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O Papel do Relatório Psicopedagógico na Educação de Alunos com Autismo

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Universidade

Católica de Brasília

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

STRICTO SENSU EM PSICOLOGIA

Mestrado

O PAPEL DO RELATÓRIO PSICOPEDAGÓGICO NA

EDUCAÇÃO DE ALUNOS COM AUTISMO

Karina Costa Leal Brandizzi

Orientadora: Draª Tânia Maria de Freitas Rossi

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KARINA COSTA LEAL BRANDIZZI

O PAPEL DO RELATÓRIO PSICOPEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO DE ALUNOS COM AUTISMO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicologia na área de desenvolvimento humano nos contextos socioeducativos. Orientadora: Drª Tânia Maria de Freitas Rossi

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Dissertação de autoria de Karina Costa Leal Brandizzi, intitulada “O PAPEL DO RELATÓRIO PSICOPEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO DE ALUNOS COM AUTISMO”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia da Universidade Católica de Brasília, em 18 de setembro de 2009, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

Profª Drª Tânia Maria de Freitas Rossi Orientadora

Psicologia-UCB

Profª Drª Arlete Aparecida Bertoldo Miranda Faculdade de Educação-UFU

Profª Drª Sandra Francesca Conte de Almeida Psicologia-UCB

Profª Drª Divaneide Lira Lima Paixão Psicologia-UCB

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AGRADECIMENTOS

Às professoras Sandra Francesca, Arlete Miranda e Divaneide Lira, pela valorosa apreciação crítica e, em especial, à professora Tânia Rossi, pela contribuição inestimável para a efetivação deste trabalho.

À Lúcia e Hellen, colegas de antes e amigas de hoje e, especialmente, à Marcinha, amiga de sempre.

Aos integrantes do Projeto de Pesquisa Perturbações do Espectro de Autismo, pela oportunidade da rica convivência.

À Secretaria de Estado de Educação, por valorizar a formação contínua dos seus profissionais e às muitas colegas que, pela ética e competência, deram-me o afável prazer da convivência durante alguns anos da minha trajetória de vida profissional, especialmente Daisy, conselheira e incentivadora.

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RESUMO

Referência: BRANDIZZI, Karina Costa Leal. Título: O Papel do Relatório

Psicopedagógico na Educação de Alunos com Autismo. 2009. 199 fl.

Dissertação de Mestrado (Psicologia) – Universidade Católica de Brasília, Brasília-DF, 2009.

O propósito deste estudo foi avaliar, na perspectiva do professor, qual o papel do relatório psicopedagógico e se há necessidade de este ser aprimorado para ajudar na estruturação das ações pedagógicas direcionadas ao aluno autista. Foram entrevistados 16 professores que estão em efetivo trabalho docente junto a alunos autistas na rede pública de ensino do Distrito Federal, e suas falas foram submetidas a uma análise de conteúdo. Os resultados indicaram que, para os professores, o relatório psicopedagógico é um documento de grande importância no subsídio à educação de alunos com autismo. Por meio dele, são conhecidas as conclusões diagnósticas da avaliação, as particularidades do indivíduo avaliado, suas possibilidades de desenvolvimento e especificidades do transtorno, havendo, ainda, informações sobre a dinâmica familiar. Os resultados igualmente mostraram que, como vem sendo apresentado, o relatório não atende por completo à elevada expectativa dos professores em torno da escolarização do aluno com autismo. Para que se tornem mais eficazes no cumprimento da função de subsidiário à educação desses alunos, os RPs precisam fornecer informações mais detalhadas sobre a dinâmica de desenvolvimento do aluno ao longo do processo de escolarização, necessitam ser atualizados com frequência e devem envolver a participação dos professores no processo de avaliação do aluno. A despeito de, historicamente, o objetivo do RP ser o de subsidiar a educação do aluno em questão, estes resultados, aliados à proposta de dinamicidade e intervenção em tempo real da educação inclusiva, indicam a necessidade de mudança das concepções. Os resultados advertem para a necessidade de considerar o RP como apenas mais um instrumento ou recurso de apoio na educação dos alunos com deficiência e, por isso, deve ser analisado e considerado como um documento que procura expressar as condições de desenvolvimento quando do momento da avaliação inicial. As características do desenvolvimento ao longo do processo de escolarização devem ser alvo de análise da equipe pedagógica, em parceria com professores e demais envolvidos com os interesses educacionais do aluno.

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ABSTRACT

Reference: BRANDIZZI, Karina Costa Leal. Title: The role of the

psychopedagogical report in the education of autistic students. 2009. 199 pg.

Masters Thesis (Psychology), Catholic University of Brasília, Brasília-DF, 2009.

The point of this study was to evaluate, from a teacher’s perspective, the role of the psychopedagogical report (PR) and to verify any necessity of its improvement, so as to aid in the structuring of pedagogical actions directed toward autistic students. 16 teachers actively engaged in teaching autistic students in public schools from the

Distrito Federal were interviewed. The content of their interviews was then analyzed. The results indicated that, to the teachers, the psychopedagogical report is a document of great importance for the education of students with autism. The PR reveals the diagnostic conclusions of the evaluation, particularities of the individual evaluated, developmental possibilities, specifics of the disorder that affects the student, and also, information regarding family dynamics. The results also revealed that the report, in the way it is usually presented, does not completely fulfill the elevated expectations of the teachers regarding the schooling of autistic students. For the report to be more effective in the accomplishment of the education of these students, it must offer more detailed information regarding the dynamics of the student’s development throughout the schooling process. It must be updated frequently and actively involve the teachers in the student’s evaluation process. With regard to, historically, the purpose of the PR is to subsidize the education of the student in question, these results combined with proposal of dynamic and real-time intervention in inclusive education, indicate the need for changes in conceptions. The results warn of the need to consider the PR as just another instrument or resource to support the education of students with disabilities, and therefore, should be analyzed and considered as a document that seeks to express the development conditions, when the time of initial assessment. The characteristics of development during the process of schooling should to be target analysis of pedagogical team, in partnership with teachers.

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LISTA DE ABREVIATURAS

CAS – Unidades especiais para capacitação de profissionais e atendimento ao aluno surdo

CAPs – Centros de Apoio Pedagógico ao Cego CID – Classificação Internacional de Doenças CIEE – Centro Integrado de Ensino Especial CNE – Conselho Nacional de Educação DF – Distrito Federal

DSM-IV-TR - Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (4ª edição revisada)

DI – Deficiência Intelectual EC – Estudo de Caso

FPS – Funções Psicológicas Superiores LDB – Lei de Diretrizes e Bases

MEC – Ministério da Educação

NEE – Necessidades Educativas Especiais OP – Orientação Pedagógica

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais RP – Relatório Psicopedagógico

RPs – Relatórios Psicopedagógicos

SEE-DF – Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal TEA – Transtorno do Espectro Autista

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11 

2 DESENVOLVIMENTO DA PESSOA COM AUTISMO ... 34 

2.1 O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E O DESENVOLVIMENTO SOCIOAFETIVO NA PESSOA COM AUTISMO 38  3 AS INTERAÇÕES SOCIAIS NO DESENVOLVIMENTO DAS PESSOAS COM AUTISMO ... 51 

3.1 FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES ... 51 

3.2 O FENÔMENO DA COMPENSAÇÃO ... 54 

4 TENDÊNCIA ATUAL ... 58 

5 METODOLOGIA ... 66 

5.1 CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DO ESTUDO ... 67 

5.2 INSTRUMENTO ... 68 

5.3 PROCEDIMENTOS ... 69 

6 A PESQUISA ... 71 

6.1 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ... 72 

6.1.1 Ciência a respeito do RP e das informações por ele veiculadas ... 72 

6.1.2 Informações contidas no RP que auxiliam a prática pedagógica ... 82 

6.1.3 Expectativas do professor em relação ao RP e sugestões para sua elaboração ... 107 

6.1.4 Informações contidas no RP e sua relevância ... 123 

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 127 

8 REFERÊNCIAS ... 131 

9 ANEXOS ... 140 

ANEXO A ... 140 

ANEXO A1 ... 148 

ANEXO A2 ... 151 

ANEXO A3 ... 154 

ANEXO B ‐ ... 162 

ANEXO C ... 170 

ANEXO C1 ... 175 

ANEXO D ... 178 

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emocional.

