• Nenhum resultado encontrado

Reforma agrária: aspectos jurídicos e sociais

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Reforma agrária: aspectos jurídicos e sociais"

Copied!
61
0
0

Texto

(1)

GRANDE DO SUL

LAILA METZDORF SCHOCK

REFORMA AGRÁRIA: ASPECTOS JURÍDICOS E SOCIAIS

Ijuí (RS) 2016

(2)

LAILA METZDORF SCHOCK

REFORMA AGRÁRIA: ASPECTOS JURÍDICOS E SOCIAIS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientadora: Dra. Elenise F. Schonardie

Ijuí (RS) 2016

(3)

“Os desafios a que de forma constante as relações sociais submetem o individuo isoladamente, ou nas suas inter-relações, exigem daqueles que têm por escopo o estudo e a aplicação da lei, um esforço e uma sensibilidade sui generis, para que, entendendo as suas mutações, possam ajudar na mudança do entendimento e nas alterações das leis, que as regulam e norteiam.” (Welington Pacheco Barros, 2002).

(4)

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise dos conflitos que envolvem a questão da distribuição de terras no Brasil e o instituto jurídico da reforma agrária. Inicia com a abordagem dos aspectos históricos da distribuição de terras no país e seu processo de regularização. Na sequência, apresenta as mudanças trazidas, no contexto do direito agrário, a partir do inicio do estado democrático de direito com a promulgação da atual Constituição Federal de 1988. Aborda os movimentos sociais em busca da reforma agrária com a análise dos grupos que surgiram mediante a necessidade da reformulação do sistema fundiário brasileiro, onde os trabalhadores, desprovidos de terras, se reuniram para lutar por seus direitos, com ênfase no Movimento dos Trabalhadores Sem Terras – MST, um dos principais movimentos que reivindicam o acesso à terra, objeto de trabalho e garantia de uma vida digna e, faz um breve relato dos programas de reforma agrária executados junto ao estado do Rio Grande do Sul. Conclui que a questão fundiária do país, considerando o direito agrário e os planos de governos, possui muitas falhas, e que, por questões políticas e econômicas a reforma agrária custa a deixar de ser uma promessa aos que dela necessitam.

Palavras-chave: Acesso a terra. Ação de desapropriação. Estado democrático de direito. Função Social da propriedade. Movimentos sociais.

(5)

ABSTRACT

This course conclusion work is an analysis of conflicts involving the issue of land distribution in Brazil and the legal institute of agrarian reform. It starts with the approach of the historical aspects of land distribution in the country and its regularization process. Following presents the changes brought about in the context of agrarian law, from the beginning of the democratic rule of law with the enactment of the Federal Constitution of 1988. It addresses the social movements in pursuit of agrarian reform with the analysis of groups that have come through the need for reformulation of Brazilian land tenure system, where workers, deprived of land, came together to fight for their rights, with emphasis on the workers Landless Movement - MST, one of the movements that demand access to land, work object and guarantee a dignified life, and gives a brief account of the agrarian reform programs implemented by the state of Rio Grande do Sul. it concludes that the land of the country concerned, considering the agrarian law and the plans of governments, it has many flaws, and that, for political and economic issues agrarian reform costs to stop being a promise to those in need.

Keywords: Access to land. expropriation action. Democratic state. Social ownership function. Social movements.

(6)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...6

1 O ACESSO À TERRA NO BRASIL...9

1.1 Aspectos históricos da ocupação e distribuição de terras no Brasil: um regime conversador e concentrador...10

1.2 O acesso à terra no Estado Democrático de Direito...16

2 REFORMA AGRÁRIA...24

2.1 Função social do imóvel rural...27

2.2 Desapropriação para fins de reforma agrária...32

3 MOVIMENTOS SOCIAIS PELA BUSCA DA REFORMA AGRÁRIA...39

3.1 MST e a histórica reivindicação de acesso a terra...43

3.2 Programas e assentamentos realizados no Rio Grande do Sul: uma breve análise do período de 2005 à 2015...48

CONCLUSÃO ... 53

REFERÊNCIAS...55

(7)

INTRODUÇÃO

Nestes tempos de grandes transformações no meio rural e urbano, é de grande preocupação o futuro em relação às questões de terras e do meio ambiente. Por isso, se faz necessário conceituar os institutos que fazem parte deste cenário, em que os que se destacam é a reforma agrária, e, como consequência, a função social da propriedade, a desapropriação e os movimentos sociais, que buscam realizar tal desiderato.

Primeiramente tem-se uma analise história, envolvendo o direito agrário e o acesso a terra. Sabemos que a busca por terras é uma ação muito antiga, que vem desde que o homem povoou a terra tendo como primeiro ato de sobrevivência tirar seu alimento e de sua família, da terra. Conforme o tempo foi passando, essa busca também se tornou mais difícil, obrigando a população a buscar meios para regular as propriedades. Conforme o tempo passa e as necessidades mudam, surgem várias legislações que visam regular o direito agrário, algumas trouxeram consideráveis mudanças nas relações do meio rural, outras causaram confrontos, e poucas surtiram os efeitos esperados.

O instituto jurídico da reforma agrária é uma esperança daqueles despossuídos de terras de obter condições dignas de vida, garantido a eles segurança alimentar, da mesma forma que os afasta da desigualdade social e também econômica em nosso país.

Boa parte dos melhores acontecimentos chega juntamente com o reconhecimento do estado democrático de direito, mediante a promulgação da Constituição Federal no ano de 1988. Com tal legislação vigente, a propriedade, juntamente com a busca pela terra sofrem consideráveis modificações, algumas com benefícios para aqueles que busca um pouco de terra para sobreviver já outros, acreditam que não houve tantos assim. Nota-se, hoje, que a

(8)

legislação de direito agrário é muito antiga. Acredita-se que seria necessário reformular tudo, trazendo, principalmente, soluções para os problemas atuais.

Mediante a análise dos institutos jurídicos agrários, e também a legislação que incide sobre a distribuição de terras no Brasil, observa-se atos e conceitos de fundamental importância para a reforma agrária, sendo esta um dos temas de maior importância no direito agrário.

Exigida pela Constituição Federal, tem-se a função social da propriedade rural, sendo necessária uma análise de seus elementos conceituais, bem como seus requisitos legais e constitucionais. Quando esta não é cumprida, o estado pode buscá-la e lhe dar destinação, como o caso de transformá-la em assentamentos, mediante projetos de reforma agrária, por isso, também é preciso tratar sobre a sua fiscalização e aplicação.

Por meio da pesquisa teórica descritiva de abordagem hipotético-dedutiva, utilizou-se o procedimento de coleta de dados indiretos em obras e textos de referência na área do direito, em especial do direito agrário, esclarecendo a forma de organização do trabalho que é apresentado em três capítulos.

No primeiro capítulo apresentar-se-á uma abordagem histórica do direito agrário até o estado democrático de direito, localizando as questões agrárias neste novo contexto.

No segundo capítulo é prestigiada a função social da propriedade rural. Conceituada a função social, temos a ação de desapropriação para fins de reforma agrária, que é a ação por meio da qual o estado tira a propriedade de quem a tem, e incorpora em seu patrimônio, com o fim único e exclusivo de garantir a execução de reforma agrária.

O presente trabalho mostra que a maior parte de assentamentos oriundos de reforma agrária é feito em propriedades que sofreram a ação de desapropriação. Por isso, avalia-se como se dá o procedimento, desde a vistoria e decretação do imóvel como sendo improdutivo, passando pela ação de desapropriação até chegar ao seu destino final, mediante o assentamento das famílias que aguardam a terra para que possam ter uma vida digna.

