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Os direitos humanos e a proteção dos povos indígenas: uma análise comparativa do Brasil e da Bolívia

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

DENISE TATIANE GIRARDON DOS SANTOS

OS DIREITOS HUMANOS E A PROTEÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS:

Uma Análise Comparativa do Brasil e da Bolívia

Ijuí, RS 2014

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DENISE TATIANE GIRARDON DOS SANTOS

OS DIREITOS HUMANOS E A PROTEÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS:

Uma Análise Comparativa do Brasil e da Bolívia

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Gilmar Antônio Bedin

Ijuí, RS 2014

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S237d Santos, Denise Tatiane Girardon dos.

Os direitos e a proteção dos povos indígenas : uma análise comparativa do Brasil e da Bolívia / Denise Tatiane Girardon dos Santos. – Ijuí, 2014. – 142 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientador: Gilmar Antonio Bedin”.

1. Direitos humanos. 2. Povos indígenas. 3. Brasil. 4. Bolívia. 5. Reconhecimento constitucional. 6. Estado plurinacional. I. Bedin, Gilmar Antonio. II. Título. III. Título: Uma análise comparativa do Brasil e da Bolívia. CDU: 342.7 342.726(=98) Catalogação na Publicação

Aline Morales dos Santos Theobald CRB10/1879

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

OS DIREITOS E A PROTEÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DO BRASIL E DA BOLÍVIA

elaborada por

DENISE TATIANE GIRARDON DOS SANTOS

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): ________________________________________

Profª. Drª. Taysa Schiocchet (UNISINOS): ________________________________________

Prof. Dr. Doglas Cesar Lucas (UNIJUÍ): __________________________________________

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Dedico este trabalho ao meu esposo Joel, pelo amor incondicional, pela paciência e por ser fonte de minha inspiração. Dedico, também, aos meus pais, Enio e Evanilde, pelo exemplo, por me ensinarem os valores e os princípios a serem seguidos. Dedico, por fim, aos meus irmãos, Renan, Enio Júnior e Ryan, que são o motivo de minhas aspirações.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa integral, imprescindível para a realização deste trabalho e do Mestrado. Ao meu orientador, professor Doutor Gilmar Antônio Bedin, pelo incentivo, o apoio, a motivação, a compreensão e todo o conhecimento repassado, sempre, com muita atenção e carinho.

A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Direito, por terem feito parte de minha formação, com tanta dedicação no ministrar da docência, assim como a todos os atenciosos colaboradores do curso.

Aos meus colegas, pela troca de conhecimentos e experiências vividas, em especial, às colegas Roberta da Silva e Aline Damian Marques, pela parceria, o incentivo e a amizade. Ao professor Domingos Benedetti Rodrigues, pelos preciosos conselhos e pela constante parceria.

Ao meu esposo Joel, pelo amor, o carinho, o incentivo, a credibilidade, o acalento.

Aos meus pais, Enio e Evanilde, pelo incentivo, pela paciência, pela compreensão nos momentos de privação para a realização deste trabalho, e pelo apoio incondicional.

Aos meus irmãos Renan, Enio Júnior e Ryan por, sempre, serem a fonte de minhas energias, pela ternura, o carinho e pela força nos momentos de dificuldades.

Aos meus avós, em especial, ao avô Adão (in memoriam), que sempre acreditou ser possível a realização do sonho da academia, ainda que com tantas adversidades.

Aos povos indígenas que, desde a graduação, mantenho contato, pela credibilidade e por oportunizarem-me a partilha de uma parcela de seus conhecimentos e sua serenidade.

A todas as pessoas que colaboraram, de todas as formas, para realização deste trabalho.

Por fim, agradeço a Deus e a Nossa Senhora Aparecida, que me proporcionaram o privilégio de possuir a vida, a saúde, a determinação, e tudo o acima elencado, pois, sem as suas bênçãos, eu nada teria, nada seria, e não concretizaria nenhum projeto.

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Lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem; lutar pela diferença sempre que a igualdade nos descaracterize. Boaventura de Souza Santos.

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RESUMO

Ainda que a humanidade tenha, ao longo do mundo moderno, lutado, de forma constante, pelo reconhecimento de seus direitos, a sua efetivação começou a se tornar mais significativa no decorrer dos séculos XIX e XX. Isso se deu, particularmente, no interior dos chamados Estados-Nações. Na sociedade internacional, esse processo somente foi se tornar mais evidente com o final da Segunda Guerra Mundial, com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e, de forma especial, com a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que é o ponto de partida para a conformação do Sistema Internacional dos Direitos Humanos. Dentre os Documentos que o compõe, destaca-se a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007), que tem o objetivo de proteger os povos originários, que, principalmente, na América Latina, foram, desde os primeiros contatos com os colonizadores, brutalmente, massacrados. O presente trabalho, a partir dessa grande referência, retoma a trajetória do tratamento dispensado aos povos originários no Brasil e na Bolívia e os avanços realizados nos últimos anos (reconhecimento do direito à diferença e de sua proteção constitucional). No Brasil, sempre houve a adoção de normas voltadas à assimilação, à comunhão nacional dos povos indígenas, entendimento que somente foi alterado com a Constituição Federal de 1988, que reconheceu o direito à igualdade, à diferença, pautando, os direitos indígenas, sobretudo, em relação aos seus territórios e aos mecanismos para a manutenção e o desenvolvimento suas culturas. A Bolívia, por sua vez, teve sua sociedade fragmentada, pois os povos indígenas foram discriminados e excluídos, o que fomentou a sua organização e participação no cenário político, conduzindo à eleição, em 2007, de um indígena, Evo Morales, e a elaboração de uma nova Constituição, de 2009, a primeira a reconhecer, amplamente, os direitos dos povos indígenas e campesinos, a partir da declaração de um Estado plurinacional comunitário, que vincula e objetiva a participação de todos os povos, com igualdade e dignidade. Além do referido resgate, a partir de uma posição compreensiva, por meio da análise doutrinária e legislativa, a dissertação se preocupa em traçar um quadro paralelo entre os avanços feitos e destaca como a Bolívia conseguiu construir um arcabouço jurídico mais incisivo de salvaguarda dos direitos dos povos indígenas e um reconhecimento constitucional mais significativo. O procedimento adotado é a pesquisa bibliográfica; o método de abordagem, o hipotético-indutivo.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Povos indígenas. Brasil. Bolívia. Reconhecimento constitucional. Estado Plurinacional.

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ABSTRACT

Even if mankind has fought, along the modern world, in a constant way, for the recognition of its rights, its effectuation started to become more significant during the 19th and 20th centuries. This happened, particularly, in the interior of the called Nation-States. In the international society, this process could only become more evident with the end of the Second World War, with the creation of the United Nations (UN) and, in a special way, with the adoption of the Universal Declaration of Human Rights (1948), is the starting point more to the conformation of the International System of Human Rights. Among the documents that comprise it, there is the Declaration of the United Nations about the Rights of Indigenous Peoples (2007), has the objective to protect the originating peoples that, mainly, in Latin America, since the first contact with settlers, were brutally massacred. The present work, going from this great reference, retakes the trajectory of the treatment given to originating peoples in Brazil and in Bolivia and the advances made in the last years (recognition of the right to the difference and to its constitutional protection). In Brazil, there has always been the adoption of standards aimed at assimilation into the national community of indigenous peoples, understanding that it was only changed with the Federal Constitution of 1988, which recognized the right to equality, difference, guiding, indigenous rights, especially in relation to their territories and mechanisms for maintaining and developing their cultures. Bolivia, meanwhile, had its fragmented society, because indigenous peoples were discriminated against and excluded, which fostered their organization and involvement in the political arena, leading to the election in 2007 of an Indian, Evo Morales, and the preparation a new Constitution in 2009, the first to recognize, broadly, the rights of indigenous peoples and peasants, from the declaration of an EU multinational state, which binds and objective participation of all people with equality and dignity. Besides the referred rescue, from a comprehensive position by means of the doctrine analysis and legislative, the dissertation worries about drawing a parallel frame among the advances made and it highlights how Bolivia was able to build a more incisive juridical skeleton of safeguarding the indigenous peoples rights and a more significant constitutional recognition.The procedure adopted is the literature search; the method of approach, the hypothetical-inductive.

