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Escolha de alimentos em feiras de produtos orgânicos: um estudo de percepção ambiental em abordagem ecológica

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Academic year: 2021

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Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Psicologia

ESCOLHA DE ALIMENTOS EM FEIRAS DE PRODUTOS ORGÂNICOS: UM ESTUDO DE PERCEPÇÃO AMBIENTAL EM ABORDAGEM ECOLÓGICA

Cláudia Maria de Figueiredo Moreira Leite Carneiro

Natal – RN 2019

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Cláudia Maria de Figueiredo Moreira Leite Carneiro

ESCOLHA DE ALIMENTOS EM FEIRAS DE PRODUTOS ORGÂNICOS: UM ESTUDO DE PERCEPÇÃO AMBIENTAL EM ABORDAGEM ECOLÓGICA

Tese elaborada sob a orientação do Prof. Dr. José de Queiroz Pinheiro e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Psicologia.

Natal – RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Carneiro, Claudia Maria de Figueiredo Moreira Leite.

Escolha de alimentos em feiras de produtos orgânicos: um estudo de percepção ambiental em abordagem ecológica / Claudia Maria de Figueiredo Moreira Leite Carneiro. - Natal, 2019.

217f.: il. color.

Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2019.

Orientador: Prof. Dr. José de Queiroz Pinheiro.

1. Perspectiva Ecológica - Tese. 2. Percepção Ambiental - Tese. 3. Multimétodos - Tese. 4. Feiras de Orgânicos - Tese. 5. Alimentos Orgânicos - Tese. I. Pinheiro, José de Queiroz. II. Título.

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A tese “Escolha de alimentos em feiras de produtos orgânicos: um estudo de percepção ambiental em abordagem ecológica”, elaborada por Cláudia Maria de Figueiredo Moreira Leite Carneiro, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de DOUTORA EM PSICOLOGIA.

Natal, RN, 26 de Junho de 2019.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Prof. Dr. José de Queiroz Pinheiro (presidente)

__________________________________________ Profa. Dra. Islandia Bezerra da Costa (UFPR)

__________________________________________ Prof. Dr. Gustavo Martineli Massola (USP)

__________________________________________ Profa. Dra. Gleice Azambuja Elali (UFRN)

__________________________________________ Profa. Dra. Raquel Farias Diniz (UFRN)

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A história da vida na Terra tem sido uma história de interação entre coisas vivas e seus ambientes

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A Deus, sem Ele não conseguiria;

A Giovanna e Isabelle, Pela força de seguir e viver;

À minha mãe, de longe o espelho mais forte que conheci.

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Agradecimentos

You are not hopeless, though you have been broken, I hear you whisper underneath your breath

I hear your SOS, your SOS I will send out an army to find you In the middle of the hardest fight (Rescue, Lauren Daigle) Começo agradecendo a Deus, por todas as noites e dias, que Ele ouviu em minha respiração, os sussurros por socorro. De fato, Ele enviou um exército de amigos para me socorrer. Ao amado do meu coração, meu abrigo e conforto, dedico minha profunda gratidão.

Ao Zé, meu querido e caro orientador, muito obrigada! As palavras não podem expressar a imensa admiração e o orgulho que tive/tenho de ter sido conduzida nessa jornada por ti. Sua qualidade rara de “perceber ecologicamente” as pessoas, sua singularidade no acolhimento sensível, o questionar impulsionador, o crédito despretensioso nos sonhos alheios, enfim, a capacidade de construir junto. Todas qualidades suas “chefia”, as quais novamente agradeço. Suas posturas de trabalho e visões acadêmicas não me permitem categorizá-lo apenas como um professor ou orientador, sua sensibilidade legitima para mim, o mestre que você é.

Iniciamos nossa jornada em uma reunião de “sondagem” de ideias, que foram encaminhadas por um email meu. A “apresentação” em síntese dizia, mais ou menos coisas assim: “sou nutricionista, fiz mestrado na engenharia de produção e queria conversar com você sobre psicologia ambiental”. Louca eu! Louco ele! Sentamos e conversamos. De início, em um quadro de absoluto nervoso, tive que lidar com um olhar desconfiado e analítico (mal sabia eu que toda a minha linguagem corporal estava sendo desvendada ali), daí escuto: “você vai ter que cursar todas as disciplinas metodológicas novamente, vai participar como ouvinte

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de uma disciplina complementar que darei neste semestre e aí eu defino se teremos algo a construir”. Quase chorando (porque sou dessas!), respondi: eu topo!

Não sei o que falei ou expressei, mas no mesmo dia recebi um email: “vá na secretaria, procure Cilene e se matricule como aluna especial”. Vibrei, gritei e surtei, tudo ao mesmo tempo! Acho que foi um ensaio para o pânico que viria depois, quando comecei a entender o caminho seria árduo, requereria muita desconstrução acadêmica, flexibilidade, resiliência e foco. Em meio a tantas demandas, querido Zé, você foi um “maestro admirável”! Com sua batuta (quase a varinha do Harry Potter, porque reitero você é “bruxo”) conduziu uma “sinfonia”, horas afinada, horas nem tanto, repleta de emoções, conceitos e apreensões de três áreas do conhecimento (Biomédica, Tecnológica e Humanas). Minha gratidão por acreditar, por acolher, por conduzir. Jamais esquecerei de ti, nem dos aprendizados. Meu carinho e respeito a ti, Chefia.

Pelo acolhimento, também gostaria de agradecer ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia, que oportunizou uma abertura interdisciplinar, permitindoque uma aluna com bases teóricas enraizadas em outras formações acadêmicas, pudesse desconstruir diversas concepções e estabelecer novos diálogos com a psicologia ambiental. Agradeço em especial às professoras Izabel Hazin e Isabel Fernandes, bem como a Cilene, Lizianne e Bruno, que conduziram caminhos administrativos para a consolidação desse Doutorado (2015-2019). Agradeço também aos professores que compuseram o quadro docente das disciplinas da Pós-graduação e possibilitaram a construção dessa formação e tese.

Profundamente grata pela integração ao Grupo de Estudos Inter-Ações Pessoa-Ambiente (GEPA). O GEPA me proporcionou momentos de ricas discussões científicas, questionamentos diversos e encadeamentos acadêmicos relevantes. Vocês sempre me impulsionaram, acresceram conteúdos e forjaram em mim um caráter científico responsável e embasado. Gratidão aos que compuseram o grupo desde 2011, aos queridos componentes

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atuais, e aos parceiros de jornada Hellen, Alexandra, Raquel, Tadeu, Giselli, Dandara, Emerson, Lorena, Larissa, Fernanda, Leonardo, Raul, Cíntia, Zeca, July, Rachel e Gleice, a vocês, gratidão!

Peço permissão a todos do grupo para agradecer em específico, processos de interação pessoal que me marcaram nessa trajetória: à Raquel e ao Tadeu, pela acolhida humilde e gentil (admiração imensa); à Gleice, que com uma precisão cirúrgica e bem humorada, instruiu, corrigiu e me integrou (orgulho enorme da oportunidade deconhecê-la, de ter aprendido com a mulher e com a professora, pelo afago da sua mão em meu ombro na missa em homenagem ao meu marido, por tudo, gratidão!); à Alexandra, Giselli, Dandara e Emerson, que participaram de maneira carinhosa da construção desta tese; e por fim e não por último, à minha querida amiga Hellen, que com café, pão assado e requeijão, pegou na minha mão e disse: avante! Gratidão amiga! Sem você, acredito de coração que não seria possível.

Meus agradecimentos se estendem à minha família e demais amigos, sem os quais não teria suporte afetivo para seguir. Meus pais, Humberto e Maria, pelos aprendizados de vida e escolares, que me proporcionaram. Ao meu Tio Elias Nunes, aos meus irmãos (Aninha, Henrique, Rosa) e sobrinhos, gratidão pelas orações, torcida e pela divisa “você vai conseguir!”. Em especial, a André e a Guilherme, sobrinhos e “auxiliares de tecnologia nas horas vagas”, as trocas de fraldas e mamadeiras foram pagas guys!