1 INTRODUÇÃO

O interesse comum de uma grande parcela da sociedade a respeito de temas como os direitos da pessoa com deficiência1, dentre eles o atendimento educacional, tem mobilizado representantes de várias nações a se organizarem para discutir e elaborar – em grandes congressos, conferências e simpósios – ações afirmativas exclusivamente direcionadas a tais parcelas sociais. Foi assim, em 1978, na Inglaterra – onde o conceito de necessidades educativas especiais (NEE) começou a ser difundido – quando foi elaborado o Relatório de Warnock, constituído para reavaliar o atendimento às pessoas com deficiência. No entanto, de acordo com Izquierdo (2006), o conceito NEE só foi adotado e redefinido em 1994, na Espanha, com a Declaração de Salamanca, e passou a abranger todas as crianças e jovens cujas necessidades envolviam deficiências ou dificuldades de aprendizagem. Isso incluia tanto crianças chamadas superdotadas, como também, as crianças em situação de risco, as que trabalhavam, as de populações remotas ou nômades, as crianças pertencentes às minorias étnicas ou culturais e as crianças desfavorecidas ou ‘marginais’, e ainda as que apresentavam problemas de conduta ou de ordem

Assim, na Inglaterra e na Espanha, representantes políticos e estudiosos se reuniram para tratar de assuntos relacionados aos grupos minoritários e às novas perspectivas de inclusão social, principalmente por meio da educação. Nesse sentido, ampliou-se, ainda mais, no despertar do novo milênio, a necessidade de se construir uma escola voltada para a formação de cidadãos, respeitando os princípios que objetivam uma sociedade mais justa. Dessa forma, com base nas ações sugeridas nos documentos provenientes dos encontros mundiais para discussão da

1 ‘Pessoa com deficiência’ é o termo mais atual acordado na Convenção sobre os Direitos das

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educação – tais como o Relatório de Warnock e a Declaração de Salamanca – foi promulgado, no Brasil, o aporte legal que almejou instaurar o movimento de inclusão de todas as crianças na escola. As respostas educacionais, visando uma educação inclusiva, têm evidenciado grande impulso desde então.

Dentre as leis que amparam o direito à educação da pessoa com deficiência, podemos citar:

• A Constituição Federal (BRASIL, 1988) que prevê, no art. 208, atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; acesso ao ensino obrigatório e gratuito e acesso aos níveis mais elevados. E no art. 227, dispõe sobre a criação de programas de prevenção e atendimento para as pessoas com deficiência.

• A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (CARVALHO, 1997) que conceitua a educação especial e dá as características do seu alunado; dispõe sobre o atendimento educacional escolar, sobre as modalidades de atendimento, sobre os serviços de apoio, sobre o currículo, e sobre a avaliação da aprendizagem dos alunos com necessidades especiais. Trata ainda, da organização administrativa, da matrícula, da transferência ou do desligamento do atendimento educacional escolar. Regulamenta o funcionamento de instituições especializadas e privadas, as competências institucionais além de tratar das considerações gerais. (CARVALHO, 1997).

• A Resolução do CNE (Conselho Nacional de Educação) n° 2/2001, que institui as Diretrizes Nacionais para educação de alunos que apresentem necessidades educacionais especiais. Aqui, a educação especial, modalidade da educação escolar, é entendida como “uma proposta pedagógica que assegura recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar, e em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns” (BRASIL, 2001, pg. 69). A educação especial garante uma educação escolar que busca promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos com necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica.

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1.679/99, Lei 10.098/00, Decreto 3.956/01, Lei 10.172/01, Lei 10.436/02, Decreto 5.626/05), o aporte mais consistente, no que se refere à preocupação com a previsão de atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência.

Como decorrência dos debates sobre a universalização da educação, para atender a legislação e, em respeito à diversidade, existe, hoje na escola, uma preocupação de adequação às reais necessidades do aluno, de forma a prover-lhe condições físicas, psicológicas, culturais, sociais e, de qualquer outra índole, que promovam sua permanência. Pode-se dizer que há um consenso emergente de que crianças e jovens com deficiência sejam incluídos na escola comum, tal como a maioria das crianças.

Entretanto, a proposta de que às pessoas com deficiência sejam oferecidos arranjos educacionais que condicionem e garantam sua permanência na escola comum, ou inclusiva – como vem sendo chamada atualmente – não deve, de acordo com Carvalho (1997), ser tomada como uma intenção de tornar normal a pessoa com deficiência. Ao contrário, às pessoas com deficiência devem ser oferecidos serviços educacionais diversificados e diferenciados, pautados na pedagogia centrada no aluno, de forma que acolha as especificidades educacionais e peculiaridades comportamentais demandadas por tal clientela. Considerar a diversidade que se verifica entre os educandos nas instituições escolares requer medidas de flexibilização e dinamização das ações educativas, para atender, efetivamente, às necessidades educacionais.

A crescente tendência de valorização à diversidade tem resguardado o direito da pessoa à educação com variantes educacionais respaldadas em leis. Contudo, conforme mencionado, a perspectiva de educação de qualidade para todos constitui um grande desafio, não apenas em função da diversidade, mas também, em função da realidade, que aponta para uma numerosa parcela de excluídos do sistema educacional, mesmo que estejam frequentando as salas de aula comum. Essa exclusão se caracteriza pelo desconhecimento por parte dos integrantes da comunidade escolar, sobre a variedade comportamental e de manifestações do desenvolvimento explicitadas pelos alunos, que são, na maioria das vezes, incompreendidas.

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segundo uma perspectiva que ultrapassa a simples concepção de atendimentos especializados, tal como vinha sendo sua marca nos últimos tempos. Conforme define a Lei de Diretrizes e Bases – LDB (CARVALHO, 1997), trata-se de uma modalidade de educação escolar voltada para a formação do indivíduo, com vistas ao exercício da cidadania. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999), a educação especial é elemento integrante e indistinto do sistema educacional, realiza-se transversalmente em todos os níveis de ensino, respeitando a diversidade dos alunos, exigindo diferenciação nos atos pedagógicos, de forma a contemplar as suas necessidades educacionais.

As orientações para as ações da educação especial no sistema educacional brasileiro, promanam dos Parâmetros Curriculares Nacionais – Estratégias para educação de alunos com necessidades educacionais especiais (BRASIL, 1999) e das Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001). Tais diretrizes antecipam como direitos fundamentais dos alunos com deficiência, a adoção de ações diferenciadas, no que se refere às adaptações curriculares, à avaliação e à promoção. Apresentam uma abordagem extensiva de estratégias pedagógicas relativas à flexibilização de tempo, aos objetivos, às metodologias e à organização de conteúdos, de forma que possam contemplar as necessidades dos alunos especiais.

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Aqui na capital federal, os serviços de apoio à educação especial praticamente nasceram junto com a cidade. Atualmente, o ensino especial conta com uma ampla rede, de modo a oportunizar o desenvolvimento e a aprendizagem desses alunos. De acordo com o previsto pelo Regimento Interno das Escolas Públicas do Distrito Federal (DISTRITO FEDERAL, 2006b), o atendimento educacional da pessoa com deficiência deve ocorrer preferencialmente em classes comuns da educação básica. Caso contrário, são previstos atendimentos em classes especiais, classes hospitalares, centros de ensino especial e até mesmo em domicílio, se devidamente justificados. Outros serviços de apoio à inclusão tais como unidades especiais para capacitação de profissionais e atendimento ao aluno surdo – CAS, centros de apoio pedagógico ao cego – CAPs, salas de recurso/apoio e serviços itinerantes também são considerados aporte à educação especial no Distrito Federal (DF).

Dentre os serviços de apoio à educação especial constantes na rede oficial de ensino do DF também encontram-se os prestados pelas Equipes de Atendimento e Apoio à Aprendizagem, que são responsáveis pela avaliação psicopedagógica2 dos alunos da rede pública de ensino. Interessa, nesse momento, fazer uma breve explanação histórica, a fim de explicar a origem do serviço de ‘psicodiagnóstico’ na rede pública de ensino do DF, uma vez que é desta instância que provém o Relatório Psicopedagógico (RP), foco da presente pesquisa.

