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A estruturação deste trabalho foi “embalada” por olhares interdisciplinares e por meio de pressupostos da psicologia ambiental. Escolhi explorar o fenômeno da percepção em relação ao alimento orgânico por seus produtores e consumidores em feiras especializadas em um enquadramento qualiquantitativo. A investigação foi concebida a partir do olhar da perspectiva ecológica e deste modo, busquei ampliar conhecimentos sobre elementos psicológicos envolvidos na interação.

Optei por estruturar a investigação a partir de uma abordagem bastante conhecida na área: os eixos temáticos de Moore (Elali, 2012; Moore, 1984, 1987; Pinheiro, 1997; Stokols, & Altman, 1987). Esquematicamente, os eixos de Moore se intercruzam determinando um quadrante entre si: Pessoa, Ambiente, Fenômenos e Tempo. No estudo, os eixos correspondem às pessoasenvolvidas na produção/comercialização e compra de orgânicos (produtor/vendedor e consumidor); para o ambiente, o foco da exploração estabeleceu-se em feiras especializadas na venda de orgânicos, embora ruralidades tenham sido consideradas no contexto das relações, a análise se deteve no local de interação entre as pessoas do estudo, no caso a feira; quanto aos fenômenos, aspectos sobre a percepção ambiental em relação aos orgânicos foram investigados; e finalizando o eixo esquemático, questões temporais foramanalisadas a partir de observação dos comportamentos estabelecidos nas feiras e relatos das experiências das pessoas envolvidas.

Decidi estudar a interação das pessoas nas feiras de maneira integrada, uma vez que o contexto da compra e venda tem dinâmica própria. Por meio desse olhar sistêmico da interação, parti da premissa que o processo de compra e venda dos orgânicos é um todo integrado cujas propriedades não podem ser reduzidas às propriedades dos subsistemas

produtor e/ou consumidor, sendo a dinâmica do todo mais complexa do que a soma das

partes (Bertalanffy, 1973; Minayo, 2014). Essas interações sistêmicas seguem um

entendimento ecológico para a compreensão das relações estabelecidas entre as pessoas, os alimentos e o contexto socioambiental no qual as práticas alimentares se configuram.

Como já descrito, as compreensões relacionais de James focavam na significância adaptativa das ações e em um entendimento embasado na reciprocidade de um ecossistema animal-ambiente, que ele chamou de econicho (Heft, 2013). Essa visão relacional trouxe para a Psicologia, uma oportunidade de desviar o olhar da tradição individualista, favorecendo o que Heft (2013) definiu inicialmente como uma operação conceitual mais relacional e posteriormente mais ecológica.

Nas feiras escolhidas para o estudo, os comerciantes eram os próprios produtores do alimento orgânico. Essa decisão foi baseada no diferenciado envolvimento e experiência do produtor/vendedor com o meio ambiente e com as questões produtivas do alimento. Em linhas gerais, as feiras de orgânicos são circuitos comerciais que apresentam perspectivas temporais desaceleradas, com interações sociais mais aproximadas e que acontecem em espaços que envolvem a natureza, seja de maneira direta (parques arborizados) ou indireta (campo). Nesta direção, a decisão de estudar esses locais partiu da inferência da possível presença de elementos psicológicos da sustentabilidade que participassem dos processos da percepção em torno dos orgânicos por seus produtores e consumidores (Corral-Verdugo, 2010; Darolt, 2013; Diniz, 2015; Diniz, & Pinheiro, 2014; Kinjo, & Ikeda, 2015; Kuhnen, 2011; Picolotto, & Brandenburg, 2013).

Deste modo, escolhi o alimento orgânico devido a seus vieses produtivos e de consumo ambientalmente ajustados, o que poderia constituir um aspecto diferencial sobre a forma com que esse alimento era percebido. Parti da lógica de que a conservação e cuidado ambiental relacionados ao processo da produção do alimento e a importância da interpretação

mediada pelas experiências e vivências que o orgânico evocava, poderiam enriquecer informações sobre o fenômeno explorado. Contudo, compreendo que nem todas as pessoas envolvidas com a escolha do orgânico têm como motivação principal as questões ambientais. Mesmo assim, entendo que a decisão possa envolver pessoasque apresentem alguma relação diferenciada com esse tipo de alimento, direcionando interesses decisivos para a escolha.

Segui pressupostos utilizados na perspectiva ecológica para compreensão de fenômenos, como o estudo dos acontecimentos da vida diária (a feira), a observação (mapeamento comportamental centrado no lugar), o ambiente significado (affordances e behavior setting). E nas entrevistas semiestruturadas mantive o foco interpretativo em aspectos sobre mudanças e ações, tempo, estruturas sociais e variação. Pesquisar no cotidiano como as relações aconteciam foi uma alavanca para o conhecimento de aspectos do fenômeno estudado (Barker; 1968; Del Rio, & Oliveira, 1999; Gray, 2012; Pinheiro, 1997, 2007; Proshansky, 1976; Spink, 2007; Stecanela, 2009).

Com a finalidade de avançar nesses entendimentos, o objetivo central da investigação foi o de explorar a percepção dos alimentos orgânicos por seus produtores e consumidores em feiras especializadas. Na tentativa de compreender melhor as questões envolvidas, especifiquei como objetivos parciais:

• Explorar, por meio da perspectiva ecológica, aspectos comportamentais do contexto consumidor e produtor nas feiras especializadas em orgânicos;

• Identificar aspectos ecossistêmicos da interação em feiras que possam interferir na percepção do alimento orgânico;

• Compreender como se estruturam psicoambientalmente relações entre as pessoas, o alimento orgânico e o meio ambiente.

Para alcançar uma melhor compreensão sobre o fenômeno estudado, busquei convergir multimetodologicamente achados observacionais, registros comportamentais e

entrevistas. Para fechar essas asserções, afirmo que almejei ir para além de uma visão científica unidimensional e que busquei estabelecer uma análise a partir das interações entre pessoa-ambiente/alimento. Entendo a interação ser um ponto nevrálgico para todos os campos científicos, pois sua complexidade significa entrelaçamento de causas. Embora na construção desta tese eu tenha vivenciado dificuldades nas práticas de aproximação entre áreas, o desafio de vencer dicotomias analíticas no terreno das inter-relações e conexões, remeteu-me a grandes desprendimentos e investimentos em diferentes campos do conhecimento, bem como a progressões em fronteiras teórico-metodológicas. No próximo capítulo focalizo o método empregado para atingir esses objetivos e descrevo as duas técnicas investigativas.