• Nenhum resultado encontrado

A formação do Brasil e a marginalização dos povos indígenas

O Continente Sul Americano foi colonizado, especialmente, por portugueses e espanhóis, a partir do final do século XV. Com isso, teve início a exploração de recursos naturais; bem como, o contato direto entre os colonizadores e as tribos indígenas, sendo que aqueles buscavam escravizar os nativos, exterminá-los, ou, ainda, civilizá-los por intermédio da aculturação, de acordo com os padrões europeus.38

Os habitantes do novo continente foram chamados de índios, pois a História oficial remonta ao fato de que os portugueses, na viagem que eclodiu no descobrimento do Brasil39, pretendiam, na verdade, chegar às Índias, visando ao comércio. Ainda que o equívoco tivesse sido sanado, ou seja, após a constatação de que a América constituía um continente à parte, não ligado à Ásia, tal nominativo foi preservado, servindo para designar, indistintamente, todos os habitantes ameríndios - que não fossem europeus (MELATTI, 1993).

O novo continente necessitava ser explorado, colonizado, o que foi feito a partir de 1530 e no decorrer dos séculos seguintes, não só pelos descobridores espanhóis e portugueses, mas, inclusive, pela Igreja Católica, que, na época, exercia grande influência política sobre ambas as Coroas, eis que se vivenciava o Absolutismo. Dentre outros mandos, a Igreja teve um papel basal na definição e ocupação das terras colonizadas, pois, a partir do descobrimento, congregações religiosas foram enviadas à região com a missão de desenvolver a catequese, mediante a implantação de colégios, igrejas e missões (TEIXEIRA, 1990).40

Inicialmente, os colonizadores intentaram escravizar os nativos, porque, na época, inexistia o tráfico de negros da África para a América.41 Tanto portugueses, como espanhóis,

38 Os habitantes nativos somente passaram a fazer parte da historiografia europeia no final do século XV e início

do século XVI, com o descobrimento oficial da América, no ano de 1492, pelos espanhóis, e do Brasil, em 1500, pelos portugueses, novas terras essas que foram alvo do Tratado de Tordesilhas, firmado no ano de 1494, entre esses dois países, que delimitava as propriedades de ambas as Coroas, tendo como referência 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde (TEIXEIRA, 1990).

39 Souza (2010, p. 36) explana que “O termo “descobrimento” é, ainda hoje, usado em muitos manuais de

história. Só recentemente essa ideia vem sendo substituída pela perspectiva de que as terras que os índios habitavam “desde tempos imemoriais” foram, de fato, invadidas, conquistadas”.

40 Nesse interim, houve grave crise na Igreja Católica, com movimentos que acabaram culminando na Contra-

Reforma e originando o Protestantismo, ante as concepções de Martinho Lutero, o que levou a Igreja a buscar a renovação da fé junto aos governos nacionalistas, criando, então, pelo Concílio de Trento, a Companhia de Jesus, em 1534, formada por padres jesuítas. Essa ordem religiosa, fundada por Inácio de Loyola, era composta por clérigos regulares, e cujos membros eram, comumente, chamados de jesuítas, palavra derivada de Jesus (LEITE, 1998).

41 Por orientação do Padre Bartolomeu de Las Casas, a palavra conquista – como assim era chamado o ato pelo

qual os países da Europa ingressavam nos territórios, pertencentes aos índios nativos das América, e incutiam nas comunidades sua cultura, ou, ao invés disso, aniquilavam os nativos por considerá-los seres inferiores, ou até

sempre deram às suas expedições foco, essencialmente, econômico, o que explica o desinteresse dos desbravadores e conquistadores europeus em conhecer e preservar os costumes típicos dos indígenas. Flores (1997, p. 41) destaca que “[...] o domínio das terras americanas efetivou-se em nome de Deus e de Sua Majestade. Em breve os conquistadores cuidaram mais da parte material, delegando aos missionários a parte espiritual”.42

Inicialmente, a expansão para as terras indígenas tinha, como fator preponderante, a propagação da fé cristã, pois essa prática permitiria a legitimação do domínio espanhol, uma vez que as almas pagãs seriam convertidas e salvas (LAS CASAS, 1997). Essa interpretação fez com que, desde o princípio, os índios não fossem considerados como seres humanos, ou não seriam até que se submetessem à aculturação e à catequização. Contudo, a cobiça por ouro e a possibilidade de sua extração, pela mão-de-obra abundante dos índios, fez com que eles fossem submetidos à escravização desumana, justamente, o que Las Casas criticava (WOLKMER, 1998).43