A prestação de serviços de apoio à educação especial no Distrito Federal, como exposto anteriormente, hoje é extensa, mas nem sempre foi assim. Originou-se em 1962, quando foi implantado o atendimento pedagógico aos alunos tidos como “excepcionais” – como eram denominadas, à época, as pessoas com deficiência. O crescimento da demanda em busca de tal atendimento fez com que os órgãos públicos se estruturassem, impulsionando o surgimento, em 1968, da Clínica Psicopedagógica, que tinha como finalidade precípua a tentativa de sistematização do atendimento ‘diagnóstico’. Em 1972, foi implantado um programa de assistência profilática e terapêutica às pessoas com deficiência mental – como era chamada na ocasião a pessoa com deficiência intelectual – e foi criado o Centro de Orientação

2 A avaliação psicopedagógica era também denominada “avaliação diagnóstica” e

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Médico Psicopedagógica – COMPP, órgão da Secretaria de Saúde que funcionava em convênio com a Secretaria de Educação do DF (DISTRITO FEDERAL, 1984). O psicodiagnóstico era feito, então, por uma equipe interdisciplinar formada por profissionais das áreas “psicopedagógica, médica e social” que, quando necessário, deslocava-se para as cidades-satélites. (DISTRITO FEDERAL, 1984, p.07).

De acordo com as primeiras orientações (DISTRITO FEDERAL, 1984), a realização do psicodiagnóstico e elaboração do laudo educacional do aluno poderiam ocorrer em até quatro etapas. Todas as etapas eram realizadas com a participação de diferentes equipes multiprofissionais e o processo de avaliação poderia ser finalizado em qualquer uma delas. O encaminhamento para as etapas subsequentes do processo, em todas as categorias de excepcionalidade, era feito através da ‘Ficha de Encaminhamento do Aluno no Processo de Identificação’, anexada aos documentos originados em cada uma das etapas.

A primeira etapa se realizaria no estabelecimento de ensino, a partir do momento em que o professor observava que o aluno não estava acompanhando a programação escolar e/ou apresentava problemas relacionados à comunicação oral e escrita. De posse dos dados, verificava-se se a aprendizagem do aluno não estava ocorrendo devido a falhas no processo ensino/aprendizagem ou à falta de condições pessoais para aprender, com a utilização de recursos metodológicos comuns. Se constatada a segunda situação, a ficha com as informações coletadas era preenchida pelo professor e o aluno era encaminhado ao Processo de Identificação de Alunos Excepcionais do Sistema Oficial de Ensino do Distrito Federal. Nessa ficha, constavam os dados pessoais do aluno, o histórico escolar, áreas observadas sobre o desempenho do aluno, sendo elas: motricidade, linguagem oral e escrita, audição, visão, aspectos socioemocionais, áreas de interesse, matemática e o rendimento escolar, por bimestre, no ano do encaminhamento (anexo A).

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Na segunda etapa era verificada, também, a necessidade de complementação da avaliação pedagógica – feita em nível de estabelecimento de ensino – aplicado o teste de prontidão e de leitura e escrita e, se necessário, aplicava-se ainda testes para verificar o nível de inteligência (DISTRITO FEDERAL, 1984). Depois disso, era realizado um estudo de caso para decisão do encaminhamento. Se o aluno fosse do ensino regular, o resultado era informado ao estabelecimento de ensino e, caso se suspeitasse que o aluno fosse excepcional, era preenchido um formulário que sintetizava os dados da avaliação realizada: dados da entrevista, resultado dos testes, outras observações e documentos encaminhados (anexo A1) e o aluno iria para a terceira etapa.

No Centro Integrado de Ensino Especial (CIEE), o setor de triagem era responsável pela terceira etapa. Partindo da análise dos dados constantes no dossiê do aluno, providenciava-se a complementação da avaliação com exames neurológicos, técnicas de observação e testes específicos de nível mental, pedagógico, de psicomotricidade e de linguagem. Mais uma vez era realizado um estudo de caso, sendo que poderiam ser convocados membros do CIEE ou da Direção de Ensino Especial para colaborar nas decisões de encaminhamento. Também nessa etapa, se os dados coletados não tivessem sido suficientes para conclusão do caso, encaminhava-se o aluno para a etapa seguinte com a síntese da avaliação realizada: exames médicos, testes de nível mental, teste de psicomotricidade, de linguagem, avaliações pedagógica e comportamental, e documentos encaminhados (anexo A2). Porém, nessa etapa, o aluno já poderia ser encaminhado para o ensino especial. Para isso, era elaborado o laudo educacional, como era chamado o documento com a finalidade de registrar:

[...] o resultado das observações e dos estudos realizados, bem como uma orientação para atendimento do aluno, constando aspectos nos quais o mesmo apresenta desempenho satisfatório e aqueles nos quais necessita de ser trabalhado. (DISTRITO FEDERAL, 1984, p. 13).

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pontos fortes e fracos para atendimento e encaminhamento (anexo A3). Se fosse constatado que os dados coletados eram insuficientes para a identificação e definição do atendimento mais adequado, o aluno era encaminhado para a quarta etapa.

A quarta etapa seria de responsabilidade do COMPP. Lá chegando, o aluno e os dados provenientes das etapas anteriores, a equipe multiprofissional (psiquiatra, neurologista, pedagogo, psicólogo, fonoaudiólogo e psicomotricista) os analisava e decidia o encaminhamento do aluno. De acordo com as conclusões da avaliação, os alunos poderiam ser encaminhados para o ensino regular com a possibilidade de receber atendimento complementar no COMPP, encaminhados para uma classe do ensino especial ou para um Centro de Ensino Especial. Em qualquer um dos casos, os profissionais da equipe multidisciplinar tinham de elaborar o laudo educacional (anexo A3) como documento sistematizador das ações de triagem e avaliação formalizando, assim, a devolutiva ou o resultado da avaliação.

Essas orientações vigoraram até o ano de 1994, quando foram criadas, nos Centros de Ensino Especial, as equipes responsáveis pela avaliação dos alunos oriundos da rede pública de ensino que revelavam queixas de baixo rendimento e problemas comportamentais, dentre outros. Estas eram denominadas ‘Equipe de Atendimento Diagnóstico e Avaliação Psicopedagógica’ (DISTRITO FEDERAL, 1994b) e, compostas por um psicólogo e um pedagogo, faziam o trabalho referente à segunda e terceira etapa de antes. A partir desta época, o COMPP passou a fazer apenas avaliações de diagnóstico médico complementar e emissão de parecer.

Assim como nas primeiras orientações, a avaliação se originava com o encaminhamento do aluno através da ‘ficha de encaminhamento do aluno ao processo diagnóstico’, na qual constavam dados pessoais do aluno, dados familiares, motivo do encaminhamento, informações referentes ao rendimento escolar, comportamento e aspectos emocionais (anexo B).

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psicopedagógico (RP) como produto descritivo do processo de avaliação (anexo B1). Ou seja, o que antes era chamado de ‘Laudo Educacional’ passou denominar-se RP.

Era recomendação da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEE/DF) que, na capa do RP, constasse o cabeçalho com informações sobre a instituição de onde ele se originou e as recomendações gerais, dentre as quais, no primeiro item, constava o seu objetivo: “este relatório deve permanecer na pasta do aluno e seu objetivo é subsidiar o trabalho com o educando em questão”. (DISTRITO FEDERAL, 1994b, p. 40, grifo pessoal).

Assim, o Relatório de Avaliação Psicopedagógica se constituiria como um instrumento formal de caráter informativo e orientador, onde necessariamente deveriam constar os dados pessoais do aluno, o motivo do encaminhamento, informações gerais sobre o aluno, avaliação psicológica e pedagógica, outras avaliações, além das conclusões do resultado do estudo de caso, contendo alternativas de encaminhamento apropriadas e ainda, indicação dos procedimentos educacionais a serem adotados na elaboração do plano educacional (anexo B1). (DISTRITO FEDERAL, 1994b).

As orientações para o atendimento diagnóstico e de avaliação permaneceram assim até 2004, quando houve uma fusão das ‘Equipes de Atendimento Diagnóstico e Avaliação Psicopedagógica’, que atuavam nos Centros de Ensino Especial com as ‘Equipes de Atendimento Psicopedagógico’, que atuavam nas escolas do ensino regular. Antes da fusão, as últimas eram responsáveis, exclusivamente, pelo atendimento psicopedagógico e preventivo aos alunos de 1° e 2° graus da rede oficial de ensino, visando à melhoria do seu desempenho escolar. As primeiras detinham a responsabilidade da avaliação de alunos suspeitos de possuir uma deficiência no desenvolvimento e também de encaminhá-los, conforme o caso, às classes ou centros de ensino especial. (DISTRITO FEDERAL, 1994a, 1994b).

