o futebol é extensa. De todo modo, não cumpre ao presente apontar cada uma delas, mas sim apresentar a sua incidência no âmbito do esporte para justificar a necessidade de existência de legislação capaz de, se não erradicar, pelo menos diminuir tais condutas por parte de dirigentes diretamente relacionados com o âmbito desportivo.

É nesse contexto que surge a Lei n° 13.155/2015, denominada de Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte (LRFE), que institui o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (PROFUT), tendo “o objetivo de promover a gestão transparente e democrática e o equilíbrio financeiro das entidades desportivas profissionais de futebol.”. 19

Em suma, trata-se de uma tentativa de salvação do esporte por meio de um incentivo do Estado, que será dado na forma de parcelamentos de dívidas perante a Administração Pública, na forma do art. 6° daquela Lei.

Art. 6º As entidades desportivas profissionais de futebol que aderirem ao Profut poderão parcelar os débitos na Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda, na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e no Banco

18 TORRES, Silvio. Comissão Parlamentar de Inquérito Destinada a Apurar a Regularidade do Contrato Celebrado entre a CBF e a Nike: Relatório da CPI da Nike – Ministério do Esporte. Brasília, junho de 2001. p.57.

19 BRASIL. Lei n° 13.155/2015. Art. 2°. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 10/10/2020.

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Central do Brasil, e os débitos previstos na Subseção II, no Ministério do Trabalho e Emprego.20

Para tanto, a entidade de prática desportiva deverá seguir os requisitos previstos na Lei n° 13.155/2015, previstos nos artigos 3°, 4° e 5°. Em resumo, os clubes que pretendem aderir ao benefício do parcelamento de débitos devem entender que tais prerrogativas somente se darão em caso de “aceitação voluntária de técnicas de intervenção estatal no governo interno de entidades privadas e a fixação de parâmetros econômicos de imprevisível resultado.”. 21

Em números, o incentivo ao pagamento dos débitos em aberto foi considerável, trazendo a possibilidade de “parcelamento das divididas dos clubes em até 240 parcelas, com redução de 70% das multas, 40% dos juros e 100% dos encargos legais dos débitos reconhecidos, confessados e consolidados das entidades desportivas.”.22

Quanto à intervenção estatal que se demonstra na forma de contrapartidas ao benefício, cumpre apontar a

regularidade das obrigações trabalhistas e tributárias; imposição de limitação ao mandato do presidente e demais dirigentes eleitos; proibição de antecipação ou comprometimento de receitas; redução do déficit, limite de gastos com atletas, afastamento e inelegibilidade de dirigentes que praticarem gestão irregular ou temerária. 23

Assim, o que se extrai da Lei n° 13.155/2015 é efetivamente uma tentativa de reeducação dos clubes por meio da instituição de normas de conduta fundadas em princípios de transparência e gestão financeira, que opera em caráter pedagógico ao prever uma punição àqueles que, após realizarem o parcelamento dos débitos, deixem de cumprir com as obrigações impostas, na forma dos artigos 16 a 18, que trata da rescisão do parcelamento.

20 BRASIL. Lei n° 13.155/2015. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 10/10/2020.

21 CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; MANSSUR, José Francisco C. Futebol, Mercado e Estado: Projeto de Recuperação, Estabilização e Desenvolvimento Sustentável do Futebol Brasileiro: Estrutura, Governo e Financiamento. São Paulo: Ed. Quartier Latin do Brasil, 2016. p. 49 e 50.

22 VEIGA, Mauricio de Figueiredo Corrêa da. Direito e Desporto. São Paulo: Ed. LTr, 2018. p. 36.

23 Idem. p. 36

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De todo modo, insta salientar que, ainda em 2021

Os clubes da Série A do Campeonato Brasileiro que aderiram ao Profut (Programa de Refinanciamento Fiscal do Futebol Brasileiro) somam um débito de R$ 430 milhões com a União. Dos 20 times da elite brasileira, 13 têm parcelamentos ativos, quatro (Cuiabá, Palmeiras, Red Bull Bragantino e Sport) não aderiram ao parcelamento e o Fluminense já quitou seu débito.24

Diante do dado em destaque, cumpre apontar uma crítica quanto ao modelo adotado pelo Estado, especificamente quanto ao Poder Legislativo, para a resolução dos problemas intrínsecos ao futebol brasileiro.

O que se percebe historicamente é que em situações críticas criam-se mecanismos com o escopo de afrouxar os débitos dos clubes, que, via de regra, não alteram em nada a cultura do endividamento.