Keywords: Human Rights. Indigenous peoples. Brazil. Bolivia. Constitutional recognition. Plurinational State.

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LISTA DE SIGLAS

ABA - Associação Brasileira de Antropologia

ADCT - Atos das Disposições Constitucionais Transitórias AI - Acción Democrática

APG - Asamblea del Pueblo Guarani

ASP - Asamblea por la Soberania de los Pueblos

CAPOIB - Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil CDH - Comissão de Direitos Humanos

CIDOB - Confederación Indígena del Oriente Bolivian CIMI - Conselho Indigenista Missionário

CONDEPA - Conciencia de Pátria

CPIB - Central de Pueblos Indígenas del Beni

CSUTCB - Confederación Sindical Única de Trabajadores Campesinos de Bolívia DNUDPI - Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas DUHU - Declaração Universal dos Direitos Humanos

ECP - Eje de Convergencia Patriótica EGTK - Ejército Guerrillero Tupaq Katari FUNAI - Fundação Nacional do Índio

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IU - Izquierda Unida

KND - Katarismo Nacional Democrático MAS - Movimiento ao Socialismo

MBL - Movimiento Bolívia Libre MIP - Movimiento Indígena Pachakuti MITKA - Movimiento Índio Tupaq Katari MNR - Movimiento Nacionalista Revolucionario MRTK - Movimiento Revolucionário Tupaq Katari

MRTKL - Movimiento Revolucionário Tupaq Katari de Liberación NSDAP - Partido Nacional-Socialista Alemão dos Trabalhadores OEA - Organização dos Estados Americanos

OIT - Organização Internacional do Trabalho ONG - Organizações não governamentais

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ONU - Organização das Nações Unidas PIB - Partido Indio de Bolivia

PIR - Partido de Izquierda Revolucionaria PMC - Pacto Militar-Campesino

SIDH – Sistema Internacional de Direitos Humanos

SPILTN - Serviço de Proteção ao Índio e Localização dos Trabalhadores Nacionais UCS - Unión Cívica Solidaridad

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura UNI – União das Nações Indígenas do Acre

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

1 O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ... 16

1.1 Os primeiros movimentos de internacionalização dos direitos humanos e a Segunda Guerra Mundial ... 16

1.2 A criação da Organização das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos ... 20

1.3 O Sistema Internacional dos Direitos Humanos ... 22

1.4 A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas ... 25

2 O BRASIL E OS POVOS INDÍGENAS ... 41

2.1 A formação do Brasil e a marginalização dos povos indígenas ... 42

2.2 A participação dos povos indígenas no cenário político ... 51

2.3 A Constituição brasileira atual e o reconhecimento dos povos indígenas ... 60

2.4 A participação do Brasil na elaboração da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas ... 70

3 A BOLÍVIA E OS POVOS INDÍGENAS ... 77

3.1 As lutas das classes excluídas – povos indígenas bolivianos ... 78

3.2 A participação dos povos indígenas no cenário político ... 87

3.3 A Constituição boliviana atual e o reconhecimento dos povos indígenas ...95

3.4 A ratificação pela Bolívia da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas ... 104

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 110

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INTRODUÇÃO

Os povos indígenas, no final do século XX, tornaram-se, em alguma medida, os protagonistas de suas próprias lutas por reconhecimento, por respeito e por proteção, irrompendo com séculos de exploração, de marginalização, de exclusão, e, ainda, de práticas e políticas estatais - e cristãs - de catequização, de assimilação e de abandono das culturas originárias, pois eram considerados seres inferiores, incapazes, e, assim, sempre foram tutelados, representados por órgãos e pelos Estados, sem a possibilidade de se expressarem de forma igualitária.

Tanto no Brasil, como na Bolívia, a partir da segunda metade do século XX, os povos indígenas figuraram na defesa de seus direitos, perante os Estados e na seara internacional, participando da elaboração das atuais Constituições Federais de 1988 e 2009, respectivamente, e, no âmbito internacional, junto à Organização das Nações Unidas, com voz ativa na elaboração da Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas, de 2007. Essas atividades foram inéditas, e se desenvolveram apesar das muitas objeções dos governos, representados pelas elites dominantes que mantiveram, por tanto tempo, a lógica de discriminatória e excludente em relação ao trato indigenista.

Atualmente, a questão indígena ocupa uma posição de destaque nos cenários internos e externo, justamente, porque seus movimentos conduziram ao reconhecimento dos direitos da coletividade, eis que passaram da simples condição de objeto do direito, ante a percepção de que eram pessoas incapazes para promover a própria representação, para figurarem como atores, como sujeitos de direito, legitimados para exporem suas aspirações, e, de acordo com conformações sociais, culturais e políticas, fixarem novo lugar na sociedade e o respeito de seus Estados.

A alteração da conformação política e jurídica mundiais, e da concepção de tolerância como respeito, na Modernidade, colaborou para que esses povos conquistassem uma maior expressividade, por intermédio de suas lutas e movimentos, pois, pela apreensão da necessidade de que os direitos humanos e fundamentais precisavam ser reconhecidos e protegidos, internacionalmente, igualmente, houve a ressignificação da preservação da diversidade cultural, com o respeito à dignidade, à igualdade e às liberdades fundamentais. Logo, esse panorama de reconhecimento do direito à diferença favoreceu a relativização dos próprios direitos humanos, a partir da afirmação da expressão das peculiaridades culturais das minorias - historicamente, mitigadas e marginalizadas, como os povos indígenas.

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Na América Latina, esses conceitos podem ser verificados em relação à questão indigenista, que, nas últimas décadas, adquiriu expressividade, ao ponto de os povos indígenas serem reconhecidos como novos sujeitos coletivos, capazes de promoverem alterações profundas nas concepções sociais, políticas e jurídicas de muitos Estados. As noções tradicionais de povo, de nação e de território, como elementos únicos de caracterização de um Estado, de uma nação, passaram a ter uma nova acepção a partir da organização dos povos indígenas, que conquistaram o reconhecimento de que a homogeneidade, como as questões nacionais eram tratadas, até então, não contemplava as minorias e, ainda, permitia a exclusão e a segregação, com graves violações dos direitos humanos.

A partir dessas sublevações, as expressões indígenas, em muitos países latino-americanos, como o Brasil e a Bolívia, contraíam força e espaço no cenário, inicialmente, político e, após, o jurídico, sendo que ambas as Cartas Federativas - cada qual de acordo com os contextos históricos e sociais - reconheceram os direitos desses povos, adotando uma postura inédita de proteção, com sustentáculo no multiculturalismo, abandonando, ao menos, na seara normativa, que é o foco deste trabalho, as perspectivas colonizadoras e assimilacionistas. O caso da Bolívia se destaca pelo fato de sua conformação social possuir maioria indígena, o que culminou na possibilidade concreta de superação das desigualdades sociais e da dominação elitizada para a assunção desses povos ao poder, favorecendo o reconhecimento do Estado como multiétnico e plurinacional.