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o seu produto: o RP. Assim, ao mesmo tempo em que aumentou o quantitativo de equipes, mudou também sua composição e sua função, ampliando-se seus objetivos – tal como ratifica a orientação pedagógica (OP) publicada em 2006. Com a fusão, além de avaliar os alunos, visando sistematizar as ações que constituem o processo de diagnóstico e avaliação psicopedagógica na rede oficial de ensino do DF, fornecendo subsídios que orientem o professor na elaboração da programação educacional, as equipes também passaram a sensibilizar as famílias para maior participação no processo educativo e intervir na comunidade escolar de forma preventiva.

Como efeito desse processo, as equipes ganharam, em sua composição, o orientador educacional, como mais um profissional atuante – além do psicólogo e do pedagogo sem habilitação específica. É importante salientar que, logo que o serviço de avaliação e diagnóstico psicopedagógico foi criado, as equipes eram compostas por profissionais da área médica, da área social e psicopedagógica. Não consta, nos documentos pesquisados (DISTRITO FEDERAL 1984, 1994a, 1994b, 2006a, 2006b) quando, exatamente, as equipes multidisciplinares perderam os profissionais das áreas social e médica, o que certamente gerou um prejuízo na qualidade das avaliações realizadas. A perda destes profissionais empobrece a avaliação psicopedagógica como iniciativa que propõe a análise do desenvolvimento global do indivíduo. Realizar uma avaliação diferenciada exige um esforço corporativo de muitos profissionais no sentido de unir ações, comungar objetivos, adequar referenciais, priorizando a consecução das metas educacionais para o aluno em questão. Ou seja, se a nova proposta ampliava a função das equipes, o ideal é que tivesse aumentado também a multiplicidade de profissionais que nelas atuam.

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Assim como previam as orientações para avaliação dos alunos em 1984 e em 1994, o atual processo de avaliação se inicia com o encaminhamento do aluno através de uma ficha a ser preenchida pelo professor. Esta ficha, porém, assim como o relatório, é muito mais sintética e objetiva. A novidade está na previsão de uma entrevista com o professor regente para que ele descreva a situação acadêmica do aluno, e na previsão de uma observação do aluno no contexto escolar. A entrevista de anamnese, extensa e densa em princípio (anexo D), hoje é muito objetiva, cedendo espaço para as observações mais relacionadas ao contexto escolar (anexo C). Hoje, o relatório é mais sintético, provavelmente porque é prevista a elaboração de um programa de intervenção psicopedagógica, visitas frequentes à instituição escolar por parte das equipes de atendimento e apoio à aprendizagem, e ainda um momento formal de entrevista devolutiva do qual participam, minimamente, o professor, a família e os membros da equipe. Além disso, antes de ser encaminhado para avaliação, definida agora como contínua e processual, o aluno deve ser atendido individualmente ou em grupo por um determinado tempo. Adaptações curriculares de pequeno e grande porte também são previstas para apoiar o aluno na escola.

Após essa breve explanação histórica, entende-se, portanto, que, desde os primeiros tempos, o RP é um instrumento de apoio educacional. Com a fusão das equipes antes mencionada, um dos objetivos principais das novas equipes é justamente sua função interventiva, visando à promoção da melhoria da qualidade do processo de ensino e aprendizagem aos alunos que apresentam ou possam apresentar dificuldades de aprendizagem. As ações desenvolvidas para alcançar tal pressuposto tornam-se centradas nos sistemas com os quais o aluno interage. Para tanto, são previstos encontros com o professor, com a família, individuais e em grupos, além de grupos de vivência com alunos, professores e familiares. Há, pois, nessa nova proposta, uma visão diferenciada da avaliação. O foco não está mais tão centrado no aluno. A avaliação investigativa das causas que levam à dificuldade de aprendizagem envolve hoje, um leque mais amplo. O relatório, ação consequente, espelha a mudança de foco para as orientações e intervenções educacionais feitas

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Antes mesmo das mudanças no trabalho das equipes, proposta pela OP de 2006, Neves e Almeida (2003) já sugeriam um trabalho de avaliação diferenciado. Com base em uma pesquisa realizada com as equipes atuantes no DF, elas propõem um modelo de avaliação no qual o processo integra e amplia a atuação das equipes, com estratégias que possibilitam entender as dificuldades do aluno, tanto como expressão de aspectos inerentes a ele próprio como, também, de aspectos relativos aos contextos escolar e social. O modelo privilegia inicialmente a intervenção junto à instituição escolar quando, no primeiro nível, a equipe trabalha com os professores; no segundo, analisa a história escolar do aluno e, no terceiro nível, é proposto um encontro com a família. Em qualquer uma destas etapas, pode definir-se o caso, com as devidas conclusões e providências, sem que o aluno tenha sido avaliado. Somente no quarto nível o aluno é envolvido no processo e, antes de concluir a avaliação, são propostos atendimentos em grupo para ajustar os procedimentos educacionais e realizar os encaminhamentos necessários.

Com o objetivo de melhor definir o objeto de análise da avaliação diagnóstica, que ela mesma denomina “fenômenos em intervenção”, Machado (2000) também propõe uma avaliação diferenciada. No primeiro momento a pesquisa é feita na escola, colhendo-se a versão de vários profissionais e a história escolar da criança. No segundo momento, é realizado um encontro individual com a criança encaminhada e uma conversa com os pais. No terceiro momento, são propostos encontros em grupo com as crianças e conversas com os professores para discussão dos acontecimentos em sala de aula. No último momento realizam-se os encontros individuais e a leitura do relatório com os personagens envolvidos no trabalho: crianças, professoras e pais.

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atualidade, estas iniciativas, por hora ainda muito isoladas, são formas viáveis de fazer frente à tendência crescente de patologização da educação.

É importante lembrar que a avaliação diagnóstica é um dos pontos vitais na dinamização do processo educativo, mas que, historicamente, vem sendo questionada, em razão de seu poder limitador e segregador. De acordo com a interpretação dada aos laudos e relatórios de avaliação, este instrumento pode se tornar limitante – pois estigmatiza e coisifica a pessoa (RAAD, 2007), e segregante – por autorizar, mesmo que indiretamente, o recolhimento das pessoas com deficiência em instituições ou situações excludentes.

Documentos orientadores da educação especial abordam possibilidades diferenciadas para realização de avaliações (DISTRITO FEDERAL, 2006a, BRASIL, 1994, 1996, 1999, 2001). Em geral, aconselham uma avaliação mais assertiva e diferenciada, com adaptações posteriores pautadas, necessariamente, em registro documental e precedidas de criterioso ajuizamento fundamentado no contexto escolar.

Muitas vezes, porém, ao contrário disso, a avaliação diagnóstica de alunos que manifestam dificuldades de comportamento e/ou aprendizagem surge como uma fuga, pois, realizar uma avaliação diferenciada que proponha uma mudança contextualizada e não apenas culpabilize o aluno pelas causas do baixo rendimento escolar é um desafio. Por ser mais fácil retirar do professor e da escola a responsabilidade do insucesso, o psicodiagnóstico tem sido a principal demanda, em torno de 50% a 70%, dos serviços prestados por clínicas de orientação médico-psicopedagógica. (MARÇAL e SILVA, 2006; FACCI et al., 2007).

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Algumas pesquisas mostram que basear-se em concepções médico-psicopedagógicas para identificação, avaliação e atendimento escolar de alunos com deficiência tem sido considerado um erro, pois coloca o aluno numa posição estática e justifica aprioristicamente seu fracasso, em função do diagnóstico, que, geralmente, expõe apenas sua patologia ou deficiência sem nada dizer a respeito de suas características e necessidades especiais no seu processo de desenvolvimento (GURGEL, 2002; CARON, 2004; NEVES; ARAÚJO, 2006; MARÇAL; SILVA, 2006; SOUZA, 2000, 2005; FACCI et al., 2007; RAAD, 2007). A análise do tratamento dado aos alunos com suspeitas de deficiência, nas clínicas de psicodiagnóstico, através da apreciação dos prontuários, relatórios e laudos, como documentos originados a partir das avaliações diagnósticas, vêm delatando que estes instrumentos são ineficientes no cumprimento de seu objetivo como subsidiários das ações educativas, e pouco ajudam na solução dos problemas manifestados pelos alunos na escola. Estas pesquisas têm demonstrado que o laudo ou relatório procedente de avaliações psicopedagógicas e também de psicodiagnósticos, na forma como vem sendo apresentado, não tem acolhido à expectativa do professor e, consequentemente, não cumpre seu objetivo de subsidiar o trabalho pedagógico. Ao contrário, quase sempre eles chegam à escola como o legitimador de ações preconceituosas e excludentes para com os alunos. A exclusão e o preconceito, muitas vezes, dão-se em função do conteúdo que os laudos e relatórios trazem em seu bojo, outras vezes, pelo fato de apenas devolverem, reescritas, as críticas e queixas feitas pelos que atuam nos contextos educacionais, legitimando-as.

