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Como ponderado, até a promulgação da Constituição Federal de 1988, aos índios e seus povos nunca foram reconhecidos os direitos à igualdade, à diferença, à autonomia e à autodeterminação, de modo que as normas e as ações afirmativas estatais sempre foram voltadas à sua aculturação e à sua inserção na comunhão nacional, com a percepção da “condição de índio” como transitória, e não como pessoas portadoras de uma cultura diferente e autônoma. Para fazer frente a esses entendimentos equivocados e preconceituosos, fruto de uma histórica política colonialista, surgiram os movimentos indígenas, a partir da década de 1970, e que representam uma das mudanças mais expressivas na cultura política desses povos, pois, a partir da sua organização, puderam figurar como atores, como sujeitos, e não mais como objetos, como tutelados e como representados.67

67 As ações indígenas no sentido de mobilizarem-se, organizarem-se e promoverem atos na busca do

reconhecimento de direitos podem ser classificadas como movimentos históricos, definidos como aqueles que vão de encontro à ordem social dominante, elitizada. Esses movimentos questionam a ordem há muito fixada, que, normalmente, por atender aos interesses das classes dominantes, buscam mitigar os levantes das minorias, que, ao se depararem com essa resistência, acabam por encontrar guarida em outros segmentos sociais, como a sociedade civil, a fim de buscarem um empoderamento político que lhes assegure visibilidade e capacidade de enfrentamento (TOURAINE, 1998).

Desde a década de 1920 passaram a ser realizadas Conferências Interamericanas, que tinham, dentre outras finalidades, tratar sobre as sociedades indígenas, a busca pela melhoria de suas condições e, assim, articular movimentos para a intervenção junto aos Estados latino- americanos. Destaca-se o I Congresso Indigenista Interamericano, realizado em Patzcuaro, no México, em abril de 1940, com sendo o marco da trajetória do indigenismo, onde muitas autoridades latino-americanas firmaram compromissos para a resolução das problemáticas indígenas, ainda que fosse mantido o realce integracionista (CHAUMEIL, 1990a).

No decorrer do século XX, na América Latina e no Brasil, foram tomadas muitas medidas, em especial, ao ideário integracionista dos governos, fazendo com que surgissem manifestações contrárias, de afirmação da autonomia desses povos, com destaque às suas características autônomas. Contudo, apenas, a partir da década de 1970 é que passou a ocorrer uma tomada de consciência quanto à necessidade da proteção das minorias indígenas e da sua importância para o patrimônio cultural humano.

Tais reivindicações dos povos originários sempre foram constatadas desde o início da colonização portuguesa, tanto que, por inúmeras vezes, Portugal viu-se obrigado a reconhecer direitos de soberania indígena, mormente, em situações de revoltas, devido às tentativas de integração forçada68. Essa situação ainda se apresentava, praticamente, sem alterações após séculos de políticas integracionistas, pois a FUNAI, quando criada, manteve a ideia de transitoriedade da condição indígena e adotava ações que visavam à completa integração à comunhão nacional. Essa posição ultrapassada gerou uma crise no indigenismo oficial e fomentou o movimento indígena, ao passo que o órgão, permeado em crises internas e entraves burocráticos, perdia a legitimidade representativa (OLIVEIRA, 1988).

As principais problemáticas, enfrentadas pelos povos indígenas eram (e ainda são), dentre outros, a desapropriação territorial, a subordinação política, a fragilidade na preservação cultural e a discriminação, mormente, por conta das heranças colonial – com políticas de extermínio e assimilação, no século XIX - e, em seguida, republicana – com o integracionismo impelido e as políticas de ajuste estrutural, no fim do século XX e início do século XXI. Essas medidas colocaram em xeque a própria existência dos povos originários, que, a despeito da resistência, foram empobrecidos, destituídos de serviços públicos básicos, com considerável exclusão étnica (FAJARDO, 2004).69

68 Como exemplo, a Carta Régia de 9 de março de 1718.

69 A imposição da política neoconservadora culminou na marginalização das minorias e dos grupos segregados,

Logo, no Brasil, seguiram-se os exemplos de outros países latinos, e os povos indígenas começaram a se mobilizar no sentido de reivindicarem seus direitos. Uma das primeiras reuniões com líderes indígenas de várias tribos foi veiculada por intermédio do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), pertencente à Igreja Católica, em abril de 1974, em Diamantino, no Mato Grosso, com dezessete índios; a segunda, no Pará, com sessenta, de modo que a representação crescia a cada novo encontro (RAMOS, 1997a).70