Ainda que a Lei n° 13.155/2015 tenha tentado a reeducação dos clubes é evidente que, de maneira geral, o resultado atingido ficou longe do esperado. Assim, deve-se admitir a possibilidade de que o PROFUT represente “mais um programa de salvação, calcado em renúncias, e não vinculado à transformação organizativa, a qual, aliás, somente se incentivará com instrumentos adequados.”. 25

Tais “instrumentos adequados”, na linha de pensamento do autor, grande entusiasta da governança desportiva, são representados, em última análise, sob o aspecto da transformação dos clubes brasileiros de futebol, hoje organizados no modelo de associação sem fins lucrativos, em sociedades empresárias. Assunto este que será adiante esmiuçado quando o presente estudo tratar acerca da Sociedade Anônima do Futebol.

2.2 PREDOMINÂNCIA DO MODELO ASSOCIATIVO.

24 Braga, Thiago. Lutando para congelar Profut, clubes da Série A devem R$ 430 mi. UOL, São Paulo, 09/04/2021. Disponível em: www.uol.com.br/esporte/futebol/ultimas-noticias/2021/04/09/lutando-para- congelar-profut-clubes-da-serie-a-devem-r-430-mi.htm. Acesso em: 10/05/2021.

25 CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; MANSSUR, José Francisco C. Futebol, Mercado e Estado: Projeto de Recuperação, Estabilização e Desenvolvimento Sustentável do Futebol Brasileiro: Estrutura, Governo e Financiamento. São Paulo: Ed. Quartier Latin do Brasil, 2016. p. 49.

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O primeiro ponto a ser discutido é a razão pela qual as agremiações destinadas à prática do futebol nasceram como associações no Brasil.

Há de se apontar que, historicamente, o football nasce na Inglaterra em 1810, tendo suas regras escritas surgido apenas em 1830 e sendo praticado majoritariamente em ambientes escolares.26

Com a popularização do esporte, surgem os clubes ingleses destinados à prática do futebol, já dotados de um modelo empresarial desde sua origem e pautados pelas regras criadas pela Associação Inglesa de Futebol, que detinha o poder de regulamentar a prática desta modalidade desportiva naquela época.

Em virtude da regulamentação da referida Associação os clubes bretões que almejavam a prática profissional do futebol foram constituídos como “companhias de responsabilidade limitada, vendendo ações ao público e dirigidos por um presidente e um conselho de administração.”27

Entretanto, muito embora os clubes tenham sido constituídos como empresa, há de se ressaltar que os dirigentes destas companhias de responsabilidade limitada eram proibidos de receberem qualquer remuneração em função da atividade profissional prestada à agremiação desportiva, por força de vedação da Associação Inglesa de Futebol.28

Ainda, insta salientar que, além das vedações impostas aos dirigentes dos clubes, a Associação Inglesa de Futebol também restringiu “os dividendos dos acionistas a 7,5 por cento”29 em uma tentativa de se afastarem quaisquer incidências de manipulação de resultados com o escopo de se obter vantagem econômica por meio da prática desportiva profissional.

Muito embora os clubes de futebol tenham surgido na Inglaterra já com um aspecto empresarial é importante ressaltar que havia por parte da Associação Inglesa de Futebol uma grande preocupação quanto à mercantilização da prática desportiva profissional. Isto

26 PRONI, Marcelo Weishaupt. A metamorfose do futebol. Campinas: UNICAMP. Instituto de Economia, 2000. p.23.

27 LEVER, Janet. A Loucura do Futebol. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1983. p. 61.

28 Ibid. p. 62

29 Idem. p. 62

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é, conforme exposto, foram criadas inúmeras restrições aos clubes e seus acionistas quanto ao lucro e a forma de administração.

Assim, construiu-se na Inglaterra “[...] um modelo híbrido que incorporou valores mercantis (que transforam o espetáculo esportivo em lazer das massas urbanas), mas preservando aspectos do ideário amador (que via o esporte como uma atividade autônoma) [...].”30.

Quanto à disseminação do futebol em âmbito internacional, cumpre apontar que o esporte somente começou a ser praticado na América do Sul em 1860, anos após a prática desportiva em alta escala no Velho Continente a partir da influência cultural dos ingleses.

De acordo com registros históricos31, o futebol surge na América do Sul pela Argentina, tendo o primeiro clube de futebol do país sido criado em 1867 e nomeado de

“Buenos Aires Football Club”. Da denominação do clube se depreende a influência inglesa.

