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4. A SOCIEDADE ANÔNIMA DO FUTEBOL (SAF)

4.1.3 Quitação das obrigações

O cenário de endividamento que assola o futebol brasileiro é preocupante, principalmente nas últimas décadas, muito em virtude das gestões temerárias dos dirigentes que controlam os clubes com irresponsabilidade financeira na busca incansável por resultados desportivos a qualquer custo.

Diante deste panorama, cumpriu à Lei n° 14.193/2021 trazer mecanismos para que os clubes endividados que pretendem (ou não) constituir uma Sociedade Anônima do Futebol possam buscar um aparato legislativo almejando, se não a solução do problema, pelo menos um meio de diminuir o passivo preexistente.

Diante disso, o art. 13 da referida Lei prevê que

O clube ou pessoa jurídica original poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos seus credores, ou a seu exclusivo critério: I - pelo concurso de credores, por intermédio do Regime Centralizado de Execuções previsto nesta Lei; ou II - por meio de recuperação judicial ou extrajudicial, nos termos da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.109

Assim, ressalta-se que a Lei traz mecanismos para a quitação dos débitos em aberto para beneficiar tanto os devedores quanto os credores, que terão o direito de receber as quantias que lhe são devidas assegurado.

Ainda, destaque-se que a redação do art. 13 não faz menção à obrigatoriedade de constituição de uma SAF para que haja a possibilidade de se ter acesso ao Regime Centralizado de Execuções ou ao instituto da recuperação judicial ou extrajudicial. Ou seja, em virtude da Lei n° 14.193/2021 os clubes organizados enquanto associações civis sem fins lucrativos poderão ter acesso aos referidos mecanismos de quitação das obrigações independentemente da constituição de uma Sociedade Anônima do Futebol, resolvendo discussões da doutrina e da jurisprudência em aberto quanto à recuperação judicial.

Isto é, em março de 2021 foi concedido ao Figueirense Futebol Clube o direito de buscar a recuperação judicial pelo Tribunal de Justiça de Santa Cantarina, visto

109 BRASIL. Lei n° 14.193/2021. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 05/10/2021.

que, na interpretação do “magistrado, o fato de o clube ser classificado como

"associação civil" não o impede de buscar a recuperação judicial, já que as atividades desenvolvidas pelo time constituem típico elemento de empresa.”.110

A referida decisão causou bastante repercussão, levantando discussão acerca da (in)segurança jurídica que dela adveio. Isto é, se o Figueirense exerce atividade econômica intrínseca às sociedades empresárias, não faria sentido manter-se enquanto associação civil, posto que neste modelo não se admite o lucro. Assim, passaria a ser regida pelas normas atinentes às empresas, inclusive no que tange à tributação.

Deste modo, o art. 13 da Lei n° 14.193/2021 cumpre papel de pacificação do tema controvertido, admitindo que inclusive as associações civis sem fins lucrativos possam se utilizar do instituto da recuperação judicial para a quitação dos débitos perante seus credores no âmbito do futebol brasileiro.

Quanto ao Regime Centralizado de Execuções, previsto pelo art. 14 da Lei da SAF, é ferramenta à disposição do clube, pessoa jurídica original ou SAF para negociar perante os credores a forma de satisfação da obrigação, reunindo a todos em um único juízo centralizador para a submissão ao concurso de credores, que definirá a ordem e a forma de pagamento das obrigações.

Art. 14. O clube ou pessoa jurídica original que optar pela alternativa do inciso I do caput do art. 13 desta Lei submeter-se-á ao concurso de credores por meio do Regime Centralizado de Execuções, que consistirá em concentrar no juízo centralizador as execuções, as suas receitas e os valores arrecadados na forma do art. 10 desta Lei, bem como a distribuição desses valores aos credores em concurso e de forma ordenada.111

No âmbito da Justiça do Trabalho já se adota um mecanismo que visa o mesmo objetivo, na forma do Plano Especial de Pagamento Trabalhista, inclusive com incidência em clubes de futebol, como o caso do Botafogo Futebol Clube, de Ribeirão

110 Figueirense é primeiro time a ter legitimidade de recuperação judicial: é a primeira possibilidade de recuperação judicial de clube de futebol do Brasil. Migalhas, 2021. Disponível em:

https://www.migalhas.com.br/quentes/342150/figueirense-e-primeiro-time-a-ter-legitimidade-de-recuperacao-judicial. Acesso em: 05/10/2021.