A Bolívia está inserida no rol de países latino-americanos que reconheceram os povos indígenas como sujeitos políticos, assim como a identidade estatal multiétnica e intercultural, decorrendo de um pluralismo jurídico que propende a contemplar todos os povos, dentro de uma mesma delimitação territorial política. Portanto, é dos exemplos do chamado novo constitucionalismo latino-americano, que procedeu de um processo normativo interventivo, com observância aos direitos fundamentais, e que objetiva a assegurar os direitos humanos de todos, inclusive, dos povos indígenas, mediante o combate das desigualdades e dos preconceitos, a partir de um diálogo multi e intercultural.

Sendo assim, as recentes Constituições Federais do Brasil, de 1988, e, ainda mais, da Bolívia, de 2009, bem como, internacionalmente, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007, apresentam-se como documentos inovadores, que implicam, diretamente, nas formações sociais históricas de sociedades minadas pelas desigualdades, advindas de práticas intolerantes e exclusivas. É nesse contexto que o presente

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trabalho é desenvolvido, com a finalidade de apontar os avanços que representam esses Documentos jurídicos, com a análise da previsão desses direitos e garantias, contidos na DNUDPI, no contexto das Cartas Federativas brasileira e boliviana, com ênfase para esta última, que declarou o Estado boliviano como plurinacional comunitário.

No primeiro capítulo o trabalho resgatou, inicialmente, a trajetória de construção do processo de internacionalização dos direitos humanos e suas implicações. Em seguida, analisou a conformação do Sistema Internacional de Direitos Humanos, a partir da adoção da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948. Nesse contexto, destacou o surgimento de inúmeros Documentos protetivos, dentre eles, a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007, dedicado a salvaguardar, especificamente, os povos originários, que tiveram, historicamente, seus direitos violados por práticas colonizatórias, assimiladoras e marginalizadoras.

No segundo capítulo foi abordada a relação do Brasil e dos povos indígenas, destacando-se a formação do país e a forma como os conquistadores relegaram os indígenas à condição de inferiores, ora catequizando-os, ora escravizando-os e dizimando-os, sem os reconhecerem como pessoas, formadoras de sociedades culturais distintas. Essa percepção perpetuou uma visão inferiorizadora desses povos, que somente passou a mudar a partir de 1950, onde eles passaram a figurar, ativamente, no cenário político, conquistando o reconhecimento de seus direitos na Constituição Federal de 1988. Além disso, pautar-se-á a forma como o Brasil posicionou-se enquanto sua participação na elaboração do projeto da DNUDPI, antes, de modo resistente à recognição da autonomia e da real importância dessas sociedades, adotando, após, postura positiva, votando a favor do texto.

No último capítulo foi tratada a relação da Bolívia com os povos indígenas, estes que, mesmo representando a maioria do contingente populacional, por conta da concentração de renda por uma pequena elite, não indígena, permaneceram marginalizados, exclusos, situação constatada desde o início da colonização espanhola, e mantida durante os processos de mimetismo e darwinismo social. A situação passou a se alterar a partir de 1950, quando esses povos iniciaram sua participação, ativamente, no cenário político, buscando a superação das desigualdades, originadas pela implantação do sistema neoliberal, que direcionava os recursos financeiros para o exterior e ameaçava os recursos naturais, mediante a exploração descomedida. Após muitas lutas, os povos indígenas ascenderam ao poder, com a eleição do indígena Evo Morales, que promoveu a Asamblea Constituyente, esta que declarou, na Nueva

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texto da DNUDPI, concretizando as manifestações das lideranças bolivianas, no âmbito internacional, pela ressignificação do direito à autodeterminação dos povos.

A partir dessas ponderações, foram estruturados os principais direitos, elencados na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, com a análise comparativa, mediante os níveis jurídico e doutrinário, das previsões, insertas nas Constituições Federais do Brasil e da Bolívia, para se verificar o grau de reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. A sistematização foi importante para viabilizar o estudo específico de ambas as Cartas normativas e para a percepção das formas do reconhecimento dos direitos desses povos, com destaque para as diretrizes constitucionais protetivas.

Dessa forma, a dissertação demonstrou, a partir do método hipotético-dedutivo e da pesquisa bibliográfica, como Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas, de 2007, fixou um novo horizonte de sentido para a relação dos Estados com os seus povos originários e como esta relação foi sendo internalizada, de forma diferente, por países como o Brasil e a Bolívia. Nesse processo, ficou evidente que a Bolívia conseguiu avançar, de forma mais consistente que o Brasil, na proteção dos direitos de povos originários, com destaque ao reconhecimento mais efetivo de sua participação no cenários nacional, e com a adoção de um Estado plurinacional.

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1 O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

A Segunda Guerra Mundial foi um acontecimento histórico importante que representou o maior número de casos de desrespeito aos direitos fundamentais das pessoas, principalmente, pelas práticas nazistas de extermínio de grupos minoritários, considerados inferiores, e pelas experiências médicas nos campos de concentração. Ao término do conflito, foi criada, com a intenção de evitar que fatos semelhantes pudessem voltar a acontecer, a Organização das Nações Unidas (ONU - 1945). Essa organização deveria ser uma instância de mediação das soberanias nacionais e um fórum permanente de incentivo à solução pacífica dos conflitos internacionais.

Em 1948, a ONU adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que formulou normas de cunho protetivo a todos os direitos, e todas as pessoas, indistintamente, de origem, gênero, religião ou posição social. A partir desse Documento, muitos outros foram criados, formando o atual Sistema Internacional de Direitos Humanos, que, igualmente, monitora, por intermédio de seus órgãos e, incrementa, por meio de seus recursos e instrumentos, a efetivação dos direitos humanos, tanto no âmbito mundial, pela ONU, quanto regional, pelos sistemas europeu, africano e americano.

Dentre esses Documentos, destaca-se a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em 2007, com o cunho específico de promover a proteção dos direitos peculiares dos povos indígenas, que, historicamente, foram marginalizados. Direitos ao território, à autodeterminação, à diversidade, à educação, dentre tantos outros, tidos como coletivos, foram abrangidos, na tentativa de proteger esses grupos e de assegurar que os Estados se comprometam na concretização de tais direitos, a fim de asseverar a dignidade e a liberdades dos povos indígenas, bem como, garantir a diversidade cultural humana.

1.1 Os Primeiros Movimentos de Internacionalização dos Direitos Humanos e a Segunda Guerra Mundial

Compreender o arcabouço histórico de formação dos direitos humanos é uma questão preliminar e importante para o tema aqui tratado. É que resgatar o passado é, muitas vezes, uma forma de interpretar sobre seus diversos vieses e entender os rumos que poderão assumir para o futuro, pois, nas palavras de Cícero (2002, p. 36), a História é a “[...] vida de la

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memoria”. Portanto, imprescindível a necessidade de ser promovida uma análise histórica, aplicada às problemáticas contemporâneas, na busca por suas soluções, a fim de minorar as possibilidades de repetições de situações não desejáveis, e, assim, assegurar a observância dos direitos, já conquistados.