Isto é, tal influência se explica na medida em que entre a Argentina e a Inglaterra foi estabelecida uma espécie de colonização tardia, com ocupação dos britânicos em solo argentino para a construção de ferrovias por volta do ano de 1840.32

Os navegantes ingleses chegavam na Argentina pelo porto de Buenos Aires e lá se instalavam, trazendo consigo a cultura e as tendências britânicas. O principal resultado advindo do convívio entre os dois povos de diferentes costumes foi, efetivamente, o futebol, que começou a ser ensinado pelos ingleses aos argentinos no porto da Capital.

Assim sendo, o berço do futebol sul americano foi a Argentina, pela forte influência britânica no século XIX. Relação essa que, inclusive, tornar-se-ia problemática com o passar dos anos, chegando ao estopim no ano de 1982 quando ocorreu a chamada

“Guerra das Malvinas”.

30 PRONI, 2000. p.30.

31 GIULIANOTTI, Richard C.; WEIL, Eric. Football. Britannica, 2021. Disponível em:

www.britannica.com/sports/football-soccer. Acesso em: 22/07/2021.

32 Asociación del Fútbol Argentino. AFA, 2021. História. Disponível em:

www.afa.com.ar/es/pages/historia. Acesso em: 22/07/2021

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No Brasil o futebol surge em meados de 1894 pela influência do anglo-brasileiro Charles Miller, que trouxe a modalidade esportiva para o país. A profissionalização dos atletas, no entanto, somente veio a acontecer em 1933, na tentativa de acompanhar os precursores Argentina e Uruguai no desenvolvimento do futebol sul-americano.33

A prática desportiva do futebol passou, então, a ser amplamente disseminada pelas massas por meio da mídia, que tornou a referida modalidade esportiva a nova moda cultural do País, atingindo tanto a classe burguesa quanto à proletária, que, além de praticarem o esporte recreativamente, passaram a acompanhar os espetáculos desportivos de perto nos estádios de futebol.

Quanto às agremiações de prática desportiva, cumpre apontar que não nasceram especificamente com ou para o futebol. Isto é, muitas delas já existiam com fim em outros esportes, como, e.g., os náuticos. Nesse sentido, um dos principais exemplos é o Clube de Regatas Flamengo, do qual já se extrai a influência do esporte náutico pelo próprio nome.

Assim, o futebol surge no Brasil com

[...] caráter amador dos clubes em seu nascedouro, no qual a forma associativa era não uma escolha política, mas uma decorrência natural da divisão de custos daquela atividade, não muito diferente de amigos dividindo a conta do bar.34

Ou seja, os clubes de futebol do Brasil nascem como associações sem fins lucrativos ainda no começo do século passado e, salvo raríssimas exceções, continuam se organizando da mesma forma até os dias de hoje. Portanto, considerando que a Lei pouco evoluiu acerca do regime associativo, há de se ponderar acerca do risco de defasagem que os clubes de futebol brasileiros correm ao continuar adotando o referido modelo em detrimento ao empresarial.

Quanto ao modelo associativo, diz Pablo Stolze Gagliano:

“[...] em uma associação, os seus membros não pretendem partilhar lucros ou dividendos, como ocorre entre os sócios nas sociedades civis e mercantis. A

33 PRONI, 2000. p.35.

34 COSTA JUNIOR, Benedito Villela Alves A Viabilidade e Tipificação Jurídica do Clube Empresa no Brasil: A Comoditização da Paixão., 1ª Edição. 2017. Posição 559. E-book Kindle.

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receita gerada deve ser revertida em benefício da própria associação visando à melhoria de sua atividade”

Assim sendo, uma das justificativas dos clubes para a não constituição de sociedades empresárias é justamente acerca do escopo da receita da associação, que, por força de Lei, deverá ser novamente investida em prol do clube visando a sua melhoria, representada pelo equilíbrio financeiro e pelos resultados desportivos.

Entretanto, admite-se também a possibilidade de os dirigentes e membros das associações evitarem a transformação dos clubes em empresas em virtude de uma possível perda de poder que tal mudança acarretaria em desfavor destes agentes. Isto é, cumpre destacar que nas agremiações existem grupos de pessoas que se perpetuam em cargos deliberativos, denominados de “conselheiros”.

Estes agentes são responsáveis pela tomada de diversas decisões que dizem respeito às associações desportivas, cumprindo também papel de fiscalização das decisões tomadas por aquele que exerce papel de presidente, inclusive no que concerne aos balanços financeiros, com respectiva aprovação ou desaprovação.

O que se observa historicamente é que os referidos membros acabam por promover uma espécie de oligarquia dentro dos clubes na medida em que muitos deles são sucedidos por familiares que continuam a manter as mesmas relações com os demais conselheiros. Isto é, no referido modelo raramente se admite qualquer resquício de novidade.

