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A participação do Brasil na elaboração da Declaração das Nações Unidas sobre os

Como referido alhures, tanto no Brasil, como nos demais países da América Latina, passou a haver movimentos indígenas e da sociedade civil, principiados na década de 1920, mas que adquiriram força e notoriedade a partir da década de 1970. Em outros países do mundo, igualmente, foram verificadas manifestações semelhantes, como nos da América Central, nos Estados Unidos e em países da Europa, pois, em muitos, ainda que não houvesse populações originárias indígenas, o interesse em tutelar o direito delas adveio da preocupação pelas suas violações, grandemente, constatadas.

99 Santilli (2005, p. 226) entende que “Deve-se admitir, juridicamente, que a representação coletiva se dê pelos

usos, costumes e tradições dos povos tradicionais, e de suas próprias instituições e formas de organização, e não exigir a criação de ficções jurídicas – associações, fundações, etc. – nos moldes do Direito Civil brasileiro”.

A partir do momento em que esse assunto foi inserido na agenda internacional, as reivindicações dos grupos passaram a ser ouvidas, eles adquiriram legitimidade, representatividade como, culturalmente, diferenciados. Por esse motivo, contrariamente, às ideias e políticas integracionistas e assimilacionistas, começou a haver o intento de proteger suas diferenças e afirmá-las perante dos Estados, que deveriam adotar posturas de recognição, proteção, manutenção e desenvolvimento dessas comunidades, com respeito às suas culturas e tradições originárias, em uma nítida perspectiva humanista e de reconhecimento da igualdade e da diferença (BARBOSA JÚNIOR, 2002).

A Subcomissão de Prevenção à Discriminação e Proteção das Minorias das Nações Unidas - criada em 1947- a partir de 1970, começou a desenvolver estudos específicos relacionados à discriminação contra as populações indígenas e, em 1982, foi criado o Grupo de Trabalho sobre Populações Indígenas - do qual o Brasil era parte integrante - e que propôs a elaboração da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada, apenas, em 2007 (LITTLE, 2002).

Destaca-se a participação de lideranças indígenas, inclusive, brasileiras, no Grupo de Trabalho sobre Populações Indígenas, que foi criada mediante a reivindicação daquelas por reconhecimentos de direitos e foi instaurado para essa finalidade, com o objetivo principal de se obter o reconhecimento das semelhanças e das diferenças entre esses povos, e o respeito mediante essas peculiaridades, em homenagem à diversidade cultural. Essa recognição ensejava-se na adequação das normas internacionais, que refletiriam, diretamente, nas nacionais, as quais deveriam, então, passar a reconhecer, conhecer e respeitar coletividades distintas (RICARDO, 1998).

Logo, o que deu amplitude à luta social dos povos indígenas foi, precisamente, a efetiva participação e poder de voz dessas sociedades, de modo que o Grupo de Trabalho já nasceu sob a óptica de uma legitimidade indígena - que, até então, em países como o Brasil, não era considerada possível, pois os índios eram tidos como incapazes - percepção que legitimava a tutela (BARBOSA, 2009).

Dentro do Grupo de Trabalho sobre Populações Indígenas, foram adotadas muitas atitudes e ações que, ao mesmo tempo em que permitiam o desenvolvimento das atividades, voltadas à proteção dos povos indígenas, preparavam terreno para a elaboração da mencionada Declaração. Alguns dos eventos importantes foram as comemorações pelo descobrimento dos quinhentos anos da América, em 1992, a inauguração do Ano Internacional dos Povos Indígenas, em 1993, - este que foi pensado para a introdução da Década Internacional dos Povos Indígenas, que se estendeu de 1994 a 2003 (GRAY, 1992).

No Brasil, contudo, tais eventos não obtiveram muita notoriedade, sendo que o que mais obteve destaque foram as comemorações pelo descobrimento. Quanto às ações, envoltas ao Ano Internacional dos Povos Indígenas, não se verificou uma efetividade em relação à natureza da iniciativa, que era, justamente, evocar a importância dessas sociedades para a formação do Brasil e da América Latina e destacar a necessidade de se preservarem seus direitos (VERDUM, 2009).