Nesse sentido, a importância dos direitos humanos se destaca, uma vez que foram conquistados paulatinamente, após a humanidade ter enfrentado situações de extrema violência e de violação dos mais basilares direitos, como exemplo, a Segunda Grande Guerra. Piovesan (2010, p. 196) pontua que, “[...] se a segunda guerra significou a ruptura dos direitos humanos, o pós-guerra deveria significar sua reconstrução [...]”, demonstrando a imprescindibilidade da busca pela superação das atrocidades da guerra, com a afirmação da internacionalização dos direitos humanos como forma de proteção das garantias asseguradas.

Esse processo teve sua origem, contudo, entre outros fatores, no Direito Humanitário. Piovesan (2010) explica que o Direito Humanitário compõe os direitos humanos e expõe a necessidade de regulação da violência, enquanto situação de conflitos armados, para proteger os combatentes, os feridos e a sociedade civil. O Estado deveria obedecer às regras internacionais, ainda que em período de exceção, nos termos da Convenção de Direito Humanitário (1864). Esse foi, portanto, um dos primeiros antecedentes históricos que contribuiu para a criação do que, posteriormente, seria chamado de Sistema Internacional dos Direitos Humanos.

Além disso, contribuiu para esse processo a formação da chamada Liga ou Sociedade das Nações. Tal iniciativa, surgida após o fim da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), tentou se constituir num fórum internacional voltado ao princípio da resolução pacífica dos conflitos, das relações internacionais calcadas na honra, na justiça, da observância do Direito Internacional nos procedimentos governamentais e do respeito aos tratados firmados (BEDIN, 2000).

A Liga das Nações visou a relativizar a soberania nacional, da forma como até então era exercida, pois objetivou promover a cooperação, a paz e a segurança internacional, como se verifica no Preâmbulo da Convenção da Liga das Nações, de 1920 (ONU, 2014):

As partes contratantes, no sentido de promover a cooperação internacional e alcançar a paz e a segurança internacionais, com a aceitação da obrigação de não recorrer a guerra, com o propósito de estabelecer relações amistosas entre as nações, pela manutenção da justiça e com o extremo respeito para com as obrigações decorrentes dos tratados, no que tange a relação entre povos organizados uns com os outro concordam em firmar este Convênio da Liga das Nações.

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Um terceiro fator foi a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa também surgiu logo após do término da Primeira Guerra Mundial e fez parte do Tratado de Versailles (1919). O objetivo dessa organização era promover padrões internacionais de condições de trabalho e de bem-estar. Fundou-se no princípio da paz universal e permanente como instrumento de concretização e universalização dos ideais da justiça social e da proteção dos trabalhadores (BEDIN, 2002).

Logo, o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho contribuíram para o processo de internacionalização dos direitos humanos, eis que asseguraram parâmetros globais mínimos para a proteção dos direitos fundamentais das pessoas em situação de conflito armado, na busca pela manutenção da paz e da segurança internacional e para garantir dignas condições de trabalho, projetando tais institutos na ordem internacional (PIOVESAN, 2010).

Entretanto, essas atitudes não impediram que a Segunda Grande Guerra1 eclodisse, pois o movimento Nazista, liderado por Adolf Hitler, não aceitou as imposições do Tratado de Versailles, que atendia aos interesses dos vitoriosos - que buscavam a restruturação econômica e de defesa, e, em contrapartida, minar o sistema alemão de comércio com as colônias, a exploração de minérios e os transportes (KEYNES, 2002). Fundamentado no totalitarismo e no antissemitismo, Hitler anunciou, em 1920, vinte e cinco metas do partido Nacional-Socialista, como a anulação do referido Tratado, a restituição das colônias alemãs, o repúdio às etnias diversas e o uso da guerra para a conquista.

Adolf Hitler ascendeu ao poder com o apoio popular, e teve a concessão de plenos poderes pelo Parlamento. A Constituição de Weimar, de 1917, mesmo tendo abordado direitos fundamentais individuais, previu, no artigo 48, a autorização ao presidente para adotar medidas necessárias ao restabelecimento da segurança e da ordem pública, perante ameaças – ou seja, a possibilidade de suspensão dos direitos fundamentais (BERCOVICI, 2012).

Nesse passo, a Sociedade das Nações perdia força, pois não estava calcada no interesse geral dos países, mas, sim, somente nos dos vitoriosos, que usavam manobras econômicas para a promoção do colonialismo. Além disso, essa Organização, paulatinamente, submergiu ao caráter obrigacional moral internacional ante a negativa dos Estados em se submeterem a um conjunto ético universal (CARR, 1981). A crise financeira, que perdurou de 1919 até 1939, acabou por afunilar, ainda mais, a situação precária que vivia o povo alemão,

1 A Segunda Guerra Mundial perdurou de 1939 a 1945, onde participaram duas alianças opostas: Os Aliados,

compostos, inicialmente, pela França e Reino Unido e, mais tarde, pelos Estados Unidos, e o Eixo, formado pela Alemanha, a Itália e o Japão.

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além do enfrentamento dos dois grandes blocos econômicos que bipartiram o mundo em capitalismo e socialismo, fazendo com que as tensões eclodissem na Segunda Guerra Mundial.

A liderança de Hitler, na Alemanha, se deu por intermédio do Partido Nacional-Socialista Alemão dos Trabalhadores (NSDAP) – que permitiu a criação do chamado Estado

do Führer, onde, por exemplo, o culto ao líder era indispensável ao partido, e a subordinação da ideia à pessoa de Hitler era necessária e desejada pelos membros do NSDAP, de cuja instituição ele era a voz, a figura representativa e a sua personificação (BERCOVICI, 2012).

A liderança de Hitler a e forma como ele conduziu o Estado alemão extravasavam a dicotomia ponderada por Maquiavel, quando, ao refletir sobre aspectos da liderança, concluiu que um líder temido possui maiores vantagens que um líder amado, pois os atos de líder fizeram-no alvo de amor e de temor, em intensidades e períodos díspares. A proposta do Nazismo foi considerada enganosa por Arendt (2006), pois, Hitler, com auxílio do Ministro Joseph Goebbels, se utilizava da propaganda, monopolizada e censurada, para ludibriar a realidade percebida pelo povo, apresentando uma Alemanha e uma realidade inexistentes, calcado na ideia de que o que convencia não eram os fatos, mas a coerência do sistema ao qual eles faziam parte – ainda que não fossem reais.

A autora discorre que o totalitarismo, presenciado no Estado nazista, originou-se de uma ruptura no plano jurídico, verificado pela não razoabilidade da lógica que permeou a reflexão jurídica - pois essa experiência não foi gerada por conta de uma ameaça externa, mas, ao contrário, nasceu ante um desdobramento inopinado e desarrazoado dos valores. Portanto, a ideologia nazista é a materialização de uma organização social destoada do sensus

communis2, do inter-homines3, porque não comporta critérios plausíveis de justiça, de ato punível, de aplicação do pacta sunt servanda4. Funda-se na ideologia de que qualquer pessoa, em qualquer momento, pode ser tratada como sobrepujante e descartável, indo de encontro ao valor-fonte da legitimidade da ordem jurídica, havendo a ruptura com o plano jurídico tradicional.

