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Sumário. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 05S3277

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 05S3277

Relator: SOUSA PEIXOTO Sessão: 08 Março 2006

Número: SJ200603080032774

Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT Meio Processual: REVISTA.

DESPEDIMENTO JUSTA CAUSA DESOBEDIÊNCIA

Sumário

1. O que verdadeiramente caracteriza a justa causa é a imediata impossibilidade de subsistência do vínculo laboral.

2. Essa impossibilidade traduz-se numa inexigibilidade que passa por um juízo de prognose sobre a viabilidade da relação laboral no futuro, tendo em conta os interesses em presença, sendo de concluir que aquela inexigibilidade ocorre quando deixem de existir as condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura que implica mais ou menos frequentes e intensos contactos entre os sujeitos.

3. Compete à entidade empregadora alegar e provar os factos com base nos quais o trabalhador foi despedido.

4. Tendo o trabalhador sido despedido por ter colocado em risco a vida de dois colegas de trabalho, ao ligar o disjuntor de um quadro eléctrico, sem

previamente se ter certificado, como expressamente lhe tinha sido ordenado, de que esses colegas já tinham acabado o seu trabalho, competia à entidade empregadora provar que o trabalhador tinha efectuado a ligação do disjuntor sem previamente se ter certificado de que isso não punha em risco a vida dos colegas e provar que com essa atitude o trabalhador tinha colocado

efectivamente em risco a vida dos colegas.

5. Não se tendo provado que os dois colegas de trabalho tivessem efectivamente corrido risco de vida, a justa causa fica reduzida à mera desobediência, mas esta, só por si, não é suficiente para justificar o

despedimento de um trabalhador com mais de 28 anos de antiguidade e sem antecedentes disciplinares.

6. Na verdade, importa ter em conta que a gravidade da infracção imputada

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ao trabalhador residia não tanto na desobediência, mas sim nas consequências que dela teriam resultado para os seus colegas de trabalho.

Texto Integral

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. "AA" propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção contra a Empresa-A, pedindo que fosse declarada a ilicitude do seu despedimento e que a ré fosse condenada a pagar-lhe o valor correspondente às retribuições que deixou de auferir desde os 30 dias que antecederam a data da propositura da acção até à data da sentença e a indemnização de antiguidade a que alude o n.º 3 do art. 13.º da LCCT.

A acção foi julgada improcedente e o Tribunal da Relação confirmou a sentença.

Inconformado, o autor interpôs o presente recurso de revista, sintetizando a sua alegação nas seguintes conclusões:

1. À recorrida é imputável a violação dos deveres de segurança, pois

consciente e voluntariamente adoptou condutas expressamente proibidas por lei, veja-se o ponto 16 e 17 da matéria de facto dada por provada, nos termos do disposto no DL 740/74, de 26/12 alterado pelo DL n.º 303/76 de 26/4, violando assim, a recorrida, o disposto no art.º 19/al. g) da LCT e art. 18/1 da L n.º 100/97, de 13/9.

2. O recorrente nunca pretendeu causar perigo aos colegas, nem tão pouco prejudicar a recorrida, não tendo agido com leviandade nem com falta de responsabilidade profissional na sua actuação - o retirar do papel e ligar o disjuntor (o qual não estava assinado nem datado, mero manuscrito) - não resultou perigo concreto para nenhum dos seus colegas nem houve prejuízos para a recorrida.

3. Qualquer pessoa naquela situação faria o mesmo que o recorrente, uma vez que este tomou todas as precauções previstas e necessárias para aquela

situação com base no conhecimento dos factos que detinha: era o único a trabalhar no refeitório e aquele disjuntor só deveria servir para aquelas

instalações, consequentemente, se o ligasse não estaria a colocar ninguém em risco.

4. A obra a efectuar pelos seus colegas era uma obra nova da qual o recorrente não tinha conhecimento, por ter regressado recentemente ao

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serviço (13/8/03) - vide factos provados pontos 8 e 12 da matéria de facto.

5. A medida sancionatória aplicada ao caso não foi proporcional nem adequada à sua actuação, uma vez que a sua conduta configura um acto isolado que não pode exclusivamente imputar-se ao recorrente.

6. Mesmo admitindo que a sua conduta fosse passível de censura, não se justifica a aplicação da sanção mais gravosa, por se mostrar excessiva

(desproporcional) face à falta cometida, uma vez que na aplicação da medida disciplinar importa ter presente os antecedentes do trabalhador, não podendo deixar de considerar-se como excessiva a medida extrema de expulsão, tendo por base um caso isolado de violação do dever de cuidado quando o

trabalhador permaneceu 28 anos ao serviço da recorrida.