As lideranças indígenas foram reconhecidas e principiaram a assumir novos posições e espaços, principalmente, na seara política, onde não havia uma representação que não fosse intermediada, no caso, pela FUNAI. Por intermédio desses movimentos, as lideranças indígenas brasileiras contataram outras, da América Latina, assimilando muitos ideários, eis que, em países como o Chile e a Bolívia, já haviam sido criadas confederações indígenas (LACERDA, 2008). A partir desses contatos, que, com o tempo, se intensificaram, constatou- se uma “[...] tomada de consciência dos problemas de outros grupos, o intercâmbio de informação, o contato com etnias diferentes, o intercâmbio de experiências e, finalmente, a análise de uma problemática comum”, como explica Barre (1988, p. 121).

Essas congregações veicularam o contato de muitas lideranças indígenas, representantes de diversas culturas, de diferentes regiões do país, onde lhes foram possibilitadas discussões e comparações acerca de questões que lhes eram correlatas e, a partir dessas ponderações, a constatação de que possuíram muitos objetivos em comum. Igualmente, um grupo independente de estudantes indígenas das etnias Terena, Xavante, Boroó, Pataxó e Tuxá, organizaram, em Brasília, em abril de 1980, a União das Nações Indígenas (UNIND), com o intento de lutar por políticas indigenistas em benefício dos próprios índios (CUNHA, 1987).

Em junho de 1980, em uma assembleia, realizada em Campo Grande, foi criada uma versão da UNI, para, especificamente, pleitear pela autonomia e pela autodeterminação, assegurar a inviolabilidade dos territórios e assistir os indígenas na busca pela recognição de seus direitos, com fulcro em projetos culturais e comunitários. Esse encontro proporcionou uma realização de nova reunião, onde foi criada a Federação Indígena Brasileira, com a participação de representantes de quinze comunidades (RAMOS, 1997a).

As organizações indígenas reivindicavam mudanças estruturais quanto à organização social de seus povos (que era promovida pelo Estado), em especial, ao acesso amplo aos

70 “A mobilização indígena foi possibilitada principalmente pela Igreja Católica, através do seu Conselho

Indigenista Missionário, que durante este período contribuiu com as despesas de transporte, providenciou hospedagem, alimentação, deslocamento urbano e assessoria aos índios”, como explica Gaiger (1989, p. 63).

direitos de cidadania, como o de participação social e política como forma de combate à marginalização, à exclusão e à invisibilidade em relação aos seus direitos históricos, alijados pelos conceitos e pré-conceitos equivocados e minimizadores (RAMOS, 1997a).

Por conta da busca pelo uso dos espaços territoriais, destinados aos povos originários, por garimpeiros, grileiros, fazendeiros, dentre outros, os indígenas passaram a reivindicar, com maior veemência, o direito ao uso e fruição desses lugares, tendo angariado aporte expressivo da sociedade civil organizada. As lideranças indígenas brasileiras, assim como na América Latina, fizeram uso de um discurso que referenciava a plurietnicidade, as reclamações históricas, a exclusão e a desconsideração às suas culturas, a justiça social, a proteção ao meio ambiente equilibrado, fazendo menção às simbologias muito próprias, favorecendo os contatos multiculturais por meio de organismos supra estatais, e, assim, associando as reivindicações (MAROTO, 1988).

Dos dias 7 a 9 de junho de 1982 foi realizado o I Encontro Nacional dos Povos Indígenas, no Brasil, onde foi definida a agenda de organização e de mobilização de todos os interessados para que fosse concretizado o movimento indígena no país. Cita-se, também, como evento importante para a afirmação indígena, a criação, em 1992, do Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil (CAPOIB), durante uma reunião em Brasília, onde mais de trezentas lideranças discutiram a elaboração de um novo texto do Estatuto do Índio (LITTLE, 2002).

O Estatuto do Índio, no artigo 3º, traz a definição de índio, que é “o indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional” e de Comunidade Indígena, ou Grupo Tribal, sendo este “um conjunto de famílias ou comunidades índias, quer vivendo em estado de completo isolamento em relação aos outros setores da comunhão nacional, quer em contatos intermitentes ou permanentes, sem contudo estarem neles integrados” (BRASIL, 2014).