Ainda que tenha sido criada uma Comissão Interministerial específica para essa finalidade, os trabalhos, ao final, foram, basicamente, burocráticos, sem nenhuma efetividade para as populações, a que deveriam ser direcionados. Ricardo (1998, p. 27) trata sobre essa inefetividade, no Brasil, quanto às ações e medidas:

Uma comissão interministerial foi criada para definir ações e providências, mas, encabeçada pelo Itamaraty, passou praticamente todo o tempo de sua limitada existência discutindo se deveria adotar a nomenclatura oficial – povo ou povos indígenas, ou se trataria de populações, índios ou qualquer outro conceito que não representasse, a seu ver, uma ameaça à legislação ou à soberania nacional. De concreto, a comissão não fez nada e o Ano Internacional passou quase que desapercebido para os índios e para os brasileiros de uma forma em geral.

Além dos povos indígenas, a própria sociedade brasileira pouco acesso teve a alguma atividade relacionada à comemoração desse Ano Internacional, ou, quando muito, teve conhecimento de sua implantação. Todavia, essa valoração era imprescindível, na época, onde vigiam ideias integracionistas e o desconhecimento sobre os povos indígenas era abissal, para que passasse a haver uma tentativa de mudança dessa percepção, pois, justamente, as iniciativas das Nações Unidas tinham essa finalidade; contudo, no Brasil, entraves conceituais e preocupações envoltas à soberania nacional impediram – ou retardaram – essa tentativa.100

Da mesma forma, a Década Internacional dos Povos Indígenas, de 1994 a 2003, não obteve amplitude no Brasil, que manteve a posição até então adotada, relegando os assuntos indígenas como menos importantes para o cenário nacional. Contudo, pela marginalidade com que essa questão sempre foi tratada, ao se analisar por outra óptica, para o Brasil houve uma

100 Cunha (2012, p. 103) destaca, à época, os entraves, principalmente, burocráticos, quanto à possibilidade de

esses povos adquirirem a titularidade do exercício de seus direitos, impostos, mais diretamente, pela Funai. É que muitas lideranças indígenas, por já dominarem a Língua Portuguesa e terem adotado alguns dos costumes não indígenas, eram considerados emancipados; logo, já teriam deixado de serem índios, e, portanto, essa posição era assumida pelo órgão responsável para justificar as dificuldades impostas para que aqueles pudessem pleitear por seus direitos: “Comunidades indígenas são pois aquelas que, tendo uma continuidade histórica como pré-colombianas, se consideram distintas da sociedade nacional. E índio é quem pertence a uma dessas comunidades indígenas e é por ela reconhecido. Parece simples, só que se conserva às sociedades indígenas o direito soberano de decidir quem lhes pertence: em última análise, é esse direito que a Funai quer retirar. Claro está que índio emancipado continua índio, e, portanto, detentor de direitos históricos. Mas tal não parece ser a interpretação corrente da Funai, que lava as mãos de qualquer responsabilidade em relação aos índios emancipados.”

maior facilidade em atender – ao menos, figurativamente – os intentos das Nações Unidas, justamente, pela posição marginal a que esses povos eram relegados.

Em comparação com outras situações, com outras reivindicações sociais, promovidas por um número maior de cidadãos, não indígenas – ou seja, pertencentes à comunhão, à sociedade nacional, e que possuíam reconhecido seu direito civil pleno -, a questão dos povos indígenas – os tutelados, incapazes e diversos da coletividade – era mais maleável para ser tratada, como expõe Silva (2001, p. 108):

Ceder à evolução das concepções sobre a diversidade, os direitos e a tolerância contida nos sucessivos documentos internacionais dos últimos anos e nas campanhas como a Década Internacional das Populações Indígenas do Mundo (1994-2003) decretada pela ONU foi certamente possível para o Brasil também pela posição relativamente marginal da questão indígena no cenário nacional, mobilizando uma parcela mínima da população do país e passando, o mais das vezes, despercebida do grande público.