O nazismo permitiu a elaboração e a prática das teorias raciais, quando, em nome da raça, cometeu-se o assassinato em massa nos campos de concentração. A raça ariana era considerada superior, e, para que se promovesse uma unidade étnica, ou seja, a produção de um estereótipo caucasiano proeminente às demais etnias, estas deveriam ser extirpadas para

2 Senso comum.

3 Estar entre os homens.

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que aquela figurasse com altivez. Esse motivo permitia que as minorias, como judeus, homossexuais, ciganos, dentre tantos os que não eram considerados descendentes da antiga

raça ariana, fossem perseguidos, com o claro intento de exterminá-los (BARKAN, 1993). Nesse sentido, para o ideário nazista, a morte de milhões de pessoas, ou mesmo a guerra, não era desumana, ou insensata: era uma forma de fortalecer o todo. Porquanto, a guerra justificaria o sacrifício do indivíduo pelo Estado, pois a vida coletiva (do povo) seria superior à vida individual, sendo a finalidade do indivíduo sacrificar-se por essa vida superior. Morrer em guerra, em nome do Estado, era um ato considerado como a consumação da perspectiva heroica da vida (HAYEK, 2010).

Por todas essas constatações, o nazismo representou um movimento social responsável por enormes atrocidades internas à Alemanha e pela eclosão da Segunda Guerra Mundial. Foi necessário este grande conflito e suas enormes consequências humanas (com milhões de mortos) para que os direitos humanos passassem, de fato, a receber, no sistema internacional, um significativo destaque, em especial a partir da criação da Organização das Nações Unidas.

1.2. A Criação da Organização das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos

A criação da Organização das Nações Unidas (ONU) começou a tomar forma ainda durante a Segunda Guerra Mundial. De fato, o presidente americano Franklin Delano Roosevelt e o Primeiro-Ministro da Grã-Bretanha, Winston Churchill, em 14 de agosto de 1941, firmaram a Carta do Atlântico. Este documento é um plano de paz mundial, comprometendo-se com o respeito à autodeterminação, a promoção do desarmamento, a cooperação internacional, e com uma paz entre as nações capaz de proporcionar segurança, e, às pessoas, a liberdade, sem temores e privações (QUINTANA, 1999).

Em 01 de janeiro de 1942, em Washington, foi assinada a Declaração das Nações Unidas, pelos vinte e seis países integrantes e aliados da Tríplice Aliança. De 18 de outubro a 11 de novembro de 1943, realizou-se a conferência de Moscou, onde foi elaborada a Declaração de Moscou, registrando-se a pretensão de criação de uma organização de alcance mundial; em 11 de fevereiro de 1945, a Conferência de Ialta, na União Soviética, com o mesmo propósito (RIBEIRO, 2001).

Em São Francisco, nos Estados Unidos, realizou-se, de 25 a 26 de abril de 1945, a Conferência das Nações Unidas para a Organização Internacional, onde restou assinada a

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Carta das Nações Unidas e criada a Organização das Nações Unidas (ONU), concretizando-se a internacionalização do direito em busca da solução pacífica dos conflitos e da cooperação internacional (MELLO, 2001), enaltecendo a percepção, pelos Estados, da necessidade de se mitigar o poder destrutivo acumulado e de se promover formas coletivas para asseverar a segurança e a paz entre as nações (BEDIN et. al, 2010).

Esse processo é ainda mais acentuado, em 10 de dezembro de 1948, com aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), na III Sessão Ordinária da Assembleia Geral das Nações Unidas. Tal Documento possui um preâmbulo e trinta artigos, divididos em normas gerais e direitos individuais; as primeiras são noções fundamentais de caráter filosófico, afirmando a dignidade, a inalienabilidade dos direitos e as liberdades individuais (ONU, 2014). Logo, representa a consolidação de uma ética e moral universais, talhadas no consenso de valores a serem seguidos pelas nações, e a criação de um sistema internacional de proteção “[...] quando, internamente, os órgãos competentes não apresentarem respostas satisfatórias na proteção dos serem humanos protegidos [...]”, conforme Mazzuoli (2001, p. 103).

Lafer (1995, p. 170) pondera que os lançamentos das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki foram demonstrações do poder de destruição do ser humano suficientes para que houvesse uma regulação, assim como o tratamento desumano dispensado às minorias, como os campos de concentração nazistas, ensejando a necessidade premente de uma alteração, significativa, na forma de se conduzir as relações estatais, sob a égide dos direitos humanos:

Na elaboração de um direito novo, a Carta levou em conta o que foi a destrutividade técnica dos instrumentos bélicos da Segunda Guerra Mundial, inclusive a bomba atômica, e a experiência do totalitarismo, que patrocinou os campos de concentração e o holocausto. Em síntese, um dos antecedentes do direito novo, foi a escala sem precedentes do mal ativo e passivo. Daí ter contemplado a perspectiva das vítimas do mal com uma preocupação com os direitos humanos.

A partir dessa época e dessas concepções que o Sistema Internacional de Direitos Humanos5 foi sendo, paulatinamente, instaurado, justamente, pela nítida inconsistência e desconsideração com os indivíduos e os grupos de indivíduos – minorias6 -, como apontado alhures, e como pontua Piovesan (2007, p.13):

5Conforme Mello (2001, p. 33), “O direito internacional dos direitos humanos pode ser definido como o conjunto

de normas que estabelece os direitos que os seres humanos possuem para o desenvolvimento de sua personalidade e estabelecem mecanismos para a proteção de tais direitos”.

6 O termo minorias pode ser definido de acordo com a época histórica que se analisa; contudo, foi a partir da

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No momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessário a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético de restaurar a lógica do razoável.

Os Estados desarraigaram da soberania absoluta, partindo para vínculos institucionais mais sólidos, pois todos os povos são beneficiados pela cooperação e desenvolvimento mútuos. “Isso significa que a sociedade internacional adquire, cada vez mais, feições de uma comunidade institucional, menos anárquica e conflituosa [...]” (Bedin, 2001, pp. 264 – 265). A dignidade passou a ser fundamento dos sistemas jurídicos, transpassando a garantia negativa de que a pessoa não sofrerá prejuízo em seus direitos, indo para o sentido positivo de pleno desenvolvimento, pois os novos instrumentos internacionais baseiam-se em uma revisão das noções de progresso, de desenvolvimento e de integração, além da autodeterminação dos povos7 (PEREZ-LUÑO, 1995).

Esse processo ajudou na maior integração entre os Estados e a implementação de um direito interestatal mais efetivo, além de consolidar o movimento de luta pelo reconhecimento e desenvolvimento dos direitos humanos. Assim, a sociedade internacional reconheceu que elas devem contemplar outros temas e caminhar no sentido kantiano de uma Paz Perpétua (KANT, 2014).

Nesse sentido, a dignidade deve abarcar todas as pessoas e todas as culturas, como quanto aos valores e significados dos povos indígenas, que são, totalmente, diversos, por exemplo, do modelo europeu ou de outras formas sociais ocidentais. A noção de dignidade deve ter, como fundamento, portanto, o respeito à diferença, o reconhecimento pleno e igualitário, sem ponderações que possam vir a significar limitações na afirmação e da proteção dos direitos.

1.3 O Sistema Internacional de Direitos Humanos

A adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) foi apenas o primeiro grande passo para a internacionalização dos direitos humanos. Logo em seguida, surgiram vários outros documentos legais internacionais de proteção dos direitos humanos e,

minorias, a partir da tutela de grupos religiosos. Minorias são definidas como grupos com práticas diversas dos dominantes e que não figuram como entes importantes nas tomadas de decisões (REMILLARD, 1986).

7 Para a definição dos termos, não se deve confundir autodeterminação com soberania, sendo esta uma

prerrogativa do Estado na seara internacional, enquanto que aquela pertence ao povo, representado pelo Estado, e que legitima a resistência em face de qualquer ato de dominação (BARBOSA, 2001a).

