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A Constituição brasileira atual e o reconhecimento dos povos indígenas

O Brasil, assim como muitos países da América Latina – ainda que com atraso -, reconheceu os direitos dos povos indígenas e, a partir da Constituição Federal de 1988, tem buscado a reparação de todas as violações, promovidas nos cinco séculos de ocupação, colonização, aculturação e desrespeito com os direitos desses grupos minoritários. O Brasil, após a promulgação da Constituição - considerada a Constituição Cidadã, porque consagrou o princípio da participação da sociedade civil -, passou a cumprir agendas voltadas para uma nova concepção de igualdade, e, além da igualdade formal, procura assegurar, da mesma forma, a igualdade material por meio de uma política pública de inclusão, por exemplo, dos povos indígenas e da população afrodescendente, mencionadas, acima, não sendo esse rol taxativo, haja vista que o país é formado por muitas outras culturas, que se expressam das mais variadas formas e com diferentes forças (RIBEIRO, 1995).

Barié (2003a) afirma que os países latino-americanos, nas últimas décadas, promoveram um reordenamento constitucional, e classifica esse fenômeno de acordo com as adesões aos Documentos internacionais de direitos, destacando três grupos: (1) os que não buscam incorporar os direitos voltados às minorias étnicas, nem conceituam indígenas, inspirados no liberalismo universalista (2) os que, constitucionalmente, garantem direitos, mas de forma insuficiente, geralmente, por manterem uma premissa integracionista e (3) os Estados que incorporam uma legislação indigenista, comprometem-se em garantir direitos e territórios aos povos indígenas, podendo-se citar, neste grupo, o Brasil, com a Constituição Federal de 1988 e a Bolívia, com a reforma constitucional de 1995 e a Constituição Federal de 2007, além de outros, como a Colômbia, o Equador, o México, o Paraguai, o Peru e a Venezuela.

Portanto, o novo constitucionalismo latino-americano reconheceu os povos indígenas como sujeitos políticos, assim como a identidade estatal como multiétnica, plurinacional e intercultural, bem como, o pluralismo jurídico. Contudo, concretamente, a institucionalidade, a justiça, a cidadania étnica ainda são deficientes, e exigem, ainda, muitas ações políticas governamentais para que sejam otimizadas (STAVENHAGEN, 2008).

A Constituição de 1988 representou um avanço significativo quanto ao reconhecimento dos direitos humanos ao tutelar os direitos e as garantias individuais, ao

elencar o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso III), ao prever a promoção do bem de todos, condenando a discriminação, como um dos objetivos do Estado brasileiro (artigo 3º, inciso IV), ao destacar prevalência dos direitos humanos e a autodeterminação dos povos como princípios da República (artigo 4º, incisos II e III), a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (artigo 5º, parágrafo 1º), os direitos e garantias fundamentais como cláusulas pétreas (artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV) dentre outros. Por conta dessas características, a Constituição se apresenta como sendo dirigente-programática-compromissória, porque alavancou um Estado Democrático de Direito, que, como tal, tem a obrigação de proteger os direitos e as garantias individuais e sociais, pautando a liberdade, a justiça, a solidariedade e o respeito às diferenças (STRECK, 2008).

Em relação ao reconhecimento e à proteção dos direitos dos povos indígenas, foi a primeira Carta a conter uma norma de caráter específico, pois as anteriores, como visto, ainda que pontuassem alguns direitos, eram pautadas no intento de trazer os índios para a comunhão nacional, e, ainda, sob o exercício completo da tutela, ante o entendimento excludente de que os índios eram indivíduos incapazes, dotados de culturas inferiores (OLIVEIRA FILHO, 1988).

A Constituição Federal dedicou um Capítulo específico – VIII - Dos Índios83 - para tratar sobre as questões indigenistas, atentando, no artigo 231, para a proteção de direitos mais específicos, peculiares aos povos originários, como o uso do território, dos recursos naturais, da saúde, da cultura, dentre outros, e, no artigo 232, assegurou a eles a possibilidade de ingresso em juízo para garantir seus direitos, ou, ainda, a busca pela reparação, quando violados.