À minha preciosa e amada amiga Janiara, que me faz rir, chorar, acreditar e seguir. Amo-te minha maluca preferida, jamais teria conseguido sem você! A Erico, pelas caronas sem fim dadas às minhas adolescentes, isso tudo para que eu conseguisse terminar alguma leitura ou capítulo, obrigada irmão!

Também agradeço à Nutrição e à Engenharia de Produção, pelo enriquecedor caráter científico, que forjou meu aprendizado e permitiu o tracejar de novas rotas. Aos 657 participantes observados e aos 08 entrevistados desta investigação, que generosamente me

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permitiram conhecer comportamentos, impressões e construir esse trabalho, possibilitando novas apreensões científicas e pessoais.

E ao meu amor, meu amigo e companheiro, Rommel (in memorian) dedico minha imensa saudade e uma profunda gratidão pela vida e sonhos partilhados, pelo encorajamento cúmplice e pela admiração que sempre dedicou, a mim e a nossa família. Meu anjo lindo, não sei como consegui, mas o que você me dizia tornou-se verdade: “vai dar certo amor, creia, vai dar certo”. Parece que escuto sua voz rouca falando assim: “Deus vai na frente cuidando de tudo”. Você é tão importante para mim e para nossa família, que até sua ausência física me impulsiona a ser melhor, a ir adiante, a seguir... Que amor é esse nosso, hein? (Ainda não consigo conjugar nossos verbos no passado). Que história linda você me deu! Nossas vivências, momentos, tudo! Giovanna e Isabelle, frutos do nosso amor e razão do nosso existir, foi o maior e melhor presente que já ganhei em toda a vida. Obrigada Príncipe! Meu coração é para sempre teu. E para minhas meninas, deixo a certeza que as amo de uma maneira que jamais saberei explicar. Elas são o meu sol, a minha alegria. Sem elas não haveria mais Cláudia! Sem elas não existiriam mais sonhos.

Por fim, a todo o “exército enviado na minha noite mais escura” deixo registrada a minha eterna gratidão!

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Sumário

Lista de figuras...xvi Lista de tabelas...xvii Resumo ... xiii Abstract ... xiv Resumen...xv Apresentação ... 18

1. Agri-cultura orgânica: história e práticas ... 21

1.1. Cultura agrária: uma breve evolução histórica ... 24

1.2.Outros caminhos para além da Revolução Verde ... 30

1.3. Produção orgânica e a construção social de mercados ... 38

2. Perspectiva sistêmica e o sistema alimentar orgânico... 48

2.1.Perspectivas sistêmicas no estudo das relações pessoa-ambiente ... 50

2.2. O olhar sistêmico da alimentação: abordagens sociopsicológicas e ambientais... 57

3. Abordagem ecológica e percepção ambiental: uma visão sobre econicho ... 62

3.1. Perspectivas da abordagem ecológica ... 63

3.1.1. Uma retomada histórica ... 63

3.1.2. Significado funcional percebido, conformidade comportamental e estruturas socioculturais ... 67

3.1.3. Abordagem ecológica: paralelos, pressupostos e paradoxos ... 71

3.1.4. A perspectiva temporal e a abordagem ecológica ... 77

3.2. A percepção na psicologia ambiental e na abordagem ecológica ... 81

3.2.1. Teorias representativas da percepção do ambiente ... 81

3.2.2. Um olhar para as relações humano-ambientais: o “Homem Ambiental” ... 83

3.2.3. A percepção ambiental na abordagem ecológica ... 87

4. Proposta da investigação ... 95

5. Método ... 99

5.1. Estudo 1 – Interação Pessoa-Ambiente: uma análise comportamental ... .100

5.1.1. Mapeando a interação nas feiras (Estudo 1 A) ... .100

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5.2. Produtores e Consumidores: vivências, compreensões e relatos sobre os

orgânicos (Estudo 2) ... 105

5.3. Análise dos dados ... 107

5.3.1. Análise de dados do Estudo 1A- Mapeamento comportamental ... 107

5.3.2. Análise de dados do Estudo 1B-Análise de contexto da interação ... 108

5.3.3. Análise de dados do Estudo 2- Entrevistas semiestruturadas ... 109

5.3.4. Análise convergente dos Estudos 1 e Estudo 2 ... 111

6. Do campo à cidade: comportamentos e processos cotidianos nas feiras de orgânicos...113

6.1. Vamos à feira? Observando o ambiente edelineando contextos...113

6.2. Mapeando os comportamentos...125

6.3. Ecologia das feiras: dinâmicas internas, recursos e estágios temporais...137

7. Conversando sobre escolhas...146

7.1. Organizando os temas...149

7.2. Escolhendo coqueiros e indo além do biológico...154

8. Percebendo o orgânico: uma organização de econicho...172

9. Um peixinho e o oceano...184 Referências Bibliográficas ...190 Apêndice A...208 Apêndice B...211 Apêndice C...214 Apêndice D...217

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RESUMO

O modelo hegemônico de cultura agrária exportado ao mundo por meio dos pressupostos da Revolução Verde cristalizou valores e práticas, que promoveram uma devastação biológica e sociocultural de tradições milenares de cultivo alimentar. Uma das possibilidades de oposição a este paradigma (re)surge em sistemas alternativos sustentáveis, como a produção orgânica de alimentos, que estabelece posturas de sustentabilidade sociocultural, econômica e ambiental. Este estudo de caráter qualiquantitativo e exploratório tem como objetivo explorar a percepção do alimento orgânico por seus produtores e consumidores em feiras especializadas. Como pressupostos epistemológico e teórico-metodológico utilizei a Perspectiva Sistêmica proposta por Altman e Rogoff, e a Abordagem Ecológica de Barker, respectivamente. Realizei uma observação naturalística em três feiras especializadas em venda de orgânicos, em 101 dias de coleta. A investigação compreendeu duas etapas, sendo levantados aspectos verbais e não verbais relacionados à venda e consumo de orgânicos. Foram entrevistados 04 produtores e 04 consumidores, e foram observadas 657 pessoas. Os instrumentos incluíram o mapeamento comportamental centrado no lugar e a análise de contexto com inspiração na teoria do behavior setting. A convergência metodológica foi estabelecida com base em análise temática de base interpretativista, integrando os achados dos comportamentos observados, das lógicas internas às falas e das relações construídas em todo o processo investigativo. O processo analítico demonstrou que a escolha do orgânico envolveu compreensões cognitivas e afetivas permeadas por aspectos motivacionais relacionados à saúde biológica, aspectos filosófico-religiosos e ético-ambientais das pessoas envolvidas. Compreensões sobre esse fenômeno na alimentação podem contribuir para a geração de conhecimento na área das relações pessoa-ambiente, agregando uma compreensão interdisciplinar sobre a questão.

Palavras-chave: perspectiva ecológica; percepção ambiental; multimétodos; feiras de

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ABSTRACT

The hegemonic model of agrarian culture exported to the world through the assumptions of the Green Revolution solidified values and practices, which conducted a biological and sociocultural devastation of millenarian traditions of food cultivation. One of the possibilities of opposition to this paradigm arises in sustainable alternative systems, such as organic food production, which establishes socio-cultural, economic and environmental sustainability. This research of quali-quantitative and exploratory inclination aims to explore the perception regarding organic food by its producers and consumers in specialized fairs. As epistemological and theoretical-methodological presuppositions, I used the Systemic Perspective and the Barker Ecological Approach, respectively. I conducted a naturalistic observation in three fairs specialized in organic sales in 101 days of data harvesting. The investigation comprised two stages, with verbal and nonverbal aspects related to the sale and consumption of organic products. Were interviewed 04 producers and 04 consumers, and 657 people were observed. The research tools included place-centered behavioral mapping and context-based analysis with inspiration in behavior setting theory. The methodological convergence was established within an organization of thematic analysis with an interpretative basis, integrating the findings through observed behaviors, the internal logics to the spoken behaviors and the relations constructed throughout the investigative process. The analytical process demonstrated that the choice of organic involved cognitive and affective understandings permeated by motivational aspects related to biological health, philosophical-religious aspects and ethical-environmental aspects of the people involved. Understandings about this phenomenon in food may contribute to the induction of knowledge in the area of human-environment relations, adding an interdisciplinary comprehension on the issue.