(9)

A partir daí, no terceiro capítulo, é feita uma abordagem dos movimentos sociais que buscam e lutam por uma reformulação do sistema agrário brasileiro, em especial o Movimento dos Trabalhadores sem Terras (MST), que é o mais conhecido.

(10)

1 O ACESSO A TERRA NO BRASIL

A história da vida do homem sempre foi marcada por confrontos, conflitos e luta, por buscas e questionamentos, divergências, enfim processos dinâmicos de construção e reconstrução, mas, sempre objetivando apenas a sua sobrevivência.

Para entender um pouco da história, tem-se que retornar às origens da civilização, na qual se constata que o ser humano, como primeiro impulso à sobrevivência, retirou seu alimento da terra, que, logo após se dividiram em tribos, nas quais se fez necessário criar normas para se estabelecer uma boa convivência e regular as relações entre eles, tendo por objeto a terra produtiva. Dessa forma, podemos dizer que nasceu, perante essas normas, o ordenamento jurídico agrário.

1.1 Aspectos históricos da ocupação e distribuição de terras no Brasil: um regime conversador e concentrador

Sabe-se que a luta pelo acesso a terra é muito antiga e, ao refletir sobre tal assunto no Brasil, é preciso levar em conta o fato de que ela percorreu sob diversas formas a história e está por traz de vários processos sociais e políticos que marcaram a nossa formação.

O problema agrário tem uma importância que avulta no País. Dificilmente se poderá pressupor outro de solução mais premente, sobretudo em face da população que labora os campos, vivendo numa miséria fascisana. Em certos aspectos o movimento de realização de reforma agrária, que atinge vastos setores da opinião pública, é um novo movimento abolicionista. (FERREIRA, 1998, p. 115).

Considerando espaço e tempo, os exemplos só aumentam. Podemos destacar, nesse contexto, a luta dos grupos indígenas para a preservação de suas áreas contra a ação dos colonizadores, que sofreram perseguições pelos capitães do mato porque eram considerados rebeldes; a ocupação de terras por posseiros, desde a colonização que buscavam áreas para plantar, entre outros.

Fica claro aqui um sistema que deve ser abolicionista, visando acabar com as formas de feudalismo, da concentração do poder econômico dos latifúndios, do monopólio da terra. Conforme Ferreira (1998, p. 115), “no Brasil ainda dominam restos do feudalismo agrário,

(11)

que, transplantado da Europa, aqui enraizou na espécie da colonização. Sobreviveu desesperadamente.”

Sobre os latifúndios, estes significam uma grande área de terra, com sentido etimológico derivado de latus (largo) e fundus (fundo da terra).

O Brasil é o país do latifúndio. Conforme dados apresentados por Ferreira (1998), em 1920 existiam 30 milhões de habitantes; apenas 64 mil latifundiários controlavam 135 milhões de hectares. Em 1940, os latifúndios somavam áreas equivalentes a 73,70%da área total do país, sendo apenas 16,30% de pequenas propriedades. Em 1950, houve a tendência à pulverização da pequena propriedade em minifúndios, o que piorou a situação agrária.

Observamos, no geral, que o problema agrário deve ser resolvido imediatamente, eliminando as soluções improvisadas e elaborando soluções definitivas e eficientes. Um dos caminhos aparentemente correto tomado pela humanidade é a tentativa de regulamentar a propriedade rural do país com a criação de leis, institutos, projetos e regulamentos que tentam solucionar, ou pelo menos mostrar o melhor caminho a ser tomado para a busca de direitos e imposição de deveres à sociedade em relação à terra.

No Brasil, ocupar-se da questão agrária tem sido uma prática repetitiva há décadas no país, a qual profissionais de várias áreas de conhecimento retomam o tema diante da dificuldade que o governo tem de aplicar e se fazer cumprir a lei. Por isso, se faz necessária uma abordagem histórica para compreender o tema.

Para entender os conflitos fundiários entre grandes proprietários e os trabalhadores rurais no nosso país, é preciso retornar a política portuguesa de concessões de terras no período colonial. Temos conhecimento que a distribuição de terras no Brasil começou antes do país ser descoberto pelos portugueses, pois, no final do século XV, com as grandes navegações, Cristóvão Colombo, que era financiado pela colônia espanhola, encontrou uma grande porção de terras no oeste da Europa que ainda não haviam sido exploradas, descobrimento esse que trouxe muitas rivalidades entre as potencias mundiais da época.

(12)

A rivalidade entre as potencias mundiais na época, Espanha e Portugal, países que tinham o poder de grandes expedições pelos mares, era tanta que a divisão das terras recém-descobertas e as que ainda estavam por ser foi feita para evitar um possível confronto militar entre as nações.

Sendo assim, depois de conversas entre as cortes dos dois países, ficou estabelecido pelo Papa Alexandre VI o famoso Tratado de Tordesilhas, firmado em 7 de junho de 1494, assinado por D. João (rei de Portugal) e por D. Fernando e D. Isabel (reis da Espanha), que trazia como principal objetivo regular a divisão das terras descobertas e por descobrir por ambas as coroas, o qual também dividia o planeta em lado português e espanhol, sendo traçada uma linha imaginaria do Polo Ártico ao Polo Antártico, em que as terras que fossem encontradas a direita da linha seriam de Portugal, e as da esquerda seriam da Espanha (BARROS, 2002).Já em 1500, quando Pedro Álvares Cabral chegou as terras brasileiras, não fazia a menor ideia de que ali estava começando uma nação. Ele recebeu os primeiros nativos das terras tupiniquins em sua caravela.

Segundo Junqueira (2012, p. 1),

Por pensarem que a nova terra se tratava de uma ilha, os portugueses não se fixaram no território. E entre o período de 1500 e 1530, o Brasil sofria com visitas, e extração de pau-brasil feito pelos holandeses, franceses e ingleses, que ficaram de fora do Tratado de Tordesilhas assinado em 1494 e por isso não reconheciam o documento. O descaso das três nações que reivindicavam suas porções de terras fez o rei de Portugal Dom João III acelerar o processo de colonização das novas terras com a expedição comandada por Martin Afonso de Souza em 1530, o intuito era o cultivo da cana-de-açúcar.

Depois desse período inicial, que tinha como característica a atividade extrativista, a coroa portuguesa percebeu que essas terras deveriam ser exploradas de forma mais racional, e, entre os anos de 1534 e 1536, o rei português resolveu dividir as terras brasileiras que lhe cabiam governar nas chamadas capitanias hereditárias. Dividiu a terra em grandes lotes, que foram terceirizados aos amigos do rei que tinham condições de aproveitar as riquezas do Brasil e, com isso, também enriquecer Portugal.

O Rei D. João III resolveu implantar no Brasil o regime sesmarialista, que teve sucesso nas pequenas ilhas portuguesas do Atlântico, com a criação do regime de capitanias hereditárias na nova colônia, com grandes poderes conferidos aos donatários, na qualidade de representantes do rei. [...] A capitanias eram, assim, particulares porque pertenciam aos donatários, e hereditárias porque transmissíveis por herança aos sucessores legítimos. [...] Os donatários exerciam autênticos poderes de soberania, inclusive o de conceder sesmarias, fundar vilas, organizar a administração, desempenhar funções judiciais. (FERREIRA, 1998, p. 111).

