A
poplar.pt
O
A
POPULAR,
A
CASSETE,
LADO A:
POP’LAR
COLEC
ÇÃO.
POP’LAR
poplar.pt
O
A
COLECÇÃO.
POPULAR,
A CASSETE,
LADO A:
O presente relatório de projecto/dissertação está escrito segundo o antigo Acordo Ortográfico (Convenção Ortográfica Luso-Brasileira, de 1945). Para a sua preparação foi consultada bibliografia multilingue. Por questões de correcção linguística, optou-se por não traduzir as citações de língua estrangeira incluídas ao longo do documento.
O
A
COLECÇÃO.
POPULAR,
A CASSETE,
LADO A:
Projeto para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de mestre em Design Gráfico e Projectos Editoriais apresentado à Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto
Joana Lourencinho Carneiro
com orientação do Prof. Dr. Adriano Rangel Faculdade de Belas Artes
da Universidade do Porto Ano lectivo 2017/2018
Obrigada ao professor Rangel pelo apoio e orientação. Aos meus pais e mana.
Aos meus amigos. À Teresa, Elisa e Filipe. E ao João.
RESUMO
Pop’lar pretende reflectir sobre a cassete áudio a partir da
disci-plina do design. Numa perspectiva histórica, o design associado à
música tem uma conexão muito evidente com a edição em vinil,
enquanto as imagens veinculadas em cassete têm sido
menospre-zadas ou ignoradas. Com o intuito de colmatar a falta de
referên-cias sobre o artefacto em estudo, o presente projecto propõe uma
investigação teórica de contextualização do universo da cassete
áudio, da qual se extraíram as bases para a concretização de uma
investigação prática.
A partir de uma colecção privada de cassetes de música popular
portuguesa, foi possível recolher uma amostra significativa para
análise. Apresentamos assim uma proposta de método para
ana-lisar o conteúdo plástico e icónico presente nas capas do objecto
colectado, a partir da teoria semiótica de Martine Joly, em
Introdu-ção à Análise da Imagem (2007). Na experimentaIntrodu-ção da passagem
de uma colecção privada para o domínio público foi estruturado
um arquivo digital de acesso livre. O web-site poplar.pt pretende
proporcionar uma base documental historiográfica, organizada
segundo o levantamento do vocabulário imagético obtido na
aná-lise. A interpretação destes elementos, resultou na elaboração de
um objecto-síntese de todo o projecto: o presente livro.
Assumindo as capas de cassete como um suporte a ser pensado pelo
designer é oportuna uma consciencialização sobre o seu
desenvol-vimento histórico, a fim de instigar a procura por novas soluções.
Palavras-chave: design, cassete áudio, colecção, arquivo, análise.
ABCTRACT
Pop'lar intends to reflect about the audio cassette through the
dis-cipline of design. From a historical perspective, design associated
with music has a very marked connection with vinyl edition, while
cassette images have been underestimated or ignored. In order to
overcome the lack of references about the artefact in study, this
project proposes a theoretical investigation of the audio cassette
universe, from which the foundations for a practical investigation
were extracted.
From a private collection of Portuguese popular music tapes, it was
possible to collect a significant sample for analysis. We present a
proposal of a method for analysing the plastic and iconic content
in the covers of the collected objects, from the semiotic theory of
Martine Joly, in Introdução à Análise da Imagem (2007). In
experi-menting moving a private collection to the public domain, a digital
archive of free access was structured. The website poplar.pt aims
to provide a historiographic documentary base, organized
accor-ding with the imaginary vocabulary obtained in the analysis. The
interpretation of these elements resulted in the elaboration of an
object-synthesis of the whole project: the present book.
Assuming the cassette covers as a support to be thought by the
de-signer, it is relevant an awareness about its historical development,
in order to instigate the search for new solutions.
ÍNDICE
LADO A
LISTA DE FIGURAS
GLOSSÁRIO
INTRODUÇÃO
QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO
E OBJECTIVOS
METODOLOGIA
DA INVESTIGAÇÃO
ESTRUTURA DO RELATÓRIO
/DISSERTAÇÃO
O POPULAR – DO POVO ÀS MASSAS
A CASSETE – ONTEM, HOJE
E AMANHÃ
O INÍCIO E O ‘FIM’
HOJE E AMANHÃ
17A
21A
25A
27A
30A
32A
39A
51A
53A
64A
A COLECÇÃO – DO GERAL
AO PARTICULAR
COLECCIONAR COMO
EXPERIÊNCIA DO TEMPO
UMA COLECÇÃO DE CASSETES
DE MÚSICA POPULAR
PORTUGUESA
APÊNDICES – ENTREVISTAS
GUIÃO DE ENTREVISTA
1. RUCA BOURBON
2. RUI SILVA
3. JOAQUIM DURÃES
4. PEDRO AUGUSTO
5. FRANCISCO CORREIA
BIBLIOGRAFIA CITADA
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
79A
81A
85A
92A
93A
94A
98A
105A
109A
119A
125A
127A
16A
17A
LAR
LISTA DE FIGURAS
LADO A
Fig. 1A–4A (pp. 39A–42A). Fotografias da autoria de Michel Giacometti, 1973. Retiradas de: https://www.cascais.pt/galeria-de-imagens/museu-da-musica--portuguesa-colecoes-documentais
Fig. 5A (p. 43A). Tonicha, Folclore 1 – Cantigas Do Meu País, Orfeu, 1975. Reti-rada de: https://www.discogs.com/Tonicha-Folclore-1-Cantigas-Do-Meu-Pais/ release/8755112
Fig. 6A (p. 45A). Membros da banda Táxi e The Clash, Cascais, 20 de Abril de 1981. Imagem pertencente ao arquivo de João Grande. Retirada de: http://blitz. sapo.pt/principal/update/2018-01-15-O-eterno-rock-dos-Taxi-Para-nos-foi-uma--satisfacao-imensa-quatro-parolos-do-Porto-terem-conquistado-o-pais Fig. 7A (p. 47A). Membros da banda Cantacronache, da esquerda para a direita Sergio Liberovici, Fausto Amodei, Michele Luciano Straniero e Margot, s.d. Au-tor não identificado. Retirada de: https://it.wikipedia.org/wiki/Cantacronache Fig. 8A (p. 47A). Fausto e Zeca Afonso no primeiro canto livre promovido pela Emissora Nacional, 1974. Autor não identificado. Retirada de: http://fausto-bor-dalodias.blogspot.com/2009/12/canto-livre-maio-de-1974.html
Fig. 9A (pp. 48A–49A). Actuação de António Variações, 1981.Autor não identifi-cado. Imagem retirada de: http://blitz.sapo.pt/principal/update/2017-09-10-A--historia-secreta-de-Antonio-Variacoes
Fig. 10A (p. 50A). Brian Eno, entrevista editada por Denis Gallant para Video West, São Francisco, 1980 (Frame). Disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=Rm36ZxJboUI&t=4s
Fig. 11A–15A (pp. 51A–53A), 22A–28A (60A–65A), 31A–41A (pp. 67A–78A), 47A–53A (pp. 86A–89A). Fotografias da autora.