De acordo com Vygotski (1997), dizer que uma pessoa é deficiente equivale a dizer que ela está enferma sem expor sua enfermidade. É preciso que esta visão determinista, que traz o diagnóstico como rótulo, seja modificada em prol de um serviço de avaliação psicopedagógica que possa produzir um documento em devolutiva para a escola de onde se originou a queixa, contendo informações relevantes e que, factualmente, atenda as expectativas dos membros do contexto educacional.

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documentos historicamente construídos, repletos de contradições, influenciados diretamente pelo saber médico já construído. Sua pesquisa parte da hipótese de que os laudos revelam ‘formações discursivas’, determinando sujeitos e conhecimentos, fornecendo normas que circulam na sociedade, participando na ordem da ciência, no domínio da política e no comportamento cotidiano. Ao investigar essas formações discursivas, a autora traz para o debate os processos históricos envolvidos nos modernos laudos psicológicos.

Com suas conclusões, Caron (2004) invoca o pesquisador ético a considerar, como o fez Ratner (1996), que a estrutura da atividade cognitiva não se mantém estática, variando à medida que se altera as condições de vida social. Portanto, sob esse ponto de vista, os relatórios e laudos oriundos do diagnóstico, não deveriam determinar sujeitos e conhecimentos, sem antes analisar os contextos culturais a que tais documentos servem e seus objetivos na promoção do desenvolvimento do indivíduo.

Com o objetivo de suscitar reflexões sobre conceitos e teorias que tendem a gerar equívocos e contradições acerca das dificuldades que ocorrem na relação, entre a intenção de ensinar e o desejo de aprender, Neves e Araújo (2006) realizou uma pesquisa na qual concluiu que a atuação dos psicólogos escolares deve privilegiar o entendimento das condições de produção dessas dificuldades, em detrimento da ênfase no diagnóstico dos alunos.

Segundo elas, a compreensão das dificuldades de aprendizagem embota-se numa perspectiva diagnóstica, onde modelos ideológicos e confusões conceituais apontam para uma descrição divergente e unifatorial, quando da avaliação ou intervenção nas dificuldades de aprendizagem. E, nesse sentido, corre-se o risco de explicar essas dificuldades usando-se, ou modelos dogmáticos baseados unicamente em causas socioeconômicas, ou alternativas somáticas que privilegiam o diagnóstico e a intervenção como base de práticas unidimensionais e sem característica interdisciplinar. (NEVES; ARAÚJO, 2006).

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estrutura e o conteúdo de relatórios de avaliação psicopedagógica, bem como examinar a sua importância para o professor que atende alunos com deficiência intelectual. A autora constatou que eles se apresentam com insuficiência de informações relevantes para o trabalho pedagógico junto aos alunos. Segundo ela, os relatórios pouco dizem sobre as crianças submetidas à avaliação e pouco oferecem em termos de subsídios para o trabalho educacional. Em vez disto, apenas constatam a dificuldade do aluno, sem apresentar orientações efetivas para o trabalho do professor, sendo, portanto, irrelevantes para o trabalho pedagógico.

Conclusões semelhantes obtiveram Marçal e Silva (2006), em pesquisa realizada junto aos psicólogos que atuam na rede pública de Saúde Mental, em uma cidade do Triângulo Mineiro, com a finalidade de verificar o movimento da demanda de queixas escolares nos ambulatórios, bem como a compreensão dos profissionais a respeito dessa questão. As autoras perceberam, através da análise de prontuários, uma visão essencialmente clínica e desconectada da escola. Dentre os professores prevalece a concepção de que existem, principalmente, questões emocionais por trás da queixa, e que a família está diretamente relacionada às dificuldades de aprendizagem dos filhos. Os resultados concordam, pois, que, apesar de a avaliação diagnóstica ou psicopedagógica ser demandada pela escola, muitos desses laudos e relatórios são extremamente empobrecidos de informações relativas às situações de ensino/aprendizagem. Ademais, os alunos são encaminhados para avaliação devido a problemas emocionais, e a própria avaliação também pode causar tais problemas. Foi o que concluiu Raad (2007), ao analisar se o rótulo da deficiência provoca o adoecimento do humano. Suas conclusões ressaltam que o poder do diagnóstico coisifica e aniquila a pessoa. O rótulo, ao instaurar um padrão relacional, antevê um saber sobre o aluno não revelado por ele, forja mentes deficientes. Tudo isso acontece em função de uma sociedade medicalizada, que estigmatiza a pessoa, e faz com que ela não seja vista em sua inteireza, mas sim como objeto do conhecimento científico.

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Gurgel (2002), ele consiste num documento irrelevante? Seria atribuir o fracasso exclusivamente ao aluno e, como no passado, segregar e excluir?

O estudo realizado por Souza (2005), com objetivo de analisar prontuários de crianças e adolescentes encaminhados aos serviços psicológicos por apresentarem dificuldades no processo de escolarização, resume, nas conclusões, muitos aspectos achados também nos estudos de Gurgel (2002), Caron (2004), Neves e Araújo (2006), Marçal e Silva (2006), e Raad (2007). A autora mostra que existe hoje um excesso de valorização dos aspectos emocionais e uma escassez de questões escolares nos roteiros de entrevistas psicológicas. Salienta que os testes ainda são os instrumentos principais de avaliação psicológica e constata a existência de um entendimento enviesado de que os encaminhamentos para área de saúde solucionariam os problemas da educação.

Apenas na pesquisa de Facci et al. (2007) as conclusões encontradas estigmatizam menos os alunos. As autoras verificaram a forma como tem sido desenvolvida a avaliação psicológica de crianças que apresentam dificuldades no processo de escolarização, utilizando a contribuição dos pressupostos da psicologia histórico-cultural. Os resultados apontam que as causas das dificuldades no processo de escolarização são oriundas de fatores intra-escolares, como formação do professor, vínculo entre professor e aluno, adequação e adaptação curricular, métodos e objetivos do ensino.

Uma possível saída para o preenchimento do espaço vazio ou lacuna entre o que o professor deseja e o que o RP dispõe, pressupõe que se focalize o RP não como entidade reificada e com um fim em si próprio. Ao contrário, esse instrumento só tem sentido, existência concreta, quando focaliza um sujeito igualmente concreto e possíveis deficiências no processo de desenvolvimento. Isso se aplica também à avaliação do aluno situado no contínuo do espectro do autismo.

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(1992b, 1992c), gera uma grande expectativa em torno do RP, a história, o conteúdo informativo, as orientações e até mesmo as imposições contidas nele.

No Distrito Federal, a avaliação do aluno nessas condições é realizada pela ‘Equipe de Atendimento e Apoio à Aprendizagem’, e, assim como a dos demais alunos especiais, gera um RP. Para que o atendimento ao aluno especial se regularize na rede pública de ensino do DF, é necessário que seja encaminhado o RP à escola. No entanto, o RP proveniente da avaliação da pessoa com autismo, se diferencia um pouco dos demais, pelo fato de não trazer consigo a função de portar o diagnóstico de tais alunos. Normalmente, o diagnóstico é feito, já nos primeiros anos de vida, por um profissional da área médica (psiquiatra ou neurologista). Cabe a esses profissionais a conclusão diagnóstica, até mesmo pelo fato de o autismo ser, de acordo com Rossi e Carvalho (2007), considerado uma síndrome invasiva, persistente e altamente comprometedora do desenvolvimento da criança, afetando-a de maneira generalizada.

Historicamente, o diagnóstico inicial do autismo, realizado por Kanner, em 1943, e por Asperger, em 1944, baseava-se na descrição de casos clínicos. Assim, permaneceu, durante décadas, sem fundamentar-se em exames clínicos, mas baseado na caracterização dos pacientes descrita a partir de seu comportamento –

particularmente, a tendência ao isolamento (TAFURI, 2003). Entretanto, segundo Schwartzman (1995), o transtorno autista constitui, ainda hoje, um enigma a ser desvendado pela ciência. A questão da conceituação do autismo infantil apresenta grandes dificuldades e é passível de controvérsias, uma vez que engloba uma gama bastante variada de doenças com diferentes quadros clínicos, que têm como fator comum o sintoma autístico.