Tal norma, atualmente, se demonstra, em muitos aspectos, incoerente e incompleta, e, ainda que tenha sido recepcionada pela Constituição Federal, não foi reformada para a adequação às premissas humanistas e multiculturais. As formas classificatórias – isolados, em vias de integração e integrados, nos termos do artigo 4º - por exemplo, são fatores que já não podem ser comportados, visto que oriundos de uma época em que a percepção a respeito dos povos indígenas era fomentada por uma carga de desconhecimento e não reconhecimento

(MONTE, 2006).71 A partir da tomada de consciência política que conduziu à organização indígena, principalmente, a partir de 1987, os representantes dos povos conservaram contínuas delegações em Brasília, em contato intermitente com congressistas constituintes para afiançarem que seus direitos seriam previstos na nova Constituição.72

Destaca-se, também, a reunião intitulada O índio perante o direito, ocorrida em 1980, e que envolveu a sociedade civil organizada, apoiadora dos movimentos indígenas, em especial, antropólogos e advogados. Ela deu azo a uma segunda reunião, chamada de O Índio

e os Direitos Históricos, realizada em junho de 1981, em São Paulo, pela Pró-Índio, em parceria com a Associação Brasileira de Antropologia (ABA). A partir desses encontros, muitas obras foram elaboradas com a finalidade de divulgação dos assuntos tratados, inclusive, um livro com o mesmo título da reunião (SANTOS, 2005).73

Em abril de 1987 foi realizada a II Assembleia dos Povos Indígenas do Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, encontro que reuniu mais de quinhentas lideranças indígenas e que se configurou em um importante marco histórico para o movimento indígena no Brasil, porque, “[...] pela primeira vez, as autoridades governamentais sentaram à mesa para negociar a questão das terras indígenas com lideranças da região”, como

71 Conforme Beckhausen (2007, p. 48) ilustra, a incapacidade da sociedade moderna em entender os costumes

dos índios e respeitá-los como cidadão e como pessoas dotadas de capacidade é tamanha que a própria legislação é tardia, e, ainda, sem efetividade. “A tutela, na forma como concebida pelo Código Civil e pelo Estatuto do Índio, não existe mais. E incapacidade existiu sim. Os brancos ocidentais nunca tiveram capacidade para entender a diferença cultural existente. Os indígenas sempre foram avaliados, por serem diferentes, como pessoas sem potencial para se desenvolver nos moldes da civilização ocidental. Infelizmente perduram até hoje a análise caricatural que se faz dos índios. Os nossos Tribunais, infelizmente, são provas documentais de tal incapacidade. [...] O multiculturalismo e a plurietnia estabelecidas como um direito pelo Estado brasileiro gera diversas implicações para este, que não se consubstanciam somente no contexto da existência de um direito individual, estendido às comunidades indígenas. Possui uma abrangência maior: acarreta o dever do Estado de prestar políticas públicas adequadas à diversidade cultural. Em outras palavras, os direitos sociais acabam se modelando às práticas culturais das diversas etnias, de forma heterogênea, apropriados para atender as demandas da coletividade, ao mesmo tempo em que respeitam a multiplicidade de identidades culturais, tanto no plano individual quanto coletivo”.

72 Habermas (2002, p. 244) entende que a garantia dos direitos fundamentais está, intrinsecamente, fundada na

ação do Estado, que deve promover ações para assegurar a “[...] sobrevivência e fomento de uma determinada nação, cultura ou religião, ou então de um número limitado de nações, culturas ou religiões”. Logo, a seara política é considerada como um lugar imprescindível para se travar lutas por emancipação, pois onde existem (e coexistem) mais de uma cultura, é porque o multiculturalismo venceu o óbice colonialista e proporcionou as manifestações culturais diversas, dentre elas, das minorias étnicas. No caso dos povos indígenas, o autor considera que o próprio contexto histórico de dominação serve como argumento para a defesa dos direitos.