Fig. 16A (p. 54A). Anúncio publicitário de cassete TDK AD–X90, TDK Electronics Corp, 1982. Retirada de: https://flashbak.com/cassette-tape-advertising-of-the--1960s-1980s-372838/
18A
POP
Fig. 17A (p. 54A). Anúncio publicitário de cassetes TDK,TDK Electronics Corp, 1971. Retirada de: https://www.flickr.com/photos/nesster/5785395939
Fig. 18A (p. 55A). Anúncio publicitário, Maxel, 1979. Retirada de: https://flashbak. com/cassette-tape-advertising-of-the-1960s-1980s-372838
Fig. 19A (pp. 56A–57A). Anúncio publicitário de Sony Walkman, Sony Corporate of America, 1980. Retirada de: https://toddsteele8.wordpress.com/2016/09/02/ the-walkman-effect
Fig. 20A (p. 58A). Jordi Valls, The London Punk Tapes, Centre d'Art Santa Mòni-ca, Barcelona, 2010 (dupla página). Disponível em: https://issuu.com/actar/docs/ londonpunktapes
Fig. 21A (p. 59A). Steve Vistaunet, The lost art of cassette, 1980-1988. Retirada de:
http://ahappyvista.com/portfolio/cassettes/
Fig. 29A (p. 66A). Justin Bieber, Purpose, Def Jam Recordings , 2015. Fotografia de Urban Outfitters. Retirada de: https://www.urbanoutfitters.com/shop/jus-tin-bieber---purposecassette-tape?category=A_MUSIC_VITUR
Fig. 30A (p. 66A). The Weeknd, Beauty Behind The Madness, Republic Records, 2015. Fotografia de Urban Outfitters. Retirada de: https://wanelo.co/p/37319921/ the-weeknd-beauty-behind-the-madness-cassette-tape
Fig. 42A (p. 80A). Biblioteca e arquivo Ephemera, da colecção de Pacheco Pe-reira, 2014. Retirada de: https://ephemerajpp.com/2014/10/26/novidades-do-e-phemera-agora-e-em-breve/
Fig. 43A (p. 81A), 45A–46A (pp. 84A–85A). Colors Magazine, Collector, nr. 79, Inverno 2010/2011. Retiradas de: http://www.colorsmagazine.com/stories/ma-gazine/79
Fig. 44A (pp. 82A–83A). Lourdes Castro e Manuel Zimbro, Un Autre Livre
Rou-ge, Fundação Calouste Gulbenkian, 2015 (dupla página – fotografia da autora).
Composições intercalares (p. 12A, pp. 19A–20A, p. 24A, pp. 55A–38A, pp. 90A–91A, pp. 121A–124A, pp. 129A–152A). Imagens interpretativas da recolha documental do objecto em estudo, segundo o conceito de repetibilidade.
19A
20A
21A
LAR
GLOSSÁRIO
Abstracto Que designa uma qualidade separada do sujeito.
Arquivo Espaço geralmente físico onde se guar-dam documentos.
Artefacto Objecto produzido para determinado fim, elaborado por trabalho mecânico ou à mão.
Artwork Representação gráfica.
Analógico Por oposição a digital.
Audiófilo Entusiasta pela reprodução de som de alta qualidade e especialmente por aparelhos de som de alta fidelidade.
Autocracia Poder absoluto.
Badana Parte da capa e/ou sobrecapa do livro que fica dobrada para dentro.
Bucólico Que diz respeito à natureza, ao campo ou a actividades associadas; puro, ingénuo. Caixa-alta Letras maiúscula.
Caixa-baixa Letras minúsculas.
Cassete Estojo fechado que contém uma banda magnética para gravação de som ou de vídeo. Capa Parte da frente de um livro ou de outra obra ou publicação, por oposição à contracapa. Cenografia Arte responsável pelas decorações de um cenário.
CD Disco compacto ou disco digital. Suporte de gravação, no qual os sons ou os dados são regis-tados digitalmente e cuja leitura se realiza com raio laser em aparelhos electrónicos apropriados. CD-ROM Disco compacto de leitura laser gravá-vel, com grande capacidade de memória, arma-zena ao mesmo tempo textos, imagens e sons. Colecção Compilação de objectos.
Coluna Divisão vertical de uma página. Cosmopolitismo Qualidade do que é próprio de todos os países.
Contracapa Parte de trás de um livro ou de outra obra ou publicação, por oposição à capa.
Copyright Direitos de autor.
Dado Informação que se constitui como ele-mento necessário para uma questão, descrição ou avaliação; resultado de uma pesquisa; infor-mação capaz de ser processada por um sistema. Democratização Acto de democratizar. Digital Que apresenta dados, resultados ou indi-cações sob forma numérica.
Disco Suporte circular que contém gravação de som (ex.: disco de vinil).
Display Fontes display, também conhecidas
como fontes decorativas ou fantasia, são projeta-das com formas mais expressivas e impactantes para serem usadas em tamanhos grandes, geral-mente em pequenos blocos de texto.
Dispositivo Mecanismo destinado à obtenção de certo fim.
Dolby System Sistema de redução de ruído
de-senvolvido por Dolby Laboratories, para ser uti-lizado em gravação de fita magnética. Erudito Que tem profundos e vastos conheci-mentos; que se transmite formalmente ou com base na tradição escrita; por oposição a popular. Espectador Aquele que assiste a espectáculo; pessoa que presencia algo.
Estética Ciência que trata do belo em geral e do sentimento que ele desperta.
Faixas Cada uma das músicas ou registos indivi-duais gravados num dispositivo sonoro.
Feedback Resposta a um determinado pedido.
Fetiche Objecto a que é prestada adoração. Filete Elemento decorativo em forma de linha que delimita áreas.
Fonograma Registo de som.
Fotomontagem Processo e resultado de uma composição fotográfica, ao cortar e/ou reunir um número de outras fotografias.
Grotesca Fontes sem serifa.
22A
POP
Heterogéneo Composto por diferentes partes. Historiografia Arte de escrever a história.
Hip-hop Gênero musical originário na década
de 70 nas comunidades jamaicanas, latinas e afro-americanas da cidade de Nova Iorque. Homogeneidade Qualidade do que é formado por elementos semelhantes ou ligados entre si. Icóne Signo que tem uma relação de semelhança com aquilo que está a representar; figura simbó-lica ou representativa de algo; elemento gráfico. Icónico Relativo a imagem ou imagens. Imagem Mensagem visual, fixa ou sequencial; utiliza o mesmo processo de representação. Imagética Que se exprime por meio de imagens; relativo a imagens; conjunto de imagens. Imaterialidade Qualidade do que é imaterial ou que não é formado por matéria.
Interdisciplinaridade Que implica relações entre várias disciplinas ou áreas de conhecimento.
Indie Abreviatura no diminutivo de
indepen-dent, associado a quem não possui contratos de publicação e distribuição com grandes empresas e produzem projetos independentemente.
Label Editora discográfica.
Layout Composição dos diferentes elementos
integrados numa página.
Linguística Ciência que se dedica ao estudo das línguas e da linguagem.
Linguístico Relativo à língua ou à linguística. Lombada Parte do livro oposta ao corte das folhas.
Mainstream Corrente principal; conceito que
expressa uma tendência ou cultura dominante. Massa Conjunto não delimitado de indivíduos considerados fora das estruturas sociais tradi-cionais e que constituem o objectivo sociocul-tural de certas actividades, como a publicidade, a cultura de massa, os ócios.
Materialidade Qualidade de material.
Média Suporte de difusão de informação (rádio, televisão, imprensa, publicação na Internet, sa-télite de telecomunicação, etc.) que constitui ao mesmo tempo um meio de expressão e um in-termediário na transmissão de uma mensagem. Melómano Que ou quem tem paixão por música. Memorabilia Conjunto de objectos.
Memória Faculdade pela qual o espírito conser-va ideias ou imagens.
Módulo Divisão horizontal de uma página. MP3 Formato de compressão de áudio, que per-mite ficheiros de pequena dimensão, mas com preservação da qualidade do som.