O caput do artigo 23184 reza que “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que

83 Inserto no Título VIII - Da Ordem Social.

84 Art. 231 [...] § 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter

permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o

tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (BRASIL, 2014). Pelo caráter da norma, verifica-se que, ainda que dispersa do rol dos direitos fundamentais, insertos o artigo 5º, possui igual natureza, haja vista o cunho protetivo e de recognição, não podendo ser violada, ou alterada, em desfavor dos agentes a que se destina (SARLET, 2012). Canotilho (1997) destaca que, ante a sua importância e fundamentalidade, os dispositivos referidos são classificados como cláusulas pétreas, imutáveis, posto que integram o núcleo rígido da Constituição e devem ser observadas para que a sua efetividade seja plena.85

A Carta Federativa inaugurou uma época de consideração do outro como ser humano, diferente, mas igual, no sentido de que as peculiaridades não são pontos negativos, que podem conduzir à exclusão, à estigmatização, mas, sim, que representam a riqueza cultural e que essa deve ser promovida, engrandecendo a multiculturalidade (BECKHAUSEN, 2007). É inegável que a relação da sociedade não indígena brasileira com os povos indígenas sempre foi pautada na indiferença e na desigualdade, o que é considerado pelo texto do caput do artigo 231, tanto que a intenção não é a negativa dessas tensões, mas, ao contrário, prega a sua superação a partir da fixação de parâmetros fundamentais de relação entre povos indígenas, sociedade civil e Estado, para que ela aconteça de forma igualitária e justa.86

A importância da fruição dos territórios, para os povos indígenas, já foi relatada alhures, e se mostra evidente nos parágrafos 1º ao 7º do artigo 231, todos dedicados a essa temática e que, indiretamente, foram objeto de estudo nesta dissertação. Contudo, para contextualizar, tem-se que o parágrafo primeiro é incisivo quanto ao uso exclusivo, pelos indígenas, do território, consoante seus usos, costumes e tradições; o segundo, assegura a sua posse permanente, inclusive, o usufruto exclusivo de suas riquezas naturais; do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, direito que é especificado pelo parágrafo 3º, que afirma que o

domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. § 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

85 Os direitos, considerados fundamentais, são aqueles centrais para o exercício da própria cidadania, os basilares

para que a sociedade seja gerida com observância às garantias de todos. No caso do artigo 231, pelo fato de os povos indígenas serem considerados como minorias, essa função de defesa da norma fundamental vem ao encontro da efetivação do que foi positivado, o que se dá por meio de políticas públicas ativas de promoção do reconhecimento, afirmação e livre desenvolvimento das sociedades (DWORKIN, 2002).

86 Após o marco constitucional democrático e a nova percepção em relação aos povos indígenas, eles constituem,

atualmente, um referencial de coletividades, símbolos das lutas pelo reconhecimento de seus direitos e agentes participativos na concretização destes, a partir do sentido contemporâneo dos direitos de diferença e de igualdade dos povos, inaugurando um novo Estado, agora, pluriétnico e multicultural, que possibilita a eles viverem conforme seus valores, crenças e instituições (ALBUQUERQUE, 2008, p. 211).

aproveitamento dos recursos hídricos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais somente podem ocorrer com autorização do Congresso Nacional, com a oitiva das comunidades interessadas e garantida a participação nos resultados da lavra (BRASIL, 2014).

O parágrafo 4º assegura a inalienabilidade, a indisponibilidade e a imprescritibilidade dos direitos sobre as terras, sendo que os povos ocupantes somente podem ser removidos em caso de catástrofe ou epidemia que o exponha a riscos, com o retorno imediato, assim que possível, tudo, mediante aprovação do Congresso Nacional. Ademais, qualquer ato, promovido por terceiro, que vise a qualquer tipo de uso, ou exploração, desses territórios e seus recursos, são considerados nulos e extintos, somente sendo assegurados em caso de comprovada boa-fé. O artigo 174, nos parágrafos 3º e 4º, assevera a prioridade às cooperativas garimpeiras nas áreas de sua atuação, mas esse direito não se aplica quanto se tratar de territórios indígenas, nos termos do parágrafo 7º do artigo 23187 (LEITÃO, 1993).

O artigo 60 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) reza que “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. Assim, considerando que a Carta Magna foi promulgada em 05 de outubro de 1988, então, até o ano de 1993, as demarcações deveriam estar concluídas, o que, contudo, não ocorreu, questão se que evidencia, até hoje, como uma das principais problemáticas para se assegurar os direitos indígenas e por termo aos constantes e acirrados conflitos por terras. No Nordeste, no Centro-Oeste e no Sul estão localizados os maiores focos de litígios, envolvendo, de um lado, os indígenas e, de outro, madeireiros, garimpeiros e contrabandistas, ocupantes ilegítimos, o que evidencia a omissão da União e a violação do parágrafo 5º do artigo 231 e do princípio da tutela-proteção (SOUZA FILHO, 1998).

Os territórios, onde estão localizados os grupos indígenas, são de propriedade da União, conforme disposição do artigo 20, inciso XI da Constituição Federal, porque se passou a ter a noção de proteção às terras dos indígenas, e de todos os recursos naturais nelas existentes, com a ressalva da necessidade de a União observar as tradições, os usos e os costumes dos índios, ao promover a demarcação dos territórios por eles ocupados (BRASIL, 2014).