Assim, se promove, às custas do clube, uma perpetuação de poder em relações estritamente políticas envolvendo os conselheiros das agremiações. Nesse sentido, não raras vezes se noticia pelos veículos de imprensa um conflito de interesses entre tais membros, que se justificam na ânsia pelo poder travestida de zelo em prol da entidade de prática desportiva.

Ainda, é importante salientar que a consolidação do modelo associativo no tocante aos clubes de futebol tem como principal fator a influência do Estado na regulamentação do esporte.

O Decreto-Lei n° 3.199 de 1941, primeira regulamentação que surge para tratar sobre o esporte no Brasil, definiu, na forma do art. 48, que “[...] É proibido a organização

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e funcionamento de entidade desportiva, de que resulte lucro para os que nela empreguem capitais sob qualquer forma.35

O Presidente Getúlio Vargas, por meio do referido Decreto-Lei e em contraponto ao que vinha se desenvolvendo na Europa quanto à mercantilização do futebol, afastar do desporto a possibilidade de se obter proveito econômico decorrente de sua prática.

Tal proibição permaneceu operando seus efeitos no cenário do futebol brasileiro até o ano de 1993, quando foi publicada a Lei n° 8.672, incentivada por Arthur Antunes Coimbra, o “Zico”, então secretário dos esportes do Governo Fernando Collor/Itamar Franco.

Por meio dos artigos 10 e 11, a Lei, que ficou popularmente conhecida como “Lei Zico”, facultou às entidades de prática desportiva a possibilidade de transformação em

“sociedades comerciais com finalidades desportivas” ou, ainda, “contratar sociedade comercial para gerir suas atividades desportivas”.36

A edição da Lei n° 8.672/1993 se justificou na medida em que se percebeu a necessidade de inovação no âmbito do futebol, que permaneceu em um ambiente legislativo monótono desde a primeira regulamentação em 1941. Foram criados, portanto, mecanismos para a modernização das agremiações, que não mais podiam ser consideradas meras ferramentas de entretenimento para a sociedade.

Isto é, a prática profissional do futebol, desde seu surgimento na Inglaterra, foi capaz de atrair o interesse da sociedade em acompanhar as disputas que aconteciam entre dois grupos de pessoas que corriam atrás de uma bola com o objetivo de marcar mais pontos que o adversário em determinado período de tempo.

Em determinado momento, percebeu-se que este interesse poderia ser transformado em um produto dotado de grande aceitação e desejo pelo público. Assim, os eventos esportivos passaram a reunir multidões que pagavam para estarem presentes naquele momento e acompanhar a disputa de perto, em um anseio por lazer e entretenimento.

35 BRASIL. Decreto-Lei n° 3.199/1941. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em: 23/02/2021.

36 BRASIL. Lei n° 8.672/1993. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em: 24/02/2021.

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Com o passar dos anos, o produto futebol foi evoluindo e criando novas possibilidades. Os clubes perceberam a necessidade de manter uma estrutura apropriada para a prática desportiva, com uniformes e outros materiais intrínsecos ao football sendo fornecidos aos atletas.

Ainda, notou-se que determinado atleta tinha maior habilidade de praticar o esporte do que aquele que estava ao lado, nascendo, portanto, o desejo de determinado clube contar com fulano ou beltrano em sua equipe. O mercado, então, foi responsável por criar a fórmula para tanto a partir das transferências de atletas entre clubes.

Com a popularização, os torcedores de determinada agremiação passaram a manifestar o desejo de estampar em seus corpos a sua paixão pelo futebol. Nasce, assim, a comercialização de produtos de identificação com os clubes, como camisas e demais assessórios.

Em verdade, as possibilidades de monetização da paixão são infinitas, uma vez que acompanham a evolução tecnológica da sociedade. Um exemplo atual são os chamados fan tokens, que consistem na compra de um ativo digital por parte do torcedor com o fim de participação na tomada de algumas decisões internas do clube, como a personalização do ônibus que transporta os atletas para as partidas.

O futebol brasileiro passou por uma drástica transformação a partir dos anos 90, principalmente em razão do surgimento de contratos de patrocínio milionários por parte de empresas de grande expressão, tanto nacionais quanto multinacionais. Notou-se que o futebol, enquanto fenômeno social, era uma excelente vitrine para estampar produtos e fomentar o consumo dos torcedores.

Uma das parcerias mais emblemáticas da época foi a denominada “Era Parmalat”, que envolvia a Sociedade Esportiva Palmeiras, clube de futebol sediado na cidade de São Paulo, e a empresa italiana Parmalat, grande nome do ramo alimentício. O patrocínio, que começou em 1992, contava com um investimento anual de aproximadamente U$500.000,00 (quinhentos mil dólares), o mais expressivo do Brasil à época. 37

37 Verdão Fecha com Parmalat. Folha de São Paulo, São Paulo, 18/02/1992. Disponível em:

https://acervo.folha.com.br/. Acesso em: 25/02/2021.