Musicologia Ciência da história da música e da teoria musical.
Nicho Segmento de mercado ou público, com necessidades particulares pouco exploradas. Nostalgia Estado melancólico causado pela falta de algo ou de alguém.
Objecto Algo que assume a forma material.
Packaging Embalagem; involucro.
Paginação Composição dos diferentes elemen-tos disposelemen-tos numa página.
Pastiche Imitação de um estilo, à maneira de. Pirataria Reprodução ilegal de objectos ou con-teúdos protegidos por direitos autorais. Plástico Que é relativo a ou provoca reação esté-tica causada pelas formas.
Pop Conjunto variado de manifestações cultu-rais que evidenciam a cultura popular; género musical abrangente.
Pop’lar contracção fonética da palavra popular. Privado Que é condicionado ou reservado. Psicofisiológico Relativo, simultaneamente à psicologia e à fisiologia.
Público Que serve para uso de todos.
Punk Género musical e cultural nascido cerca dos anos 70 do século XX.
23A
LAR
Repetibilidade Qualidade ou condição do que érepetível; que se pode reproduzir.
Retro Fetiche consciente pela estilização de
certos períodos históricos recentes, explorados criativamente através de pastiche e citação.
Rock Género de música popular nascido cerca dos anos 50 do século XX, de ritmos fortes, ge-ralmente com guitarras eléctricas e bateria.
Script Fontes manuscritas, que se se baseiam na
escrita manual.
Serifada Fontes que apresentam um traço, de maior ou menor dimensão, nas extremidades. Semiótica Filosofia das linguagens, termo de origem americana.
Semiologia Estudo de linguagens específicas, termo de origem europeia.
Significante Que produz significado.
Signo Unidade que contém um significante (for-ma ou i(for-magem) e um significado (conceito). Simbiótico Associação recíproca de dois ou mais elementos.
Sistema Combinação de partes reunidas para concorrerem para um resultado, ou de modo a formarem um conjunto.
Sociocultural Relativo à classe social ou ao gru-po social, assim como à cultura que contribui para os caracterizar.
Souvenirs Objecto que lembra algo ou alguém, geralmente um local.
SPA Sociedade Portuguesa de Autores.
Spread Dupla página.
Standard Modelo, padrão.
Streaming Tecnologia que envia informações
multimédia através da transferência de dados, ao utilizar redes de computadores especialmen-te a Inespecialmen-ternet.
Suporte Material de base; dispositivo destinado a armazenar material de informação.
Tecnologia Conjunto dos instrumentos, méto-dos e processos específicos de qualquer arte, ofício ou técnica; estudo sistemático dos proce-dimentos e equipamentos técnicos necessários para a transformação das matérias-primas em produto industrial.
Textura Qualidade de superfície, tal como a cor; solicita a percepção táctil.
Tipologia Sistema de classificação que conju-ga traços ou características comuns que serve como paradigma.
Underground Realizado fora dos circuitos
co-merciais correntes.
Variante Conjunto de elementos formados pelas mesmas característicos.
Vinil Disco fonográfico feito desse material. Virtualização Tornar virtual; fazer ou simular através de meios electrónicos.
Web Sistema de interligação de documentos e recursos através da Internet.
24A
25A
LAR
INTRODUÇÃO
O registo e permanente reconstrução da memória tem sido uma
preocupação recorrente no desenvolvimento das sociedades. A
pre-servação de artefactos torna possível o revisitar. A crescente
capaci-dade do indivíduo contemporâneo recolher, armazenar, partilhar e
aceder a dados culturais, tornam-no consciente da responsabilidade
pelo registo do passado imediato e da produção actual, com vista a
pesquisas futuras.
O estudo de um objecto em específico segundo a sua evolução no
tempo, independentemente da sua natureza, permite uma
com-preensão mais aprofundada dos espectros produtivos ou sociais
a que pertence. Sem a preservação dos mesmos, não existiria a
matéria prima para o desenvolvimento de bases documentais
para a actividade historiográfica. A preocupação pelo estudo e
registo do passado, não se faz apenas como modo de prescrever
o antigo, mas também como método para interpretar o que está
para vir, o novo.
No domínio da disciplina do design, concentrada na produção de
objectos intimamente ligados a um período temporal específico,
este compromisso não é desenvolvido apenas por historiadores
e instituições. A preservação e aglomeração de material faz-se
pela mão de particulares, indivíduos que compõe as suas
colec-ções privadas de memorabilia. No espaço privado, encontram-se
assim inúmeras colectâneas de objectos por descobrir. Através da
partilha destes espólios, na passagem do domínio exclusivo para o
público, o estudo destes objectos poderá ajudar ao enriquecimento
da memória colectiva do design gráfico português.
A cassete de áudio, têm vindo a re-despertar o interesse e
curio-sidade enquanto artefacto da cultura material, quer junto de
co-26A
POP
leccionadores como de produtores contemporâneos. Este novo
interesse, não se traduziu ainda na produção actual de reflexões
sobre este objecto, seja pelo distanciamento temporal face à sua
época áurea, ou com vista a enquadrar os artefacto de hoje.
Ten-do em mãos uma colecção privada de cassetes de música popular
portuguesa decidiu-se dedicar a presente investigação prática ao
estudo destes objectos. Se por um lado, a existência reduzida de
referências bibliográficas específicas, foi o principal problema
identificado no início do processo investigativo, possibilitou uma
autonomia na determinação do percurso da investigação. Na
iden-tificação de uma lacuna, especificamente em estudos académicos,
sentiu-se a liberdade de propor um possível caminho para iniciar
metodologias de investigação sobre este artefacto.
Acima de tudo, o que motivou o presente projecto, foi a vontade
de compreender a cassete enquanto artefacto cultural, que prima
pelas imagens que veiculam. Se inicialmente este desejo foi
en-quadrado segundo uma arqueologia dos média, depressa evolui
para a concepção do objecto enquanto formato a ser pensado pelo
designer. O design possibilita um ponto de convergência entre
di-ferentes áreas dos estudos culturais, permitindo a análise visual e
técnica dos seus dispositivos, mas também investigá-los na relação
que mantêm com contextos sociais, políticos e culturais. Segundo
esta perspectiva da disciplina, pretendeu-se analisar os conteúdos
visuais das capas que envolvem as cassetes, inseridas no âmbito
da música popular portuguesa.
27A
LAR
QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO
E OBJECTIVOS
A vontade de investigar as imagens associadas a este formato
so-noro específico materializaram-se em questões orientadoras da
investigação, às quais corresponderam, inevitavelmente, os
objec-tivos que se propuseram atingir.
Como pergunta principal definiu-se: como se manifesta o
design no desenho de capas de cassetes? Questão à qual se
retomou inúmeras vezes quando desviado o foco principal
da pesquisa. O que despertou o interesse por este suporte
gráfico foi o seu tamanho reduzido, mesmo assim capaz de
conter inúmeros elementos. Outras questões subjacentes
emergiram: Que mensagem comunica?; Como hierarquiza
a composição os diferentes elementos?; Quais as
condicio-nantes do formato?; Que cores são utilizadas?; Que fontes?
Pretendia-se entender, segundo a prática do design gráfico
que opções são tomadas na materialização destas imagens.
Para tal, propôs-se um método de análise para capas de
cas-sete áudio, que teve por base a análise semiótica de Martine
Joly, em Introdução à Análise da Imagem (1994). O
levanta-mento dos ícones plásticos e icónicos, possibilitaram uma
melhor compreensão sobre o desenho para este suporte em
específico, tendo por base uma perspectiva histórica.