73 “1. sobre Terras indígenas; 2. sobre a tutela e a integração dos povos indígenas; 3. sobre a construção de

barragens e os direitos dos povos indígenas; 4. sobre parques nacionais em áreas de parques indígenas; 5. sobre o trabalho dos antropólogos e a Funai; 6. sobre o projeto Rondon e as áreas indígenas; 7. proposições e recomendações. [...] Destaca-se, na apresentação, que a reunião teve como objetivo a discussão de dois problemas fundamentais: “o primeiro refere-se à realidade pluriétnica e multisocietária do Brasil, em confronto com a ideologia tradicional, porém vigente, de Estado uninacional, consagrada na Constituição” (vigente). O segundo “[...] remete à formulação de estratégias que permitam cada vez mais aos integrantes das sociedades indígenas terem assegurada a assistência jurídica, no intuito de garantir os seus direitos junto à sociedade nacional envolvente”, como explica Santos (2000, pp. 75 - 76).

explicam Barbosa e Silva (1996, p. 21). Nessa época, a repressão, pelo governo militar - que sempre existiu - passou a ser mais latente e mais agressiva, mas, ao mesmo tempo, considerando a força adquirida pela organização crescente dos indígenas, obrigou o governo a dialogar.

Logo, tanto as manifestações dos movimentos indígenas, quanto da sociedade civil organizada, tiveram impacto decisivo na elaboração dos termos da nova Constituição, de 1988, no sentido de reconhecer os direitos dos povos indígenas e assegurar a sua positivação e concretização. Os avanços foram significativos, principalmente, pelo reconhecimento da diferença, da autonomia, da diversidade cultural e da proteção do território, além da legitimidade de pleito jurisdicional, previstos nos artigos 231 e 232 da Carta Magna, respectivamente. Ramos (1997b, p. 53) destaca que

[...] o movimento indígena brasileiro é mais do que uma resposta meramente reativa às condições e estímulos externos. No processo de busca de sua vocação política, o movimento indígena brasileiro experimentou alguns cursos originais de ação que de nenhuma maneira podem ser atribuídos ao envolvimento externo. Deve-se ter em mente que os povos indígenas têm uma longa experiência de andar alinhado em trilhos sinuosos. O que para um pensamento ocidental pode parecer desvios à toa, pode verdadeiramente representar o caminho mais curto entre dois pontos, proporcionando-nos lições inesperadas de produtividade.

Assim, as políticas e presciências legais de reconhecimento da pluridade dos povos, na circunscrição territorial de um mesmo Estado, e de novéis formas de relação entre os Estados e os povos indígenas, consagrou a formação de uma nova política que reconhece os chamados Estados pluralistas, em detrimento aos modelos integracionistas (FAJARDO, 2009).74

A partir da década de 1990, os indígenas saíram da percepção de clandestinos, de “ilegalidade tácita”, como denomina Ramos (1997b, p. 53) – visto que tratados como incapazes – para assumirem a postura de indivíduos perante o Estado, com reivindicações que passaram a ser escutadas e tidas como válidas na seara da política indigenista. As organizações indígenas sempre foram carregadas de fundamentos e relações sociais, políticas, culturais, econômicas e jurídicas próprias, e, a partir da recognição pelo Estado às suas falas,

74 Kymlicka (1996) não compreende o Estado como homogêneo. Ele entende que um espaço, onde as fronteiras

foram, politicamente, demarcadas, pode formar tanto um Estado multinacional (composto por minorias) ou poliétnicos (formado por grupos étnicos). Ainda, entende que a diversidade cultural é fator determinante para formar ambos os Estados, e que o seu reconhecimento, ou seja, para a reflexão coletiva, deve se dar tanto no âmbito nacional, quanto no internacional, e, ainda, nas várias searas sociais. Ou seja, o autor (1995, p. 227) entende que “[...] no seio de grupos e associações que não se encontram no nível do Estado, isto é, os amigos e a família, em primeira instância, mas também as igrejas, as associações culturais, os grupos profissionais e os sindicatos, as universidades e os meios de comunicação”.

estas, indiretamente, também começaram a fazer parte da representação perante o Estado, consolidando os discursos e embasando a formulação de projetos políticos próprios (LEÓN- TRUJILLO, 1991).