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A parceria foi a responsável por trazer ao clube diversas conquistas esportivas expressivas já a partir de 1993, quando o Palmeiras conquistou o Campeonato Paulista de Futebol, seu primeiro título após 16 anos de jejum, além da Taça Rio-São Paulo e do Campeonato Brasileiro de Futebol.

Existe no meio futebolístico uma expressão que traz o seguinte: “Dinheiro não entra em campo”. Entretanto, o que se observa é que a referida frase tem caráter no mínimo leviano. Isto é, evidente que uma nota de cem reais será incapaz de exercer qualquer função esperada de um atleta no decorrer de uma partida. Por outro lado, a mesma nota será utilizada para arcar com os custos advindos da contratação do atleta responsável por fazer um gol de título ou evitar que o adversário o faça.

Não é plausível imaginar o esporte sem investimento. O futebol é mercado. Os melhores equipamentos de treinamento são mais caros do que os ordinários, assim como os melhores atletas custam mais aos clubes para serem mantidos e/ou contratados.

Deste modo, o clube com maior poderio econômico tende a se destacar e conquistar mais do que aquele que arrecada menos, assim como uma determinada empresa com grande investimento provavelmente terá mais destaque do que outra que conta com aportes de menor expressão.

Insta salientar que, em razão da notória predominância do modelo associativo nos clubes de futebol brasileiros, as exceções dos clubes organizados em sociedades empresárias são de suma importância para a compreensão do presente estudo.

Assim, cumpre apontar quatro exemplos importantes deste modelo no Brasil:

União São João S.A., Red Bull Bragantino Futebol Ltda., Botafogo Futebol S.A. e Cuiabá Esporte Clube Ltda.

De acordo com registros da Confederação Brasileira de Futebol, entidade máxima desta modalidade no Brasil, em janeiro de 2020 existiam 83 clubes de futebol organizados como sociedades empresárias no território nacional enquanto outros 1.347 eram organizadas no formato associativo. Ou seja, os clubes-empresa representavam no início

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do ano passado um percentual de aproximadamente 6% dos clubes em formato associativo.38

A história das sociedades empresárias no futebol brasileiro se inicia em 1994, quando o União São João de Araras, sediado no interior do Estado de São Paulo, resolveu utilizar a faculdade trazida pelo art. 11 da Lei n° 8.672/1993 (Lei Zico)39 e transformar-se em uma sociedade anônima. Entretanto, em razão da ausência de suporte legislativo e de problemas na gestão do clube, as atividades econômicas não foram prósperas.

Após a transformação do União São João, alguns outros clubes de futebol decidiram também adotar o regime empresarial, como o Esporte Clube São Caetano, tradicional no Estado de São Paulo, por exemplo, que constituiu uma sociedade limitada.

Entretanto, nenhum deles havia sido capaz de atingir relevância suficiente para causar impacto nos grandes clubes organizados enquanto associações civis.

O primeiro clube-empresa a causar algum impacto foi o RB Brasil, criado em 2007 pela empresa austríaca Red Bull, que já investia no futebol desde 2005, quando a companhia adquiriu o FC Salzburg para transformá-lo em FC Red Bull Salzburg. A multinacional, que já tinha vasta experiência no mundo do esporte por patrocinar diversas modalidades ao longo dos anos, resolveu investir no Brasil com a criação de um clube para estampar sua marca.

Ainda que o RB Brasil não tenha atingido resultados de elite no futebol brasileiro, há de se apontar que o crescimento foi expressivo, considerando que o clube foi capaz de alcançar a divisão principal do campeonato estadual mais importante do País (Campeonato Paulista de Futebol) e, assim, disputar partidas contra clubes de grande relevância nacional, como Palmeiras, Corinthians, São Paulo e Santos.

Seguindo um critério cronológico, em 2009 surge o Cuiabá Esporte Clube Ltda., sediado no Estado do Mato Grosso. Ao contrário de como se deu na criação do RB Brasil, o Cuiabá já existia desde 2001, vindo a ser posteriormente adquirido pela empresa

38 MATTOS, Rodrigo. Como Red Bull criou no Bragantino um modelo diferente de clube-empresa. UOL.

2020. Disponível em: <https://rodrigomattos.blogosfera.uol.com.br/2020/01/07/como-red-bull-criou-no- bragantino-um-modelo-diferente-de-clube-empresa/?next=0001H123U11N>. Acesso em: 20/06/2020.