7. O despedimento, medida sancionatória aplicada pela entidade patronal, só será de determinar em último caso, se não se verificar a adequação de outra medida (disciplinar) para o comportamento em causa.

8. Ainda que estejamos perante um acto violador do dever geral de cuidado, nas circunstâncias do caso em apreço a conduta imputável ao trabalhador, ainda que tida como negligente, não preenche o conceito de justa causa de despedimento à luz dos critérios definidos na lei, logo a sanção aplicada - despedimento com justa causa - foi abusiva e desproporcional, devendo, por isso, a douta sentença proferida e o douto acórdão que a manteve ser alterado em conformidade, por violação do disposto no art.º 9/1 e no art.º 12/5, todos da LCCT.

A ré contra-alegou, sustentando o acerto da decisão recorrida e, neste

Supremo Tribunal, a ilustre magistrada do M.º P.º emitiu parecer no mesmo sentido.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos

A factualidade dada como provada pela Relação foi a seguinte (1) :

1- A R. é uma sociedade que se dedica ao fabrico de contadores de energia e de água.

2- No dia 10/01/1974, o A. começou a trabalhar para R. sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, mediante a celebração de contrato de trabalho sem termo.

3- Ultimamente, o A. exercia as funções inerentes à categoria profissional de electricista de conservação industrial com mais de 3 anos.

4- No exercício de tais funções, competia-lhe, fundamentalmente, a colocação de tomadas, a colocação de cabos eléctricos e a colocação e reparação de

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quadros eléctricos, funções essas que o A. vinha ultimamente exercendo exclusivamente na sede da R., em Lisboa.

5- O A. tinha, ultimamente, o seguinte horário de trabalho: das 8h00 às 12h30 e das 13h30 às 17h00, 5 dias por semana, com folga semanal ao Sábado e Domingo.

6- Ultimamente, o A. auferia a retribuição base certa e mensal de 605,59 euros.

7- A relação de trabalho que vincula o A. à R. encontra-se regulamentada pela CCT celebrada entre a Empresa-B e a Empresa-C.

8- O A. trabalhou ininterruptamente ao serviço da R. até ao dia 30 de

Setembro de 2002, tendo estado com baixa médica por doença, no período de 1 de Julho de 2002 a 12 de Agosto de 2002.

9- Em 26/9/02 e recebida pelo A. em 30 de Setembro de 2002, a R. enviou uma carta ao A., informando ter-lhe instaurado um processo disciplinar com vista ao seu despedimento, notificando-o, ainda, da nota de culpa, tendo-o

suspendido preventivamente sem perda de retribuição, desde esse dia.

10- Em 2/10/02, o A. apresenta à R. a sua resposta à nota de culpa.

11- A R. informou o A. por escrito do seu despedimento, por justa causa, o que o fez por meio de carta datada de 12 de Novembro de 2002, recebida a 13 de Novembro de 2002.

12- No dia 21 de Agosto de 2002, as instalações da R., integrando uma fábrica distribuída por vários edifícios, estavam encerradas, nelas se encontrando apenas os trabalhadores necessários para a realização de trabalhos de manutenção, entre os quais o A..

13- Na referida data, durante a manhã, o A. encontrava-se a colocar a parte exterior das tomadas de electricidade do refeitório assinalado na planta junta a fls. 154, bem como os restantes equipamentos eléctricos que haviam sido retirados para se proceder à pintura deste, sendo o único trabalhador que estava a executar tais trabalhos.

14- Ao mesmo tempo que o A. procedia à execução da referida tarefa, os seus colegas BB e CC estavam a cortar cabos eléctricos com um serrote, para substituição e recolocação do quadro eléctrico a que se refere a fotografia de fls. 153, destinado à máquina da ETAR a que se refere a fotografia de fls. 148, localizado debaixo das escadas assinaladas com a seta em ângulo recto na planta de fls. 154, local esse cujas janelas assinaladas com cinco círculos vermelhos são visíveis na primeira fotografia de fls. 149.

15- Para a realização das tarefas acima referidas, havia sido desligado o disjuntor do quadro de distribuição geral de baixa tensão da fábrica, a que se refere a fotografia de fls. 151, disjuntor esse instalado no circuito eléctrico de iluminação do Refeitório e dos Acabamentos, tendo sido colada com fita

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adesiva a alavanca do mesmo e, sobre esta, tapando-a totalmente, um aviso com os dizeres "Não Ligar".