Ante os acontecimentos que precederam a Constituinte de 1988 e que tiveram, como protagonistas, os povos indígenas, constatou-se, no Brasil, a emergência de movimentos sociais e políticos populares, movidos pelos nominados novos sujeitos coletivos75. Eles insuflaram o início de inéditas recognições no cenário das discussões sobre povo e nação, sobre o Direito, seu direcionamento e aplicação, ainda que em oposição às forças dominantes e aos conceitos tradicionais (SOUSA JÚNIOR, 2002).76 A partir dessa assunção da legitimidade de lutas por direitos, os indígenas escusaram a total representatividade, até então, exercida pela FUNAI, e adotaram posições de liderança própria, de onde emergiram, como expõe Sader (1995, p. 36), “[...] novos sujeitos coletivos, que criavam seu próprio espaço e requeriam novas categorias para sua inteligibilidade”.77

Essa inédita conjectura social favoreceu com que os índios e suas sociedades, pela primeira vez, abandonassem a posição de objeto para assumirem a de sujeito, organizados e autônomos na tarefa de que seus direitos fossem reconhecidos e afirmados pela Constituição Federal.78 Para Wolkmer (1997, p. 63), esses novos sujeitos coletivos foram

[...] identidades coletivas conscientes, mais ou menos autônomos, advindos de diversos estratos sociais, com capacidade de auto-organização e auto-determinação, interligadas por formas de vida com interesses e valores comuns, compartilhando conflitos e lutas cotidianas que expressam privações e necessidades por direitos, legitimando-se como força transformadora do poder e instituidora de uma sociedade democrática descentralizadora, participativa e igualitária.

Consequentemente, iniciou-se o processo de extração do estigma desses povos de culturas em processo de extinção, como condição de transitoriedade e como fim, único e

75 De acordo com o relatório da CEPAL (2006), as normas internacionais básicas, relativas aos direitos coletivos

dos povos indígenas, no contexto de desenvolvimento da cidadania étnica respondem às categorias de direitos (a) a não discriminação; (b) a integridade cultural; (c) de propriedade, uso, controle e acesso às terras, territórios e recursos; (d) de desenvolvimento e bem-estar social e, (e) de participação política, consentimento livre, prévio e informado. Como resultado, tem-se uma ampliação das bandeiras indígenas, incorporando demandas políticas de outros atores sociais do país, que favoreceram a consolidação da cidadania étnica.

76 Nesse aspecto, o movimento indígena distingue-se ao reunir as duas dimensões: a reivindicação básica de

terra, um bem material, meio de produção indispensável à sua economia, e que é indissociável da reivindicação do reconhecimento de suas singularidades e identidades étnicas (CAMPOS, 2007).

77 Sader (1995, p. 55) inclui, na concepção de sujeitos coletivos, o elemento da identidade, pois, para ele “[...]

uma coletividade onde se elabora uma identidade e se organizam práticas mediante as quais seus membros pretendem defender interesses e expressar vontades, constituindo-se em lutas”. Assim, fornece a um grupo étnico indígena a sua própria identidade.

78 Para Barbosa (2001a, p. 326), essa possibilidade do exercício da autonomia sugere a “[...] auto-administração

em questões que lhes dizem respeito especificamente; participação com o Estado nas decisões a eles relativas dentro do conjunto nacional e participação nas decisões e na vida política do Estado como um todo”.

certo, a incorporação à massa nacional, para se obter o direito à alteridade cultural.79 Todavia, não obstante a importância dos movimentos indígenas frente à Constituinte, não foi utilizada, no Texto Constitucional, a expressão povos para designar as sociedades indígenas, mas, sim, termos como populações indígenas (artigo 22, inciso XIV, 129, inciso V), comunidades

indígenas (artigo 210, parágrafo 2º), grupos indígenas (artigo 231, parágrafo 5º), ou, apenas

índios (artigos 20, inciso XI, 231, parágrafos 1º e 2º e 232). O termo povos é usado, somente, para designar Estados nacionais (artigo 4º, incisos III, IX e parágrafo único) (BRASIL, 2014). Ao optar por outras formas de identificação que não a de povos, o Constituinte demonstrou, além da resistência80 em relação à autonomia dos povos originários, que esse nominativo poderia dar azo a uma fundamentação de autodeterminação (semelhante aos Estados soberanos) de nações indígenas.

Cunha (1998, p. 136) destaca que “[...] o termo povos se generalizou sem que implicasse em ameaças separatistas, muito menos no Brasil em que o tamanho diminuto das etnias e sua pulverização territorial não permitiriam sequer pensa-lo”.81 Da mesma forma, Souza Filho (2006, p. 79) rechaça a negação do direito à autodeterminação aos povos indígenas, ao questionar que

[...] pode um povo ter direito a autodeterminação sem desejar constituir-se em Estado? Do ponto de vista do Direito Internacional parece que não. Do ponto de vista de cada povo, evidentemente que sim, porque a opção de não constituir-se em Estado e de viver sob outra organização estatal, é uma manifestação de sua