39 BRASIL. Lei n° 8.672/1993. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em: 24/02/2021.

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denominada “Borrachas Drebor Ltda.”, que viu no futebol uma oportunidade de investimento. Após adquirir o Cuiabá, a empresa adotou no clube um modelo de gestão empresarial buscando uma evolução a longo prazo, objetivo que foi efetivamente atingido no ano de 2020, quando o clube garantiu a vaga de acesso a divisão de elite do Campeonato Brasileiro de Futebol. De acordo com Cristiano Dresch, vice-presidente do Cuiabá EC Ltda., o que se almeja ao adotar um modelo empresarial é “direcionar os esforços do trabalho para a obtenção de lucros”40.

Em virtude da pandemia do SARS-CoV2, a maioria dos clubes de futebol deixou de arrecadar milhões de reais, principalmente em razão ausência de público pagante nos estádios para acompanhar o espetáculo desportivo. De todo modo, o Cuiabá registrou um aumento de aproximadamente 225% das receitas em 2021 com relação ao ano de 2020. Tal aumento se deu em virtude da “vitrine” mais valorizada que o clube passou a ter com a conquista do acesso para a primeira divisão do campeonato nacional, adquirindo novos patrocinadores e recebendo quantias maiores provenientes das verbas que as emissoras de televisão pagam aos clubes para transmitir os jogos ao público.41

Quanto à gestão do Cuiabá EC, talvez o ponto mais importante para a manutenção do clube em alto padrão, há bastante zelo pela saúde financeira, com equilíbrio das contas. Uma das principais medidas adotadas pelos dirigentes foi o corte de gastos com funcionários que exercem funções de custo elevado nos demais clubes, como o cargo de diretor de futebol, por exemplo.42

O Botafogo Futebol Clube foi fundado em 1918 na cidade de Ribeirão Preto, no interior do Estado de São Paulo. Preliminarmente, importante salientar que, apesar de centenário, o clube nunca conseguiu atingir papel de suma relevância no âmbito do futebol brasileiro. Ainda que tenha atingido a primeira divisão do campeonato nacional por seis vezes, o “Pantera”43 sempre deixou a desejar na competição. Buscando mudar este panorama, em junho de 2019 surge o Botafogo Futebol S.A., “sociedade por ações

40 Estadão Conteúdo. Com rápida ascensão, Cuiabá é clube-empresa que está no Brasileirão pela 1ª vez.

ISTO É, 2021. Disponível em: < https://istoe.com.br/com-rapida-ascensao-cuiaba-e-clube-empresa-que- esta-no-brasileirao-pela-1a-vez>. Acesso em: 15/06/2021.

41 Idem. Acesso em: 15/06/2021.

42 Idem. Acesso em: 15/06/2021.

43 Alcunha utilizada pela torcida do Botafogo FC para se referir ao clube.

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de capital fechado, com o objeto social de gestão de atividades desportivas e realização de eventos culturais e desportivos.”.44

A Companhia foi criada com a composição de 60% das ações de titularidade do acionista Botafogo Futebol Clube e 40% para a empresa “Trexx Sports Participações Ltda.”. Deste modo, a associação civil assegurou a maioria das ações, diferindo-se do modelo adotado pelo Cuiabá EC, que foi comprado por outra empresa. Isto é, o modelo adotado pelo Botafogo teve como escopo a constituição de

[...] uma sociedade anônima conferindo a ela os ativos relacionados ao futebol (como contratos com atletas, licenças, patrocínios, equipamentos e outros bens e direitos), e permite que um investidor, mediante o aporte de capital, se torne proprietário de parcela minoritária das ações de emissão da companhia.45

O capital social do Botafogo Futebol S.A. monta em R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais), sendo que deste valor, R$12.000.000,00 (doze milhões de reais), correspondentes a 60% do total, são de titularidade do Botafogo Futebol Clube. Tal quantia foi integralizada na forma de ativos do Clube, que compreendem

(i) registros do clube na Federação Paulista de Futebol e na Confederação Brasileira de Futebol, (ii) contratos com atletas, empregados e prestadores de serviços, (iii) bens móveis, (iv) contratos de locação, cessão ou comodato envolvendo imóveis utilizados para a prática do futebol, (v) direitos de propriedade industrial, e (vi) receitas de programas de sócios, entre outros listados no boletim de subscrição, os quais foram objeto de laudo de avaliação.46

Os R$8.000.000,00 (oito milhões de reais) restantes pertencem à Trexx Sports Participações Ltda., que viu no futebol uma oportunidade de investimento em longo prazo. Isto é, certamente não será uma atividade lucrativa em pouco tempo, posto que para tanto se faz necessária uma reestruturação drástica no modelo administrativo do clube.