(13)

Pode-se dizer que o principal objetivo da distribuição era a ocupação do novo território e combater os índios que resistiam à colonização, objetivo este que não correu como o esperado como refere Carvalho (2005, p. 2):

O sistema não funcionou muito bem. Apenas as capitanias de São Vicente e Pernambuco deram certo. Podemos citar como motivo do fracasso: a grande extensão territorial para administrar (e suas obrigações), falta de recursos econômicos e os constantes ataques indígenas.

Em 1530 houve um projeto de colonização e distribuição de terras, chamado de sesmarias, que era um regime de distribuição de terras feito pela coroa que transferia ao sesmeiro através de doação enormes faixas de terras, ficando este responsável por cultivar e colonizá-las.

Iniciadas e incluídas a partir do capitão-donatário de uma capitania, as sesmarias eram lotes de terra menor, que eram doadas a um sesmeiro com o intuito de principalmente tornar a terra produtiva. O sesmeiro tinha então a partir do recebimento do lote, a obrigação de cultivar a terra por um prazo de cinco anos, tornando-a produtiva e pagando os devidos impostos à Coroa. (OLIVEIRA, 2009, p. 1).

Esse sistema foi estabelecido basicamente para facilitar a exploração do território e, de certa forma, a ideia era dar uma função social a terra. Isso durou mais tempo do que as capitanias hereditárias e se encerrou por volta de 1822. Nesse modelo, houve uma distribuição de muitas terras para um número pequeno de pessoas. O beneficiário, ou seja, o sesmeiro, tinha a obrigação de colonizar a terra, ter nela a sua morada e manter a terra com cultura permanente, demarcando seus limites e, é claro, pagar os tributos que incidiam sobre a terra. Caso o beneficiário não cumprisse com tais obrigações, cairia em comisso, sendo que o imóvel retornaria ao patrimônio da coroa e seria, posteriormente, redistribuído a outros interessados.

[...] as concessões de terras eram feitas a pessoas privilegiadas que, muitas vezes, não reuniam condições para explorar toda uma gleba de extensa área, e, não raro, descumpriam as obrigações assumidas, restringindo-se apenas ao pagamento dos impostos. Certamente essa pratica clientelista – lamentavelmente ainda hoje adotada em nosso país – influenciou o processo de latifundização que até hoje distorce o sistema terreal brasileiro. (MARQUES, 2012, p. 24).

Nesse modelo de distribuição, o sesmeiro deveria demonstrar possuir condições financeiras de arcar com os cultivos dos canaviais, e isso era praticamente um pré-requisito para a aquisição e manutenção das sesmarias. Percebe-se que a preocupação não era com a

(14)

quantidade de terra sob a posse de uma pessoa e muito menos com a quantidade de latifúndios existentes, pois o que se pretendia era que a terra fosse produtiva para posterior arrecadação de impostos, ou seja, visando o lucro. O problema era de que muitos dos beneficiados com essa terra não tinham a intenção de cultivá-las, ao contrário do que o governo-geral pretendia, o que acabou gerando uma latifundização das terras brasileiras.

Observamos que esse modelo foi mantido até 1822. Podemos perceber que esse parâmetro de distribuição foi extremamente desigual, com o objetivo apenas de produção, mas sem nenhum tipo de parâmetro racional para a sua utilização. Por essa razão, também gerou o processo de latifundização das terras no nosso país.

Aos olhos do governo português, de então, as sesmarias trouxeram mais malefícios do que benefícios, tanto que as extinguiu definitivamente [...]. Mas se o proposito da coroa foi acabar com um mal, foi mais nocivo ao Brasil, deixando-o órfão de qualquer legislação sobre terras, num período bastante longo, de calculadamente 28 anos, pois somente em 18.9,1850, quando o país já havia vivido sob o regime imperial, foi editada a primeira lei sobre terras, a Lei nº 601, considerada um marco histórico no contexto legislativo agrário brasileiro. (MARQUES, 2012, p. 24).

Foi nesse período, sem qualquer legislação norteadora, que muitas posses de fato, que seriam aquelas que não dependiam de contrato ou da lei, se multiplicaram no Brasil, o que gerou grande quantidade de posses ilegais dentro do território nacional, pois aqueles trabalhadores vindos de Portugal acabavam ocupando as sobras das sesmarias não aproveitadas, o que gerou pequenas posses.

Segundo Marques (2012, p. 25) esse período considerado de anarquia trouxe os seguintes fatos:

1. Proprietários legítimos, por títulos de sesmarias concedidas e confirmadas, com todas as obrigações adimplidas pelos sesmeiros.

2. Possuidores de terras originárias de sesmarias, mas sem confirmação, por inadimplência das obrigações assumidas pelos sesmeiros.

3. Possuidores sem nenhum título hábil subjacente.

4. Terras devolutas, aquelas que, dadas em sesmarias, foram devolvidas, porque os sesmeiros caíram em comisso.

Porém, em 1850, surgiu a Lei 601, que se chamou da Lei de Terras,conhecida ainda hoje por essa nomenclatura, considerada um marco histórico no contexto legislativo agrário brasileiro.

(15)

[...] foi a primeira iniciativa no sentido de organizar a propriedade privada no Brasil. Até então, não havia nenhum documento que regulamentasse a posse de terras e com as modificações sociais e econômicas pelas quais passava o país, o governo se viu pressionado a organizar esta questão. [...] Promulgada por D. Pedro II, esta Lei contribuiu para preservar a péssima estrutura fundiária no país e privilegiar velhos fazendeiros. As maiores e melhores terras ficaram concentradas nas mãos dos antigos proprietários e passaram às outras gerações como herança de família. (DUARTE, 2016, p. 1).

Essa lei foi a primeira a tentar regular a propriedade rural no Brasil. O registro de aquisição de imóveis passou a ocorrer no registro paroquial, o que serviria de prova para a posse do bem imóvel. “Entre outras medidas, esta lei estabeleceu a discriminação das terras públicas das do domínio particular, o processo de legitimação de posses e da revalidação das sesmarias.” (LUZ, 1993, p. 84). Por isso pode-se dizer que durante o período imperial o Brasil passou pela primeira vez por uma grande alteração no que diz respeito ao modo de aquisição da propriedade, sendo este o primeiro passo para dar uma democratização à posse da terra. Marques (2012, p. 25) pontua os seus objetivos básicos:

(1) proibir a investidura de qualquer súdito, ou estrangeiro, no domínio de terras devolutas, excetuando-se os casos de compra e venda; (2) outorgar títulos de domínio aos detentores de sesmarias não confirmadas; (3) outorgar títulos de domínio a portadores de quaisquer outros tipos de concessões de terras feitas na forma da lei então vigorante, uma vez comprovado o cumprimento das obrigações assumidas nos respectivos instrumentos; e (4) assegurar a aquisição do domínio de terras devolutas através da legitimação da posse, desde que fosse mansa e pacífica, anterior e ate a vigência da lei.

A citada lei, que foi posteriormente regulamentada pelo Decreto número 1.318, de 30 de janeiro de 1854, definiu o instituto de terras devolutas e também estabeleceu mecanismos para a sua discriminação diferenciando-as das terras de particulares, procedimento este que até hoje persiste no ordenamento jurídico brasileiro (e já se passaram quase dois séculos). As terras devolutas estão conceituadas no art. 3º da Lei de Terras:

Art. 3º - São terras devolutas:

§1º - as que não se acharem aplicadas a algum uso público nacional, provincial, ou municipal.

§2º - as que não se acharem no domínio particular ou qualquer título legítimo, nem forme havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em comissão por falta de cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.