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comportamentos descritos por padrões restritos e repetitivos de interesses e atividades. Além desses recursos, a complementação de informações para fins de avaliação pode ser obtida por meio da utilização de instrumentos padronizados, tais como questionários e check lists.

Como o diagnóstico se apóia em descrições fenomenológicas, em vez de critérios etiológicos, o resultado é que ele não é cotejado de maneira consistente, havendo, assim, uma população muito heterogênea de crianças com autismo. O diagnóstico do Autismo Infantil é dificultado não só pelo quadro em si, mas, principalmente, pela variabilidade de seu conceito. Tem por base o comportamento e, nesse sentido, é realizado por interpretação do significado do desvio, da ausência ou do atraso de determinados comportamentos.

De acordo com Facion (2002), o diagnóstico do autismo, como de outros transtornos mentais, não se dá apenas por dados clínicos apurados no momento, mas constitui-se de dados comportamentais e evolutivos que remontam à gestação, ao nascimento, ao desenvolvimento global da criança. Envolve a história dos sintomas e a evolução do transtorno. Na prática, alguns exames são indicados pelos médicos, destacando-se os que avaliam a capacidade auditiva (audiometria, timpanometria) e os que pesquisam a possível presença de tumores, alterações, convulsões ou anormalidades cerebrais, como o eletroencefalograma, a ressonância magnética e a tomografia computadorizada.

O termo autismo costuma ser usado para se referir a um espectro de síndromes com características em comum. Dessa forma, o Transtorno Autista abrange uma heterogeneidade de quadros comportamentais – algumas crianças apresentam uma história de desvio do desenvolvimento desde os primeiros dias ou meses de vida, enquanto outras, somente após um ou dois anos de suposto comportamento típico; algumas falam, outras são mudas; algumas apresentam retardo mental outras não (LAMPREIA, 2003). O quadro é, portanto, bastante heterogêneo.

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planejamento educacional estratégico no tratamento da síndrome, pois cada indivíduo apresenta uma condição única e diferenciada, porém, um perfil característico previsto. Ainda de acordo com Camargos e cols. (2005), por ser uma síndrome comportamental com etiologias diferentes, na qual o processo de desenvolvimento encontra-se profundamente distorcido, o autismo é um transtorno severo, comprometedor e incapacitante, no que diz respeito ao desenvolvimento global da criança. Esta séria irregularidade está presente no processo de desenvolvimento, antes dos 36 meses de vida. A prevalência é, em média, quatro vezes maior em meninos do que em meninas e há alguma evidência de que as meninas tendem a ser mais severamente afetadas.

Pelo fato dos prejuízos no desenvolvimento dessa criança se manifestarem muito cedo, atualmente, os alunos com suspeita de possuírem o transtorno autista, chegam para serem avaliados em uma ‘Equipe de Atendimento e Apoio à Aprendizagem’ da SEE-DF, com o diagnóstico médico concluído ou em fase de investigação, conforme antecipado, justamente devido à dificuldade de definição e caracterização, advinda em função da amplitude do espectro autista.

Já que a avaliação diagnóstica em si deve ser realizada clinicamente por um psiquiatra ou profissional da área médica, o RP produzido por as equipes, a partir da avaliação psicopedagógica dos alunos com autismo, para cumprir sua função como instrumento de apoio educacional e, factualmente, apoiar os professores nos aspectos educacionais, pressupõe, ainda mais, um formato diferenciado.

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escola e seus membros, demanda avanços na compreensão da pessoa individual e concreta, que tem a síndrome, e dos processos típicos de desenvolvimento, além da ciência das possíveis interrupções que possam acontecer nesse processo, mais especificamente nas áreas de socialização, comunicação e imaginação. Ou seja, apesar da ciência de que o autismo é um transtorno paradigmático, que provoca alterações invasivas no desenvolvimento, deve-se considerar também, que ele possui suas variantes.

Para que o RP do aluno autista se faça funcional no campo da educação, ele, certamente, deverá buscar, no cotidiano escolar, o subsídio empírico orientador, através da análise sistemática de cada caso inserido no contexto educacional. Não foi encontrado, no entanto, um estudo específico que trate particularmente deste instrumento aplicado à avaliação e educação de autistas.

Se o RP produzido a partir da avaliação do aluno autista tiver o objetivo apenas de justificar o distúrbio nas manifestações emocionais ou a inadequação social na comunicação e no comportamento, ele não contribuirá para o planejamento de ações educativas. Traçar um perfil comum aos alunos com essa síndrome não é tão complicado, o desafio é descobrir como, através de que estratégia, cada aluno aprende. Entretanto, esse é um desafio pouco convidativo, primeiro, devido à especificidade de cada caso que se situa na dimensão do continuum do espectro autista e, segundo, porque, de acordo com Marçal e Silva (2006), muitos dos profissionais que realizam tais avaliações não se julgam competentes para decifrar e sugerir intervenções para os problemas do cotidiano escolar.

No caso de alunos com a síndrome do autismo, parte-se do princípio de que o diagnóstico é de competência médica e quase sempre anterior à entrada na escola. Não se trata de discutir o valor do relatório como instrumento que veicula um diagnóstico e sim, como torná-lo mais adequado e funcional no cumprimento de sua função subsidiária à educação de qualidade, considerando as possibilidades de intervenção e desenvolvimento, principalmente nas áreas em que esses alunos demonstram maiores comprometimentos, sendo elas: na interação social efetiva, na comunicação e comportamentos descritos por padrões restritos e repetitivos de interesses e atividades, e por último na capacidade de imitação e imaginação.

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Seriam orientações fundadas no desenvolvimento presente, que tivessem aplicabilidade no contexto da sala de aula? Em que sentido essas informações, de fato, serviriam como um ponto de partida no desbravamento de novas possibilidades? Nesses relatórios são inseridas alternativas para o trabalho nas áreas de interação social, comunicação e linguagem com os autistas? Seu caráter temporal é valorizado? Qual a natureza das informações neles contidas? Os RPs são valorizados no contexto escolar como documentos esclarecedores? Quais são as expectativas desses professores acerca desses documentos? Quais suas angústias, críticas, oposições? Qual a função atual do RP? Há necessidade de aprimorar sua elaboração?

A fim de desvendar as expectativas criadas em torno do papel ou da função do RP, e de diminuir a lacuna entre o que o professor deseja e o que o RP do aluno autista dispõe, aventa-se uma pesquisa3 de cunho qualitativo em torno desse documento. Investigar a respeito da pertinência e da efetividade dos RPs, como instrumento de apoio às ações educativas direcionadas ao aluno autista, significa averiguar a função desse relatório no campo educacional, através da análise das expectativas do professor diante dele e, se, para cumprir sua função como elemento de apoio à educação de autistas, ele necessita de ser aperfeiçoado.

Esta é uma área carente de análises científicas, já que na revisão bibliográfica não foram encontradas referências sobre o assunto. A fim de sistematizar melhor o RP do aluno autista, como instrumento revelador de novas possibilidades, objetiva-se com este estudo, avaliar, na perspectiva do professor, qual o papel do Relatório Psicopedagógico e se há necessidade de este ser aprimorado para ajudar na estruturação das ações pedagógicas direcionadas ao aluno autista.

Para atingir tal objetivo, intenta-se identificar informações relevantes contidas no RP e sua importância para o trabalho pedagógico na sala de aula. Busca-se também investigar, através da percepção do professor, se constam nos RPs conteúdos referentes aos comportamentos da pessoa com autismo, especialmente

3 Este estudo é parte integrante do Projeto de Pesquisa Perturbações do Espectro de Autismo –

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2 DESENVOLVIMENTO DA PESSOA COM AUTISMO

Em meio à diversidade de opiniões e teorias a respeito do diagnóstico e possíveis formas de intervenção que promovam o desenvolvimento da pessoa com autismo, surgem controvérsias e verdadeiras polêmicas, que vêm resistindo às recentes investidas em debates e investigações e tornando um desafio, ainda nos dias de hoje, a proposição de uma abordagem mais adequada na educação das pessoas com autismo. A despeito do valioso conhecimento acumulado desde a década de 1940, quando ocorreram as primeiras publicações na área, ninguém hoje sabe dizer ao certo, e de forma indiscutível, o que é o autismo (BOSA; BAPTISTA, 2002). Segundo estes autores, Leo Kanner já recomendava humildade e cautela diante do tema, em função deste demandar constante aprendizagem e uma revisão contínua sobre nossas crenças, valores e conhecimentos sobre o mundo e, sobretudo, sobre nós mesmos.