44 Botafogo Futebol S.A. Sítio eletrônico. Disponível em < https://botafogofutebolsa.com.br >. Acesso em:

15/06/2021

45 Castro, Rodrigo R. Monteiro de. Botafogo Futebol S.A.: O Estatuto Social da (Sociedade) Botafogo Futebol S.A. Migalhas, 2018. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/coluna/meio-de- campo/286518/o-estatuto-social-da--sociedade--botafogo-futebol-s-a>. Acesso em: 20/07/2020.

46 Idem. Acesso em: 20/07/2020.

(30)

É situação completamente distinta do modelo Red Bull, por exemplo. No caso atinente à empresa austríaca, a dificuldade diminui, considerando que a marca é de extrema valia ao mercado do esporte. Além de, evidentemente, possibilidade maior de investimento em virtude da capacidade de aportes financeiros por parte de uma multinacional consagrada no mercado.

Ainda no tocante ao Botafogo Futebol S.A., em Estatuto definiu-se que alguns temas somente serão deliberados e respectivamente aprovados pelos votos de ao menos 3/4 (75%) do capital votante da Sociedade Anônima, como

(i) orçamento anual e plano de investimentos, (ii) dissolução, liquidação, transformação, fusão, cisão e incorporação da companhia, e (iii) investimentos ou desinvestimentos classificados como "relevantes" (aqueles que, individual ou conjuntamente, correspondem, em um mesmo exercício social, a 20% do ativo total consolidado da sociedade).47

Deste modo, concretiza-se necessariamente uma modalidade empresarial na gestão do futebol do clube. Isto é, considerando que o Botafogo Futebol Clube detém 60% das ações do Botafogo Futebol S.A., será imprescindível que os 15% restantes, componentes da Trexx Ltda., concordem com as decisões que versam sob matérias eminentemente comerciais. E, posto que é imprescindível à existência de uma empresa o conceito de atividade econômica, será igualmente imprescindível aos clubes a busca pelo lucro a partir da prática do futebol.

2.3 ENDIVIDAMENTO DOS CLUBES DE FUTEBOL BRASILEIROS.

Preliminarmente, convém apontar que o endividamento dos clubes não decorre de um modelo de organização X ou Y, mas sim da incapacidade de administração dos clubes por parte de seus dirigentes e demais integrantes das cúpulas administrativas.

47 Castro, Rodrigo R. Monteiro de. Botafogo Futebol S.A.: O Estatuto Social da (Sociedade) Botafogo Futebol S.A. Migalhas, 2018. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/coluna/meio-de-

campo/286518/o-estatuto-social-da--sociedade--botafogo-futebol-s-a>. Acesso em: 20/07/2020.

(31)

De todo modo, a questão do endividamento parece ser predominante nos clubes organizados como associações civis sem fins lucrativos, por fatores intrínsecos a este modelo.

Isto é, um dos aspectos que contribuem para tanto é a escolha do Presidente do clube, que exerce mandato, em regra, não superior a 4 anos nesta função. Por pressão interna (conselheiros) e externa (torcedores e mídia), é praxe que o Presidente eleito passe a adotar uma postura eminentemente populista, buscando agradar a opinião popular por meio de gastos excessivos em busca de reforços que possam contribuir para a conquista de resultados esportivos.

Entretanto, ocorre que por muitas vezes os clubes não são capazes de absorver estes gastos, fazendo com que se criem dívidas, principalmente no tocante às verbas trabalhistas e previdenciárias dos atletas, a curto, médio e longo prazo. As vincendas em curto prazo são resolvidas, e as de médio e longo vencimento são ignoradas, posto que deverão ser suportadas pela próxima gestão do clube. Cria-se, assim, um ciclo vicioso, que com o passar dos anos resulta em graves crises financeiras nas agremiações, com efeito direto no rendimento desportivo.

Inúmeras são as ocorrências destes fenômenos durante a história do futebol brasileiro. Em 2002, por exemplo, a vítima desta falta de gestão foi a Sociedade Esportiva Palmeiras, que figura entre os principais clubes do Brasil em razão da vasta galeria de títulos acumulados em sua história, desde a criação como “Palestra Itália”

no ano de 1914.

Após o fim da parceria com a empresa italiana Parmalat em virtude da ausência de renovação do contrato ao final do ano 2000, o clube se viu impossibilitado de permanecer financeiramente saudável nas temporadas seguintes. Sem recursos para a manutenção dos atletas de renome e tampouco para a contratação de outros, o Palmeiras estava em crise, que posteriormente culminou no rebaixamento para a segunda divisão do campeonato brasileiro de futebol no ano de 2002, algo visto com maus olhos pela sua torcida em razão da história de protagonismo que a agremiação construiu com a conquista de títulos ao longo dos anos.