§3º - as que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apesar de incursas em comisso, forem revalidadas por essa Lei.

§4º - as que não se acharem ocupadas por posses, que, apesar de não se fundarem em título legal, forme legitimadas por essa Lei. (BRASIL, 1850).

(16)

Importante frisar que o instituto ainda está em vigor, e está reconhecido na Constituição Federal, como bens pertencentes à União ou ao Estado, considerando-se terras devolutas aquelas que não estando a qualquer título em mãos privadas ou publicas, deveriam ser devolvidas ao poder originário

Luz (1993, p. 84) resume o que a referida lei consignou:

a) A proibição de aquisição de terras devolutas por outro título que não fosse o de compra e venda (art. 1º);

b) A revalidação das sesmarias ou outras concessões do Governo, geral ou provincial, que se encontrassem cultivadas, ou com princípio de cultura e moradia habitual do respectivo sesmeiro ou cessionário, ou de quem os representasse, embora não tivesse sido cumprida qualquer das outras condições com que foram concedidas (art. 4º);

c) A legitimação das posses mansas e pacíficas, adquiridas por ocupação primária, ou havidas do primeiro ocupante que se encontrassem cultivadas, ou com princípio de cultura, e morada habitual do respectivo posseiro, ou de quem o representasse. (art. 5º).

Apesar das mudanças que esta lei trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro, estas não foram suficientes para a melhor distribuição de terras, pois uma pequena aristocracia permanecia no controle das maiores propriedades, enquanto os trabalhadores rurais continuavam na pobreza, pois não tinham onde cultivar e trabalhar, ou seja, havia dois lados: de um lado, a concentração de grandes áreas improdutivas nas mão de poucos, os chamados latifúndios, e, de outro lado, a grande quantidade de minifúndios.

Um dos fatos que também gerou impactos foi inserido na primeira Constituição Republicana de 1891, mais precisamente em seu artigo 64 que tratou das terras devolutas como sendo de propriedade dos Estados, ficando relativamente para a União apenas as áreas destinadas á defesa de fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro, além dos terrenos de marinha. Posteriormente, se tem a Constituição Federal de 1946, que trouxe avanços significativos, porque ampliou o raio de abrangência de situações ligadas diretamente ao meio rural. Destacamos a criação da desapropriação por interesse social que, mais tarde, foi adaptada para fins de reforma agrária.

Marques (2012) diz que em função dessa carta política nasceu o Instituto de Imigração e colonização (INIC) através da Lei 2.163/54, órgão este que foi de fundamental importância na medida que começaram a ser elaborados os planos de reforma agrária.

(17)

Outro fato histórico com grande significado foi a Emenda Constitucional número 10 de 9 de novembro de 1964, que deu autonomia legislativa ao direito agrário, incluindo este na lista de matérias cuja competência para legislar é privativa da União (prevista no artigo 22, I da CF/88). E logo após esse fato, foi promulgado o Estatuto da Terra ainda vigente em nosso país, na forma da Lei número 4.504.

Marques (2012, p. 28) afirma que: “[...] o Direito Agrário, no Brasil, teve dois marcos históricos que jamais se poderá olvidar: a „Lei de Terras‟, de 1850, e a EC número 10/64 e, com ela, o Estatuto da Terra.”

Não menos importante, temos a promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe consigo o Estado Democrático de Direito, com o objetivo de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, tais como: a liberdade, segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça. Veremos a seguir, como ficou a situação do acesso a terra, principal objeto de estudo do presente trabalho, no Estado Democrático de Direito.

1.2 O acesso a terra no Estado Democrático de Direito

Iniciando o estudo, algumas noções de como surgiu o Estado Democrático de Direito são necessárias para avaliar a sua influencia sobre o acesso a terra, são várias linhas que podemos seguir, são muitos autores que podemos citar, sendo assim, simplificando, vamos seguir um roteiro que terá como referencial o primado constitucionalista, começando por “Estado Liberal”, depois por “Estado Social”, e “Estado Contemporâneo” até chegar em “Estado Democrático de Direito”.

O “Estado Liberal” surgiu com as revoluções burguesas do século XVII na Inglaterra e depois nos Estados Unidos e na França. Araújo (1997, p. 24) explica que:

As revoluções burguesas propiciaram a emergência do Estado Liberal, cuja preocupação maior era dar aqueles que controlavam a economia (os burgueses) ampla liberdade de exercerem suas atividades, sem estarem ameaçados por qualquer ouro poder. Os liberais pregavam o respeito aos direitos individuais, mas, quanto ao mercado, este deveria regular-se por si só.

(18)

Os liberais eram individualistas e defendiam suas liberdades como forma de afronta ao poder politico do Estado. Dessa forma, pode-se dizer que havia uma separação entre Estado e sociedade, pois a intervenção do Estado representava um perigo à liberdade e a propriedade.

Por isso, do ponto de vista político, os liberais acreditam na necessidade do Estado, cuja principal função é exatamente proteger as liberdades individuais, capaz de impor restrições aos indivíduos ao mesmo tempo em que lhes assegure o usufruto da liberdade através de leis: „A liberdade, por tanto, só pode existir „sob a lei‟, conforme afirmou John Locke, „onde não há lei, não há liberdade‟. (HEYWOOD, 2010, p. 49).

Sendo assim, sob uma visão liberal, o Estado tem a função de guardião das liberdades dos indivíduos e da sua segurança, e não poderia, de forma alguma, interferir na ordem econômica e social.

No Estado Liberal, conforme Araújo (1997), há uma conciliação entre direitos fundamentais, herança do liberalismo clássico, com novos direitos de participação, denominados de direitos sociais. Com o aumento da atividade econômica, sem nenhum controle do Estado, criou-se uma sociedade desigual, cujas diferenças tornaram-se motivos de conflitos entre a minoria com alto poder econômico e o restante da população, sem posses e sem assistência, ou seja, a classe trabalhadora das fábricas, que não aceitava as condições de trabalho miseráveis, sendo que estes contavam com os camponeses pobres, seus companheiros de reivindicações, que também eram revoltados pela expropriação da terra feita pelos grandes proprietários.

Diante disso, Araújo (1997) afirma que as demandas por mudanças no “status quo”, defendidas pela representação popular da época, determinaram a emergência de uma nova forma de pensar do Estado: pelo viés do Social. Então, mediante a impossibilidade da concretização da democracia liberal, o Estado se reorganizou em cima dos princípios da isonomia e da justiça social, buscando um novo estágio de evolução. Mediante as lutas sociais oriundas da Revolução Industrial, incorporou-se sobre o estado de direito, o conjunto de ideais sociais, surgindo, dessa forma, o Estado de Bem-Estar (ou seja, Welfare State1). Já o Estado Social se dá:

1

O modelo do Welfare State passa a pregar uma redistribuição da igualdade mediante prestações positivas do Estado. São então incorporados direitos trabalhistas e previdenciários, direitos que representam um agir social em posição ao caráter meramente espectador do Estado Liberal. (CARAN; FIGUEIRÓ, 2015).

(19)

Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a impaciência do quarto estado faz ao poder político, confere, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede o crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam à área da iniciativa individual, nesse instante o Estado pode com justiça receber a denominação de Estado social. (BONAVIDES, 1981, p. 67 apud ARAÚJO, 1997, p. 30).