111 BRASIL. Lei n° 14.193/2021. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 05/10/2021.

Preto, que, a partir do Regime Centralizado de Execução organizado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, foi capaz de reduzir os processos em execução no qual era réu de 170 para 22 até 2021.112

Ab initio, deverá a entidade de prática desportiva formular requerimento tanto perante o Tribunal de Justiça (dívidas de natureza civil) quanto ao Tribunal Regional do Trabalho (dívidas de natureza trabalhista), endereçado à pessoa de seus Presidentes, que definirão o juízo centralizador das execuções e fixarão prazo de seis anos para o pagamento dos credores, podendo as partes fixar, via negociação coletiva, alternativas diferentes acerca do plano de pagamento como forma de assegurar o direito aos negócios jurídicos entre os sujeitos da relação processual.

Feito o requerimento, deverá a entidade de prática desportiva apresentar em até sessenta dias o plano de credores, acompanhado de vasta documentação exigida pelo art. 16 da Lei n° 14.193/2021.

Art. 16. [...] I - o balanço patrimonial; II - as demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais; III - as obrigações consolidadas em execução e a estimativa auditada das suas dívidas ainda em fase de conhecimento; IV - o fluxo de caixa e a sua projeção de 3 (três) anos; e V - o termo de compromisso de controle orçamentário. Parágrafo único. Os clubes e as pessoas jurídicas originais deverão fornecer ao juízo centralizador e publicar em sítio eletrônico próprio as seguintes informações: I - os documentos exigidos nos incisos III, IV e V do caput deste artigo; II - a ordem da fila de credores com seus respectivos valores individualizados e atualizados; e III - os pagamentos efetuados no período.113

Buscando a efetivação do princípio da igualdade material, o art. 17 define a ordem de pagamento dos credores preferenciais, que assegura aos idosos a maior preferência e, ainda, privilegia os credores mais “flexíveis”, que, durante as tratativas, acordaram com o devedor uma redução de pelo menos 30% da divida original, fomentando a autocomposição entre as partes como mecanismo de celeridade e eficiência processual.

112 Regime Centralizado: Divisão de Execução transforma trajetória do Botafogo Futebol Clube. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, 27/05/2021. Disponível em: https://trt15.jus.br/noticia/2021/regime-centralizado-divisao-de-execucao-transforma-trajetoria-do-botafogo-futebol. Acesso em: 06/10/2021.

113 BRASIL. Lei n° 14.193/2021. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 06/10/2021.

Art. 17. No Regime Centralizado de Execuções, consideram-se credores preferenciais, para ordenação do pagamento: I - idosos, nos termos da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso); II - pessoas com doenças graves; III - pessoas cujos créditos de natureza salarial sejam inferiores a 60 (sessenta) salários-mínimos; IV - gestantes; V - pessoas vítimas de acidente de trabalho oriundo da relação de trabalho com o clube ou pessoa jurídica original; VI - credores com os quais haja acordo que preveja redução da dívida original em pelo menos 30% (trinta por cento).

Parágrafo único. Na hipótese de concorrência entre os créditos, os processos mais antigos terão preferência.114

Outro ponto que cabe ser mencionado é a intenção do Legislador em efetivamente fomentar o pagamento do devedor por meio da criação de incentivos àqueles que cumprem o que foi disposto nas negociações perante os credores, como a prorrogação por mais quatro anos do prazo para o adimplemento das obrigações, se já cumpridas em pelo menos 60% do total, totalizando dez anos para o cumprimento integral.

Ainda, buscando criar ainda mais possibilidades para a satisfação do crédito, a Lei n° 14.193/2021 também prevê no art. 20 a possibilidade de a dívida do clube ou pessoa jurídica original ser transformada em ações ou títulos emitidos pela Sociedade Anônima do Futebol, à critério do credor e desde que haja previsão no Estatuto.115

Deste modo, pode-se concluir que a previsão legal do Regime Centralizado de Execução na Lei n° 14.193/2021 exerce papel fundamental para a reestruturação do

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