Keywords: ecological perspective; environmental perception; multi-methods; organic fairs;

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RESUMEN

El modelo hegemónico de cultura agraria exportado al mundo por medio de los presupuestos de la Revolución Verde cristalizó valores y prácticas, que promovieron una devastación biológica y sociocultural de tradiciones milenarias de cultivo alimentario. Una de las posibilidades de oposición a este paradigma (re) surge en sistemas alternativos sostenibles, como la producción orgánica de alimentos, que establece posturas de sostenibilidad sociocultural, económica y ambiental. Este estudio de carácter cuali-cuantitativo y exploratorio tiene como objetivo explorar la percepción del alimento orgánico por sus productores y consumidores en ferias especializadas. Como supuestos epistemológico y teórico-metodológico utilicé la Perspectiva Sistémica propuesta por Altman y Rogoff, y el Enfoque Ecológico de Barker, respectivamente. He realizado una observación naturalista en tres ferias especializadas en venta de orgánicos, en 101 días de recolección. La investigación comprendió dos etapas, siendo levantados aspectos verbales y no verbales relacionados a la venta y consumo de orgánicos. Se entrevistaron 04 productores y 04 consumidores, y se observaron 657 personas. Los instrumentos incluyeron el mapeo conductual centrado en el lugar y el análisis de contexto con inspiración en la teoría del behavior setting. La convergencia metodológica fue establecida con base en análisis temático de base interpretativista, integrando los hallazgos de los comportamientos observados, de las lógicas internas a las palabras y de las relaciones construidas en todo el proceso investigativo. El proceso analítico demostró que la elección del orgánico involucró comprensiones cognitivas y afectivas permeadas por aspectos motivacionales relacionados a la salud biológica, aspectos filosófico-religiosos y ético-ambientales de las personas involucradas. Las comprensiones sobre este fenómeno en la alimentación pueden contribuir a la generación de conocimiento en el área de las relaciones persona-ambiente, agregando una comprensión interdisciplinaria sobre la cuestión.

Palabras clave: perspectiva ecológica; percepción ambiental; enfoque multimetodológico; ferias de orgánicos; alimentos orgánicos

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Lista de Figuras

Figura 1 – Modelo do Contexto Alimentar...56

Figura 2 -Planta baixa esquemática da Feira do Parque ...129

Figura 3 -Fotografia ilustrativa da Feira do Parque...129

Figura 4 - Frequências de comportamentos por setores da Feira do Parque...130

Figura 5 - Planta baixa esquemática da Feira da Repartição...131

Figura 6 - Fotografia ilustrativa da Feira da Repartição...131

Figura 7 - Frequências de comportamentos por setores da Feira da Repartição...132

Figura 8 -Planta baixa esquemática da Feira do Bosque...133

Figura 9 - Fotografia ilustrativa da Feira do Bosque...133

Figura 10 - Frequências de comportamentos por setores da Feira do Bosque...135

Figura 11 - Organização sistêmica do econicho das feiras...171

Figura 12 - Aspectos da informação ecológica do Econicho de Orgânicos...182

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Lista de Tabelas

Tabela 1 - Quantidade de participantes do Estudo 1, por sexo... 116

Tabela 2 - Frequência dos tipos de consumidores por feira...118

Tabela 3 - Contextos das feiras e dimensões de decisão de consumo (baseado em Blackwell, Miniard, & Engel, 2008)...121

Tabela 4 - Idade aproximada dos participantes observados por gênero e por feira...125

Tabela 5- Frequências de comportamentos por setores da Feira do Parque...130

Tabela 6 - Frequências de comportamentos por setores da Feira da Repartição...132

Tabela 7 - Frequências de comportamentos por setores da Feira do Bosque...134

Tabela 8 - Aspectos do contexto da Feira do Parque com base na perspectiva dos behavior settings...141

Tabela 9 - Aspectos do contexto da Feira da Repartição com base na perspectiva dos behavior settings...142

Tabela 10- Aspectos do contexto da Feira do Bosque com base na perspectiva dos behavior settings...143

Tabela 11 - Fragmentos da entrevista com produtor da Feira do Parque...159

Tabela 12 - Fragmentos da entrevista com consumidores da Feira do Parque...161

Tabela 13 -Fragmentos da entrevista com produtores da Feira da Repartição...163

Tabela 14 - Fragmentos da entrevista com consumidora da Feira da Repartição...165

Tabela 15 - Fragmentos da entrevista com produtor da Feira do Bosque...167

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Apresentação

As inferências e construções de pesquisa aqui apresentadas foram amadurecidas em quatro anos de doutorado e emolduradas por uma história acadêmica visceralmente interdisciplinar. Da graduação em Nutrição ao mestrado em Engenharia de produção, chego à Psicologia Ambiental, trazendo “na bagagem” inquietações e emoções afloradas diante da possibilidade de ampliar conhecimentos. Afetivamente, as interações e o cuidado ambiental sempre estiveram presentes na minha vida pessoal, profissional e acadêmica. Essa postura conduziu meus estudos e trabalhos com a alimentação, em um foco para além de aspectos fisiológicos ou bioquímicos, estabelecendo uma busca de outras relações científicas.

A escolha de trabalhar com alimentos orgânicos sob o olhar da psicologia ambiental se deu essencialmente pela particular convicção da alimentação como um ato ecológico que envolve diversos aspectos psicossociais. Esse entendimento nutriu o desejo de explorar a percepção em relação ao alimento orgânico por seus produtores e consumidores em feiras livres especializadas. Ao me reportar sobre ecologia na alimentação, não me refiro apenas a aspectos vinculados à ciência da Biologia em si, mas direciono esta compreensão incluindo relações estabelecidas desde o processo produtivo do orgânico até a sua aquisição final, que asseguram não apenas questões de Segurança Alimentar e nutricional, mas que oferecem

características ecológicas de um ambiente social, psicológico, cultural e físico que o configura. Além disso, e em termos pragmáticos, a produção orgânica e seus vieses de

sustentabilidade ambiental podem contribuir consideravelmente para uma perspectiva de futuro ambientalmente mais positiva.

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Ao me propor estudar a percepção ambiental em relação ao orgânico utilizei como base epistemológica a Perspectiva Sistêmica proposta por Altman e Rogoff (1987), também discutida por Valera (1996). Esta perspectiva utilizada nos estudos da psicologia ambiental busca compreender a partir do processo de interação socioambiental, como as pessoas interpretam o entorno e agem por meio dessas interpretações culturalmente derivadas e historicamente situadas no mundo da vida social. Do ponto de vista teórico-metodológico, utilizei a Abordagem Ecológica proposta por Barker (1968), inspirada pela corrente do pensamento funcionalista de Willian James. Algumas compreensões dentro desta abordagem contaram com a sinergia de entendimentos de Gibson (1978) e Ittelson (1978) em relação à definição sobre percepção ambiental. Para bases investigativas utilizei uma abordagem multimetodológica (Günther, Elali, & Pinheiro, 2008), estabelecendo o estudo convergente de perspectivas não-verbais e verbais de investigação, na busca da exploração de aspectos efetivamente manifestos do comportamento humano em ambientes do cotidiano.

Do ponto de vista da experiência pessoal, a construção do trabalho foi desafiadora em diversos sentidos. A “mesa-redonda” composta pela Psicologia Ambiental, Nutrição, Ciências Agroambientais e o cotidiano das feiras, contou com um encontro interdisciplinar que exigiu um debate intensamente focado em sua organização. Assim como na vida, estruturar “discursos” sem estabelecer diferenças hierárquicas, seja de conhecimentos ou de outras esferas, é um exercício particular e ímpar. Asseguro que de forma apaixonante e exaustiva, a interdisciplinaridade é uma ferramenta que agrega disciplinas, teorias, métodos e permite experiências diferenciadas para compreensão de fenômenos.