87 Nesse sentido, o artigo 49, inciso XVI da Constituição Federal prevê que “É da competência exclusiva do

Congresso Nacional: [...] autorizar, em terras indígenas, a exploração e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais” e o artigo 176, parágrafo 1º: “As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra. § 1º - A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa brasileira de capital nacional, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.”

Tais terras foram definidas como de propriedade da União para fins de reserva e preservação para ocupação indígena. A outorga constitucional dos territórios ao domínio da União visa, precisamente, a preservá-las e manter o vínculo que se acha embutido na norma; por isso, são inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas, imprescritíveis. A posse desses territórios implica, também, no gozo, pelos índios, de seus recursos e riquezas naturais, estes que são, vitalmente, necessários à sua preservação física e cultural (BASTOS; MARTINS, 2002).88

Em relação aos direitos territoriais, a Constituição reconheceu que se tratam de direitos originários, porque os indígenas são descendentes diretos dos primeiros ocupantes do território brasileiro, herança que merece ser reconhecida e respeitada, causa pela qual é assegurada a eles a ocupação da terra. Esse entendimento, à luz do paradigma da interação, representa a percepção do índio como um ser dotado de uma cultura diferente, que deve ser exercida e afirmada, indicando a superação da visão de inferioridade, e o favorecimento da fruição do direito tradicional de pertencimento, da simbologia e da religiosidade (BARBOSA, 2001b).

Pela historicidade depreciativa e marginalizadora dos indígenas e de seus direitos, a concretização destes sempre foi um objetivo distante, que foi aproximado após o retorno do Brasil ao regime democrático, à anuência à teoria dos direitos humanos e com o comprometimento à promoção da igualdade material, em observância à diferença. Assim, a Constituição de 1988 irrompeu com paradigmas, até então, seculares, pois reconheceu os direitos coletivos89 e difusos, em contraposição aos direitos individuais, favorecendo o

88 As culturas tradicionais integram o meio ambiente, pois, no entendimento de Stefanello e Dantas (2007, p. 97),

“[...] os conhecimentos tradicionais dos povos indígenas são associados ao meio, ao espaço territorial de desenvolvimento da vida e da cultura de cada povo”. A relevância dos conhecimentos tradicionais está, não, apenas, evidenciada para a manutenção das culturas e da diversidade social, mas, também, porque esses saberes não são agressivos ao meio ambiente, preservando a biodiversidade. Contudo, eles estão sendo explorados de forma, muitas vezes, ilegal, mormente, por empresas farmacêuticas, que se apropriam desses conhecimentos, os patenteiam e, dessa forma, seus reais detentores não obtêm o devido retorno econômico, muito porque o patrimônio cultural é considerado como patrimônio de todos, não de um grupo específico, como explica Fernández et. al. (2002, p. 08): “Personas ajenas a las comunidades indígenas y tradicionales han documentado durante siglos el conocimiento y coletado materialies biológicos. Porciones significativas de su diversidade natural y su conocimiento han sido registradas, reproducidas y disseminadas ampliamente. Com la emergência de la bioprospección moderna, este proceso se incrementa durante los años recientes. [...] no obstante, el reconocer el problema y desarrollar um código de ética no cambia el hecho de quel el conocimiento há sido puesto para el domínio público y usado para desarrollar produtos farmaéuticos sin ninguna distribución de benefícios o ningún reconocimiento de los autores colectivos”. Nesse passo, a exploração econômica dos recursos naturais passou a ser uma ameaça para o equilíbrio do cotidiano das comunidades indígenas, eis que a fiscalização é parca, o que põe em xeque o equilíbrio ecológico e a biodiversidade, fatores determinantes para a manutenção dos povos originários e de seus conhecimentos históricos/antropológicos (MORIN; KERN, 2003).

89 Os povos indígenas formam comunidades que visam ao favorecimento de todo o grupo, ao bem-estar e à

observância das premissas coletivas, de modo que o índio é reconhecido pela sua comunidade. Assim, Souza Filho (1998, p. 4), expõe que: “Os direitos coletivos tem titularidade difusa, não apropriável individualmente,

exercício da diversidade cultural, das tradições, dos usos, costumes e línguas; bem como, especificamente, no trato indigenista, afastou o princípio da integração, justamente, ante o reconhecimento do direito à diferença, à autoafirmação e à autodeterminação dos povos (SOUZA FILHO, 1998).90

Tem-se, assim, que a ideia integracionista dos povos indígenas foi superada - ao menos, legalmente -, ou seja, não há mais a proteção dos índios com o cunho à sua integração à comunhão nacional. Agora, o chamado paradigma da interação91 propende a valorizar a diversidade cultural sob a óptica difusa, de pertencimento de todos, como um patrimônio da humanidade, que reflete a história e assegura o futuro das diversas sociedades, diferentes entre si, mas que se contatam e se respeitam (CLAVERO, 2006). Além de difuso, esse direito é coletivo, posto que é assegurada à coletividade, ao grupo indígena, a defesa de suas tradições e culturas, a evolução e a perpetuação a partir da manutenção destas, o que comporta a eles se protegerem de intervenções externas, salvo quando há o interesse voluntário de interação e trocas de experiências (SANTOS, 2001).