(32)

Tal acontecimento se explica pela dependência criada dos recursos advindos do contrato de patrocínio firmado com a Parmalat, que, inclusive, fez com que integrantes do seu quadro de funcionários assumissem funções diretivas dentro do clube, buscando um modelo de gestão mais próximo ao das sociedades empresárias em detrimento do modelo associativo. A nomeação de José Carlos Brunoro, diretor de esportes da Parmalat na América do Sul, como Presidente do clube é a principal ilustração desta narrativa.

A reestruturação financeira do Palmeiras foi longa e árdua. Somente no ano de 2013 foi possível perceber algum sinal de mudança, quando os conselheiros nomearam Paulo de Almeida Nobre, renomado empresário brasileiro com atuação intensa na bolsa de valores, como Presidente do clube.

Nobre promoveu um verdadeiro choque de gestão no Palmeiras ao profissionalizar completamente departamentos estratégicos com o Futebol, o Jurídico, o Financeiro, o Marketing e a Comunicação. Já o acordo com grandes empresas de tecnologia como a SAP e a Microsoft proporcionaram uma revolução digital nas operações contábeis e administrativas do clube, dando mais transparência e desburocratizando processos.

[...] A gestão também resgatou a credibilidade do Palmeiras no mercado, renegociando dívidas e assinando o maior acordo de patrocínio da história do clube – à época, com as estampas de Crefisa, FAM e Prevent Senior, a camisa do Verdão pulou para o primeiro lugar no ranking das mais valiosas do Brasil. Somando ainda a novas receitas de licenciamento de marca, o clube reestabeleceu o fluxo de caixa, deixou de pedir adiantamentos das cotas de direitos de transmissão às TVs e voltou a ser superavitário.48

Diante do contido na informação em destaque é possível concluir que é indispensável ao futebol a profissionalização de seus agentes, tanto na esfera dos clubes quanto nas Federações Estaduais e na Confederação Brasileira de Futebol.

Aliás, para tanto, não é imprescindível a transformação dos clubes em sociedades empresárias, vide o exemplo acima.

Em verdade, os clubes que almejam uma reestruturação devem, impreterivelmente, mudar a filosofia quanto à destinação dos recursos do clube,

48 SOCIEDADE ESPORTIVA PALMEIRAS. Sítio eletrônico oficial. Disponível em www.palmeiras.com.br.

Acesso em 22/07/2020.

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priorizando a contratação de profissionais competentes para criar novas possibilidades de arrecadação, melhorar as já existentes e erradicar dos balanços financeiros a figura das dívidas milionárias perante a Administração Pública e também aos jogadores, na forma de verbas trabalhistas, previdenciárias e direito de imagem, de natureza civil.

Quanto ao endividamento, uma das ferramentas recentes mais eficazes é a criada pelo Banco Itaú S.A., em estudo destinado à “Análise Econômico-Financeira dos Clubes de Futebol Brasileiros”, que se vale de dados públicos divulgados pelos próprios clubes em balanços financeiros para formular hipóteses técnicas acerca das receitas e das despesas anuais apresentadas.

A análise acerca do documento fornecido pelo Banco Itaú será tratada em grau de baixa complexidade em comparação com pesquisas no ramo da Economia, mas em aprofundamento suficiente para o presente estudo.

Com relação ao ano de 2017, o estudo do Banco Itaú, divulgado em 2018, analisou a dívida dos clubes em três grupos: bancárias, operacionais e impostos.

As dívidas bancárias são compostas por débitos em aberto perante “Bancos e Pessoas Físicas que cobram taxas similares”.49

Já as dívidas operacionais são aquelas referentes às transferências de atletas em conjunto com os salários, encargos sociais e encargos tributários a serem quitados pelo clube mensalmente.

Por fim, quanto ao terceiro grupo,

são os valores devidos de Impostos tanto de curto prazo (parcelas que vencem no ano) como de longo prazo, equacionados ou não no Profut, e as Provisões para Contingência de curto e longo prazos, visto que são potenciais problemas no futuro.50

49 ITAÚ BBA. Análise Econômico-Financeira dos Clubes de Futebol Brasileiros, 2018. Dados Financeiros

de 2017. Disponível em:

www.itau.com.br/_arquivosestaticos/itauBBA/Analise_Clubes_Brasileiros_Futebol_Itau_BBA.pdf. Acesso em: 10/06/2021.

50 Idem. Acesso em 10/06/2021

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