Contudo, destaca-se que essa posição apenas foi adotada de modo formal, pois, na prática, não foi pacífica quando as tratativas mais diretas para a elaboração da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas iniciaram, ainda na década de 70, pois, principalmente, questões envoltas à soberania estatal foram levantadas, ante a preocupação com as consequências da definição de povos indígenas, pois esse nominativo é vinculado, diretamente, à noção povo soberano, povo como constituidor de uma nação, e não como a pluralidade de sociedades distintas que existem no interior de uma mesma delimitação fronteiriça política (BRITO, 2004).101

O Brasil, assim como a maioria dos demais Estados, manifestou-se, desde o início, contrário ao reconhecimento do direito de autodeterminação aos povos indígenas. O foco, antes de tudo, era histórico, alimentado pela secularidade marginalizadora, opressora e diminuta das sociedades originárias, percepção que nunca permitiu a sua visualização como organizações diversas, autônomas e, inclusive, anteriores à constituição dos Estados - estranha às formas de sociedade pré-colombianas (CUNHA, 2012).

Por esse motivo que, internamente, o Brasil sempre percebeu os povos indígenas como um assunto interno, como pessoas que sempre estiveram adstritas aos liames limítrofes

101 Tais preocupações nunca tiveram um fundo prático, pois não existem indícios conhecidos de que algum povo

indígena tenha manifestado interesse em aplicar o princípio da autodeterminação dos povos em face à soberania dos Estados. O que sempre ocorreu foram manifestações por reconhecimento e consolidação dos territórios tradicionais, com autonomia para a preservação de suas culturas e organizações, o que, de forma alguma, incidiria na separação de uma nação indígena. As lutas indígenas sempre ensejaram, de um lado, o reconhecimento de igualdade de direitos, como os demais cidadãos, mas com observância às suas peculiaridades e, de outro, o reconhecimento de suas coletividades diferenciadas (ALBÓ, 2002).

do Brasil, quando, na verdade, essas sociedades foram formadoras de nações, com limitações, totalmente, diversas, anteriores às colonizações ibéricas, permeando toda a América Latina (VERDUM, 2009). O Brasil manteve essa visão quando tratou dos povos indígenas na seara internacional, pois, ao participar do Grupo de Trabalho e da elaboração do projeto da DNUDPI, foi intransigente quanto à possibilidade dar-lhes o devido reconhecimento e de assentir quanto uma maior proteção e autonomia102. Ricardo (1998, pp. 26 – 27), destaca o seguinte:

Muito antes de sua aprovação pela Assembleia Geral da ONU, entretanto, a Declaração já tem sido alvo de violentas críticas no Brasil. Os representantes do governo brasileiro na ONU têm resistido insistentemente aos avanços inseridos no seu texto. Diga-se de passagem, o Brasil passou a ser um dos que encabeça o grupo de países eu mais se opõe às inovações em termos de direitos indígenas a nível internacional. Para o governo brasileiro, a questão indígena é um assunto interno e nada mais.103

As lideranças indígenas, por sua vez, entendiam que suas sociedades deveriam ter o reconhecimento como povos – distintos que são – tanto perante os Estados nacionais, quanto na seara internacional, pois somente assim a sua autodeterminação poderia ser reconhecida, exercida e expressada nos mais variados vieses, e incidindo, mormente, seus efeitos políticos, sociais, econômicos, culturais e religiosos (LITTLE, 2002).

A posição indígena era fulgente quanto a não aceitação da elaboração de um Documento internacional que não assegurasse, de forma explícita, o princípio e o direito de autodeterminação, pois eles entendiam que somente essa garantia lhes asseveraria a proteção em face ao etnocídio e a salvaguarda de seus territórios, dos recursos naturais, de suas culturas e tradições, e, ainda, de poderem ter assegurado o direito de participarem da vida política do Estado, ativamente, nas decisões que lhes afetassem, de forma igualitária e autônoma (BARBOSA, 2009).

102 De fato, “[...] toda a história do Direito brasileiro em relação à tutela dos direitos indígenas nos oferece um

triste espetáculo de como o Direito, o legislador e o jurista imaginam, criam, inventam soluções de proteção e o Estado, pelo Poder Executivo ou Judiciário, é capaz de minar, corroer e deformar a ponto de transformar um instituto tão altruísta, tão profundamente humano como a tutela, substituta do pai, que deveria estar carregada de amor, em instrumento de opressão, porque longe de assistir o tutelado como se fosse um filho, o usurpa, como se fosse um inimigo derrotado”, como pontua Souza Filho (2006, pp. 108-109).