Essas ideias revolucionárias, juntamente com os movimentos reivindicatórios, praticamente obrigam o Estado Liberal a mudar de conteúdo, passando a interferir no campo econômico e social. Essa mudança também ocorre no âmbito do direito, em que se modifica a noção de lei, que assume um conteúdo material, dando acréscimo à questão da igualdade jurídica, corrigindo as igualdades econômicas e sociais (ARAÚJO, 1997).

Falando em Estado de Direito, podemos examiná-lo sobre o aspecto da sua contemporaneidade, “que foi marcada principalmente pela incorporação da intervenção estatal na ordem econômica e social, prescrita pelas novas constituições promulgadas em alguns países após a primeira década do século XX.” (ARAÚJO, 1997, p. 32).

Basicamente, o Estado Contemporâneo tem função eminentemente social, é o Estado das Prestações, ou seja, tem como função principal zelar pelo bem-estar social. Pode-se dizer que temos, então, uma integração entre Estado e sociedade civil, pois o Estado passa a agir. Ele não apenas garantiria as relações sociais como passaria a promover tais relações. Conforme reforça Araújo (1997, p. 32), “O Estado sai da condição de tutor das liberdades para a de promotor da ação social.”

Os direitos fundamentais representam a liberdade pessoal, política e econômica, criando um entrave contra o poder de ação do Estado, sendo o contrário dos direitos sociais que representa o direito de participação no poder político. Contudo, a forma do Estado se altera, conforme explica Araújo (1997, p. 33):

É a oscilação entre a garantia do „status quo‟ dada pelos direitos fundamentais e aquelas demandas vinda da sociedade que se transformam em direitos sociais. Essa emergência de novos direitos reclamados pela sociedade modifica a estrutura formal do Estado. „Se os direitos fundamentais são a garantia de uma sociedade burguesa

(20)

separada do Estado, os direitos sociais, pelo contrário, representam a via por onde a sociedade entra no Estado, modificando lhe a estrutura formal'.

Analisando a função social do Estado Contemporâneo, podemos dizer que este surgiu com a Constituição Mexicana de 1917 e com a Constituição de Weimer de 1919, e que tem sua estrutura voltada à sociedade. Quanto a seu desempenho, se dará com o cumprimento da sua função social, concebida a partir de dois elementos diferentes, mas que se complementam: dever de agir e ação.

Além disso, enquanto os direitos fundamentais representam a garantia do status quo, os direitos sociais, ao contrário, são a priori imprevisíveis, mas hão de ser sempre atendidos onde emerjam do contexto social. Daí que a integração entre estado de direito e estado social não possa dar-se no âmbito constitucional, mas só ao nível legislativo e administrativo. Se os direitos fundamentais são a garantia de uma sociedade burguesa separada do estado, os direitos sociais, em vez disso, representam a via por onde a sociedade entra no estado, modificando-lhe a estrutura formal. (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 401).

Nesse sentido, o Estado Democrático de Direito inclui um novo espaço referente à formulação do Estado Moderno, ou seja, um novo espaço para interpretações construtivas, buscando outra forma de legitimação. Nesse contexto, o Poder Judiciário adquire uma concepção política de proteção ao ideal democrático, não só de representação via procedimentos eleitorais, mas de efetiva participação, em uma espécie de “ativismo judicial”.

Para entender mais sobre o Estado Democrático de Direito, Zimmermman (2002, p. 64) mostra algumas características básicas mediante a relação entre os ideais da democracia e a limitação do poder estatal:

a) soberania popular, manifestada por meio de representantes políticos; b) sociedade política baseada numa Constituição escrita, refletidora do contrato social estabelecido entre todos os membros da coletividade; c) respeito ao princípio da separação dos poderes, como instrumento de limitação do poder governamental; d) reconhecimento dos direitos fundamentais, que devem ser tratados como inalienáveis da pessoa humana; e) preocupação com o respeito aos direitos das minorias; f) igualdade de todos perante a lei, no que implica completa ausência de privilégios de qualquer espécie; g) responsabilidade do governante, bem como temporalidade e eletividade desse cargo público; h) garantia de pluralidade partidária; i) “império da lei”, no sentido da legalidade que se sobrepõe à própria vontade governamental.

Diante de tal definição, é possível dizer que o Estado Democrático de Direito é um conceito que designa qualquer Estado que se aplica a garantir respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas garantias fundamentais. (SANTOS, 2016).

(21)

Sabe-se que o Estado Democrático de Direito foi instaurado no ordenamento jurídico brasileiro mediante a promulgação da Constituição Federal de 1988, que em seu preâmbulo diz:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (BRASIL, 1988, p. 5).

No contexto acima, pode-se identificar três concepções, o Estado de direito, democrático e social, que representam uma unidade apenas, cujo significado é a transformação do status quo. O fato é que na Constituição de 1988, o objetivo do Estado é, também, o desenvolvimento social, no qual suas normas devem ser efetivadas, valorizando o homem através da distribuição mais equitativa da riqueza e do acesso aos bens fundamentais à sua subsistência.

Esse sentido não deve ser separado daqueles colocados pelo art. 3º da Constituição Federal, o qual dispõe quais são os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, ou seja, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que garanta o desenvolvimento nacional, que erradique a pobreza e a marginalização, reduza as desigualdades sociais e regionais, dentro de uma sociedade sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor e idade. É exatamente dentro desse contexto legal-constitucional que se insere no capítulo consagrado à „Ordem Econômica e Social‟ a subordinação do direito de propriedade ao exercício de sua função social e, em especial (considerando a temática em estudo), a propriedade fundiária que é passível de desapropriação. (ARAÚJO, 1997, p. 47).

Percebemos, no decorrer da leitura até o momento, que, mediante o avanço dos direitos conquistados pelo homem, a forma de atuar do Estado vem se modificando. Antes era responsável apenas pelo resguardo e segurança dos direitos individuais, passando, agora, a atuar nas mais diversas áreas, visando a atender os direitos subjetivos sociais de índole coletiva. Conforme o Estado vai se modificando para atender as demandas sociais, também surge uma série de conceitos fundamentais ao direito que vão se adaptando às novas contingências da realidade social e, é claro, que o mesmo acontece com a noção jurídica de propriedade.

A partir de agora, mostrar-se-á o ponto de partida da questão agrária na Constituição da 1988, que se encontra sob o regime do Estado Democrático de Direito.

(22)

Observa-se que a questão agrária recebeu atenção especial na constituição de 1988, pois no Título VII, o capítulo III trata sobre a Política Agrícola e Fundiária da Reforma Agrária. Ponto importante este, pois nas constituições anteriores não havia um ponto específico sobre tal instituto e na constituição/88, a questão agrária recebeu um capítulo exclusivo. Pode-se dizer que a partir daí se deu um inicio ao Direito Agrário Constitucional.

Quanto à Reforma Agrária, em específico, tem-se o art. 184 da CF/88:

Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. (BRASIL, 1988, p. 63).

Recordando os fatos envolvidos na elaboração da CF/88, percebe-se que o constituinte atendeu ao apelo oriundo do campo, reafirmando a necessidade de mudanças na estrutura e distribuição da malha fundiária. Foi aí que surgiu a compatibilidade do exercício da função social com o direito de propriedade, cujo fim é o alcance da justiça social no campo através da instrumentalização do instituto da reforma agrária, conjuntamente com o desenvolvimento de uma política agrícola (ARAÚJO, 1997).

A CF/88, em seu art. 5º, ao dispor de interesses individuais e coletivos, garante o direito à propriedade. Este direito é clausula pétrea, ou seja, o direito à propriedade no sistema constitucional brasileiro é de direito fundamental.

