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3. Abordagem ecológica e percepção ambiental: uma visão sobre econicho

3.1. Perspectivas da abordagem ecológica

3.1.4. A perspectiva temporal e a abordagem ecológica

O tempo está presente em todas as atividades humanas e embora não seja reconhecido concretamente, ele é o milieu no qual se estruturam todas as ações das pessoas. Historicamente, transformações tecnológicas e sociais oriundas da Revolução Industrial e do fenômeno da urbanização, permitiram uma nova forma de se estabelecer a percepção do tempo nas sociedades (Ittelson et al., 1974). Pinheiro (2007) cita que a vida antes ordenada segundo a natureza, deixou de ser regulada pela colheita, ou pela época de procriação dos animais, para obedecer a sequências matematicamente estabelecidas, dissociadas dos acontecimentos humanos. Um “tempo orgânico” foi substituído por um tempo alinhado a necessidades antropocêntricas da “modernidade”, conduzindo um processo de transição do

homem natural para o homem econômico (Ittelson et al., 1974).

Um dos pressupostos clássicos estabelecidos na psicologia ambiental é a importância da participação do tempo nas experiências ambientais. Sommer (1979) declara a indissociabilidade da relação tempo-espaço demonstrando que as qualidades temporais e espaciais do ambiente são interdependentes, e que ao modificarmos uma qualidade temporal ou espacial do ambiente, a experiência muda. Um tipo de relação espaço-tempo pode ser representada, por exemplo, por um prédio histórico. Sua configuração, texturas, localização, entre outras características, remetem a um recorte temporal passado. Assim como, um prédio com design mais futurista insinua um tempo futuro. Sommer (1979) cita que na experiência humana “o tempo é onipresente, insidioso e difuso” (p. 84).

De acordo com Pinheiro e Gurgel (2011), as experiências humanas são emolduradas em aspectos passados, presentes e futuros, e que por meio desta moldura temporal perceptiva, estabelece-se compreensões de ordem, coerência e significado às pessoas, influenciando os seus comportamentos. Ainda sobre temporalidades, Pinheiro e Gurgel (2011) afirmam que “a presença do tempo em nossa experiência com o entorno se manifesta por meio de dimensões como sequência, ritmo e duração” (p. 268). Os autores afirmam que essas dimensões orientam a experiência ambiental e participam da modulação cognitiva e afetiva das interações com o ambiente.

No campo da psicologia ambiental, a dimensão temporal da experiência ambiental pode ser identificada a partir de três temporalidades: a linear, a cíclica e a cíclica em espiral. A linear está relacionada a um continuum de passado, presente e futuro. A cíclicadeterminada por períodos diários, semanais, mensais, anuais e são relativas a ações que se repetem, como por exemplo alimentar-se, acordar-levantar-dormir, entre outras. A cíclica em espiral é uma combinação das temporalidades linear e cíclica e expressam a ideia de recorrência em espiral, não idêntica. Outro tipo de caracterização do tempo é a noção de cronêmica que sinaliza para as formas do uso do tempo e de como ele é percebido pelas pessoas. Hall (1996), citado por Pinheiro e Gurgel (2011), define o uso policrônico do tempo pela sua utilização em eventos simultâneos ou em duas ou mais atividades e posiciona o uso monocrônico do tempo pela concentração em uma atividade por vez, refletindo em um tempo planejado, com controles bem estabelecidos e prazos consistentes.

No campo da psicologia ambiental, a expressão perspectiva temporalé utilizada para definir qualidades subjetivas da passagem do tempo (atribuição de significado à experiência do tempo). Exemplificando esse entendimento, Sommer (1979) fala sobre uma travessia de um rio com dois tipos de barcos, um a remo e outro a motor. Essas experiências ditam noções espaciais e temporais diferenciadas de acordo com cada estrutura operante, e certamente

corresponderão a um modo de perceber e experienciar diferenciadamente cada evento. Ao tratar sobre experiências, Pinheiro (2007) afirma que “só podemos dar conta da dinâmica interação pessoa-ambiente se considerarmos a temporalidade inerente a toda e qualquer experiência ambiental” (p. 289).