A composição estrutural do trabalho conta com a introdução trazendo o relato do tema, aspectos sobre o problema de pesquisa e a literatura pertinente. A organização dos capítulos seguiu a lógica de ampliação das teorias que embasam a pesquisa: no capítulo 1, aspectos sobre agricultura orgânica e a cultura agrária de produção de alimentos; o capítulo 2, a

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perspectiva sistêmica e sua relevância na psicologia ambiental e na alimentação; e no capítulo 3, a perspectiva ecológica na compreensão do fenômeno da percepção. Sigo apresentando nos demais capítulos a proposta de pesquisa (objetivos gerais e específicos – capítulo 4), métodos (participantes, instrumentos, procedimentos de coleta e plano de análise dos dados – capítulo 5), e resultados e discussão, nos capítulos 6, 7 e 8, e estabeleço considerações finais no capítulo 9. Concluo esta apresentação apontando que a insustentabilidade das ações humanas sobre o meio ambiente, seja com a questão alimentar ou em quaisquer outras áreas científicas, incita a busca da compreensão dos aspectos psicológicos que circundam a questão.

A despeito de toda a dificuldade pessoal envolvida (perdas pessoais, busca de consistência teórica, linguagem interdisciplinar, desconstruções), o prazer de estudar elementos psicológicosda sustentabilidade sobrepujou, em muito, os entraves do caminho e forjou um caráter resiliente o qual jamais imaginei possuir. Agora, convido os demais leitores

e leitoras desta tese, a participarem desta mesa composta pelas ciências descritas,

estimulando-os não só a interagir com as disciplinas, mas como em um bom restaurante: “sentar-se à mesa” e, quem sabe? Degustarem uma boa refeição orgânica. Bom apetite! Ou melhor, boa leitura!

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1. Agri-cultura orgânica: história e práticas

A obrigação de suportar nos dá o direito de saber (Jean Rostand, 1951, citado por Rachel Carson, 1962/2010) Esta tese se estruturou em meio a tramitações e aprovação pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº 6.299/02, que busca restringir a venda direta de orgânicos no Brasil. Agregando lástimas a este quadro retrógrado e criminoso, em maio de 2019, com aval e incentivo do Governo Federal, o Ministério da Agricultura liberou 24 produtos considerados

altamente tóxicos para a saúde humana e ambiental, e 49 agroquímicos configurados entre os extremamente tóxicos. Em 2018, o Brasil completou o décimo ano na liderança do ranking

de maior consumidor de agrotóxicos do planeta, com um perfil consolidado de extrema permissividade no uso de substâncias altamente tóxicas em seus alimentos, água e plantações (Associação Brasileira de Saúde Coletiva, 2015; Brasil de Fato, 2019).

Em adição a este panorama perverso, outra mordacidadereside na concepção de “risco aceitável” no uso de agrotóxicos em produções de alimentos. O sofismo traduz-se na concepção de riscopartindo de parâmetros técnicos que tratam superficialmente de perigos. De acordo com Bombardi (2017), os órgãos responsáveis no Brasil fazem uma avaliação de perigo dos agrotóxicos amparadas pela falácia de “rigores técnicos de avaliação”. A autora afirma que em países da União Europeia, por exemplo, são realizadas avaliações de perigos objetivos dos produtos e análises de risco iminente destes. A análise de risco consiste em procedimentos que necessitam de uma execução técnica qualificada e experiente, com maturidade regulatória, com estudos de quantificação da exposição e com a participação de técnicos especializados (em número suficiente) para o atendimento da demanda. Ou seja, uma estruturação necessária que não corresponde à realidade brasileira no momento.

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Historicamente, em luta pela contraposição de cenários predadores nas questões alimentares brasileiras, desde 1946, Josué de Castro já escrevia sobre problemas ecológicos relacionados a alimentos e a fome. Como um dos responsáveis pela criação da FAO (Organismo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), Castro defendia uma abordagem em relação à alimentação que não dissociasse o natural do social, a natureza da cultura, o ambiental do político (Porto-Gonçalves, 2015). Ainda em 1962, quando a questão ambiental não estava nomeada na agenda política internacional, Rachel Carson apresentou em seu livro Primavera Silenciosa, um alerta científico e profundo sobre os malefícios do uso de agrotóxicos no meio ambiente e em alimentos (Carson, 1962/2010).

Na realidade, desde o contexto pós-Guerra houve uma alteração significativa e perniciosa na produção mundial de alimentos por meio dos pressupostos da Revolução Verde. Historicamente e oportunamente a partir desse panorama, grandes corporações estabeleceram um bioimperalismo no campo da alimentação e da agricultura, que se configura por uma política de expansão de domínio territorial, cultural e econômico nas questões relacionadas a produção de alimentos. Essa postura se consolidou com bases de interesse pautadas nos ideais do capitalismo e utilizando um marketing falacioso do aumento da produção de alimentos no mundo.

A expressão Revolução Verde criada em 1966 em uma conferência em Washington por William Gown foi financiada pelo grupo Rockfeller e exportada ao mundo como solução para as questões alimentares. Ela estabeleceu a implantação de uma nova cultura agrícola, marcada por inovações tecnológicas na produção alimentar, envolvendo o desenvolvimento de pesquisas em sementes, fertilização do solo, utilização massiva de agrotóxicos e mecanização no campo (Andrades, & Ganimi, 2007; Bezerra, & Schneider, 2012). Esse novo modo agrícola, atualmente nominado “convencional”, modificou negativamente as relações de trabalho e de saúde para os produtores, bem como as de saúde dos consumidores e do meio

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ambiente. Na pauta desse novo “fazer” agrário, estabeleceu-se uma realidade que envolvia e envolve desrespeito a organizações sociais, a aspectos geográficos e culturais, ao cuidado com biodiversidades e a ciclos biológicos. A implantação deste sistema produtivo, iniciada no fim da década de 1940, obteve seus resultados mais expressivos durante as décadas de 1960 e 1970 e até dias atuais acarreta discussões, contradições e efeitos deletérios sobre as pessoas e os ambientes.

Não querendo me deter em obviedades, o panorama de diversos problemas ambientais no mundo é discutido e alertado pelas Ciências Ambientais como um todo. Contudo, ao discutirmos essas questões, as primeiras ações a que nos remetemos são as de não poluir rios e cidades, preservar áreas naturais e verdes, reciclar e gerenciar resíduos, economizar água, utilizar fontes renováveis de energia, entre outros comportamentos de cuidado com o ambiente. De certa forma, é menos explícita e até mais distante, a associação da existência de uma relação com uma das atividades mais básicas e cotidianas das pessoas - a alimentação (Pollan, 2007; Ramos, 2008).

A produção alimentar está intrinsicamente interligada ao meio ambiente. O alimento é produzido em um ambiente e contém o ambiente que o configura. Na composição do alimento é incorporado o ambiente físico através de aspectos geográficos, que trazem em si interferentes ambientais como a água, clima, vegetação e solo, por exemplo. Nesta direção, podemos compreender o comer como um ato geográfico. Em uma perspectiva ecossistêmica, interligando relações geográficas, biológicas e culturais mais amplas, assim como trata Pollan (2007), o ato de se alimentar é ecológico. Relações sociais estabelecidas entre pessoas na produção alimentar (produtores, vendedores, consumidores, famílias, grupos) posiciona no alimento um ambiente social, fornecendo a comida uma composição de interferênciassociais, agrícolas e econômicas. Neste ponto de vista, o comer é um ato social e político.