Para sustentar as conclusões referentes ao primeiro ponto
da investigação prática, era necessário perceber: em que
con-texto se produz e circula o artefacto em estudo? Para tal
pre-tendeu-se situar o surgimento da cassete e especificidades
técnicas, bem como que circuitos estiveram envolvidos na
sua propagação, sem deixar de considerar especialmente a
(1)
28A
POP
natureza da colecção em estudo. Com a evolução do
proces-so investigativo, constatou-se que a produção deste
disposi-tivo sonoro ainda é recorrente. De modo a compreender as
motivações contemporâneas que levam à eleição da cassete
enquanto média realizaram-se cinco entrevistas e uma
visi-ta à Edisco, editora nacional que produz ainda em cassete.
Outra questão constante durante a investigação foi: Porque
não consta a cassete, enquanto suporte, na história do design
gráfico? Não é possível identificar uma resposta única,
du-rante o desenvolvimento da investigação teórica
supõem--se algumas das possíveis razões, sendo a mais plausível a
submissão perante outros formatos de gravação sonora. De
modo a fomentar uma consciencialização histórica sobre os
grafismos desenvolvidos para o objecto em estudo,
especi-ficamente no panorama nacional, propôs-se o
desenvolvi-mento de um arquivo digital interactivo e de acesso livre.
Com a última aplicabilidade referida, pretendeu-se
tam-bém participar na problemática sobre a passagem de uma
colecção de domínio privado para o acesso público. Um
arquivo digital pareceu-nos o melhor meio de
disponibili-zar o material e parte das conclusões recolhidas durante
a investigação.
Como questão final, contesta-se a utilidade do
vocabulá-rio gráfico recolhido na análise e estruturado no arquivo
digital. Poderá a imagética das capas de cassetes em
estu-do constituírem uma referência sólida para uma produção
contemporânea em design? Como possibilidade de resposta
apresentamos o processo de elaboração do presente livro/
objecto, que assume-se como a forma física do
relatório/dis-sertação do projecto Pop’lar. Para a sua composição, tanto as
(4)
(5)
(3)
29A
LAR
escolhas editoriais como gráficas partiram da interpretação
dos dados levantados.
Em suma, os objectivos desta investigação prática alicerçam-se
na concepção de capas de cassete como um suporte a ser pensado
pelo design. De uma abordagem analítica sobre as imagens que
difundem, prosseguiu-se para estratégias de catalogação e
dispo-nibilização de conteúdos. A partilha de material, pertencente a
uma colecção privada, procura providenciar uma base
documen-tal útil à comunidade ligada ao design e possíveis interessados no
suporte colectado.
30A
POP
METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO
Os propósitos anteriormente referidos foram sustentados pelo
levantamento e tratamento de material iconográfico, pela
pesqui-sa de um repertório bibliográfico direccionado e pela recolha em
campo de dados qualitativos através de entrevistas. Assim sendo,
esta investigação desenvolveu-se predominantemente segundo
metodologias qualitativas de observação participante.
A recolha e tratamento do material para estudo, nomeadamente
de capas de cassetes áudio, conduziram o desenvolvimento da
in-vestigação ocupando o foco central das actividades. A recolha e
selecção de objectos desenvolveu-se simultaneamente com o seu
registo fotográfico. A representação dos mesmos agilizou o
pros-seguimento das fases seguintes. Foram testadas técnicas de
obser-vação, inventariação e análise. Os dados recolhidos na proposta do
método de análise, caracterizam-se pelo seu carácter qualitativo.
No entanto, fez-se a tradução desta recolha para valores
quanti-tativos. Esta passagem permitiu a visualização directa em termos
percentuais, de modo a facilitar confrontações de resultados.
O método proposto foi apresentado a um conjunto de alunos,
du-rante uma sessão da unidade curricular de “Teoria da Imagem”,
pertencente à Licenciatura em Ciências da Comunicação:
Jorna-lismo, Assessoria e Multimédia da Universidade do Porto.
Preten-deu-se fazer uma verificação do método junto de académicos que
não fossem intimamente ligados à disciplina do Design, mas sim
associados às teorias da comunicação, de forma a recolher opiniões
distintas. A partir da apresentação em aula, foi pedido aos alunos
averiguações sobre o método proposto, as quais foram analisadas
para o processamento do projecto.
31A
LAR
A escassez de bibliografia dedicada especificamente ao objecto em
análise desencadeou a procura de referências em diferentes áreas
de estudo, com o intuito de se criar uma rede que pudesse ser
di-reccionada segundo os objectivos definidos. Para o levantamento
de opiniões mais especializadas, principalmente sobre a produção
actual em cassete, foram desenvolvidas entrevistas
semi-estrutu-radas com um grau moderado de liberdade. As entrevistas foram
desenvolvidas de modo a serem adaptadas segundo o interesse
de cada entrevistado em específico. Os entrevistados foram
selec-cionados por demonstrarem afinidade com a actividade do
colec-cionador e pela participação activa no meio editorial da música.
Em geral, interessava recolher informações sobre que memórias
possuem os entrevistados do dispositivo em estudo, as suas
con-dições de produção e relação com o design, bem como o nível de
conhecimento histórico sobre a cassete em Portugal.
A investigação processou-se assim segundo metodologias de recolha
de informação com base em duas fontes principais: o artefacto, em
estudo por si, e pelo contacto com pessoas/autores associados a este.
Sendo uma investigação na modalidade de projecto,
caracterizou--se fortemente pela vertente prática. O processo de trabalho em si
contribuiu para o encadeamento, formulação e aplicação de ideias,
onde as metodologias aplicadas foram conduzidas pela prática.
32A
POP
ESTRUTURA DO RELATÓRIO/
DISSERTAÇÃO
Escutar uma cassete, na sua totalidade, pressupõe um intervalo.
Quando termina o lado A, é necessário virar a cassete. O mesmo
sucede durante a leitura deste documento. Apropriou-se esta
particularidade do dispositivo para definir a estrutra deste
relatório. Da divisão entre lado A e lado B, surgem duas partes
distintas, complementares entre si. Na primeira – Lado A: O
Popular, A Cassete, A colecção – faz-se a contextualização do
objecto em estudo, bem como o estado de arte do projecto. Fase
preambular, que serviu de base para a definição de conceitos a
serem explorados na etapa seguinte. Seguidamente, no Lado B:
A Análise, O Arquivo, O Livro explicam-se as aplicações práticas
que foram desenvolvidas durante o projecto Pop’lar. Ambos os
lados assentam numa organização triangular. O encadeamento
em três fases, que se reflectem em três textos principais, demonstra
a sequência lógica em que se desenvolveu o processo, tanto na
reflexão teórica, como nas aplicações do projecto.
Pop’lar, o título que dá mote ao projecto faz uma alusão directa
ao termo popular. Como tal, o Lado A inicia-se com um texto que
sumaria diferentes abordagens teóricas sobre o conceito de popular
na música. Das ideias de Fernando Lopes Graça (1991), sobre a
mú-sica regional como actividade expontânea de um povo, finaliza-se
com as implicações da industrialização da música, sustentadas
por Roy Shuker (2001) e Simon Frith (2016). Os diferentes
enten-dimentos sobre a definição de música popular, ao longo do tempo,
estão intimamente ligados com o desenvolvimento dos suportes
de difusão de informação que lhe possam ser associados. Assim
sendo, o texto que se segue incide sobre o média em estudo no
pre-sente relatório. Em “A cassete – Ontem, Hoje e Amanhã”, traça-se
33A
LAR
uma biografia possível para este artefacto sonoro, desde o
desen-volvimento da tecnologia que o tornou possível até à sua morte
e recente ressurgimento. Tentou-se fazer uma contextualização
oscilante entre a situação internacional e o sucedido em Portugal.