Esse levantamento conceitual, definições e aplicabilidade dotempo no estudo da relação pessoa-ambiente demonstra a importância da perspectiva temporal na experiênciaambientale auxilia no entendimento de concepções ecológicas da percepção. Nesta direção, Tuan (1983) posicionou que aspectos perceptuais do ambiente relacionados com um tempo experienciado, permite a transformação de espaços indiferenciados em lugar. Ele posicionou que significados pessoais próprios, afetos, identificações, organizam-se por meio da experiência em dimensão temporal. Ele exemplifica esta afirmação citando que “se pensarmos em espaço como algo que permite movimento, então lugar é pausa; cada pausa no movimento torna possível que a localização se transforme em lugar” (p. 6).

O lugar não deve ser compreendido apenas por aspectos exteriores e físicos que contém pessoas. Ele sinaliza uma expressão da identidade dos indivíduos, um reconhecimento simbólico constituído por meio da subjetividade das pessoas. Esse entendimento sobre lugar dialoga com conceitos como a apropriação do espaço, apego ao lugar, identidade de lugar, por exemplo. Neste simbolismo do espaço dotado de afetividade, o lugar assume a posição de um “território emocional” (Bissing-Olson, Iyer, Fielding, & Zacher, 2013; Bomfim, Delabrida, & Ferreira, 2019; Cavalcante & Nóbrega, 2011;Corral- Verdugo, 2010; Corraliza, 1998; Elali & Medeiros, 2011; Cavalcante & Elias, 2011; Günther & Elali, 2018; Russell, & Lanius, 1984; Tuan,1983).

Em síntese, as orientações temporais enquadram aspectos de passado, presente e futuro de acordo com sua apropriação aos recursos disponíveis, exigências percebidas, aspectos pessoais e sociais avaliados a partir das situações vivenciadas (Pinheiro, & Corral-

Verdugo, 2010). Esse entendimento orienta uma importante participação do tempo no significado funcional percebido no econicho, por exemplo, uma vez que a dimensão temporal é uma constituinte da experiência e do modo de percebermos o ambiente.

As experiências ambientais remetem a abordagens ecológicas do tempo. Barker (1968) em sua ciência comportamental estabeleceu limites temporais para os behavior settings, por exemplo. Embora a ênfase acadêmica ao tratar de BS seja a dimensão espacial, os aspectos temporais (horários de início e término, duração, atividades que demandam fluxo temporal) não só estão presentes, como são definidores do dinamismo do programa do setting. Pinheiro (2007) destaca o reduzido volume de pesquisas no campo sobre a temática do tempo e ressalta algumas dificuldades para execução de técnicas investigativas para concretizar planos de pesquisa das interações humano-ambientais envolvendo a dimensão temporal. Ainda assim, ele sinaliza para algumas possibilidades de se operacionalizar pesquisas sobre tempo, citando a técnica do mapeamento comportamental e diário pessoal como sugestões, embora outras técnicas possam ser aplicadas (Bechtel, & Zeisel, 1987; Pinheiro, 2007; Pinheiro, Elali, & Fernandes, 2008; Pinheiro et al, 2008; Pinheiro, & Gurgel, 2011; Strathman, et al. 1994; Zimbardo, & Boyd, 1999).

Em conclusão, na perspectiva ecológica, a percepção e experiência no sentido psicológico se organizam em um ecossistema constantemente em mudança no decorrer do tempo. A maneira como as pessoas interpretam, modificam e operacionalizam o ambiente para servir às suas necessidades segue a orientação de um significado funcional percebido em um marco temporal. A seguir, apresento a visão ecológica da percepção ambiental que difere das teorias representativas sobre a percepção.

3.2. A Percepção na psicologia ambiental e na abordagem ecológica