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Nesta direção, insumos agroquímicos utilizados na produção alimentar inserem nos alimentos um ambiente bioquímico completamente alterado e permeado por interesses históricos, políticos e econômicos. Neste turno, o comer é um ato bioquímico, cultural,

político e econômico. Sintetizo apontando que a absorção final de um alimento constitui uma

interação ímpar da pessoa com os diversos ambientes incorporados neles. E que neste sentido, o consumo do alimento orgânico, de modo denotativo, pode ser associado a uma digestão de “um ambiente mais natural”, isento de alterações genéticas ou agroquímicas, que melhorem a saúde não só biológica, mas a social e ecológica de pessoas e do meio ambiente.

Se “a obrigação de suportar nos dá o direito de saber”, defendo a ampliação de conhecimentos que leve as pessoas a refletirem sobre a produção e consumo alimentar orgânico. Pinheiro (1997) afirma que os problemas ambientais do mundo, na verdade são questões “humano-ambientais”. O autor sinaliza “não uma crise ambiental, mas uma crise das pessoas-nos-ambientes” (Pinheiro, 1997, p. 378). Nesta direção e de maneira reflexiva, esta tese se estruturou buscando agregar compreensão das relações que se estabelecem nessa interface humano-ambiental, seja na alimentação ou em qualquer área, para quem sabe, auxiliar na melhoria das condições ambientais do planeta. Sigo essa discussão em três seções deste capítulo, nas quais sinalizo um breve histórico sobre a cultura agrária na produção alimentar; apresento aspectos sobre o fazer agrário orgânico diferenciado em práticas, o uso de agrotóxico e de energia; e relato sobre a construção social de mercados.

1.1. Cultura agrária: uma breve evolução histórica

Bebida é água Comida é pasto Você tem sede de quê? Você tem fome de quê? Titãs A história do planeta demonstra que toda a evolução da vida se deu por meio de cadeias tróficas e fluxos de energia. Nesta direção, o desenvolvimento das práticas

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alimentares (produção e consumo de alimentos), desde 11.000 a 8.000 anos atrás, confirmou que apesar de sermos a mesma espécie humana, a cultura, a biologia e a geografia foram o diferencial nos estilos de vida e nas práticas agrárias (Porto-Gonçalves, 2015). Já nas sociedades pré-históricas, a aceleração da exploração humana do meio ambiente e as transições da vida nômade para comunidades fixas permitiu uma melhoria nas questões de gerenciamento de recursos naturais em relação à alimentação, estabelecendo um acúmulo de conhecimento bioecológico, com manutenção da biodiversidade e rotação de culturas na produção de alimentos. Essa estruturação evolucionária e de sobrevivência aconteceu em diversos lugares do mundo e proporcionou não só o crescimento da população, como também a manutenção da espécie humana no planeta (Azevedo, 2012).

Com algumas culturas já adaptadas a diversas regiões e com uma produção alimentar mais estruturada, a população da Terra aumentou 100 vezes. Esse melhor gerenciamento dos recursos naturais, com acúmulo de conhecimento ecológico, ficou conhecido como Revolução Neolítica (8.000 a 5.000 AC).Para ilustrar o impacto e a importância dessa organização local de cada região, do fim da era neolítica até a Revolução Industrial, a população mundial aumentou 10 vezes. Essa produtividade dos antigos sistemas agroalimentares pautada em um gerenciamento ecológico local, diferiu da implantada nas perspectivas das civilizações modernas (coloniais) e contemporâneas. Na realidade, em dias atuais, ela segue o fluxo contrário (Azevedo, 2012; Porto-Gonçalves, 2015).

A base inicial do fazer agrário que focava na diversificação das espécies como forma de sobrevivência e que era mediada por um ajustamento sociocultural e geográfico regional transformou-se em uma uniformização simplificada e frágil com os monocultivo de espécies. As monoculturas agrárias e suas posturas político-econômico-ideológicas geraram uma completa alteração dos modos de cultivo. Essas modificações transformaram agressivamente aspectos sociais e ecológicos na produção de alimentos e nas fases de estruturação foram

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amparadas pela ideia falaciosa e enviesada, de se reduzir a fome no mundo (Porto-Gonçalves, 2015; Shiva, 2002).

Um importante recorte histórico dessas modificações ocorreu na primeira fase da Revolução Industrial (século XVIII). As diversas transformações sociais e tecnológicas do período favoreceram a expansão das indústrias e o progresso técnico e científico, embasando o surgimento das cidades e demandando ajustes organizacionais nos novos arranjos sociais formados. As evoluções que acompanham cadeias tróficas e fluxos de energia, através do impacto tecnológico e mecanicista desta fase histórica, transformaram completamente o sistema agroalimentar. A alimentação distanciou-se da natureza e do modo empírico-instintivo na obtenção do conhecimento sobre alimentos e sua produção. Os centros urbanos, que inicialmente contavam com as áreas rurais mais próximas para abastecimento, viram na transição das sociedades do campo para as industriais modernas, não somente uma separação em relação à natureza, mas a dissociação desta na vida diária das pessoas. Uma nova cultura no pensar da vida cotidiana instalou-se e estimulou mudanças nas práticas agrícolas. As alterações mais significativas ocorreram entre o século XVIII e XIX, e denominou-se de primeira Revolução Agrícola (Azevedo, 2012; Dahlberg, 2001).

Outro processo de desruralização da população ocorreu sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, demarcando importantes relações de poder por meio da tecnologia na área de alimentos. As nações imersas em uma polarização ideológica e política vivenciaram no pós-guerra um contexto marcado pela insegurança alimentar no mundo e pela necessidade de novos mercados para as indústrias químicas e bélicas (Lutzenberger, 1985, 1995). Esse panorama forneceu subsídio ideal para o início de complexas alterações científicas, técnicas, logísticas, financeiras e educacionais (formação de engenheiros e agrônomos) na alimentação, que ficou conhecido como Revolução Verde. Porto-Gonçalves (2015) parafraseia esse

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movimento como similar ao processo de colonização da Idade Moderna, nominando-o de “novos tipos de colonizações” (p. 217).

A partir desse novo contexto, um novo padrão hegemônico se desenvolve, modificando completamente a cultura agrária e a provisão de alimentos no mundo. O ecossistema planetário testemunha nesse novo modelo de colonização, uma domesticação de espécies animais, vegetais e de pessoas. No “Novo Mundo” pós-guerra, a expertise de culturas dos povos foi em muitos aspectos devastada. Perdas irreparáveis de diversidade biológica e cultural embasaram transformações nos agrossistemas. Outros saberes foram substituídos por saberes hegemônicos pautados em interesses de capital e de relações de poder, assim como o era nas civilizações antigas (Porto-Gonçalves, 2015).

Ao tratar sobre essas “colonialidades” contemporâneas, Santos (2009) e Quijano (2009) apontam posturas atuais de regresso desse “colonial” e “do colonizador”. Para Santos (2009), a exemplo do Tratado de Tordesilhas, um novo conceito de linhas abissais tem se estabelecido e consolidado um fascismo social, que trivializa a democracia até ao ponto em que as sociedades são “politicamente democráticas e socialmente fascistas” (p.35). Segundo os dois autores, essas formas de governos implantam manipulações territoriais, culturais e de conhecimentos que constituem uma transformação da propriedade e do direito de propriedade das pessoas, pela dominação econômica, política e cultural, traduzindo-se na construção de hierarquias de conhecimentos. Essas imposições sobre experiências sociais e de saberes produzem e reproduzem um conhecimento engessado, legitimando formas de controle social e configurando um epistemicídio (Quijano, 2009; Santos, 2009).

De acordo com Porto-Gonçalves (2015), essas práticas consolidam um mercantilismo

contemporâneo, o qual segue lógica similar à do sistema colonial do mercantilismo da Era

Moderna. Para o autor, nas questões referentes às práticas de produção alimentar, o predatismo entre colonizadores e colonizados desloca o olhar da diversificação de espécies

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que um dia foi palco para estabelecimento das civilizações no planeta. Por meio dos pressupostos globalizados da revolução verde, um novo modo de cultura agrária se consolida e a produção alimentar caminha em uma direção de “mão única”, como afirma Shiva (2002), a das “monoculturas produtivas e da mente” (p. 7).