A visão etnocêntrica europeia não era compartilhada por Las Casas, eis que, ainda que ele buscasse a cristianização dos índios, propôs que a América fosse considerada como uma pluralidade de culturas e de sistemas autônomos, formados pelos povos originários. Todavia, os conquistadores mantiveram o total desinteresse em reconhecer e conhecer a diversidade das práticas culturais indígenas, promovendo, ora, métodos de aculturação hegemônica, ora, o genocídio, frente a não aceitação das imposições (SILVA FILHO, 2001).44

A representação da superioridade dos europeus em face dos nativos foi criada a partir de uma percepção preconceituosa e de não reconhecimento do outro, o que restou evidente nas palavras de von Martius (1982), que entendia que os índios possuíam uma “[...] pobreza

mesmo animais, como ocorreu com os Incas e os Maias – foi banida das expressões utilizadas pelos espanhóis, por ser considerada conotação de destruição e tirania (FLORES, 1997).

42 “A partir da colonização e povoamento encetado pelos portugueses e pelos espanhóis, nos momentos

posteriores à descoberta da América, os grupos indígenas começaram a sofrer alterações sociais e culturais profundas e muitas vezes traumáticas, como consequência dos impactos e dos contatos decorrentes”, nas palavras de Flores (1997, p. 32).

43 Assim, com o afastamento de Colombo e as manifestações dos defensores dos silvícolas, Wolkmer (1998, pp.

66 e 67) destaca a nova fase da colonização espanhola, que iniciou com “[...] a expedição da Cédula Real de Granada, em 03 de setembro de 1501, que nomeou Fray Nicolas Ovando o governador das Índias, e deu início ao regime das encomendas [...]”. Rangel (1972, p. 67), por sua vez, define o regime das encomiendas, política muito praticada pela Coroa Espanhola e que era dedicada, em especial, aos indígenas: “Um derecho concedido por merced Real a los beneméritos de das Índias para percibir Y cobrar para si los tributos de los índios que se les encomendaren por su vida y la de un heredero, conforme a le ley de la sucesión, con cargo de cuidar del bien de los índios en lo espiritual y temporal, y de habitar y defender las províncias donde fueren encomendados, y hacer de cumplir todo esto, com homenaje, o juramento particular”.

44 Igualmente, o Frei Francisco de Vitória (1974, p. 58) não considerava o direito de descoberta fosse argumento

suficiente para que os indígenas fossem considerados como objeto de posse, afirmando que “[...] por si mesmo (o direito de descoberta) não justifica a posse desses índios mais do que se eles houvessem descoberto a nós”.

intelectual monótona e dura, como se nem as comoções internas, nem os impulsos do exterior tivessem tido a força necessária de lhes acordar desta letargia moral ou modificá-la”. Essa percepção permitiu que o status de inferioridade, conferido aos ameríndios, desse azo a todas as brutalidades cometidas, que afrontaram a pluralidade cultural e dizimaram muitas sociedades originárias e seus conhecimentos tradicionais (GALEANO, 2010).45

O eurocentrismo, representado pela percepção e atuação dos ibéricos, frente aos povos indígenas e suas culturas, denota o início de uma visão equivocada e inferiorizadora destes, tanto no Brasil, quanto no restante da América Latina, o que conduziu a um comportamento de desinteresse, por parte dos não indígenas, quanto à verdadeira concepção cultural e social dos povos originários (CLASTRES, 2003). O tratamento que sempre foi dedicado a eles ou era orfanológico, ou de aculturação, ou, ainda, de total invisibilidade sobre as questões que lhe eram correlatas, culminando no isolamento das culturas (LÉON- PORTILLA, 1995).

Para solidificar sua ocupação do território brasileiro, Portugal implantou o regime das sesmarias46, com a concessão de extensões territoriais para os interessados a, em nome da Coroa, viverem no Brasil e ocuparem os espaços, ainda que isso significasse “[...] perseguir, escravizar, prear ou matar populações indígenas. Era uma espécie de presúria tardia, centralizada e organizada”, como expõe Souza Filho (2006, p. 58).

Após uma consolidada ocupação portuguesa do território brasileiro, passou a haver o tráfico de escravos da África, pois, ainda que muitos indígenas tivessem sido escravizados, eles apresentavam significativa resistência, de modo que os negros se apresentaram como uma opção mais viável, por serem considerados mais dóceis. Machado (1980, p. 68) explica que “No começo do século XVIII, as sociedades indígenas, em sua maioria, haviam perecido, enquanto o tráfico negreiro atingia o apogeu, com a entrada no País, a contar de 1538, de contingente de mais de um milhão de escravos”.