16- O circuito eléctrico de iluminação do Refeitório e dos Acabamentos alimentava de energia eléctrica quer os cabos em que trabalhavam o BB e o CC, quer as tomadas em que trabalhava o A.

17- O superior hierárquico do A., Eng.º DD, deu instruções expressas a cada um dos referidos trabalhadores de que não podiam ligar o referido disjuntor, uma vez que estavam a decorrer trabalhos de reparação e que o circuito apenas poderia ser testado em tensão depois de todos os trabalhos estarem concluídos.

18- O A., sem previamente se certificar de que o podia fazer e sem disso dar conta a ninguém, retirou o referido aviso, tendo-o colocado em cima de uma bancada que se encontrava junto do disjuntor, tendo retirado também os adesivos que se encontravam a colar a alavanca deste e ligou-o.

19 - Mesmo após ter ligado o disjuntor, o A. não comunicou a ninguém que o tinha feito ou sequer que havia terminado o seu trabalho.

20 - A sala das arcas frigoríficas a que se refere a fotografia de fls. 150, onde o A. também procedeu à substituição de tomadas, tem uma área de cerca de 18m2, com cerca de 3m de largura por 6m de comprimento e é servida por uma janela.

21- O quadro geral de baixa tensão, a que se refere a fotografia de fls. 151, é um armário de metal de grandes dimensões, com vários metros cúbicos.

22 - O quadro do refeitório a que se refere a fotografia de fls. 152 tem uma protecção diferencial e, consequentemente, dispara à passagem de

electricidade à terra.

23 - O trabalhador BB possui como habilitações específicas o Curso Complementar de Electricidade - 11º ano -, um curso de electricidade

automóvel ministrado pela Escola de Electromecânica Militar, um Curso de Electricidade Básica ministrado pela ANFEI - Associação Nacional de

Formação Electrónica Industrial, um Curso de Formação Profissional de Electricista de Conservação Industrial ministrado na Empresa-F, um curso de Iniciação à Robótica, ministrado pela G.M.P., para além de ter 18 anos de experiência profissional como electricista de manutenção, 4 anos na Empresa- D, 2 anos na Empresa-E, 2 anos na Empresa-F e quase 10 anos na R.

24 - O A. possui a 4.ª classe, tendo toda a sua formação sido adquirida na prática, no seu posto de trabalho ao serviço da R.

25 - O A. é um electricista com 28 anos de profissão.

26- BB foi admitido pela R. como electricista em 1993.

27 - BB auferia um ordenado superior ao do A.

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3. O direito

O objecto do recurso restringe-se à questão de saber se os factos pelos quais o autor foi despedido integram, ou não, o conceito de justa causa.

As instâncias entenderam que sim e essa é também a opinião da Ex.ma magistrada do M.º P.º que subscreveu o parecer de fls. 284-288. Outra é, naturalmente, a opinião do recorrente. Vejamos de que lado está a razão.

Como é sabido, só constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne

imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (art.

9.º, n.º 1, da LCCT (2) - o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 64-A/89, de 27/2, em vigor à data em que o autor foi despedido -).

A justa causa pressupõe, portanto e antes de mais, uma conduta por parte do trabalhador que se traduza na violação culposa dos seus deveres contratuais.

Não basta, porém, um qualquer comportamento e uma culpa qualquer. Como se disse no recente acórdão de 7 de Dezembro de 2005 (2), o comportamento tem de ser objectivamente tão grave, em si mesmo e nas suas consequências, que, quebrando a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento de um contrato com a natureza que tem o contrato de trabalho, torne

irremediável a ruptura da relação contratual, por se concluir não existir outra sanção susceptível de sanar a crise contratual aberta pela conduta do

trabalhador, deixando de ser exigível ao empregador o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo laboral.

Por sua vez, a culpa, a gravidade do comportamento do trabalhador e a inexigibilidade da subsistência do vínculo não podem ser apreciadas em função do critério subjectivo do empregador, mas sim na perspectiva de um bom pai de família, ou seja, de um empregador normal, norteado por critérios de objectividade e razoabilidade (como se disse no acórdão citado), devendo o tribunal atender, ainda, por força do disposto no n.º 5 do art. 12.º da LCCT, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

Como salientam Bernardo Xavier (3) e Monteiro Fernandes (4) , o que verdadeiramente caracteriza a justa causa é a imediata impossibilidade

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prática da subsistência da relação de trabalho. É essa situação de imediata impossibilidade prática de manutenção do vínculo laboral que constitui a verdadeira pedra de toque do sistema. A dificuldade está em saber em que se traduz essa impossibilidade, uma vez que não se trata de uma situação de impossibilidade material do referido vínculo, mas antes de uma situação de inexigibilidade jurídica a determinar mediante um balanço em concreto dos interesses em presença: o interesse da urgência da desvinculação e o

interesse da conservação do vínculo.