Com essas novas posturas, o status ritualístico de cada alimento começou a ser substituído pelas demandas de uma nova compreensão agrícola. A racionalidade instrumental do saber indígena, dos povos africanos, dos camponeses, bascos, catalães, entre outros, foi sendo gradativamente colonizada pelas posturas hegemônicas dessa nova cultura produtiva (Azevedo, 2012; Nierdele, Almeida, & Vezzani, 2013; Porto-Gonçalves, 2015). Agregada a isto, inovações biotecnológicas foram impostas com o desenvolvimento de pesquisas em sementes transgênicas e estímulo às monoculturas, o que respaldou outro fenômeno na história agrária: a utilização de agrotóxicos e a mecanização no campo (Bonzi, 2013; Igbozirike, 1978; Lutzenberger, 1997; Penna, 2009).

As pesquisas em sementes favoreceram uma domesticação e o extermínio de diversas espécies. A apropriação do processo produção-reprodução pelos laboratórios de grandes empresas internacionais gerou uma propriedade intelectual (patentes) em confronto direto com o conhecimento patrimonial, comunitário e coletivo das tradições dos povos (Porto-Gonçalves, 1989). Na contramão da evolução das espécies, práticas culturais de cultivo que colaboravam com interesses da humanidade e da ecologia do planeta são agora patrimônio de grandes corporações sendo: nos Estados Unidos (Pionner, Monsanto, Seminis, Delta & Pine Land, Dow), na Suíça (Syngenta), na Holanda (Advanta), na França (Groupe Limagrain), na Alemanha (KWS AG, Bayer CropScience) e no Japão (Sakata). Nesse ciclo de perdas e imposições, Porto-Gonçalves (2015) afirma que:

Um dos maiores patrimônios de que a humanidade dispõe é a diversidade de cultivares forjados nos mais diferentes nichos, adaptados à seca e à umidade, a altitudes das mais diversas, assim como soluções para manter, pela cultura

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(conhecimento técnico, mítico e religioso), o equilíbrio das espécies eleitas, selecionadas e cultivadas. (p. 211)

A monocultura, como outra perspectiva ideológica da Revolução Verde, favoreceu uma enorme concentração de poder não somente para grandes corporações, mas gerou novas territorialidades para alguns países detentores do capital. Essas novas “territorialidades nacionais e mundiais” promoveram alterações sociais, econômicas e culturais sem precedentes na história do planeta. Uma importante questão geopolítica e moral se estabeleceu, uma vez que países de maior produtividade econômica (regiões temperadas) não são os de maior produtividade biológica (regiões tropicais) e com melhores recursos energéticos (luz solar). Essas nações fizeram valer sua hegemonia por meio da força do capital e do conhecimento técnico científico, desqualificando outros saberes e utilizando a regulação jurídica de propriedade com patentes e similares, para forçar apadrinhamentos e dependências (Darolt, 2013; Porto, & Soares, 2012; Porto-Gonçalves, 2015).

Os “colonizadores contemporâneos” adquiriram terras mais produtivas em outros países não desenvolvidos, a custas de um endividamento nacional e dos produtores locais. As pessoas, a cultura, as espécies e os territórios viraram mercadorias, levando o campesinato à submissão produtiva e a desapropriação de terras. A premissa da uniformidade das monoculturas consolidou ainda mais essa vulnerabilidade das espécies e das nações. Grandes corporações desses países estabeleceram uma consorciação criminosa que comprometeu não só a segurança alimentar como também a soberania alimentar do mundo (Davies, Melvin, & Riordan, 2003; Penna, 2009; Nierdele, Almeida & Vezzani, 2013).

Os conceitos de Segurança Alimentar e Soberania Alimentar que tratam respectivamente de ações intersetoriais de garantia de acesso à terra urbana, rural e território, de garantia de acesso aos bens da natureza, incluindo as sementes, foram completamente desconsiderados. A segurança alimentar se refere à proteção dos sistemas agroextrativistas, de ações específicas para povos e comunidades tradicionais; e a soberania alimentar diz respeito

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ao direito que os povos têm de definirem as políticas, com autonomia sobre o que produzir, para quem produzir e em que condições produzir, entre outros grupos, sobre sua cultura e sobre os bens da natureza (Brasil, 2014). A evolução da cultura agrária está posicionada em um contexto antagônico e paradoxal ao que diz respeito à Soberania e Segurança Alimentar (Bezerra, & Schneider, 2012).

Em resumo, essa primeira seção posiciona aspectos históricos das mudanças culturais no fazer agrário. Cabe ilustrar semanticamente que o termo cultura deriva do latim culto

colere e significa cultivo. Contudo, como já citado, o diferencial linguístico contemporâneo

demonstra uma agri+cultura com interesses pautados no capital e na dominação geopolítica. Em sua forma linguística, o cultivo convencional deixou de significar consuetudinário para corresponder a estandardizado. Como sintetizou Carvalho (1999):

Nessa espiral de pulsões humanas, saturadas de agressão e autodestruição, comandada pelos novos senhores do mundo (...) a dominação da natureza foi levada a um extremo de proporções incontroladas, e, por extensão, o extermínio de outros homens, e porque não dizer, de nações e do próprio planeta, passou a ser entendido de forma naturalizada. (p. 24)

E assim, segue-se a história e prática agrária do planeta solfejando Titãs: “fome de que?”.

1.2. Outros caminhos para além da Revolução Verde

O leigo vê a fumaça que sai das chaminés, dos escapes dos carros, vê a sujeira lançada nos rios. Mas, quando compramos uma linda maçã na fruteira da esquina,

mal sabemos que esta fruta recebeu mais de trinta banhos de veneno no pomar e, quando entrou no frigorífico, foi mergulhada em um caldo de mais outro veneno. Alguns dos venenos são sistêmicos...

José Lutzenberger (1985) O padrão estandardizado na agricultura gerou inúmeras e danosas consequências em um profundo desequilíbrio social e biológico na biosfera. Prosseguindo nestas questões, nesta

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seção tratarei aspectos sobre uso de substâncias químicas na produção agrária, a ineficácia energética do modelo implantado neste sistema dito “verde” e nas características da produção orgânica. O olhar dessas proposições está voltado para uma dimensão ambiental, a qual pressupõe um entendimento para além do ecológico (biocenose ou biota), estabelecendo relações sociais e culturais da produção agrícola (Abrasco, 2015; Azevedo, 2012; Lutzenberger, 1985, 1995, 2000; Nierdele, Almeida, & Vezanni, 2013).

Na cultura agrária contemporânea, a relação produtor-produto (alimento) estabelece bases de “qualidade” em uma produção de “quantidades”. Para se atender interesses diversos, grandes volumes de produção são impostos pelas monoculturas latifundiárias, subsidiando igualitariamente o mercado de fertilizantes, herbicidas, inseticidas e praguicidas em colheitas. Porto-Gonçalves (2015) apresenta dados da FAO demonstrando que de 1950 a 2000, a produção mundial de grãos chegou a ser 2,9 vezes maior e que o uso de agroquímicos aumentou em 10,1 vezes neste mesmo período. Embora diversos pesquisadores, agências, órgãos internacionais e nacionais façam constantes alertas científicos sobre os riscos e toxicidades devido ao uso de substâncias químicas na produção de alimentos, o caminho percorrido é o inverso (Abrasco, 2015; Azevedo, 2013; Klein, 2001; Lutzenberger, 1985).Governos e órgãos regulamentadores falam em minimizar questões de agressão ambiental, contudo os posicionamentos são minimamente confusos.