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também, foram adotados os protocolos complementares à Declaração de 1948, denominados de Pacto de Direitos Civis e Políticos e Pacto dos Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (1966).

Esse movimento adquiriu uma maior amplitude durante a Conferência de Viena, de 1993, onde os direitos humanos foram tomados como um arcabouço protetivos dos direitos de todas as pessoas, visto que contou com a com a significativa participação de 171 Estados e de 813 entidades representativas da Sociedade Civil. Logo, foi o maior encontro internacional realizado sobre o tema dos direitos humanos, tendo congregado todas as grandes culturas, religiões e sistemas sociais e políticos, onde, consensualmente, pactuou-se a Declaração e Programa de Ação de Viena, que, no artigo 1º, reza que “A natureza universal desses direitos e liberdades não admite dúvidas” (ALVES, 1999).

Atualmente, o Sistema Internacional de Direitos Humanos apresenta-se como global e regional, sendo global a estrutura da ONU8, que possui, como principal órgão, a Comissão de Direitos Humanos, além dos Comitês de Monitoramento e das Agências Especializadas. O alcance de seus instrumentos pode ser geral ou específico, dependendo da natureza do direito que está sendo tutelado, como, por exemplo, o das minorias. Já o sistema regional é integrado por organismos internacionais regionais, como o europeu, representado pela Comissão Europeia de Direitos Humanos, o africano, representado pela Comissão Africana de Direitos Humanos, e o americano, representado pela Comissão Interamericana e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) (ALVES, 2011).

8 Atualmente, a ONU possui 193 Países-Membros: Afeganistão, África do Sul, Albânia, Alemanha, Andorra,

Angola, Antígua e Barbuda, Arábia Saudita, Argélia, Argentina, Armênia, Austrália, Áustria, Azerbaidjão, Bahamas, Bangladesh, Barbados, Barein, Belarus, Bélgica, Belize, Benin, Bolívia, Bósnia-Herzegóvina, Botsuana, Brasil, Brunei, Bulgária, Burkina Faso, Burundi, Butão, Cabo Verde, Camarões, Camboja, Canadá, Catar, Cazaquistão, Chade, Chile, China, Chipre, Cingapura, Colômbia, Comores, Congo, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Costa do Marfim, Costa Rica, Croácia, Cuba, Dinamarca, Djibuti, Dominica, Egito, El Salvador, Emirados Árabes Unidos, Equador, Eritreia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, Etiópia, Federação Russa, Fiji, Filipinas, Finlândia, França, Gabão, Gâmbia, Gana, Geórgia, Granada, Grécia, Guatemala, Guiana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné-Equatorial, Haiti, Holanda – Países Baixos, Honduras, Hungria, Iêmen, Ilhas Marshall, Ilhas Salomão, Índia, Indonésia, Irã, Iraque, Irlanda, Islândia, Israel, Itália, Jamaica, Japão, Jordânia, Kiribati, Kuwait, Laos, Lesoto, Letônia, Líbano, Libéria, Líbia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Macedônia, Madagascar, Malásia, Malauí, Maldivas, Mali, Malta, Marrocos, Maurício, Mauritânia, México, Micronésia, Moçambique, Mianmar, Moldávia, Mônaco, Mongólia, Montenegro, Namíbia, Nauru, Nepal, Nicarágua, Níger, Nigéria, Noruega, Nova Zelândia, Omã, Palau, Panamá, Papua Nova Guiné, Paquistão, Paraguai, Peru, Polônia, Portugal, Quênia, Quirguistão, Reino Unido, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, República Dominicana, República Tcheca, Romênia, Ruanda, Samoa, San Marino, Santa Lúcia, São Cristóvão e Névis, São Tomé e Príncipe, São Vicente e Granadinas, Senegal, Serra Leoa, Sérvia, Seicheles, Síria, Somália, Sri Lanka, Suazilândia, Sudão, Sudão do Sul, Suécia, Suíça, Suriname, Tadjiquistão, Tailândia, Tanzânia, Timor-Leste, Togo, Tonga, Trinidad e Tobago, Tunísia, Turquia, Turcomenistão, Tuvalu, Ucrânia, Uganda, Uruguai, Uzbequistão, Vanuatu, Venezuela, Vietnã, Zâmbia e Zimbábue.

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Além disso, é preciso destacar que o Sistema Internacional de Direitos Humanos possui, além das regras de conteúdo material, um conjunto de órgãos consultivos, jurisdicionais ou investigativos que ajudam na implementação e no monitoramento dos direitos humanos. Nesse sentido, são muito importantes os Relatórios, as Comunicações Interestatais, as Petições Individuais e os Procedimentos de Investigação dos referidos órgãos. Eles possibilitam a percepção da situação tratada e fornecem subsídios para a solução das problemáticas, mediante as informações prestadas. São periódicos e devem ser encaminhados de acordo com o regulamento do Tratado, visando a informar o modo e a efetivação das obrigações assumidas, em todas as esferas - administrativas, legislativas e judiciais (ALSTON, 1991).

Também, mediante essas Comunicações, um Estado-parte pode denunciar outro pelo descumprimento dos direitos que se comprometeu a salvaguardar. Logo, esse mecanismo, tido como de procedimento especial, observa o princípio do devido processo legal, justamente, pela necessidade de se ater aos princípios do contraditório e da ampla defesa. As Petições Individuais, por sua vez, oportunizam que qualquer indivíduo, ou grupo de indivíduos, acione os organismos internacionais, mediante a violação de algum direito. Ambos os instrumentos exigem que se a atente para os requisitos formais e materiais de admissibilidade, podendo ser direcionados ao organismo global ou regional, e, por serem cláusulas facultativas dos tratados, necessitam de expressa aceitação pelo Estado ratificador (ALVES, 2011).

Por fim, os Procedimentos de Investigação são cabíveis quando constatados casos de transgressão de direitos humanos particulares, tanto de um país, quanto de um território. Podem ser permanentes ou ad hoc, com a nomeação de um relator específico e a realização de investigações in loco, caso seja necessário, além do acionamento de peritos para áreas e questões específicas, da colheita de provas, da oitiva de testemunhas, da realização de perícia e de outras atitudes que se fizerem cogentes (BOVEN, 1991).

É de se destacar que, pelo fato de existirem incontáveis formas de sociedade, com particularidades relacionadas às tradições, aos costumes, às crenças, às línguas, uma única ideia – e visão – universalista, deveras, pode se revelar insuficiente para resolver as problemáticas enfrentadas contemporaneamente – como a pobreza, as desigualdades sociais, os conflitos, as instabilidades, a efetividade, o respeito aos direitos e a garantia de seu exercício, aos direitos das minorias, dentre tantos -, devendo ser consubstanciada em algo que seja comum ao ser humano, em sua essencialidade, sendo ele meio e fim dos direitos humanos, e, assim, fazer com que a humanidade esteja vinculada na busca pelo reconhecimento e a proteção de todos.

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A questão da relativização dos direitos humanos, sobretudo, quanto ao reconhecimento das diferenças culturais - que partiu do entendimento da necessidade e da importância de haver mínimos éticos, norteadores das relações humanas -, favoreceu o diálogo e a interação entre culturas e povos, e, com isso, a valorização do multiculturalismo e da aceitação e do respeito às diferenças (LUCAS, 2012). Ainda que se verifiquem, atualmente, muitas problemáticas que impedem que essa proteção seja, efetivamente, plena, a teoria dos direitos humanos é imprescindível para que haja a supressão dos espaços de legitimação de interesses e para que todas as culturas, como as indígenas, possam enfrentar e alterar as situações negativas, de ausência/insuficiência protetiva, o que se dá, na seara nacional, a partir da previsão normativa dessa salvaguarda, que legitima as lutas e veicula as ações dos Estados para essa finalidade.