103 Cunha (1998, p. 128) é incisiva quando trata sobre a impossibilidade de o reconhecimento dos direitos de

autodeterminação dos povos indígenas, na Declaração, ser influente quanto questões de soberania de Estado, não passando, tal afirmação, de erro – ou argumento – do Brasil para a não recognição de tal direito: “Saliento aqui que somente uma Convenção Internacional ratificada pelo país tem valor legal. Falou-se muito da ameaça que a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, atualmente em consideração na Subcomissão para a Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias, da Comissão de Direitos Humanos da ONU, faria pesar sobre a soberania brasileira. Sem entrar ainda na análise do conteúdo, quero só fazer notar que uma Declaração não tem qualquer poder de implementação, nem sequer nos foros internacionais”.

Ante sua posição, os povos indígenas apresentaram-se, como define Bartolomé (2003, p. 49), com “[...] toda su carga de alteridad, en una escena de la que en realidad nunca estuvieron ausentes”, pleiteando por reconhecimento político e territorial no Brasil e perante os Estados Latino-Americanos, veiculando a luta pela existência e pela proteção, também, das minorias. A partir desses contatos, conversações e afirmações de direitos, é que foram construídos os alicerces do projeto da DNUPDI, na perspectiva de construção de um Estado multicultural.

Ao atentar para ambas as posições, iminentemente, opostas, o Grupo de Trabalho chegou a declarar que o termo povos seria dotado de uma autodeterminação interna – nacional, apenas -, o que não permitiria a expressão dos indígenas, como povos, no âmbito internacional (BRITO, 2004). Após, contudo, no projeto da Declaração definitivo foi apresentado o termo povos indígenas, o que significou uma vitória expressiva às lutas dos representantes indígenas. Todavia, ao mesmo tempo em que os direitos eram enaltecidos internacionalmente, no Brasil, a resistência permanecia, tanto que o país se absteve de votar para a aprovação do projeto porque se recusou “[...] a ser caracterizado como pluriétnico e multissocietário, negando assim que conviviam em seu território diferentes etnias” , como explica Grupioni (2001, p. 103).

Ainda que tenha enfrentado inúmeras e incisivas resistências, o projeto somente foi possível ser apresentado dessa forma porque inovou quanto o entendimento entre autodeterminação dos povos e a noção de soberania estatal, quebrando um antigo – e equivocado - paradigma que impedia o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e a expressão destes no interior dos Estados onde estão insertos, como explica Clavero (2006b, p. 681):

O processo que se abre tornando possível a entificação destes sujeitos, os povos, é um processo de proliferação não de soberania, mas de autonomias, autonomias que todavia são reconhecidas e garantidas internacionalmente perante os respectivos Estados. O povo, e não o Estado, se incumbe não apenas do próprio direito, mas também do nível e da forma de comunicação e participação. A própria autonomia interna torna-se a expressão da livre determinação, seja no caso que se mantenha a inclusão do povo no Estado, seja no caso que se exerça, quando necessária, essa liberdade coletiva.104

104 Souza Filho (2006, p. 71) destaca a dificuldade do reconhecimento dos povos em um Estado, em contraponto

com a ideia clássica da Teoria Geral do Estado: “Dentro da idéia de Estado-nação, não havia a possibilidade da existência de povos, sistemas jurídicos e culturas diferentes. O Estado contemporâneo e seu Direito sempre negaram a possibilidade de convivência, num mesmo território, de sistemas jurídicos diversos, acreditando que o Direito estatal sob a cultura constitucional é único e onipresente”.

Logo, ainda que o Brasil tenha mantido a posição de que o termo povo poderia vir a representar alguma ameaça à soberania nacional, ou a criar situações jurídicas embaraçosas para o Direito Internacional, o entendimento que prevaleceu foi o de que esse nominativo representa o reconhecimento ao patrimônio cultural humano, materializado na pluralidade étnica dos povos indígenas. Assim, após doze anos de discussões, o projeto foi construído a contento (BARBOSA, 2009).

Passados seis anos, em 2007, foi editado o texto final da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, nos moldes tratados no item 2.3 do Capítulo anterior. O Brasil declarou, perante o Conselho de Direitos Humanos da ONU, em 2006, que a Declaração se consubstanciava na reafirmação do compromisso da comunidade internacional para assegurar a fruição dos direitos humanos e das liberdades fundamentais dos povos indígenas, com o respeito às suas culturas e suas identidades, votando a favor do texto (UNIC, 2009).