Em 2016, a FAO e a Organização Mundial de Saúde publicaram diretrizes na tentativa de reduzir os danos causados pelos agrotóxicos, que representam riscos para a saúde humana e do meio ambiente. Esse diálogo esbarrou em diversas questões éticas e morais sobre o uso de agroquímicos. Estudos toxicológicos não conseguem precisar consequências, interações e efeitos sinérgicos provocados em pessoas e no ambiente pelo uso dessas substâncias isoladas ou associadas. Levantamentos científicos falam sobre efeitos carcinogênicos, agregação de xenobióticos (substâncias estranhas aos organismos), repercussões teratogênicas (mutações),

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sensibilidades e alergias, distúrbios neurocomportamentais e neurológicos, alterações de imunidade, entre outros muitos transtornos fisiológicos e bioquímicos citados nesta direção (Anvisa, 2008; Beseler, & Stallones, 2008; Bezerra, & Schneider, 2012; Carson, 1962/2010; Siqueira, & Kruse, 2008).

Neste panorama, discutir segurança de pesticidas com definições de níveis de ingestão diária aceitável (IDA), considerando que uma quantidade estimada pode ser ingerida ao longo da vida e sem riscos aparentes para a saúde, parece-me enquadrar o mesmo diálogo jocoso sobre “quantidade tolerada da presença de pelo de roedores em molhos de tomate” (Anvisa, 2014). As IDAs se aplicam para toda a população, exceto para lactentes com menos de 12 meses. Entretanto, já em 1962, Rachel Carson apresentou pesquisas que demonstravam a presença de produtos químicos em leite materno.

Os riscos seguem e as regulamentações/fiscalizações não acompanham. O dilema linguístico de agrotóxicos versus produtos fitossanitários ou defensivos agrícolas, expõe a hipocrisia do interesse econômico e a superficialidade de algumas discussões que simplificam riscos e consequências da imprudência do uso dos agroquímicos. A vigente cultura agrária global (incoerente e disfuncional), exige minimamente uma regulamentação, todavia, é explícito e pulsante o viés econômico-político presente nesta questão.

Como exemplo de avanço no uso intensivo de agrotóxicos no Brasil, dados divulgados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), durante o 2º Seminário sobre Mercado de Agrotóxicos e Regulação (2012), mostram que enquanto nos últimos dez anos o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, no Brasil cresceu 190%. Desde 2008, o Brasil ocupa o posto de maior mercado mundial de agrotóxicos e entre os anos de 2015 a 2017, movimentou-se em território nacional US$ 9 bilhões/ano em torno desta questão (Abrasco, 2015).

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O mercado nacional de agrotóxicos já oligopolizado e com proprietários definidos, caminha para fusões sem precedentes. Neste período (2015 a 2017), nove empresas representavam 70% das vendas deste tipo de insumo para a agricultura brasileira e para 2019 estão agendadas fusões entre Dow e Dupont, Bayer e Monsanto, representando o oligopólio de 5 empresas no mercado brasileiro. A Syngenta e Adama, embora com estruturas separadas, representam uma só – a Chemchina e a FMC uniram-se a Cheminova. Com essas fusões, o mercado brasileiro ficará composto (encapsulado) pela Bayer, Syngenta/Adama, Corteva (Dow/Dupont), Basf e FMC (Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos, 2018).

Essas grandes corporações vêm dirigindo seus interesses para a Argentina, Paraguai, Bolívia e Brasil, visando não somente o mercado de herbicidas, mas também o de sementes (via produção transgênica). Mercados se fundem em um entrelaçamento de agricultura e agronegócio. Nesse jogo, a estratégia mercadológica envolve aparato político, jurídico e econômico para respaldar, sem as devidas análises e precauções, diversas práticas prejudiciais ao meio ambiente e as pessoas, e entre elas, o uso de produtos agroquímicos nas culturas agrícolas. Infelizmente, o Brasil é um excelente exemplo desta postura cultural do fazer agrário contemporâneo (Associação Brasileira de Saúde Coletiva, 2015).

Nesse panorama brasileiro, desde a década de 80, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) defende uma agricultura em oposição ao modelo hegemônico do agronegócio nacional. Inicialmente, combatendo o latifúndio e as grandes propriedades concentradas em poucos donos, a partir de 2014, o movimento amplia olhares para a defesa da agroecologia. O MST que sempre apostou no modelo das pequenas propriedades centradas na família, agora investe em alimentos saudáveis como alternativa ao “veneno” representado pelos agrotóxicos, usados na agricultura tradicional. Em 2017, o movimento alcançou a posição de maior produtor de arroz orgânico na América Latina e por intermédio de suas feiras agroecológicas, estabelece diálogo com a sociedade urbana (Nexo Jornal, 2018).

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Em meio a esse cenário predador de cultura agrária mundial, Leff (2004) e Shiva (2001) propõem como um caminho de diálogo, uma racionalidade nas questões relacionadas a sociedade e natureza. Leff (2004) sugere que se considerem não somente as relações com a natureza, mas as relações sociais e de poder travadas por meio das relações com a natureza.

Embora ele admita uma complexidade da harmonização de interesses entre “colonizadores e

colonizados”, todavia, defende que o caminho de análise e de organização para se chegar a uma sociedade sustentável passa por esse diálogo. Nesse turno, alguns impasses de interesses econômicos necessitam ser reestruturados nesse modelo agrotécnico de relações sociais e de poder, como pondera Shiva (2001):

O balanço que já se podia fazer da Revolução Verde, nos anos 1970, acusava que o mundo passara a viver uma situação nova e ambígua: pela primeira vez na história da humanidade a quantidade de alimentos ultrapassava as necessidades da humanidade, e como já dizia Josué de Castro, a vergonha de nossa época não é que hoje exista fome, e sim que hoje a fome conviva com as condições materiais de resolvê-la [...]a produção de alimentos vem sendo cada vez mais concentrada na mão de menos produtores, e em muitos lugares a implantação da Revolução Verde agravou os problemas da fome e acentuou os conflitos sociais. (p.142) Em defesa da importância de se analisar uma racionalidade econômica mercantil, Leff, Argüeta, Boegue e Porto-Gonçalves (2002) se posicionam sugerindo que a natureza seja tratada como riqueza e não recurso. Contudo, Porto-Gonçalves (2015) ainda discute a dificuldade de se implantar esta perspectiva em uma sociedade global com temporalidades e territorialidades diferentes afirmando que:

A temporalidade do capital, sobretudo nesse período técnico-científico e informacional, com sua velocidade em permanente frenesi relativiza de tal forma a relação que cada povo e cultura estabeleceu com o espaço, com o tempo, com a natureza em geral e com sua manifestação em cada ser específico e por suas relações entre si, que termina por tornar obsoleto qualquer sistema de normas, antes mesmo que tenha sido assimilado por cada um dos responsáveis por estabelecê-lo. (p. 278)

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O dilema continua e a questão permanece na tentativa de se estabelecer o diálogo entre a natureza como riqueza e o padrão de poder consolidado nos sistemas agrários do sistema neoliberal globalizado.

Além de todas essas dificuldades, outras questões se deparam sobre o uso de energia. O modelo energético implantado nesse fazer agrário é ineficaz e exige um entendimento mínimo sobre limites de temporalidades e territorialidades. A Terra que sempre encontrou caminhos para sobrevivência de ecossistemas e para sua autonomia energética, em termos civilizatórios humanos, esbarra em um dilema de tempo geológico necessário à energia fóssil (petróleo e carvão), que não atende nem a “ansiedade” da nova cultura agrária e nem mesmo, às leis da termodinâmica para reposição energética. A instrumentalidade energética e a tecnociência desse modelo produtivo reduziu o tempo a uma abstração matemática, na busca pela acumulação de capital, ampliou, neste turno, os riscos ambientais e civilizatórios pelo uso de combustíveis fósseis, em uma concepção temporal completamente equivocada e focada no capital (Porto-Gonçalves, 2015).