As características que possibilitaram a disseminação da cassete –
barata, pequena, portátil, two way medium (Manuel, 1993) –
conti-nuam a ser apontadas como as principais razões para editar neste
fonograma; no entanto, com a passagem do tempo consolidou-se a
sua condição enquanto objecto, entendido cada vez mais pela sua
materialidade e como um artigo coleccionável. Segundo este
enca-deamento, em “A Colecção: Do geral ao particular”, do conceito de
objecto amado de Baudrillard (1997) inicia-se uma síntese sobre os
“Ímpetos de coleccionar”, para de seguida apresentar a colectânea
que motivou a presente investigação: “Uma colecção de cassetes
de música popular portuguesa”.
O acto de coleccionar poderá resumir-se enquanto um conjunto de
actividades, tais como: colectar, inventariar, catalogar, ordenar…
Esta perspectiva sobre o coleccionador, acaba por definir parte das
acções desenvolvidas nas aplicações práticas deste estudo. Assim,
no Lado B explicar-se-á como foram executados estes ‘impulsos’.
Inicia-se a segunda parte do relatório, de modo a dar resposta à
questão principal que motivou esta investigação: como se manifesta
o design no desenho de capas de cassetes? Embora se admita que este
depende, na maioria das vezes, do artwork desenvolvido para a
edição em vinil, pareceu-nos necessário desenvolver métodos de
visualização que permitissem catalogar as soluções gráficas
ela-boradas especificamente para o suporte em estudo. Em “A análise:
Proposta de um método de análise de capas de cassetes”,
explici-ta-se como se chegou ao método proposto e como este se aplica,
tendo como referência a análise de Martine Joly para anúncios
publicitários em Introdução à Análise da Imagem (1994).
Defini-34A
POP
da uma amostra de oitenta cassetes dos anos oitenta, foi possível
identificar que elementos eram utilizados, segundo a mensagem
plástica (formato, moldura e composição, formas tipográficas,
co-res e texturas) e a mensagem icónica (motivos e principais poses
do artista). De acordo com as variantes identificadas em cada
ti-pologia, estruturou-se o todo da colecção em estudo num arquivo
digital de acesso livre. O texto “O arquivo: Inícios para um arquivo
digital”, dedica-se à contextualização conceptual e prática da base
de dados poplar.pt. Esta forma de arquivo, pretende proporcionar
uma base documental historiográfica sobre capas de cassetes áudio
portuguesas. Para finalizar, o texto “O Livro: de um objecto para
outro”, dedica-se à terceira e última aplicação prática do
projec-to. O presente relatório ganha forma través deste objecto-síntese.
Para a sua materialização, foi interpretado o vocabulário gráfico
identificado através da análise proposta e consolidado na
estrutu-ração do arquivo. Do entendido da cassete enquanto objecto, surge
a produção de um outro artefacto, o presente livro.
Este documento é finalizado com uma síntese do trabalho
realiza-do e com algumas perspectivas para investigações futuras. Destas
considerações finais, emergem algumas possibilidade para a
con-tinuação do projecto, seja para desenvolvimentos mais
aprofun-dados ou possíveis aplicações. A conclusão desta etapa posiciona
um estado no desenvolvimento de todo o projecto, que se espera
que seja continuado pelos autores, ou por outros investigadores
com afluência de interesses. Este ponto de situação faz-se com
o distanciamento possível a um momento ainda recente,
acredi-tando-se ter traçado um percurso para a valorização e divulgação
do artefacto em estudo. O tempo dirá as repercussões do estudo,
mais ainda ditará a efectiva permanência da cassete no nosso
quotidiano ou remetê-la apenas como um artefacto que habita
na memória colectiva.
35A
O
DO POVO
POPULAR
ÀS MASSAS
Fig. 1A. Pormenor de tocadores populares, Michel Giacometti, 1973.
40A
POP
Fig. 2A. Tocadores populares, Michel Giacometti, 1973.
41A
LAR
Fig. 3A. Os Bombos de Lavacolhos, Festa de Santa Luzia, Michel Giacometti, 1973.
1 "Popular", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https:// www.priberam.pt/dlpo/popular [consultado em 01-05-2018].
Dado que o nome que impulsiona este projecto faz citação directa
ao conceito de popular, sendo Pop’lar uma alusão fonética ao modo
como esta palavra pode ser proferida na forma mais corriqueira da
sua utilização no dia-a-dia, pretende-se fazer a sua
contextualiza-ção segundo a apropriacontextualiza-ção deste termo pela disciplina da música.
Apesar de ser uma investigação realizada segundo as preocupações
do discurso do Design, visto que o objecto de estudo são capas de
cassetes de música popular portuguesa, teve-se como preocupação
incluir teorias mais próximas da musicologia, apenas numa fase
inicial pela necessidade de contextualização.
Assim sendo, falando genericamente do conceito de popular,
po-demos entender como tudo aquilo que é pertencente ao povo, que
lhe é comum e do seu agrado
1. Ao restringir o foco sobre o que
poderá ser compreendido como música popular, é bastante difícil
encontrar uma concepção única, onde os limites da apropriação
deste termo consigam entrar em consenso segundo vários autores.
Segundo Fernando Lopes-Graça (1991), primeira referência para
este estudo pela sua pertinência no panorama musical nacional,
a música popular portuguesa associada à música regional, é uma
música do povo para o povo, em associação directa com a sua vida
quotidiana. Surge por necessidade como a companheira de vida
e trabalho do homem rural português, isolado das influências da
vida urbana. É a crónica viva e expressiva das suas vidas, para o
povo enquanto artista, todas as ocasiões são boas para serem
ma-nifestadas através da mais espontânea e comunicativa das artes: a
música (Lopes-Graça, 1991). Seguindo as ideias de Lopes-Graça, no
seu sentido lato, a música popular será aquela que tem aspirações
superiores, excluindo concepções aristocráticas e eruditas que a
possam classificar como inferior e ordinária.
42A
POP
Fig. 4A. Tocadores de Rebeca e Guitarra, Michel Giacometti, 1973.
Em nenhuma parte se pensa que as supremas criações de um Bach, de um Rameau,
de um Beethoven, de um Schumann, de um César Franch, de um Mussorgsky, de
um Debussy, sejam transcendentes de mais para o povo, que elas não sejam capazes
de despertar o seu interesse, não sejam capazes de emocionar e de o entusiasmar,
não sejam, enfim, obras “populares”, no sentido em que popular é tudo o que se
dirige ao maior número possível de auditores, tudo o que revela um profundo e
universal calor humano. (Lopes-Graça, 2006, p. 49).
Com isto, seguem-se várias características que deverão ser
ineren-tes a esta forma de expressão, onde se realça a autenticidade e a
espontaneidade. Ainda referente aos compositores citados acima,
Lopes-Graça admite que aspiram “sempre à maior glória de uma
identificação perfeita da sua obra com o povo, ainda quando
cir-cunstâncias de ordem económico-social os obrigassem a trabalhar
para reis, papas ou senhores” (2006, p. 47). Esta ideia de
subordi-nação a uma demanda, não se sobrepõe a uma produção musical
dita como popular. No entanto, o autor rejeita como popular
qual-quer música que obedeça a desejos comerciais ditados por uma
indústria ou entidades oficiais, por prejudicarem os seus ímpetos
mais espontâneos. A estas produções apelida de música ligeira,
distinguindo ferozmente esta da música dita popular.