De 1549 a 1755, desenvolveu-se o chamado Regime dos Aldeamentos Missionários, onde a população nativa brasileira foi alvo de inúmeras normas, advindas da Coroa, que eram conduzidas conforme os índios eram considerados aliados ou inimigos, cativos ou não.47 Ou

45 As práticas culturais e a resistência à catequização e/ou escravização indígenas, foram, inclusive, objeto de

justificação para as chamadas guerras justas, onde eles eram considerados hostis, bárbaros, e, assim, aprisionados. Contudo, o viés econômico sempre esteve presente, dissimulada pelo caráter filantrópico e humanitário da intervenção colonizadora (MARCÍLIO, 2004).

46 Institutos que procuravam delimitar e tornar as terras produtivas. Houve uma evolução da propriedade, da

forma pública para a particular, passando-se a regulamentar, juridicamente, o acesso e a repartição da terra agrícola (SILVA, 1981).

47 “Como exemplos, temos as leis de 20/3/1570 e 24/2/1587, em que o rei de Portugal estabeleceu quais índios

seja, conforme os interesses econômico e político, manipulavam-se os nativos, haja vista a necessidade de cada vez mais mão-de-obra para as plantações de cana-de-açúcar e a extração de pau-brasil e, caso houvesse necessidade, eram considerados bárbaros para se poder legitimar a escravização. Essa prática fomentava mais rebeliões e, consequentemente, mais índios eram mortos, acentuando-se a sua dizimação (SCHWARTZ, 1988).

Nesse ínterim, índios, portugueses e negros passaram a dar os contornos da nova sociedade brasileira, e as miscigenações moldaram uma estrutura social estratificada, que foi baseada, pela Antropologia, nos designados fenótipos, que consideravam a cor e a fisionomia: “[...] uma elite de brancos ou quase-brancos e uma vasta massa de homens de cor, indígenas e negros, mestiços e mulatos, e uma gama resultante da mistura de brancos, indígenas e negros, isto é, castas”, como elucida Stanley (1976, p. 50).

A partir dessa nova configuração social, extrai-se que a cultura indígena foi, consideravelmente, destruída, por conta da catequização e da assimilação cultural. Freire (2003, p. 108) ainda que considerasse a sociedade indígena como “mais atrasada”, inferior, em relação à cultura portuguesa, e que a sua “salvação” seria a assimilação cultural, reconheceu o choque cultural negativo e o impacto desolador das investidas colonizadoras sobre as sociedades ameríndias:

Considerando neste ensaio o choque das duas culturas, a européia e a ameríndia, do ponto de vista da formação social da família brasileira – em que predominaria a moral européia e católica – não nos esqueçamos, entretanto, de atentar no que foi para o indígena, e do ponto de vista de sua cultura, o contato com o europeu. Contato dissolvente. Entre as populações nativas da América, dominadas pelo colono ou pelo missionário, a degradação moral foi completa, como sempre acontece ao juntar-se uma cultura, já adiantada, com outra atrasada.48

Os processos de escravização e de dizimação dos indígenas prosseguiram, paulatinamente, conforme os colonizadores avançavam com a ocupação dos espaços territoriais e intensificavam o cultivo de produtos primários, que abasteciam a Coroa. Contudo, com a ruptura do Estado com a Igreja, e com fulcro nas ideias iluministas, Portugal, a partir do século XVIII (a partir de 1750), buscou o aperfeiçoamento do aparelho estatal e administrativo, baseado na laicidade, este que foi promovido por Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marques de Pombal. Assim, iniciou-se um novo período quanto à forma de

48 Da mesma forma, os estudos de Ribeiro (1998, p. 71), que, ainda que de incomensurável importância para a

contribuição da historicidade social brasileira, ao discutir sobre o processo civilizatório, adotou um discurso evolucionista e que, por consequência, vislumbrava as culturas indígenas como arcaicas, desiguais, inferiores: “Resta-nos definir os conceitos de estagnação cultural e de regressão histórica. O primeiro indica a situação das sociedades que, através de longos períodos, permanecem idênticas a si mesmas, sem experimentar alterações assinaláveis no seu modo de vida, enquanto outras sociedades progridem”.