Dessa forma, é possível dizer que o Sistema Internacional de Direitos Humanos tem como, objetivo proteger os direitos humanos, seja estabelecendo normas substantivas ou mediante a supervisão ou mecanismos de instauração e monitoramento nas diversas partes do mundo. A meta é a proteção efetiva dos direitos humanos e, com isso, impedir a emergência de rupturas que possam inviabilizar sua fruição e dar azo à banalização do mal (LAFER, 1988). Integra esse sistema a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007).

1.4. A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas

A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (DNUDPI) representou uma conquista internacional pelos povos originários, por conta do reconhecimento e da efetividade dos direitos que lhe são correlatos, uma vez que os indígenas são seres humanos, dotados de direitos inerentes; dentre eles, a autodeterminação e o respeito às diferenças. Anaya (2005, p. 139), explica que a ONU fez aflorar a livre determinação dos povos como um dos princípios fundamentais da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de onde “[...] los pactos internacionales de derechos humanos presentaron la autodeterminación como um derecho de todos los pueblos [...]”.9

9 Nessa conjectura, Villoro (1998, p. 84) expõe que: “La autodeterminación y el derecho de no injerencia se

interpretaron como atributos de la soberanía, que corresponde a los Estados. Esta interpretación no fue impugnada porque satisfacía los intereses de unos y otros. Los antiguos colonizadores estaban interesados en establecer nuevas relaciones con Estados que conservan los límites fijados por la relación colonial; los nuevos Estados independientes tenían la preocupación de mantener una fuerte unidad y reforzar el poder central por miedo a su disgregación en distintas etnias y tribos. La desacolonización consagró así Estados ficticios, producto de la relación de poder de las grandes potencias [...]”.

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Contudo, um longo caminho foi percorrido desde 1948 até o ano de 2007, quando a DNUPDI foi promulgada. A partir da elaboração do SIDH, o foco passou a ser a igualdade, a dignidade e a liberdade, com a prevalência do princípio da não-discriminação, o que visou à proteção dos grupos considerados vulneráveis10, dentre os quais, os povos indígenas. Ainda que os direitos humanos tenham tido o viés primacial de assegurar as liberdades individuais, os grupos sociais e os valores coletivos, igualmente, foram objeto de tutela, pois a manutenção e a fruição dos patrimônios culturais imateriais11 é direito de toda pessoa, mormente, quando se trata de minorias identitárias (TRINDADE, 2002).12

Sob a óptica da cultura e de sua diversidade, as minorias são descritas como sociedades de indivíduos com características peculiares, distintas, insertas em outros grupos maiores, e sua definição, segundo Capotorti (1979, p. 227), deve considerar os critérios (1) objetivo, que é a sua existência dentre a população de um Estado, em número menor que o restante da população e que não exerça a posição dominante, e o (2) subjetivo, que é o desejo de preservação e de afirmação de seus elementos particulares, de suas tradições, se configurando em

[...] un groupe numériquement inferieur au resto de la population d´un Etat, en position non dominante, dont les membres – ressortissants de l´Etat – possedent du point de veu ethnique, religieux ou linguistique, des caracteristiques qui different de celles du reste de la populatioon et manifestent même de façon implicite un

10 Origem do Latim: vulnerare: ferir; vulnerabilis: que causa lesão. Barchifontaine (2006, p. 435) entende que

todos os seres humanos podem ser considerados vulneráveis e que precisam de proteção, eis que é um risco que expõe todas as culturas: “Na verdade, as culturas e as estruturas sociais e políticas foram desenvolvidas justamente para combater a vulnerabilidade e a exploração. As diferenças entre tradições culturais ou sociais parecem refletir prioridades em termos de riscos percebidos e da proteção preferida contra a vulnerabilidade. Mas sejam quais forem essas diferenças, parece haver uma noção a priori, e aceita, de que as ameaças mais essenciais à condição humana, como a fome, a doença, a dor, a exploração, o assassinato e a tortura são universais, estabelecendo uma base para os direitos humanos e civis que independe de prioridades sociais e culturais específicas em culturas específicas”.

11O patrimônio cultural imaterial foi definido pela Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural

Imaterial, editada pela UNESCO em 17 de outubro de 2003 (artigo 2º, item “1”, p. 04), como [...] as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. Para os fins da presente Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos, e do desenvolvimento sustentável” (UNESCO, 2014).

12 Rubio (2004, p. 147) destaca que [...] não há de se esquecer de que o ser humano sempre existe em sociedade,

é um ser social que está inter-relacionado com seus semelhantes. Partindo desse ponto de vista, os fins e os projetos de vida aparecem no marco das relações sociais de uma sociedade concreta”.

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sentiment de solidarité, á l´effect de preserver leur culture, leurs traditions, leur religion ou leur langue.13

O exercício dos direitos fundamentais, dos indivíduos e das coletividades inaugura a recognição ao multiculturalismo, às diversidades identitárias coletivas humanas.14 Esse reconhecimento deu azo às lutas sociais indígenas, que, até então, não eram considerados como formadores de grupos distintos, detentores de direitos coletivos, mas, apenas, individualmente, como subcidadãos, expostos aos abusos colonialistas e às políticas individualistas e integracionistas (CLAVERO, 1997)15. Essa percepção foi mantida pelo próprio Direito Internacional, inicialmente, pois, como exemplo, a Convenção 107 da OIT, de 195716, determinava, no artigo 1º, que os governos deveriam desenvolver “[...] programas coordenados e sistemáticos com vistas à proteção das populações interessadas e sua integração progressiva na vida dos respectivos países” (OIT, 2014).17

Em toda a América Latina, após a consolidação dos Estados, manteve-se a postura ou de genocídio, ou de integração, quanto aos povos indígenas, de modo que os processos de conversão, ou de assimilação, mantinham objetivos civilizatórios. Somente era concebido o reconhecimento de algum direito a partir da incorporação – requisito inevitável de abandono da cultura mãe. Nesse sentido, criou-se o instituto da tutela, a partir do entendimento de que esses povos, com culturas e organizações, totalmente, diferentes, deveriam estar submetidos e ser protegidos e tutelados pelo Estado. Clavero (2006a, p. 659) expõe essa situação:

13 Em livre tradução, “Um grupo, numericamente, inferior ao restante da população de um grupo de Estado, com

posição não dominante, cujos membros - sendo nacionais do Estado - possuem características étnicas, religiosas ou linguísticas diferentes das do resto da população e, mesmo que, apenas, implicitamente, um sentimento de solidariedade, um efeito importante para preservar a sua cultura, as suas tradições, a sua religião ou a sua língua”.

14 Kymlicka (1996) entende que o multiculturalismo diz respeito às sociedades caracterizadas pela existência de

minorias nacionais, que preexistem à colonização e que são organizadas na busca pelo reconhecimento de autonomia em relação ao Estado e os grupos dominantes, e aos grupos étnicos, que ele considera como grupos de migrantes, que buscam se incorporar na cultura nacional e acessar os direitos por meio da cidadania. Machado (2010, p. 159) afirma a importância do multiculturalismo, que representa o alento do movimento social protetivo às minorias, porque essa doutrina “[...] orienta-se no sentido de gerar mudanças nas sociedades culturalmente plurais que se representam como homogêneas e uni culturais, construindo as subjetividades dos grupos culturalmente dominados”.