(…) de maneira nenhuma podemos assimilar música popular à ladina copla
re-visteira ou à langorosa canção cinematográfica, aos viras mascarados de tumba
ou às “sex-appealescas” cançonetas importadas da América e garganteadas pelas
nossas “sex-appealescas” vedetas da rádio. Esta espécie de música nada tem a ver
com o autêntico povo, não nasce do seu seio, não corresponde às suas
necessida-des, não traz a sua dedada. Trata-se, antes, de puros produtos comercialistas (…)
(Lopes-Graça, 2006, p. 47).
Os esforços notáveis tidos por Fernando Lopes-Graça e Michel
Giacometti para registar a música ‘autêntica’ do povo português
2,
comprovam as diferenças sentidas no panorama nacional com a
2 São de destacar as seguintes iniciativas:
O Povo Que Canta, programa documental
exibido de 1971 a 1974 na RTP; a colectânea de discos Antologia da Música Regional
Portuguesa, editados entre 1960 e 1971; a obra Cancioneiro Popular Português, livro mais
cassete, editada pelo Círculo de Leitores em 1981.
3 Escola de Frankfurt (Frankfurter Schule) foi uma vertente filosófica particularmente associada ao Instituto para Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt, na Alemanha. Opuseram-se às ideologias marxistas tradicionais na procura para um caminho alternativo para o desenvolvimento social.
43A
LAR
Fig. 5A. Tonicha, Folclore 1 – Cantigas
Do Meu País, Orfeu, 1975.
proliferação, do que podemos chamar, de meios de comunicação
de massas, que vieram ampliar a afluência de influências
exterio-res. Pode-se traçar uma clara ruptura, através dos seus registos
em confronto com a produção musical posterior à consolidação
da rádio, televisão e cinema, bem como com o florescer de uma
indústria de gravação.
Tendo sido impossível o isolamento perante uma sociedade que
se desenvolveu segundo normas de uma produção industrial, a
música acaba por ser apropriada por esta como qualquer outra
actividade humana. Os teóricos da Escola de Frankfurt
3, Adorno
principalmente, já incluíram a música como parte da sua crítica
à Indústria Cultural
4. Segundo uma cultura de massas, subjugada
ao sistema capitalista, qualquer produção cultural torna-se um
ob-jecto. Segundo Simon Frith (2016), podemos observar a produção
de música, na sociedade contemporânea, como um exemplo
típi-co de alienação por Marx: algo humano é retirado da sua esfera e
devolvido sob a forma de uma comodidade. Mais ainda, canções e
músicos são fetichizados e apenas podem ser apropriados através
de uma transacção monetária. Ainda segundo Frith:
The “industrialization of music” can’t be understood as something that happens
to music but describes a process in which music itself is made — a process, that is,
that fuses (and confuses) capital, technical, and musical arguments.
Twentieth--century popular music means the twentiesTwentieth--century popular record; not the record
of somethings (a song? a singer? a performance?) that exists independently of the
music industry, but a form of communication that determines what songs, singers,
and performances are and can be. (2016, p. 94).
Esta música, que pretende servir as demandas do consumo, “não é
produzida pelo povo, mas sim produzida para o povo” (Morin as
ci-ted in Marques, 2006, p. 27). A definição de popular transforma-se
para o seu estado antagônico. Se descrevia um modo de expressão
4 O termo Indústria Cultural (Kulturindustrie) foi criado pelos filósofos e sociólogos alemães Theodoro W. Adorno e Max Horkheimer, proferido pela primeira vez no capítulo O iluminismo como mistificação das massas no ensaio Dialética do Esclarecimento, escrito em 1943 e publicado somente em 1947. Adorno e Horkheimer afirmam que o capitalismo
neutraliza o valor crítico na produção e distribuição cultural, tanto na arte erudia como na popular. A máquina capitalista encoraja uma visão passiva e acrítica do mundo ao fornecer ao público apenas o conhecido e já experienciado, desencorajando o esforço pessoal pela posse de novas experiências estéticas.
44A
POP
E COMO TUDO QUE É COISA
QUE PROMETE / A GENTE
VÊ COMO UMA CHICLETE
/ QUE SE PROVA, MASTIGA
E DEITA FORA, SE DEMORA
/ COMO ESTA MÚSICA É
PRODUTO ACABADO / DA
SOCIEDADE DE CONSUMO
IMEDIATO / COMO TUDO
O QUE SE PROMETE NESTA
VIDA, CHICLETE
5
5 Excerto da canção "Chiclete" do grupo musical Táxi, integrada no álbum homónimo editado por Polygram em 1981.
Fig. 6A. Membros da bandaTáxi e The Clash, imagem capturada no dia em que os Táxi fizeram o concerto de abertura dos The Clash em Cascais a 20 de Abril de 1981.
45A
LAR
genuína do povo, progride para significar produzido para ser aceite
por um grupo significativo de pessoas, a massa.
É a esta produção musical que Lopes-Graça se impôs tão
ferozmen-te, que apelida, na melhor das hipóteses, por música ligeira, a quem
Umberto Eco (1987) chama de música de consumo
6, porém
auto-res anglo-saxónicos, como Simon Frith e Roy Shuker, continuam
a apelidar de música popular, concretamente por popular music.
Semântica à parte, todos os autores referidos acabam por traçar
várias características em comum, independentemente das áreas
científicas e períodos temporais que os separam. Admitem ser um
produto da cultura de massas, com ideologias de coesão social,
onde se utilizam técnicas de produção standard que, por vezes,
inibem a experimentação estética, com o intuito de produzir
se-gundo as demandas do mercado. Porém, o posicionamento menos
pessimista sobre esta perspectiva, de Shuker e Frith, possivelmente
por ambos serem autores contemporâneos, ilustra esta alteração
perante uma melhor ‘aceitação’ da industrialização da música e,
por sua vez, de uma lógica da produção em massa.
Um dos pontos favoráveis que podem ser destacados no
desenvol-vimento que se operou na produção musical, é a aproximação entre
popular, associado a uma cultura inferior e o erudito, como uma
cultura superior. A distinção entre estes dois polos,
anteriormen-te muito distananteriormen-tes, cada vez é mais ténue. “Although a high-low
culture distinction is still very strongly evident in general public
receptions of ‘culture’, (…) high art has been increasingly
commo-dified and commercialised, while some forms of popular culture
have become more ‘respectable’.” (Shuker, 2001, p. 4).
Para além deste aspecto, pode ser pertinente realçar, que mesmo
dentro das lógicas de produção e consumo, num sistema que
pré--estabelece certas imposições a serem cumpridas, existe espaço
6 Termo explorado no capítulo "Os Sons e as Imagens", integrado no livro Apocalípticos e
46A
POP
para que os artistas detenham uma margem de autonomia, onde
“usando das oportunidades concedidas a todos os demais,
conse-guiam mudar profundamente o modo de sentir dos seus
consu-midores, desenvolvendo, dentro do sistema, uma função crítica
e liberatória.” (Eco, 1987, p. 283). Por exemplo, podemos realçar o
trabalho de António Variações, que indiscutivelmente,
influen-ciou o percurso da música popular portuguesa e da nossa cultura
contemporânea. A sua riqueza manifesta nas composições, letras,
e até na sua atitude, que sintetiza como "Uma coisa entre Braga e
Nova Iorque", dentro do panorama nacional simboliza a passagem
e inclusão, das raízes populares com a abertura ao cosmopolitismo.
Recentemente, o programa de Doutoramento em Materialidades
da Literatura, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
organizou o colóquio Variações sobre António (2017), para decifrar,
para além das suas composições musicais, as suas influências na
cultura portuguesa pós-Revolução.