A garantia constitucional á propriedade significa que o sistema jurídico brasileiro assegura a propriedade privada dos bens de consumo e de produção, deixando claro, portanto, que o regime econômico-constitucional da República Federativa do Brasil é o capitalista, deitando suas bases na economia de mercado e na livre concorrência. (MATTOS NETO, 2006, p. 4).

Parte-se do art. 184 da CF/88, pois neste e nos artigos seguintes até o art. 91 do Capítulo III, estão transcritos os principais institutos do Direito Agrário brasileiro, a começar pelo instituto da reforma agrária.

(23)

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)2 define Reforma Agrária como:

[...] o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social, e ao aumento de produtividade (Estatuto da Terra - Lei nº 4504/64).

De acordo com Ferreira (apud ARAÚJO, 1997, p. 114, grifo do autor),

Diante do exposto, já se pode previamente apreender que a reforma agrária surge quando se está diante de um conflito, onde se opõem duas forças contrárias: grandes proprietários e trabalhadores rurais. E o que está em jogo é o acesso desses trabalhadores à terra, só possível na medida em que se modifica a estrutura fundiária, com objetivo distributivo, isto é, mudança do estado agrário vigente.

A Reforma Agrária tem o objetivo de proporcionar a desconcentração de grandes extensões de terras improdutivas em que se tem apenas um “dono”, e também a democratização da estrutura fundiária, o que proporcionaria a promoção da cidadania e da justiça social, haveria geração de emprego/ocupação e renda, bem como a redução da migração campo-cidade. Encontramos a definição de reforma agrária no Estatuto da Terra (Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964), em seu art. 1º, §1º: “Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento da produtividade.” (BRASIL, 1964).

O que se busca com a reforma agrária atualmente desenvolvida no país é a implantação de um modelo de assentamento rural baseado na viabilidade econômica, na sustentabilidade ambiental e no desenvolvimento territorial (INCRA, 2016).

Conforme foi exposto anteriormente, a CF/88 traz a reforma agrária em seus dispositivos, mas, no Estatuto da Terra, se encontra a definição de reforma agrária, que cabe mencionar. A definição de reforma agraria, conforme a Lei 4.504/64 é:

2

É uma autarquia federal da Administração Pública brasileira. Foi criada pelo decreto nº 1 110, de 9 de julho de 1970, com a missão prioritária de realizar a reforma agrária, manter o cadastro nacional de imóveis rurais e administrar as terras públicas da União. Está implantado em todo o território nacional por meio de 30 Superintendências Regionais.

(24)

Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade (BRASIL, 1964).

Neste contexto, a redistribuição se dá com a modificação do regime de posse, sobre os ditames da justiça social e do desenvolvimento. O que o Poder Público deve levar em consideração, são os problemas sociais que decorrem da má distribuição de terras, o que o obriga a intervir e corrigir tal situação, ou seja, uma melhoria na distribuição.

Neste capítulo, tratamos basicamente sobre o que levou o Brasil a criar normas/legislação que regulamentassem as relações feitas no meio rural, ou seja, de matéria agrária, bem como organizar uma estrutura de reforma agrária. Sobre os aspectos históricos deste instituto, podemos observar que este é um assunto antigo, que ao longo dos anos vem sendo tratado a cada dia com mais frequência e seriedade, devido a sua importância, mas que acaba sem encontrar uma solução que agrade a todos e que resolva o problema.

(25)

2 REFORMA AGRÁRIA

Reforçando tal importância, refere Marques (2012, p. 127) que: “Sem dúvida, o tema Reforma Agrária se situa entre os mais importantes no estudo do Direito Agrário.”

Observa-se que o direito agrário não é o mesmo que reforma agrária, embora ambos tenham a mesma importância. Por ser uma questão um pouco difícil de resolver, que envolve muitas pessoas e é claro, atinge boa parte da economia do país, acaba por gerar muitas discussões, mas sem ser levada a sério como deveria. Só que por outro lado, este é um tema que, conforme o tempo passa, e as necessidades da população mudam, acaba estando mais presente no cotidiano do povo brasileiro.

Importante frisar que a reforma agrária, conforme opinião publica, não é apenas uma mera redistribuição de terra, vulgarmente dita como: tirar daquele que possui a terra porque comprou e pagou, para dar de graça para aquele que não trabalhou para ter. Isto exige um planejamento que, a longo prazo, deve proporcionar ao beneficiário o acesso ao subsídio e ao crédito, bem como o apoio técnico e infraestrutura adequada para movimentar e aumentar a produção, pois, a partir do momento que aquele que ganhou a terra passa a produzir, não só para seu sustento, como também para o comércio, toda a população também tem benefícios, como por exemplo, beneficiando a economia do nosso país, em que boa parte é mantida com a produção do meio rural. Nesse sentido, afirma Barcellos (2013):

[...] a não realização da reforma agrária não é apenas uma situação objetiva de injustiça social, mas afeta a produção agrícola dos mais diversos cultivares necessários para a subsistência da população de um país, ou seja, é uma questão que transpassa o campo político, social, técnico e econômico.

Ao se examinar a origem do direito agrário no Brasil, ficaram demonstrados os efeitos nocivos que foram gerados pelo sistema das sesmarias durante o processo de colonização do país. Este foi um dos responsáveis pela latufindização das terras brasileiras. Também foi tratado sobre o tempo em que o país permaneceu carente, ou seja, sem nenhuma legislação que tratasse sobre as suas terras, do período de término das sesmarias, em 1822, até a criação da Lei de Terras em 1982. Como consequência, destaca Marques (2012, p. 127):

A longa ausência de leis reguladoras de formas aquisitivas de terras – calculadamente 28 anos – oportunizou não apenas a concentração de extensas áreas

(26)

nas mão de poucos, como também a proliferação de minifúndios, igualmente nocivos até para os próprios minifundiários.

O assunto é de tal importância que é preciso conceituar a reforma agraria, mediante a ideia que se tem de que o direito agrário é como um compromisso de transformação, que tem o sentido de reformulação da estrutura fundiária. Assim, o próprio Estatuto da Terra se preocupou em definir o que se entende por reforma agrária, em seu § 1º do art. 1º: “Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.” (BRASIL, 1964).

Conhecido o conceito jurídico, cabe citar o conceito etimológico da reforma agrária:

Etimologicamente, reforma vem das palavras re e formare, lembra Nestor Duarte. Reforma significa mudar uma estrutura anterior, para modificá-la em determinado sentido. O prefixo re significa a ideia de renovação, enquanto formare é a maneira de existência de um sentido ou de uma coisa. Reforma agrária é, pois, na acepção etimológica, a mudança do estado agrário vigente. Mas uma mudança tem de operar-se em determinado operar-sentido. Procura-operar-se mudar o estado atual da situação agrária. Esse estado que se procura modificar é o do feudalismo agrário e da grande concentração agraria em benefício das massas trabalhadoras do campo. Por consequência, as leis de reforma agrária se opõem a um estado anterior de estrutura agrária que se procura modificar. (FERREIRA, 1998, p. 152, grifo do autor).

Diante de tais conceitos, é possível afirmar que a reforma agraria é uma revisão das normas e um novo regramento que disciplina a estrutura agrária no país, que visa a valorização da mão de obra do homem com o consequente aumento da produção rural, com a utilização racional e controlada da propriedade rural, ou seja, é um programa do governo federal que busca democratizar a propriedade da terra na sociedade e garantir o seu acesso a qualquer pessoa que a queira para usufruir e produzir. É também instrumento utilizado pelo Estado, que desapropria latifúndios e grandes fazendas e redistribui aos que tem pouca ou nenhuma terra.