15 Os grupos indígenas se revestem de coletividade, verificada quando “[...] o sistema de ação implica

solidariedade, quando seus membros consideram certas ações como exigidas no interesse da integralidade do próprio sistema e outras como incompatíveis com essa integralidade” (PARSONS, 1966, p. 12). Assim, as responsabilidades e os interesses são comuns, dedicados à integridade do grupo, não, apenas, dos indivíduos. É por isso que o índio deve ser considerado a partir de seu grupo, pois, pela contextualização da sociedade, das tradições, da língua e dos costumes, que a noção de pessoa e de índio será edificada. É por isso que neste trabalho o índio não é considerado em sua singularidade, havendo sempre a referência a “os índios”.

16 Um dos primeiros documentos a tratar sobre direitos dos povos indígenas, ratificado pelo Brasil por meio do

Decreto nº. 58.824, de 14 de julho de 1966.

17 Dufour (2005, p. 52) pontua que o mundo e a voz dos indígenas continuam mantidos sob um “silêncio

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O programa de uma desculturação indígena por meio da aculturação constitucional é aplicado pela própria constituição em vista da distribuição da propriedade das terras que tinham sido concedidas. [...] Não há possibilidade de uma comunidade própria nem de nenhum direito próprio. A negação da cultura indígena é o efeito produzido sobre os nativos pela prática da “inclusão”.

Igualmente, não havia o reconhecimento dos povos indígenas como povos, mas, apenas, como populações, nominativo aquele que foi inaugurado pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, que, no artigo 1º, estipula que “Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente seu estatuto político e asseguram livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural”.18 Tal dispositivo rechaçou a ideia homogeneizadora de que o conceito de povo é similar ao de Estado. Ademais, o princípio da autodeterminação dos povos, previsto na DUDH - artigo 1º, item 2 -, passou a ser interpretado além da noção estatal, de soberania, pois se vinculou às liberdades e aos direitos humanos dos povos, favorecendo a liberdade de se autoorganizar (ONU, 2014).19

Em 27 de junho de 1989 - com vigência em 05 de setembro de 1991 - foi adotada a Convenção nº. 169 da OIT20, substitutiva à Convenção nº. 107, que inaugurou o reconhecimento de inúmeros direitos, extremamente, relevantes, para a recognição dos povos indígenas como tais, posto que asseverou que a consciência identitária do grupo seria um critério fundamental para a determinação dos grupos, aos quais se dedicava a Convenção, estipulando, no artigo 1º, item 2º, “b”, que os indígenas eram formadores de

[...] populações que habitavam o país ou uma região geográfica pertencente ao país na época da conquista ou da colonização ou do estabelecimento das atuais fronteiras estatais e que, seja qual for sua situação jurídica, conservam todas as suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte delas. (OIT, 2014).

18 Villoro (1998, p. 84) explica que “Un pueblo sería, en principio, una colectividad que: 1) participa de uma

unidad de cultura (lengua, creencias básicas comunes, ciertas instituciones sociales propias, formas de vida compartidas, etc.); 2) se reconoce a sí mesma como una unidad, es decir, la mayoría de susmiembros aceptan su pertenencia a esa colectividad y son aceptados por ella; 3) comparte un proyecto común, es decir, manifiesta la voluntad de continuar como una unidad y de compartir un futuro colectivo, e 4) está relacionada con un território geográfico específico”.

19 A partir da década de 1970, com os processos democráticos e a descolonização dos países periféricos, a noção

de Estado-Nação buscou afirmar a autodeterminação do povo – nacional – frente aos demais países, o que culminou em mais um equívoco no que diz respeito aos termos nação e povo, que passaram a ser interpretados como sinônimos. Contudo, uma nação é formada por inúmeros povos, detentores de culturas diferentes, mas que convivem no interior de uma mesma delimitação territorial política, chamada de país (HABERMAS, 1998).

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A óptica protetiva aos povos originários21 se transmudou pelo seu reconhecimento como categoria jurídica pela afirmação dos direitos à igualdade, à diferença, à identidade, à autorregulação de suas instituições, ao livre desenvolvimento econômico no interior do Estado onde vivem. No âmbito internacional, a partir dessa Convenção, o ideário integracionista foi relegado para o de reconhecimento e de proteção, determinando a obrigatoriedade dos Estados em promoverem os atos e medidas necessários para assegurarem esses direitos.22

No ano de 1977, a ONU viabilizou a primeira Conferência Internacional de Organizações Não-Governamentais, onde se discutiu a discriminação dos povos indígenas, e, pela primeira vez, seus grupos puderam se manifestar quanto ao anseio de serem tratados como povos distintos, e não, apenas, como uma minoria étnica (SIMONI, 2009). Por intermédio do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, criou-se o Grupo de Trabalho sobre os Povos Indígenas, destinado a fomentar a prática de direitos humanos específicos, para a efetiva proteção dos povos indígenas (BARBOSA, 2001b). Esse trabalho culminou na constatação de que tais povos eram, extremamente, discriminados, submetidos às práticas colonialistas, integracionistas, civilizatórias23, pois eram considerados primitivos, incapazes, e, por decorrência, eram discriminados, estigmatizados e relegados ao mínimo de atenção política, administrativa e social.24 Agostinho (1982, p. 61) expõe que:

A integração do índio à sociedade ou comunhão nacional prevista na Lei se constitui em um objetivo da sociedade dominante, estabelecido a partir de uma concepção etnocêntrica e colonialista das relações entre as sociedades humanas, pois considera o processo civilizatório como inapelável.

21 Os povos indígenas são considerados povos originários, porque, segundo Santilli (2000, p. 153) “[...] são os

primeiros habitantes da Terra e que, portanto, antecedem à própria constituição do Estado, da sociedade nacional e da sua respectiva ordem jurídica”.

22 Nessa seara, distingue-se o direito da igualdade, pois é a observância de tal princípio que garantirá que os

direitos comuns, relativos à cidadania, sejam observados e respeitados por todos e para todos. É dever do Estado assegurar o direito à igualdade, que implica, necessariamente, no direito à diferença, motivo pelo qual os direitos dos povos não podem colidir com os direitos individuais. Igualmente, os direitos comuns de cidadania, promulgados pelo Estado, devem incluir o direito à diferença, diante da multiculturaldiade que os compõem (WOLKMER; LEITE, 2003).

23 O conceito de civilização, para Elias (1993, p. 5), “[...] expressa a autoconsciência do Ocidente. Poderíamos

inclusive afirmar: a consciência nacional. Ele resume tudo em que a sociedade ocidental dos últimos dois ou três séculos se julga superior a sociedades mais antigas ou a sociedades contemporâneas ‘mais primitivas’. Com esse termo, a sociedade ocidental procura descrever em que constitui seu caráter especial e tudo aquilo de que se orgulha: o nível de sua tecnologia, a natureza de suas maneiras (costumes), o desenvolvimento de seu conhecimento científico ou visão de mundo, e muito mais”.

24 Sawaia (2001, p. 9.) trata da complexidade dos processos de exclusão e afirma que ele é multifacetado, porque

reúne configurações de ordem material, política, além das formas como as relações ocorrem e das próprias concepções subjetivas, intrínsecas nos indivíduos. Ademais, as ações exclusivas não são notórias, mas se desenvolvem sutilmente, por um processo “[...] dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma coisa ou um estado, é processo que envolve o homem por inteiro e suas relações com os outros”.

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