De acordo com Klin (2006), qualquer tentativa de compreender a pessoa com autismo requer uma análise em níveis diferentes, como do comportamento à cognição, da neurobiologia à genética, e as estreitas interações ao longo do tempo. Sabe-se que a análise de tais condições aponta para um grupo heterogêneo. Esta heterogeneidade também está refletida no próprio DSM-IV-TR (APA, 2003), um dos documentos mais utilizados na atualidade para o diagnóstico da pessoa com autismo, a partir do qual pode-se retirar pelo menos 96 quadros clínicos diferentes através de uma análise combinatória (BOSA; BAPTISTA, 2002). No entanto, segundo Lampreia (2004), as implicações para o conceito e intervenção no autismo não podem ser definidas apenas a partir de características comportamentais, devendo levar em consideração, também, os pressupostos teóricos que estão na base das considerações feitas.

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demais com monólogos intermináveis; alguns têm suas vidas dominadas por maneirismos e rituais motores imutáveis, ao passo que outros dedicam toda sua energia intelectual à busca exclusiva de fatos e de informações sobre tópicos incomuns e altamente circunscritos.

Outro nível de imprecisão do conceito envolve diferentes concepções de autismo que revelam distintos enfoques teóricos. Por um lado, a tendência desenvolvimentista e, por outro, a cognitivista. Embora o termo cognitivo remeta as noções de desenvolvimento dos processos básicos do comportamento (percepção, memória, etc.) e sua relação com a organização cerebral, não se pode esquecer a tendência atual em compreender os processos cognitivos inseridos em um contexto social e afetivo (BOSA; BAPTISTA, 2002). Na área do desenvolvimento sócio-cognitivo não há com separar cognição e afeto. Apesar disso, observações do comportamento social, influências familiares e, ainda, observações do comportamento cognitivo na pessoa com autismo levam a uma suposta dicotomia postulada por tendências teóricas atuais. O enfoque cognitivista dá ao autismo um caráter de doença com entidade definida em que os quadros envolveriam, para sua distinção, necessariamente, problemas orgânicos em diversos módulos da mente. No passado, os cognitivistas priorizavam a visão de prejuízos orgânicos no desenvolvimento, em especial, os prejuízos na linguagem/comunicação. Hoje, predomina a idéia de que o módulo responsável pela teoria da mente é que estaria prejudicado.

A segunda tendência enfoca o autismo como uma síndrome, ou conjunto de sintomas, que reportam a uma ‘tríade de comprometimentos’4, independentemente

da sua associação com aspectos orgânicos, identificando um perfil comportamental. Nesse grupo, encontram-se os teóricos da linha desenvolvimentista, que afirma estar à interação social afetiva prejudicada por transtornos de cunho biológico, e mostra-se como fator primordial na causação do autismo. Aqui os problemas na

4 A Tríade de Comprometimentos, também citada na introdução deste trabalho como tríade de

Lorna Wing, é definida por um continuum de alterações presentes desde idades muito precoces, tipicamente antes dos três anos, e que, quase sempre, se caracteriza por desvios qualitativos na

comunicação, na interação social e no uso da imaginação, desencadeando padrões de

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interação social seriam provenientes de uma falha muito básica na capacidade de expressividade e responsividade emocional e afetiva. Tais considerações envolvem, primordialmente, uma falha no desenvolvimento dos precursores da linguagem, isto é, da comunicação não-verbal (LAMPREIA, 2007). Em suma, para os autores desenvolvimentistas uma falha biológica impediria o bebê de relacionar-se social e afetivamente, o que acarretaria um prejuízo secundário no desenvolvimento da linguagem e, consequentemente, no desenvolvimento cognitivo.

Cabe ressaltar que, nos dois casos, os transtornos teriam uma base inata; porém, os desenvolvimentistas procuram atrelar as experiências sociais na construção das capacidades específicas do humano. Já para os cognitivistas, por ter o módulo da linguagem (considerada uma função cognitiva) prejudicado, a criança não seria capaz de se comunicar; não poderia interagir socialmente. Esta é uma visão determinista, objetivista e racionalista do sujeito, na qual as diferentes características do autismo são vistas como sendo naturais e os diferentes quadros clínicos, apresentados por diferentes crianças, como oriundos de diferentes prejuízos ou etiologias de cunho orgânico (LAMPREIA, 2004). Os processos psicológicos básicos – como atenção, memória, percepção – e mais a racionalidade, a intencionalidade, a consciência, processos psicológicos que diferenciam os seres humanos dos animais inferiores são, para os cognitivistas, de acordo com Lampreia (2004), capacidades inatas dadas ao ser humano desde o início.

Os desenvolvimentistas, no entanto, não adotam uma visão determinista e consideram que o desenvolvimento típico deve ser compreendido a partir da articulação entre as capacidades biológicas para o engajamento social, com as quais o bebê viria equipado, e as interações sociais posteriores. Nas palavras de Lampreia (2004, p. 16) “dada uma base inata, é no contexto de interações sociais que são construídas as capacidades especificamente humanas. O foco está no processo de construção”. Este enfoque se caracteriza mais especificamente por uma abordagem eminentemente pragmática e social do desenvolvimento.

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que percebe o ser humano como ser biológico, imerso em um contexto social, influenciando e sendo influenciado por este último. A linguagem emerge como um dos principais instrumentos mediadores das relações interpessoais, como uma forma de ação, uma prática social (BOSA; BAPTISTA, 2002). Seria possível argumentar que essa polarização talvez não faça sentido pois, no conceito de interação social já está implícita a idéia de comunicação e vice-versa (LAMPREIA, 2004). Contudo, esta argumentação pode não ser tão óbvia e, por vezes, provoca confusão. Ou seja, apesar de concordarem com relação a uma base inata no autismo e quanto às características comportamentais nos déficits sociais e de linguagem, as tendências teóricas continuam a relutar a respeito da origem do problema.

Ainda que esse debate não seja mais predominante na literatura atual, é importante revê-lo por duas razões: primeiro, porque parece que existe uma imprecisão nos conceitos. Comportamentos como gestos, por exemplo, não têm sido considerados como referentes a uma linguagem pré-verbal e a um comportamento social ao mesmo tempo. E segundo, porque esse tipo de debate permite refletir sobre a possível dissolução de oposições teóricas subjacentes às posições adotadas e que estão na base de qualquer ação educacional.

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2.1 O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E O DESENVOLVIMENTO SOCIOAFETIVO NA PESSOA COM AUTISMO

Na década de 1940, um dos primeiros estudiosos a se interessar pelo complexo de sintomas do autismo foi Léo Kanner, conforme já mencionado. Motivado por uma observação clínica excepcional e fascinante, Kanner introduziu a noção de autismo infantil precoce, um distúrbio do contato afetivo, originado por uma incapacidade inata de estabelecer o contato afetivo habitual e biologicamente previsto com as pessoas (TAFURI, 2003). Nesse sentido, o desligamento das relações humanas, definido como auto-isolamento extremo antes dos doze meses de idade e a surpreendente falta de consciência dos sentimentos dos outros, eram para Kanner, os aspectos primordiais característicos das pessoas com autismo. “Há nelas uma necessidade poderosa de não serem perturbadas. Tudo que é trazido para a criança do exterior, tudo que altera seu meio externo e interno, representa uma intrusão assustadora” (KANNER, 1997, p.160). Isto justificava outra característica-chave do autismo: a insistência obsessiva na manutenção da rotina, levando a uma limitação na variedade das atividades espontâneas. Kanner fazia alusão ao atraso na aquisição da fala, embora não em todos os casos e ao uso não-comunicativo da mesma.

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alguma se percebia. Bebês autistas mostram-se, em geral, muito passivos e indiferentes aos sinais sociais do meio em que vivem.