É perfeitamente compreensível que, em qualquer conceito que se dê á Reforma Agrária, se coloque, em primeiro plano, a modificação da estrutura fundiária, ou, como diz seu texto legal transcrito, „modificação do seu regime de posse e uso‟, bem como a sua redistribuição, porque, se assim não fosse, não seria reforma. Mas não se pode abstrair a sua finalidade precípua, que o próprio legislador cuidou em determinar: atender aos princípios da justiça social e ao aumento da produtividade. (MARQUES, 2012, p. 130, grifo do autor).

(27)

Conforme citação acima, promover a justiça social e o aumento da produtividade, são os objetivos básicos da reforma agrária. O Estatuto da Terra trata de tais objetivos que devem ser atingidos com qualquer programa de reforma agrária, no seu art. 16, assim expresso:

A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento do País, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio. (BRASIL, 1964).

Já no Decreto nº 55.891/65, em seu art. 1º, o legislador tratou com mais abrangência os principais objetivos da Reforma Agrária e reforçou o que diz o estatuto da Terra, dispondo:

A Reforma Agrária a ser executada e a Política Agrícola a ser promovida, de acordo com os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, na forma estabelecida na Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, Estatuto da Terra, terão por objetivos primordiais:

I – A Reforma Agrária: a melhor distribuição da terra e o estabelecimento de um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, que atendam aos princípios da justiça e ao aumento da produtividade, garantindo o progresso e o bem- estar do trabalhador rural e o desenvolvimento do País, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio. (BRASIL, 1965).

Em verdade, não é possível limitar os objetivos da reforma agrária, pelo fato deste ser um instituto amplo. Não sendo correto restringi-los ao aumento da produtividade ou ao princípio da justiça social. Nas palavras de Ferreira (2012), os objetivos são muito mais abrangentes, pois ele também se presta para aumentar o número de proprietários rurais, reduzindo o nível de concentração e serve também para reduzir o êxodo rural e aumentar o numero de empregos.

Como beneficiários da reforma agrária, temos, no art. 19 da Lei nº 8.629/93, o homem e a mulher, indistintamente e independentemente do seu estado civil, cuidando da seguinte ordem de preferência:

I – o desapropriado, a quem é assegurada a preferencia para a parcela na qual se situe a sede do imóvel;

II – os que trabalham o imóvel desapropriado, tais como posseiros, assalariados, parceiros e arrendatários;

III – os que trabalham como posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários, em outros imóveis;

IV – os agricultores cujas propriedades não alcancem a dimensão da propriedade familiar;

V – os agricultores cujas propriedades sejam, comprovadamente, insuficientes para o sustento próprio e de sua família. (BRASIL, 1993).

(28)

Sobre a transferência de posse dos imóveis que foram objetos de desapropriação, os beneficiários podem receber títulos de domínio (doação, venda etc.), ou por meio de concessão de uso. Em ambos, é incluída uma cláusula que veda ao novo proprietário dispor desta propriedade por prazo mínimo de 10 (dez) anos. Este assume o compromisso de cuidar e cultivar a terra pessoalmente, ou através de sua família, ou seja, mão-de-obra familiar. Sendo assim, perguntamos: Quais são os órgãos encarregados de cuidar da reforma agrária? Ferreira (1998, p. 156) responde:

Os órgãos encarregados da reforma agrária no Brasil são os seguintes: o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), instituído pelo Decreto-Lei n. 1.110, de 9 de julho de 1970, que absorveu o IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária) e o INDA (Instituto Nacional do Desenvolvimento Agrário). Também foi criado o Mirad (Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário), por decreto do Presidente José Sarney, com a finalidade de efetivar negociações políticas e instituir um planejamento global coordenador de todas as atividades, porém tal Ministério foi extinto.

Apenas atualizando tal citação, as competências do Mirad foram incorporadas ao Ministério da Agricultura, e a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD) também tem como competência a reforma agrária, com enfoque na propriedade familiar.

Atualmente, a reforma agrária se dá quando ocorre a desapropriação de parte de uma propriedade que possui uma grande quantidade de terras improdutivas, ou seja, aquela que não está cumprindo com a sua função social.

2.1 Função social do imóvel rural

Conforme dito anteriormente, a reforma agrária tem como principal objetivo a redistribuição de terras, em que se buscam propriedades que não estejam cumprindo com a sua função social, sendo assim, passíveis de desapropriação.

É bastante atual a afirmação de que a função social do imóvel rural é o centro em torno do qual gravita toda a doutrina do Direito Agrário. Essa afirmação não é de todo desarrazoada. [...] No Brasil, particularmente, esse princípio está profundamente arraigado, de sorte que a legislação agrária dele se ocupa em diferentes textos, como a dizer que ele constitui, realmente, o cerne do jusagrarismo. E não podia se diferente, na medida em que a necessidade de reforma agrária em nosso país é explicada exatamente pelo elevado índice de concentração de terras nas mãos de poucos, sem que estejam cumprindo a sua função social. (MARQUES, 2012, p. 33, grifo do autor).

(29)

No Brasil, a primeira vez que a função social apareceu, foi na Constituição de 1934, garantindo o direito a propriedade que não pode ser exercido contra o interesse coletivo ou social. Posteriormente, a Carta de 1946 traz a possibilidade da desapropriação pelo interesse social e, ainda, promover com igual oportunidade para todos a justa distribuição de terras.

Nas Constituições de 1967 e 1969 temos uma inovação, nas quais observamos o pagamento sobre a desapropriação dos imóveis rurais. Na atual Constituição Federal de 1988 que acontece o verdadeiro coroamento da função social da propriedade, como clausula pétrea alinhavando a propriedade como um direito e como dever a ela, a função social.

Na verdade o nosso texto constitucional vigente não baniu o direito de propriedade, que sempre foi consagrada em todas as Constituições, até aqui. Apenas o contemplou, em inciso próprio, mas, em outro, o condicionou ao cumprimento da função social. (MARQUES, 2012, p. 34).

Também, em seu art. 170, incisos II e III, é citada como princípios gerais da ordem econômica, a propriedade privada e a função social da propriedade. Nesse sentido, coube ao Estatuto da Terra no seu art. 2º, §1º, conceituar:

Art. 2° É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.

§ 1° A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:

a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias;

b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) assegura a conservação dos recursos naturais;

d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem. (BRASIL, 1964).

Considerado a Constituição Federal de 1988, que declara em seu art. 5º, inciso XXIII, que a propriedade atenderá a sua função social, juntamente com o art. 2º do Estatuto da Terra pode-se dizer que o art. 186 da CF/88 os complementa, conforme segue:

A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. (BRASIL, 1998, p. 63).

(30)

Observa-se que a propriedade continua garantida enquanto expressão de direito, mas cabe um dever ao seu proprietário que está vinculado a um elemento econômico, a um elemento social e a outro ambiental, tópicos constantes no art. 186 para expressar o cumprimento da função social da propriedade rural (MANIGLIA, 2006).

Ao ver do Estatuto da Terra, não havia dúvida sobre a classificação do imóvel rural, em minifúndio3, latifúndio4 e empresa rural5. Mas, com a entrada em vigor da Constituição Federal, foram introduzidas as categorias de pequena propriedade, média propriedade e propriedade produtiva.