A esta capacidade de renovação, que visa a produção de qualidade
com aspirações superiores de estímulo intelectual dos ouvintes,
Umberto Eco apelida por canção “diferente” (1987), contida nas
suas divisas de música ligeira. Esta atenta aos “problemas da
mú-sica popular” respeitando a tradição, como sucedeu em Itália com
o grupo musical Cantacronache, responsável pelo movimento que
renovou costumes e “pouco a pouco, vai encontrando os caminhos
da audiência popular” (Eco,1987, p. 298). A outro título de exemplo
português, o caso de Cantacronache, é bastante parecido com as
in-tenções de vários músicos associados com a música de intervenção
e os movimentos que se sucederam aos anos da Revolução
7.
Músi-cos esses que após a queda do Regime, passaram a ser transmitidos
livremente nos meios de comunicação de massa e comercializados
pelas editoras nacionais, sem impedimentos por parte da Censura.
É portanto necessário admitir que, dentro da sociedade
contem-porânea, para que os artistas atinjam um maior público precisam
Fig. 8A. Fausto e Zeca Afonso no primeiro canto livre promovido pela Emissora Nacional, 1974. Fig. 7A. Membros da banda
Cantacronache, da esquerda para a direita Sergio Liberovici, Fausto Amodei, Michele Luciano Straniero e Margot.
7 A Revolução de 25 de Abril de 1974, conhecida como Revolução dos Cravos, marcou a queda da Ditadura em Portugal. Até então desde 1933 estava no poder o Estado Novo, segundo um regime autoritário de inspiração fascista. O Estado Novo instaurou medidas de controlo como a polícia política e a Censura. A PIDE
(Polícia Internacional de Defesa do Estado), versão renovada da PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado), mais tarde foi reconvertida na DGS (Direcção-Geral de Segurança). A polícia política do regime, que recebeu formação da Gestapo e da CIA, tinha como objectivo censurar e controlar tanto a oposição como a opinião pública
Fig. 9A (pp. 48–49). Actuação de António Variações, 1981.
47A
LAR
de gravar as suas músicas e, inevitavelmente, ‘compactuar’ com
os processos de industrialização da música. “Ou uma canção só
será 'diferente' na medida em que se recusar à popularidade e à
circulação industrial, já que, no contexto onde vivemos, a
can-ção, para industrializar-se, tem que fatalmente percorrer os
ca-minhos do Mito mistificatório, produtor de exigências fictícias?”
(Eco, 1987, p. 314).
A canção, independentemente dos possíveis caminhos que possa
seguir, continuará a ser a companhia do dia-a-dia, da mesma
ma-neira que a música, permanecerá associada a uma actividade do
Homem. Apesar da possível coesão social subentendida na
indús-tria da música, é no resultado do constante diálogo entre comércio
e experiência vivida, que “it is finally those who buy the records,
dance to the rhythm and live to the beat who demonstrate, despite
the determined conditions of its production, the wider potential
of pop’.” (Chambers as cited in Shuker, 2001, p. 15).
Esta convivência adversa entre progresso e alienação, apenas
possível com a solidificação dos meios de massa, segundo uma
perspectiva positiva permitiu uma maior exposição de diferentes
posicionamentos culturais e artísticos, bem como a disseminação
e vulgarização de novas tecnologias. No entanto, o
desenvolvimen-to geral que incidesenvolvimen-tou, sacrificou modelos tradicionais de expressão
vernacular associados a culturas específicas (Manuel, 1993). A
cas-sete áudio enquadra-se como um agente activo neste processo. As
características inerentes a este formato – fácil de produzir e
re-produzir –, possibilitaram a sua extensa aceitação e propagação. O
impacto deste fonograma na indústria musical, tornaram-no num
dos média mais populares do século passado. De seguida, será feita
uma contextualização do percurso deste dispositivo sonoro,
des-de a génese da tecnologia que viabilizou, a fita magnética, até ao
reaparecimento nos nossos dias.
em Portugal e nas colónias. Os organismos responsáveis especificamente pela censura, por sua vez, controlavam a circulação e entrada de informação através do exame e repressão da imprensa, televisão, rádio, correios, entre outros.
48A
49A
WELL THE IMPORTANCE
ABOUT TAPE, IS THAT
TRANSFORMS SOMETHING
THAT EXISTED IN TIME,
AND THEREFORE ISN’T
DURABLE, INTO SOMETHING
THAT EXIST IN SPACE AND
THEREFORE IS DURABLE
8
.
Fig. 10A. Entrevista a Brian Eno por Video West, São Francisco, 1980. Fig. 11A. Cassete TDK D90.
A
8 Excerto de entrevista a Brian Eno, editada por Denis Gallant para Video West, São Francisco, 1980. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=Rm36ZxJboUI&t=2s 9 Título de canção de José Cid, integrada no disco single Ontem, Hoje e amanhã editado por Decca em 1976.
CASSETE
ONTEM, HOJE
E AMANHÃ
9
.
52A
53A
LAR
O INÍCIO E O ‘FIM’
O surgimento da gravação em fita magnética
10, veio alterar por
completo os processos de gravação musical e, consequentemente,
a relação do público com a música, criando novas formas de
con-sumo. Esta tecnologia, começou por inovar o processo criativo dos
músicos e da indústria a eles associada, para de seguida tornar-se
acessível ao público em geral.
No final da década de 50 o surgimento dos gravadores de quatro
pistas, seguidos da introdução dos gravadores de oito e vinte e
quatro pistas
11no decorrer da década seguinte, possibilitaram a
evolução dos estúdios de gravação musical. Estas alterações
mar-cam um ponto de viragem. Para produzir música, não bastavam
os músicos e intérpretes, produtores e engenheiros de som
come-çaram a ter um papel cada vez mais preponderante no processo.
A música começou a oscilar entre a performance musical e a sua
afirmação como obra fonográfica de experimentação em estúdio
(Abreu, 2010). Desta viragem, resulta uma produção musical, que
opera como um processo industrializado de produção de um bem,
que chega ao público na forma material de um fonograma.
It’s qualities of nowness and the way it penetrated deep into everyday life came
about through records being played on the radio or being bought from stores by
masses of people all within the same approximate time span, and then taken home
and played over and over and over again. Musicians could reach many more people
across the world, in a much more intimate and more persuasive way than they ever
could by performing live to audiences. (Reynolds, 2012, p. xxxvi).
A nova tecnologia de gravação magnética em fita foi
disponibili-zada, ao grande público, com o lançamento da Philips Compact
Cassette. O novo leitor e gravador de cassetes surgiu no mercado
europeu em 1963, sob a patente da Phillips.
Fig. 12A, 13A, 14A e 15A. Sala de produção, Edisco, 2018.
10 O surgimento da fita magnética permitiu o armazenamento de dados (primeiramente áudio, posteriormente vídeo e outros formatos) através do seu registo numa fita plástica coberta de material magnetizável, como óxidos de ferro ou de cromo.
11 Os gravadores de várias pistas possibilitaram a gravação multicanal, método de gravação sonora que permite o registo em separado de múltiplas fontes de som para criar um resultado final coeso.
54A
POP
Cassettes were initially designed by Philips for use in Dictaphones and other
pro-fessional purposes, but were successfully developed and marketed by Japanese
companies for use as an alternative consumer format to vinyl. (Manuel, 1993, p. 28).