Embora as manifestações do autismo comecem sempre antes dos três anos, os sintomas, nesta fase, costumam ser camuflados junto aos sentimentos de inquietude e temor não formulados explicitamente pelos pais (RIVIÈRE, 1995). Tal atitude retarda a busca de ajuda, e, quando os pais conseguem perceber e expressar comportamentos diferenciados da criança no primeiro ano de vida, a característica mais observada é a passividade. A criança permanece alheia ao meio e mostra-se pouco sensível às pessoas e objetos que a cercam. Muitas vezes, o distanciamento é confundido com surdez. O diferencial, na criança com autismo, se dá com a percepção da ausência de antecipação aos gestos afetivos, característicos do segundo semestre do primeiro ano de vida e da reação sensitiva extrema a algum tipo de som. Além disso, estas crianças carecem de flexibilidade criativa na exploração de objetos, fato que na criança típica intensifica-se no último trimestre do primeiro ano de vida. Quase sempre, estes primeiros sintomas são acompanhados de anomalias muito perturbadoras para os que cercam a criança autista. Problemas persistentes de alimentação, falta de sono, excitabilidade inexplicável e difícil de controlar, medo anormal e tendência progressiva em evitar e ignorar as pessoas e lugares, conduta de pânico sem causa aparente, são alguns exemplos.

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seus interesses em tópicos limitados tais como horários de trens/aviões, mapas ou fatos históricos, etc., os quais dominam suas vidas. As estereotipias também persistem em um número significativo de adultos autistas, mesmo naqueles com alto nível funcional, mas se tornam, às vezes, "miniaturizadas". (BOSA, 2001; GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004).

Durante horas, algumas crianças autistas permanecem balançando-se ou colocando os dedos das mãos em posições estranhas, ou fascinados diante de estímulos do meio, aparentemente insignificantes (RIVIÈRE, 1995). A indiferença para com os outros dá lugar a comportamentos bizarros que sugerem a existência de um mundo próprio e a relação com o outro indicia não uma incapacidade de iniciação da mesma, mas uma incapacidade de manutenção desta relação em função do desinteresse (ARAÚJO, 2005), como será visto mais adiante.

Outra manifestação comportamental, também muito comum nas pessoas com autismo, é a extrema sensibilidade aos estímulos sensoriais. As respostas anormais a estímulos sensoriais, tais como sons altos, fascínio por determinados estímulos visuais e alta tolerância à dor, contribuem para os problemas de comportamento dos autistas (GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004). Tais reações são definidas por Tulimoschi (2002, apud GOMES, 2007) como supersensibilidades que seriam respostas atípicas de autistas frente aos estímulos do ambiente e dificuldades na integração das sensações captadas pelos órgãos dos sentidos. As explorações do ambiente de forma inadequada, lambendo objetos ou cheirando pessoas, também seriam consequência de tal distúrbio. Além destes, distúrbios de humor e de afeto são comuns e podem ser manifestados por crises de riso ou de choro sem razão aparente. A falta de percepção de perigo ou, ao contrário, medo excessivo, ansiedade generalizada, ataques de cólera ou reações emocionais ausentes ou diminuídas também são exemplos de dificuldades comportamentais que persistem em uma proporção significativa de adolescentes e adultos, sendo que a agressividade e os comportamentos automutilantes podem aumentar na adolescência.

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aprimoramento na forma como ela podia ver as coisas. Estes autores pesquisaram o efeito da utilização de coberturas coloridas sobre textos impressos, para verificar o aumento da precisão e velocidade da leitura em pessoas com autismo e concluíram que o recurso teve um efeito positivo sutil na qualidade da leitura nas crianças avaliadas.

A questão do problema de bombardeamento de sensações no autismo foi abordada por Tustin (1981, 1990, apud BOSA; CALLIAS, 2000), por compreender estados autistas como uma reação a uma incapacidade de filtrar as experiências sensoriais. O comportamento típico das pessoas com autismo de tapar os ouvidos (tampão) ou encobrir toda a região da cabeça com os braços (concha), seria uma forma de proteção. Aqui as perturbações estariam relacionadas a déficits cognitivos específicos tais como: problemas na percepção de ordem e significado, “dificuldades em usar input sensorial interno para fazer discriminações na ausência de feedback

de respostas motoras” (BOSA; CALLIAS, 2000, p. 11) e tendência a armazenar a informação visual, utilizando um código visual enquanto as crianças com desenvolvimento típico usam códigos verbais e/ou auditivos. Grandin (1995, apud GOMES, 2007), por exemplo, que é uma autista de alto funcionamento, ressalta a habilidade de autistas frente a estímulos visuais ao afirmar que essa população apresenta um ‘pensamento visual’, ou seja, pensam e raciocinam com mais facilidade por meio de imagens e sistemas visuais, podendo demonstrar dificuldades em compreender estímulos auditivos e conceitos abstratos que não possuem representação visual.

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com autismo pode, pois, aprender a necessitar do outro, mas não desenvolve a noção de pertencer ao outro.

Mahler (1968, apud BOSA, 2001), outra estudiosa da psicanálise, desenvolveu suas idéias sobre os autismos infantis a partir de sua teoria evolutiva, explicando o autismo como sendo um subgrupo das psicoses infantis e uma regressão ou fixação a uma fase inicial, normal no desenvolvimento infantil, de não-diferenciação perceptiva, na qual os sintomas que mais se destacam são as dificuldades em integrar sensações vindas do mundo externo e interno, e em perceber a mãe na qualidade de representante do mundo exterior. Posição semelhante foi desenvolvida por Tustin (1981, apud BOSA; CALLIAS 2000), que durante algum tempo também reconheceu uma fase autista normal no desenvolvimento infantil. Para ela, o autismo patológico teria uma diferenciação de grau e seria uma reação traumática à experiência de separação materna, que envolveria o predomínio de sensações desorganizadas, levando a um colapso depressivo crônico. Numa fase mais adiantada da sua vida profissional, Tustin reviu a idéia de haver uma fase de autismo primário normal na infância distanciando-se do conceito de autismo patológico como uma regressão a essa fase, ao mesmo tempo em que cogitou a noção de subjetividade ao autismo. (CAVALCANTI; ROCHA, 2002).

Para Bosa e Callias (2000), a teoria psicanalista concebe a criança autista como vivendo em um estado mental caracterizado por insuficiente diferenciação entre estímulos vindos de dentro ou de fora do corpo e incapacidade para construir representações emocionais. Dessa forma, para a teoria psicanalítica, todo estímulo (social e não-social) seria fragmentado, impedindo a possibilidade de formação de uma experiência contínua, seja quando só ou na presença de outros. Tal teoria já chama a atenção para a controvérsia sobre a existência de uma distorção no desenvolvimento do bebê devido a fatores intrínsecos/constitucionais ou ainda adquiridos/ambientais, e orienta para a percepção não-linear e reducionista da origem da causação do autismo, pois tais fatores deveriam ser considerados em sua multiplicidade.

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desenvolvimento da pessoa com autismo. Para além da dimensão afetiva, ao longo de algumas décadas, o autismo foi predominantemente considerado como um distúrbio cognitivo (LAMPREIA, 2004). Deixou de ser considerado como uma condição envolvendo basicamente o retraimento social e emocional, e passou a ser concebido como um transtorno do desenvolvimento com déficits cognitivos severos, com origem em alguma forma de disfunção cerebral, envolvendo, principalmente, transtornos relativos à linguagem, além de transtornos de atenção e memória.

Para Rivière (1995), as alterações e atrasos na pessoa com autismo, tornam-se mais evidentes entre o 24° e o 36° metornam-ses de vida, pois é nesta idade que crianças típicas fazem progressos muito rápidos na aquisição da linguagem, na integração ativa no mundo social e no desenvolvimento dos modelos simbólicos. As preocupações inconcretas e mal definidas que os familiares tinham a respeito da qualidade na interação social dão lugar a um temor específico. A criança com autismo não costuma interessar-se pela linguagem dos outros e apresenta problemas sérios de compreensão. Os problemas de compreensão não afetam apenas a comunicação verbal, mas também a interpretação das situações e sinais sociais e emoções dos demais. Com o distúrbio no desenvolvimento da linguagem, a criança com autismo encerra-se cada vez mais em seus estereótipos e rituais e mostra-se, progressivamente, mais isolada e incomunicável. Para lembrar a dimensão do espectro, Rivière (1995) chama atenção para o fato de que algumas crianças com autismo têm um desenvolvimento típico em grande parte da primeira infância, chegando, inclusive, à aquisição de uma linguagem funcional, que logo é perdida ou gravemente perturbada com o desenvolvimento do quadro de autismo.

Referências

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