Para não surgir dúvidas quanto ao conceito de propriedade, é importante distinguir a pequena e média propriedade e de propriedade produtiva, pois estas são consideradas insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária, conforme art. 185 da CF/88:

São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I – a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra;

II – a propriedade produtiva.

Paragrafo único: A lei garantira tratamento especial á propriedade produtiva e fixara normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social. (BRASIL, 1998, p. 63).

A Lei 8.629/93 conceituou basicamente a pequena propriedade, sendo esta o imóvel rural de área compreendida entre um e quatro módulos fiscais6.

Como se vê, a definição de „pequena propriedade‟ ficou resumida ao tamanho da área do imóvel, de um a quatro módulos fiscais, não se exigindo o componente familiar ínsito na regra constitucional de sua impenhorabilidade ditada no inc. XXVI do art. 5º da Constituição Federal. (MARQUES, 2012, p. 59).

3

“O minifúndio é uma área rural menor que a da propriedade familiar e é tido como nocivo à função social da terra. [...] Em suma, o minifúndio é o imóvel rural de área inferior à unidade econômica básica para determinada região e tipo de exploração.” (FERREIRA, 1998, p. 218).

4

“O latifúndio pode ser definido, no direito agrário brasileiro, como o imóvel rural de área igual ou superior ao módulo, mantida inexplorada ou com exploração incorreta, ou, ainda, de dimensão incompatível com a razoável e justa repartição da terra.” (FERREIRA, 1998, p. 220).

5

“I - é um empreendimento que se consubstancia na exploração de atividades agrárias; II – pressupõe um estabelecimento, composto de uma área de imóvel rural, pertencente ou não ao empresário; III – tem por finalidade o lucro; IV – é de natureza civil, portanto, não é comercial nem industrial.” (MARQUES, 2012, p. 64). 6

O módulo fiscal é a medida que define o enquadramento das propriedades em pequenas, médias e grandes. A quantidade de hectares por módulo fiscal varia a cada município, sendo que no estado do Rio Grande do Sul, que apresenta culturas diversificadas, os módulos fiscais ficam, em média, entre 18 e 20 hectares, podendo chegar a 40 (CANAL RURAL, 2012).

(31)

A média propriedade é o imóvel rural de área superior a quatro e inferior a quinze módulos fiscais. Não há muito que comentar sobre tal figura jurídica, tendo em vista que este é nova no contexto legislativo, o que se pode dizer, é a respeito da insuscetibilidade de desapropriação, que não é absoluto (MARQUES, 2012).

A propriedade produtiva é aquela explorada econômica e racionalmente. Atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração (GEE), que, de acordo com a tabela do INCRA7, deverá ser igual ou maior do que 100%. Caso não atingir este número, significa que não há produtividade. Considerando que para toda regra tem uma exceção, quando houver razão de força maior ou caso fortuito (ex: estiagem, enchentes, doenças), devidamente comprovados por órgão competente, a propriedade que não atingir graus de eficiência exigidos não perderá sua qualificação de propriedade produtiva (INCRA, 2016).

Qualificar o imóvel rural parece ser fácil se não fosse o conflito entre o Direito Tributário e o Direito Agrário. O primeiro utiliza a localização do imóvel para definir o pagamento do tributo entre Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) ou o Imposto Territorial Rural (ITR). No Direito Agrário, a diferenciação ocorre pela destinação de cada imóvel.

Hoje se tem o consenso de que as prefeituras municipais delimitem zona urbana e zona rural, conforme disposto no Estatuto da Cidade, verificando o seu planejamento urbanístico.

Obviamente que o bom senso e a racionalidade deverão ser elementos indispensáveis neste planejamento, pois não se pode admitir que uma área de terras produtivas se localize em zona urbana e pague IPTU em decorrência da cidade ter se aproximado dela. São casos cada vez mais raros, mas chama pelo bom senso ao se delimitar urbano e rural, pois desta definição é que virão as consequências típicas. (MANIGLIA, 2006, p. 35).

Sendo assim, a maior importância é para fins da incidência de direitos e obrigações, como para elaboração de contratos agrários, tributação, usucapião, fracionamento de imóveis, para fins de desapropriação para reforma agrária e também para não ocorrer a perda por penhora da pequena propriedade.

7

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) é autarquia da administração publica, e tem por objetivo realizar a reforma agrária.

(32)

Encontra-se, no Estatuto da Terra, a conceituação legal do imóvel rural, no art. 4º, I, assim reproduzido:

Art. 4º - Para os efeitos dessa lei, definem-se:

I – Imóvel Rural, o prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine á exploração extrativa agrícola, pecuária ou industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada. (BRASIL, 1964).

Importante frisar que o critério utilizado para identificação do imóvel rural, a partir do vigor do Estatuto da Terra é o da destinação, o que anterior a lei era o da localização. O Código Tributário Nacional, através do Decreto-lei nº 57, em seu art. 158, com publicação e vigência em 18 de novembro de 1966, reforçou o critério da destinação. Sobre a área contínua, a qual se refere o artigo 4º do Estatuto da Terra, Marques (2012, p. 32, grifo do autor) explica:

[...] a explicação do que seja área contínua. Dizem, com efeito, que por área há de ser entendido aquele terreno destinado a uso rústico na agricultura, e contínua significa a utilitas, isto é, deve haver continuidade na utilidade do imóvel, embora haja interrupção por acidente, por força maior, por lei da natureza ou por fato do homem [...] Há unidade econômica na exploração do prédio rústico, a vantagem é econômica e não física, como aparenta a expressão legal. Se a propriedade é dividida em duas partes por uma estrada ou um rio, embora não haja continuidade no espaço, há continuidade econômica, desde que seja explorada convenientemente por seu proprietário. É o proveito, a produtividade, a utilidade que se exige da continuidade da área que constitui o imóvel rural.

Para este trabalho importa a ligação do imóvel rural com o cumprimento da sua função social para que este não sofra a desapropriação, conforme diz Marques (2012, p. 30): “Realmente, foi por efeito da incorporação do princípio da função social no texto constitucional brasileiro que o Estatuto da Terra absorveu o critério da destinação como elemento diferenciador entre imóvel rústico e urbano.” Nesse sentido, o art. 184 da CF/88 dispõe que será passível de desapropriação o imóvel rural que não esteja cumprindo com a sua função social para fins agrários.

Maniglia (2006) diz que vale a definição de imóvel rural composta na Lei nº 8.629, art. 4º, que define como imóvel rural o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização e que se destine a exploração agrícola, pecuária ou extrativa vegetal, ou seja, o

8

O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal agrícola pecuária ou agroindustrial, incidindo assim sobre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrado.

Referências

Documentos relacionados

A Coordenação de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão (COPPEX) da FAHESA/ITPAC - Palmas, no uso de suas atribuições legais, torna público o presente Edital de abertura de

A foto retrata os alunos da primeira turma onde a Professora Donida Ferreira Tomasini (destacada na foto), autora dos cadernos de planejamento, foi aluna,

processo continuo de formação durante a sua vida escolar, tendo bons resultados seja na matemática ou em qualquer outra disciplina. A Matemática deveria ser ensinada

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Contudo, pelas análises já realizadas, as deformações impostas às placas pelos gradientes térmicos devem ser consideradas no projeto deste tipo de pavimento sob pena de ocorrer

À União compete a desapropriação por interesses sociais, para fins de reforma agrária, a propriedade rural que não estiver cumprindo com sua função social, mediante prévia e

Como já destacado anteriormente, o campus Viamão (campus da última fase de expansão da instituição), possui o mesmo número de grupos de pesquisa que alguns dos campi