tratamento dispensada aos índios, a de assimilação e de fragmentação, que se estendeu de 1755 até 1910 (OLIVEIRA; FREIRE, 2006).49

Portugal assumiu a catequização indígena com a finalidade de implantar “[...] a dilatação da fé; a extinção do gentilismo; a propagação do Evangelho; a civilidade dos índios; o bem comum dos vassalos; o aumento da agricultura; a introdução do comércio; e finalmente o estabelecimento, a opulência e a total felicidade do Estado”, conforme anota Almeida (1997, p. 102). Contudo, esse processo civilizatório enfrentou muitas dificuldades, tanto de resistência indígena, quanto do perecimento destes, principalmente, pelas novas patologias, aos quais eles não eram imunes, conduzindo essa proposta, chamada de Diretório, ao fim.

A promulgação da Lei das Terras50, teve, como objetivo, regular os conflitos entre o Estado e os possuidores de terras, sendo que, quanto as demais, consideradas devolutas51, poderiam ser ocupadas pelos indígenas (SILVA, 1996). Todavia, ainda que tenha surgido, neste período, a noção do indigenato52, as políticas estatais de regulação da ocupação dos territórios, pelos povos indígenas, se demonstrou como verdadeira espoliação, pois eles acabaram confinados em aldeamentos, tendo, apenas, a posse, visto que a propriedade se manteve com o Estado (MENDES JÚNIOR, 1912).

Com a migração dos índios do regime de escravidão para o labor assalariado, foi criado o Regime de Órgãos, a fim de, paulatinamente, modelar o ideal indígena para que eles se tornassem empregados, já que haviam adquirido certos conhecimentos dos costumes europeus, e, também, para que não retornassem ao status quo ante de habitantes de aldeias, praticantes dos costumes nativos. Segundo Wolkmer (2003, p. 79 - 80):

49 Os padres jesuítas permaneceram em solo brasileiro até 1759, sendo expulsos por Portugal, porque “[...]

constituíam um estado dentro do estado, ameaçando a própria segurança do Brasil”, como pontua Alden (2004, p. 543).

50 Lei nº. 601, de 18 de setembro de 1850.

51 O artigo 12 da referida Lei reservada as terras devolutas para ocupação pelos indígenas. Passa-se a se ter a

noção do que seriam terras devolutas e que os territórios não doados por sesmarias ou adquiridos em função da Guerra Justa pertenceriam aos nativos, congenitamente, não dependendo de liberação para a ocupação delas por estes: “Se os índios eram os donos das terras, de acordo com o Alvará Régio de 1680 – não revogado -, as terras que não foram dadas por sesmarias nem as perdidas por força de guerra justa não poderiam ser consideradas devolutas. Achavam-se elas no domínio particular dos índios, por título congênito, independente de legitimação. Dessa forma, Santilli (2005, pp. 12 - 13) verifica que “[...] é evidente, pois, que a posse dos índios não estava sujeita à legitimação, porque não havida de ocupação – primária ou não”.

52 O indigenato é o direito, legítimo e natural, do índio em possuir suas terras. Consoante leciona Silva (2008, pp.

858 e 859), o indigenato se traduz na “[...] velha e tradicional instituição jurídica luso-brasileira que deita suas raízes já nos primeiros tempos da Colônia, quando o Alvará de 1º de abril de 1680, confirmado pela Lei de 6 de junho de 1755, firmara o princípio de que, nas terras outorgadas a particulares, seria sempre reservado o direito dos índios, primários e naturais senhores delas. Vindo a Lei 601/1850, os grileiros de sempre, ocupando terras indígenas, pretendiam destes a exibição de registro de suas posses. [...] Desde que os índios já estavam aldeados com cultura e morada habitual, essas terras por eles ocupadas, se já não fossem deles, também não poderiam ser de posteriores posseiros, visto que estariam devolutas; em qualquer hipótese, suas terras lhe pertenciam em virtude do direito à reserva, fundado no Alvará de 1º de abril de 1680, que não foi revogado, direito esse que jamais poderá ser confundido com uma posse sujeita a legitimação de registro”.

A gênese do conceito da tutela orfanológica aparece na transição do trabalho escravo indígena para o trabalho assalariado. Assim, para evitar a evasão dos índios libertos e residentes nas povoações coloniais, e retorno ao seu estágio de “barbárie”, o governo colonial resolveu inseri-los no Regime de Órfãos, para que “desenvolvessem o amor ao trabalho”. Os índios foram classificados de “rústicos”, “ignorantes” e “vadios”, não se incluindo neste rol os que já conheciam alguma arte de ofício, capazes de se auto-sustentar.