É evidente que o Brasil sempre foi marcado por um racismo institucional que gerou uma profunda desigualdade social, resultando na exclusão da população indígena, dentre outras, tanto ao acesso a bens e serviços – se assim fosse sua vontade -, quanto sobre os vários exercícios de cidadania (OEA, 2004). Por isso a importância da abdicação da política integracionista, das garantias relativas às terras, por eles ocupadas, haja vista que imprescindíveis para a manutenção da pluralidade étnica. Wolkmer explica que (2003, p. 95),

[...] com o advento da Constituição de 1988 põe-se termo à politica integracionista e assimilacionista, os índios passam a ter o direito de ver respeitada a sua diversidade étnico-cultural e de se auto-organizar. Ampliam-se os direitos referentes às terras tradicionalmente ocupadas e à utilização de suas riquezas naturais, cabendo à União mantê-las e demarcá-las. Proíbe-se a remoção de grupos indígenas de suas terras e fica reconhecida a legitimidade processual dos índios.

O direito ao território está, densamente, ligado ao direito de expressão cultural, uma vez que os povos indígenas mantêm uma relação íntima com a terra, e, por possuírem práticas

mas difusamente espalhada por todos. Os titulares dos direitos coletivos são todos, mas não o todos que significa cada um, do direito individual, mas o coletivo geral, nacional ou humano”.

90 Kymlicka (1996, p. 48) classifica dos povos indígenas do Brasil como minorias nacionais, isso porque “[...] a

diversidade cultural surge da incorporação de culturas que previamente desfrutavam de autogoverno e estavam territorialmente concentradas a um Estado maior”; ou seja, são sociedades distintas da cultura majoritária da qual fazem parte, porém, não podem ser consideradas outro Estado-Nação, mas integrantes de um Estado multinacional.

91 O paradigma da interação decorre da ruptura do abandono do princípio da integração, previsto em todas as

Constituições brasileiras até então, para ser adotado o princípio da diferença, o reconhecimento da diversidade cultural e dos direitos individuais e direitos dos povos indígenas, este que passou a reger a relação desses povos com o Estado, sendo possibilitado àqueles a defesa de seus direitos e suas culturas (SOUZA FILHO, 1998).

envoltas à natureza, ao espaço, o território é elemento crucial e imprescindível para a manutenção e o desenvolvimento da cultura. Por isso, o gozo do território, a preservação e o fortalecimento cultural são os meios pelos quais os povos indígenas poderão, concretamente, ter a capacidade para dialogar com a sociedade não indígena e com o Estado, em uma relação positiva, sem imposição de práticas que não sejam benéficas para o grupo, podendo interferir na educação, na biodiversidade e nos saberes tradicionais, todos, diretamente, ligados ao povo e ao seu patrimônio cultural (SOUZA FILHO, 1998).

A partir do exercício desses direitos, o próprio direito à organização social, à autoorganização, é exercido, pois a não imposição de influências externas permite que as formas de distribuição e de aplicação do poder interno sejam praticadas, nos moldes dos costumes consuetudinários, o que garante, também, que esses povos possam exercer o direito de representação, tanto internamente, no grupo, como externamente, perante a sociedade civil e o Estado, politicamente, com fins de uma conversação ótima e a melhor forma de resolução dos conflitos existentes.

Portanto, a partir dessas ressignificações, e pela análise das implicações do paradigma da interação, a Constituição de 1988 declarou que o Estado brasileiro é pluriétnico, enaltecendo a grandiosidade da sua diversidade cultural. Para tanto, além do reconhecimento dessas peculiaridades, nos termos do artigo 215, parágrafo 1º, compete ao Estado à proteção das “[...] manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”. Já o artigo 216, trata, em seu caput, sobre a composição do patrimônio cultural, elencando “[...] os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente, ou em conjunto, portadores de referencia à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira [...]” (BRASIL, 2014). Ambos os dispositivos elencam, em seus incisos, os bens culturais e as formas pelas quais devem ser protegidos e/ou incentivados.

Os direitos culturais dizem respeito ao íntimo do povo, às suas práticas, tradições, línguas, religiosidades, saberes, inclusive, às formas de manifestação, formando o conjunto de predicados que os distingue dos demais (SANTOS, 2003). A educação, nesse sentido, é o instrumento que assegura a transmissão dessas práticas culturais, sendo prevista no artigo 210, parágrafo 2º da Constituição92 e nas normas infraconstitucionais, como no Plano Nacional de