Apenas em termos ilustrativos e para enfatizar o avanço histórico do consumo de energia nas culturas agrárias, Matias (2017) sintetizou o uso de energia demonstrando que o homem primitivo consumia apenas a energia contida na sua alimentação (uma média estimada de 2000 kcal/dia). O homem caçador (100.000 a.C.) consumia alguma energia adicional na cocção (chegando a 5000 kcal/dia). O homem agrícola (5.000 a.C.) utilizava também a energia animal em trabalhos do campo (com consumo energético per capita de 16.000 kcal/dia). O homem medieval europeu com moinhos de vento e os moinhos d’água acrescidos ao seu consumo energético (26.000 kcal/dia). O homem industrial (Inglaterra do século XIX) introduziu a máquina a vapor (e o consumo per capita de todas as formas de energia já utilizadas somavam 77.000 kcal/dia) e, finalmente, o homem tecnológico (Estados Unidos do

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século XX) introduziu, inclusive, a eletricidade e os motores de combustão interna (chegando o consumo individual a cerca de 230.000 kcal/dia).

Em uma análise sobre energia fóssil aplicada na produção de alimentos nos Estados Unidos, Ackerman-Leist (2013) demonstrou que a produção agrícola estadunidense consumia 21,4% do total de energia empregada na produção alimentar (do campo à mesa das pessoas). No Brasil, dados nacionais estão fracionados em trabalhos por região ou por culturas (soja, milho, algodão, etc.). Um estudo sobre silagem de milho no Paraná, por exemplo, demonstrou que o consumo de energia direta com combustíveis e lubrificantes para maquinários representou 45 % do total aplicado na produção, sendo 24,1 do total direcionado para os defensivos agrícolas e 10,5% para fertilizantes. A dinâmica energética do agronegócio envolve também a expansão da rede de transportes para atendimento de toda a sua logística (silos, armazéns, portos, entre outros). A ampliação das fronteiras agropecuárias (latifúndios), além de desmatamentos e desapropriações, também demandou a ampliação do uso de combustíveis fósseis para deslocamentos.

Como proposta antagônica a este sistema, Ackerman-Leist (2013) demonstrou que a reconstrução de sistemas alimentares locais, minimiza o consumo de energia direta (produção, transporte, armazenamento) e consolida práticas mais sustentáveis na agricultura. O pesquisador afirma que a eliminação de fertilizantes e pesticidas sintéticos, além de melhorar aspectos ambientais, sociais e de saúde, reduz em 33% o uso dos insumos energéticos da agricultura.

As discussões sobre usos de energia, saúde biológica e socioambiental demonstram que a produção e consumo dos alimentos orgânicos é uma excelente opção à valorização de culturas agrárias ambientalmente mais ajustadas (Abrasco, 2015; Ackermain-Least, 2013; Azevedo, 2012; Medaets, & Fonseca, 2005; Sebrae, 2015, 2016). A produção alimentar orgânica traz em si uma noção de sustentabilidade e de responsabilidade social que se

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estabelecem desde seu cultivo até o consumo final. Diferentemente do proposto pela agricultura dita convencional (com bases conceituais da Revolução Verde), a agricultura orgânica estrutura-se como um sistema alimentar que apresenta características produtivas mais equilibradas em sua organização. Considera-se um sistema orgânico de produção alimentar:

Todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não-renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente. (Lei n° 10.831, 2003, p. 1)

A preservação ambiental e o respeito social promovidos pelo processo produtivo orgânico trazem em si a reflexão sobre uma cultura agrária mais ajustada aos ecossistemas, sinalizando para o retorno de processos sustentáveis de cultivo e de estabelecimento relações humano-ambientais mais equilibradas. O acréscimo de benefícios enumera-se na redução de danos biológicos e sociais no presente para ecossistemas (pessoas, insumos e ambiente), restrição quanto à perduração em uma escala de processos agressores continuados e implicação em uma redução nos agravos ambientais no futuro. Nessa direção, a produção alimentar orgânica contribui consideravelmente para uma perspectiva de futuro sustentável, coadunada a técnicas agrícolas que não agridem o meio ambiente, com relações de trabalho mais justas e assegurando o consumo de um alimento mais saudável (Azevedo, 2012; Pessoa, & Alchiere, 2013).

Pensar em outros caminhos para além da Revolução Verde impõe a necessidade de uma modificação cultural nas relações de poder e capital para a produção alimentar. Os princípios de produtividade dos paradigmas agrários contemporâneos e os princípios da

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sustentabilidade são extremamente contraditórios. Admitindo que eles vão coexistir por enquanto, é preciso imaginar um novo tempo (não só cronológico, mas cultural), no qual valorizemos enquanto sociedade global, uma riqueza socioambiental e não somente a econômica. O trabalho para recuo de uma cultura agrária predadora e a reprogramação de monoculturas da mente, esbarra em conceitos convencionais que devem ser reinterpretados e reestruturados para corresponder à sustentabilidade. Tentando fazer valer o que escreveu Chico Science, em Monólogo ao pé do ouvido:

O orgulho, a arrogância, a glória, enche a imaginação de domínio de poder [...] Bravio da humanidade, Viva Zapata, Viva Sandino, Viva Zumbi, Antônio Conselheiro, Todos os Panteras negras, Lampião sua imagem e semelhança [...] Há um tempo atrás se falava de bandidos, Há um tempo se falava em solução, há um tempo atrás se falava de progresso, há um tempo atrás eu via televisão.

1.3. Produção orgânica e a construção social de mercados

Eu fiz um controle de formiga saúva na minha produção [...]. Agora a gente vai cair em outra coisa. A dificuldade maior que tenho na minha produção é na concorrência com

pessoas e não com as formigas. As pessoas são muito desleais (Produtor 001, produtor entrevistado) Na cultura agrícola promovida pela Revolução verde, a construção de mercados obriga trabalhadores rurais a se adaptarem a uma agricultura capitalista e a modificar não só suas formas produtivas, mas também a compor um novo tipo de mercado agrário. Esse novo e diferenciado mercado se constituiu, trazendo o que há de mais moderno em capacidade produtiva e atualizando o que havia de mais antigo e colonial em termos de oligarquia e formas de poder. Uma catástrofe social agropecuária se consolidou por diversos meios, envolvendo a concentração de terra e renda, passando pela barreira intelectual imposta pelo monopólio da biotecnologia e sementes, com imposições contratuais vinculadas pela compra “casada” de sementes, insumos agroquímicos e de maquinário e gerando um endividamento

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impagável dos produtores rurais (Abrasco, 2015; Assis, 2006; Nierdele, & Almeida, 2013; Porto-Gonçalves, 2015).

Outro aspecto interferente nessa nova forma de mercado foi à elevada produtividade de grãos. Com isto, os preços destes caíram, agravando ainda mais a diminuição do trabalho, a descapitalização e a dependência financeira de pequenos produtores rurais. Nessas condições, uma ínfima minoria de agricultores pode continuar investindo, avançando ou ganhando porções de mercado, enquanto grandes corporações encapsulavam a produção e comércio de alimentos (Darolt, 2013; Picollotto, & Brandenburg, 2013). Essa produção agrícola ampliada e altamente capitalizada acentua uma tendência, que Porto-Gonçalves (2015) nomina de “agricultura sem agricultores” (p. 141) e favorece a formação de uma nova elite agrícola. A injustiça social do próprio sistema comprometeu e compromete os direitos das gentes, dos trabalhadores do campo gerando outros modos de apropriação de direitos aos costumes e hábitos, culturas agrárias, biodiversidade e de saúde humano-ambiental. Todo o sistema se organiza em função da logística do agronegócio (Azevedo, 2012; Nierdelli, & Vezanni, 2013; Porto-Gonçalves, 2015).

Múltiplas formas para reversão desse quadro necessitam ser continuamente pensadas e estruturadas. Um dos movimentos críticos de enfrentamento da dinâmica da Revolução Verde organiza uma corrente de agricultura denominada de alternativa ou sustentável, que Darolt (2000) definiu como um processo agrícola que promove uma manutenção atual e futura dos recursos naturais. Essa corrente como um todo se estabelece com foco nas necessidades humanas em alimentos, contudo com impactos adversos mínimos ao meio ambiente, de maneira a fornecer retorno adequado aos produtores e comunidades rurais, em relação à renda e a necessidades sociais.

Dentro dessa corrente sustentável encontra-se o movimento orgânico que pode ser classificado de acordo com características particulares como um alimento biodinâmico,

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