Mesmo que tenha adotado, sempre, a posição contrária à Declaração, nos vinte anos de sua discussão, o Brasil se redemocratizou e adotou a Constituição Federal de 1988, que rompeu com o paradigma integracionista; logo, a redefinição dos assuntos internos e o reconhecimento dos direitos humanos, das liberdades e das diferenças propenderam à alteração no discurso do país frente à aceitação da Declaração. Nesse ponto, destaca-se que o Brasil “[...] ressaltou que o exercício dos direitos dos povos indígenas é consistente com a soberania e integridade territorial dos Estados em que residem”, conforme a Unesco (2008, p. 5), e afirmou a obrigatoriedade dos Estados em busca da proteção dos direitos e das identidades dos povos indígenas.105

Ainda assim, inegável que o Brasil enfrenta muitas dificuldades de concretização dos direitos dos povos indígenas, como muitos países da América Latina, pois, como pontua León-Portilla (1995, p. 38), essa questão reivindica que o “[...] o verdadeiro desafio para os Estados latino-americanos consistirá em encontrar – em diálogo permanente com os ameríndios – uma resposta adequada no plano jurídico e no fático”. Ainda que a positivação seja inócua, quando não seguida pela efetivação plena, inquestionável a evolução, no Brasil, quanto ao reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, o que é imprescindível para a sua efetiva proteção, com observância a todas as premissas e particularidades que lhes afetem e acolham.

105 Ricardo (1998, p. 27) destaca que: “O que é preciso ficar claro para os governos, especialmente o nosso, é que

a declaração é, sem dúvida, um instrumento avançado, mas que reflete o conjunto das reivindicações atuais dos povos indígenas em todo o mundo acerca da melhoria de suas relações com os Estados nacionais, incorporando, à luz do melhor Direito, suas mais recentes conquistas. E este processo, em princípio, não deverá retroceder”.

3 A BOLÍVIA E OS POVOS INDÍGENAS

Os povos indígenas bolivianos, a partir da colonização espanhola, passaram a ser tratados de forma negativa, desumana, pois foram relegados à margem da nova sociedade que se formava e que não os reconheceu como dotados de culturas diferentes, que deveriam ser respeitadas. Com o afilamento do processo colonizatório, criou-se uma elite dominante que concentrou a maioria das riquezas do país, fazendo com que os povos indígenas fossem marginalizados, desterrados à pobreza, visto que não lhes era permitido o acesso às benesses estatais. Com a abertura para o neoliberalismo – globalizante -, a concentração de renda se aglutinou ainda mais, e muito dos recursos financeiros era direcionado para o exterior, o que, junto com a incisiva pobreza dos povos e a sua preocupação com a preservação do meio ambiente, fez com que eles passassem a promover lutas sociais para alterar essa situação opressora.

A sociedade boliviana era fragilizada, fragmentada, de modo que o Estado não era considerado uma nação, pois, de um lado, estavam os povos indígenas, e, de outro, a chamada sociedade boliviana – não indígena dominante. Esse fato dificultou, expressivamente, que os povos indígenas pudessem participar da vida social e política nacional, o que foi, paulatinamente, conquistado, ao longo da segunda metade do século XX. A partir da reunião em partidos políticos, da organização de movimentos e de reivindicações, os povos indígenas obtiveram assunção nacional e, em 2007, elegeram o primeiro indígena para a presidência da República, Evo Morales.

Ainda que em 1994 tenha sido feita uma reforma constitucional, foi somente a partir de 2007, com o início da Asamblea Constituyente, que os direitos dos povos indígenas passaram a ser, efetivamente, reconhecidos a nível constitucional, posto que, em 2009, foi promulgada a Constituición Política del Estado, que assegurou aos indígenas autonomia, autodeterminação e participação política, mediante o reconhecimento do Estado plurinacional comunitário.

A participação política desses povos no campo internacional, igualmente, foi importante, pois sempre defenderam o reconhecimento do direito à autodeterminação dos povos, não para exigirem a formação de uma nação indígena, sob a óptica do Direito Internacional, mas, sim, para terem legitimidade para reivindicarem o respeito, a igualdade e o reconhecimento das diferenças culturais. Por isso, a Bolívia foi o primeiro país a ratificar a