Prescindível ressaltar que os maus tratos em face dos indígenas prosseguiram, ininterruptamente, e, com o progresso da colônia portuguesa e, após, em 15 de novembro de 1822, com a Declaração da Independência e a consolidação adiantada do Estado brasileiro, eles se intensificaram, movidos pelo interesse nas terras e na exploração do trabalho, o que fez com que os indígenas se insurgissem, chegando a invocarem os direitos dos vassalos para si, com o intento de legitimarem, legalmente, suas reivindicações (DOMINGUES, 2000).53

Após a independência, somente em 1831, por intermédio de leis infralegais, é que o Brasil passou a regulamentar os bens patrimoniais dos indígenas, que eram equiparados a órfãos tutelados, pois o Regime de Órfãos ainda vigorava.54 Beckhausen (2007, pp. 19-20) explana que

[...] O índio tornava-se refém de uma política que desprestigiava sua cultura, ao mesmo tempo em que afirmava claramente que o índio era um ser infantil, possibilitando sua completa subjugação pela sociedade não-indígena. […] A civilização do indígena brasileiro era um objeto de uma política específica: transformar o índio em um trabalhador campesino, às vezes escravizando-o, em outras adaptando-o para as lides tradicionais.55

Na confecção da Proposta Constitucional de 1890, os ideais positivistas influenciaram a proposição de uma “[...] convivência pacífica e a miscigenação entre os europeus, o negro e o índio [...]”, conforme Wolkmer (2003, p. 85); contudo, o Texto

53 Souza (2000, p. 19) explica que, “No início do século XIX, via-se o Brasil como uma colônia emancipada e

ligada à metrópole. Com sua elevação a Reino Unido a Portugal e Algarves, acatava-se o princípio de autodeterminação da colônia, no intuito de manter os laços ditos e “amizade e afeto natural” entre Brasil e Portugal, A noção de colônia evocada cada vez mais um território destinado à exploração econômica metropolitana, tolhido em sua participação política; por isso, era relegada ao passado.”

54 A Constituição Federal de 1824 não trouxe nenhum dispositivo referente aos direitos dos povos indígenas. 55 Sendo assim em 1845, a única norma indigenista geral do governo imperial era o Regulamento das Missões,

extremamente detalhado, representado mais um documento administrativo do que um plano político. Esse regulamento tentou oferecer uma certa proteção às populações indígenas, diminuindo a ação armada do Estado, promovendo a integração por meio da descaracterização cultural”. Wolkmer (2003, p. 82). Miranda et. al (2002, p. 30), por sua vez, destacam que “Estava, assim, legalmente definida a situação jurídica do aborígine brasileiro, considerando como órfão, com todos os resguardos que a Ordenação do livro Um, titulo 88, assegura a essa classe de tutelados e com diversas disposições especiais relativas à administração dos seus bens, quando a antiga praxe do aldeamento recebe novo incentivo determinando a promulgação do decreto nº 246, de 24 de julho de 1845, como respectivo regulamento acerca das missões de catequese, em que se voltava ao velho sistema de diretório”.

Constitucional de 1891 não seguiu essa premissa, pois as terras dos índios foram consideradas como devolutas, e, com isso, resultaram, ao final, incorporadas pelos Estados-Membros, cedidas pela União (SANTILLI, 2005).

Apesar de os índios perderem, paulatinamente, os direitos congênitos sobre os territórios que, anteriormente, ocupavam, as normas, editadas após a proclamação da República, lhes renderam alguma legislação protetiva. Em 20 de julho de 1910 foi criado o Serviço de Proteção ao Índio e Localização dos Trabalhadores Nacionais (SPILTN)56, primeiro órgão brasileiro encarregado, especificamente, de gerir a tutela dos indígenas, sendo fruto de pressões internacionais, pois muitas nações consideravam inaceitável a omissão do Estado brasileiro em relação ao extermínio a que os índios estavam sendo vítimas, ainda no final do século XVIII e início do século XVIII.57 Esse episódio inaugurou o regime conhecido como Tutelar, que perdurou de 1910 até 1988, com a promulgação da Constituição Federal.

Após a criação do SPILTN, a repressão e o extermínio dos índios foi amenizada, pois houve a declaração de reserva de alguns territórios e várias populações nativas foram contatadas. Não obstante a isso, houve a burocratização de tal órgão e iniciaram-se denúncias