A apresentação da cassete como um novo fonograma elegível
para reprodução, não foi aceite de imediato por parte das grandes
companhias discográficas, bem como pelos audiófilos. Por ser um
média menos nobre que o vinil
12, devido ao duvidoso
desempe-nho sonoro dos equipamentos e das respectivas gravações, não
foi aceite de imediato. Contudo, começou a alcançar uma maior
reputação como fonograma a partir de 1966, com a introdução do
sistema Dolby, de redução de ruído, que melhorou
substancial-mente a qualidade da reprodução (Abreu, 2010). No ano seguinte,
em 1967 a Philips lança o sistema compacto na sua versão
melho-rada nos Estudos Unidos da América, onde facilmente atinge um
grande número de consumidores, ultrapassando a popularidade
do fonograma concorrente, o sistema de cartuxos Learjet Stereo 8
13.
A resistência por parte das editoras em publicar os seus repertórios
em cassete, foi ultrapassada na década de setenta. Neste período,
começaram a editar em vinil e em fita, o que impulsionou as vendas
do mercado fonográfico. Este aumento, motivado pelas cassetes,
permitiu que os médias sonoros começassem a ser mais acessíveis,
possibilitando às companhias alargar o seu espectro de
consumi-dores, que até então baseava-se em público pertencente a cidades,
a classes médias ou altas e ocidentais (Abreu, 2010). No percurso
dos anos setenta as cassetes conseguiram impor-se como um
for-mato sonoro legítimo, mas foi no decorrer da década seguinte que
atingiram a sua maior popularidade.
The advent of new forms of mass media—again, cassetes are the most outstanding
example—offers new possibilities for transformation and heightens the importance of
understanding the impact of mass mediation on sociocultural life. (Manuel, 1993, p. 19).
Fig. 16A. Anúncio publicitário de cassete TDK AD–X90 com Stevie Wonder, TDK Electronics Corp,1982. Fig. 17A. Anúncio publicitário de cassetes TDK, TDK Electronics Corp, 1971.
12 O disco de vinil, surgiu no final da década de 1940, como um formato de reprodução sonora evolutivo dos discos de 78 rotações, existentes desde 1890 tornados obsoletos após a apresentação do vinil. O disco de vinil é um fonograma analógico de reprodução mecânica, que regista áudio numa superfície
de plástico. As ranhuras em forma de espiral conduzem a agulha do gira-discos, de modo a transformar as vibrações em sinal eléctrico, posteriormente amplificado para som audível. 13 O sistema de cartuxos Learjet Stereo 8, desenvolvido pela Lear Company, foi
55A
LAR
O grande impacto das cassetes no mercado fonográfico, deve-se a
uma série de características inovadoras inerentes ao próprio
dis-positivo. O seu formato enquanto média analógico, revolucionou
os meios de reprodução e gravação tendo vastas repercussões no
modo como os utilizadores consomem música. A cassete tornou
a música acessível, o que podemos resumir por duas perspectivas
diferentes: por um lado pelas condicionantes do formato em si e
consequentemente por ser um two-way medium (Manuel, 1993).
A cassete comparativamente ao vinil, como referido anteriormente,
não é tão fidedigna em termos de qualidade de reprodução sonora,
no entanto, tanto o próprio dispositivo em si, bem como os seus
leitores e gravadores oferecem outras mais-valias que permitiram a
competição comercial entre os dois média, bem como a criação de
culturas e públicos por vezes distintos. As cassetes e os dispositivos
adaptados a estas distinguiram-se por serem mais baratos, fáceis
de reparar e usar, mais resistentes e duradouros. Porém, podemos
realçar como principal inovação o tamanho reduzido do formato, a
pequena caixa plástica com certa de 10x7cm veio despontar novas
possibilidades e a revolução do som individual. O lançamento do
Walkman, um pequeno aparelho compacto de reprodução,
assina-lou o começo para mecanismos do género começarem a ser
pensa-dos a partir da sua portabilidade. Este dispositivo, foi lançado em
1979, pela Sony, companhia que já tinha feito parcerias com a
Phi-lips para melhorar a qualidade sonora das cassetes (Abreu, 2010).
O Walkman foi criado a pensar no público jovem, mas rapidamente
se instalou e possibilitou a aderência de um público mais alargado
ao mercado da música gravada e das próprias cassetes áudio.
O autor Peter Manuel (1993) distingue a cassete em relação a outros
fonogramas analógicos, por ser um two-way medium, tanto pode
ser gravado como reproduzido. De facto a produção em massa de
cassetes é incomparavelmente mais barata e simples que o fabrico
Fig. 18A. Anúncio publicitário de cassetes Maxel, Maxel, 1979. Fig. 19A. (pp. 56–57) Anúncio publicitário de Sony Walkman, Sony, 1981.
introduzido nos Estados Unidos da América em 1965. Opera sobre um sistema semelhante às cassetes compactas, onde a gravação também é feita em fita magnética. No entanto, apresenta maior volume, não possibilita a gravação amadora nem rewind, começando automaticamente a fita do início quando
atinge o seu fim. Este sistema foi muito popular nos EUA, Canadá e Japão, não tendo atingido números comparáveis na Europa.
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58A
POP
de discos em vinil, o que permitiu a grupos menos abastados o
acesso a esta tecnologia, tanto para se dedicarem à sua produção
e gravação como ao seu consumo (Manuel, 1993). A produção em
cassete, continuou a potenciar a homogeneidade associada aos
meios de massa, no entanto, a sua acessibilidade permitiu que a
indústria de gravação se diversificasse. Esta possibilidade deveu-se
ao florescer de produtores locais, que se dedicavam à disseminação
de géneros mais específicos, que não eram contemplados por
edi-toras multinacionais e regionais, com interesse em publicar estilos
musicais para atrair grandes públicos.
Local “stars” subsequently arose, and new standards of professionalism came to
be adopted. The proliferation of regional cassettes at once precipitated a degree
of cross-fertilization, stylistic borrowing, and homogenization, while at the same
time sharpening awareness of local traditions, and effectively crystallizing their
image through mass-media dissemination and preservation. (Manuel, 1993, p. 32).
A diversidade de produção que as cassetes áudio permitiram não
se limitou à dicotomia entre interesses locais e internacionais, de
preservação de valores tradicionais, ou por oposição, a produções
com escala global de disseminação. A época do desenvolvimento
das cassetes coincidiu com a emergência de várias culturas
un-derground, que tiveram na sua génese a oposição à cultura
mains-tream
14e a valores convencionais. Movimentos como o punk e o
hip-hop, apropriaram-se deste média como parte da sua cultura,
por propiciar uma atitude Do It Yourself
15. A coincidência temporal
do florescer da cultura da cassete e destas culturas musicais,
permi-tiu o desenvolvimento de ambas, de modo a que a sua associação
e simbiose continue para além da época em que tiveram origem.
Ao falar do advento de uma cultura de cassetes, não se pode
dei-xar de referir o desenvolvimento que estas proporcionaram para
a pirataria. Como two-way medium, a comercialização de cassetes
Fig. 20A. Jordi Valls, The London Punk
Tapes, Centre d'Art Santa Mònica,
Barcelona, 2010 (dupla página). Fig. 21A. Steve Vistaunet, The lost art of
cassette, 1980-1988.
14 Mainsterm é o termo recorrentemente utilizado para denominar uma cultura dominante face a outras, associada à cultura de massas difundida pelos meios de comunicação de massa. Por sua vez, definem-se por oposição a esta movimentos de subcultura, contracultura ou undergound,
que criticam a corrente dominante como elitista e inferior em produção artística. 15 Do It Yourself (DIY), traduz o comportamento pelo qual indivíduos não profissionais se envolvem em actividades de construção, modificação e reparação de bens materiais.