A decisão sobre a inexigibilidade envolve, no dizer do primeiro daqueles

autores, um juízo de probabilidade, de prognose, sobre a viabilidade futura da relação de trabalho que tem a ver não só com factos ou situações de facto, mas também com valores que, como tal, não podem nem devem ser objecto de alegação e prova e onde as operações de mera subsunção não têm grande cabimento. Tal juízo assenta numa "análise diferencial de interesses que deve ser feita em concreto, de acordo com uma comparação das conveniências contrastantes das duas partes e com abertura aos interesses gerais que sejam relevantes", sendo de concluir que há justa causa quando o interesse da

emergência do despedimento prevalece sobre as garantias do despedido, o que acontecerá quando o suporte psicológico inerente à relação laboral deixe de existir, ou seja, no dizer de Monteiro Fernandes (5), quando deixem de existir as condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura que implica mais ou menos frequentes e intensos contactos entre os sujeitos.

Passando, agora, a apreciar o caso sub judice à luz das considerações que acabamos de fazer, vejamos se os factos praticados pelo autor, ora recorrente, são de molde a justificar o seu despedimento.

E adiantando, desde já a resposta, diremos que não. Vejamos porquê.

Como consta da nota de culpa e da decisão de despedimento, o autor foi

despedido por ter ligado o disjuntor de um quadro eléctrico, sem previamente se ter certificado de que o podia fazer, contrariando, assim, a ordem que lhe tinha sido dada pelo seu superior hierárquico e por, dessa forma, ter colocado em risco a vida de dois colegas de trabalho que se encontravam a substituir um quadro eléctrico que era alimentado pelo referido disjuntor.

Foram dois, portanto, os factos invocados pela ré para justificar o

despedimento do autor: ter desobedecido à ordem recebida e ter posto em risco a vida de dois colegas de trabalho.

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Todavia, como se constata da factualidade dada como provada, a ré só logrou provar a desobediência do autor. Não logrou provar que essa desobediência tivesse posto em risco a vida dos dois colegas de trabalho. Senão vejamos.

Com interesse para a questão em apreço ficou provado o seguinte:

- na manhã do dia 21 de Agosto de 2002, o autor andava no refeitório da ré a colocar a parte exterior das tomadas eléctricas, bem como os restantes

equipamentos eléctricos que tinham sido retirados para pintura do dito refeitório (factos n.ºs 12 e 13);

- ao mesmo tempo, os seus colegas BB e CC andavam, noutro local, a cortar cabos eléctricos, com um serrote, para substituição e recolocação de um quadro eléctrico, destinado à máquina da ETAR (facto n.º 14);

- para a realização daquelas tarefas, tinha sido desligado, no quadro de

distribuição geral de baixa tensão da fábrica, o disjuntor do circuito eléctrico de iluminação do Refeitório e dos Acabamentos e sobre a respectiva alavanca foi colocado um aviso com os dizeres "Não Ligar" (facto n.º 15);

- o circuito eléctrico de iluminação do Refeitório e dos Acabamentos

alimentava de energia eléctrica quer os cabos em que o BB e o CC estavam a trabalhar, quer as tomadas em que trabalhava o autor (facto n.º 16);

- o superior hierárquico do autor, Eng.º DD, deu instruções expressas a cada um dos referidos trabalhadores de que não podiam ligar o referido disjuntor, uma vez que estavam a decorrer trabalhos de reparação e que o circuito apenas poderia ser testado em tensão depois de todos os trabalhos estarem concluídos (facto n.º 17);

- o autor, sem previamente se certificar de que o podia fazer e sem disso dar conta a ninguém, retirou o referido aviso e ligou o disjuntor (factos n.ºs 18 e 19).

Como resulta dos factos referidos, o autor ligou o disjuntor sem previamente se ter certificado de que o podia fazer e sem disso dar conta a ninguém, o que significa que não respeitou a ordem que lhe tinha sido dada pelo seu superior hierárquico, o Eng.º DD.

É óbvio que o autor não devia ter ligado o disjuntor, sem previamente se ter certificado de que todos os trabalhos estavam concluídos. A ordem recebida tinha sido nesse sentido, mas, mesmo que tal ordem não tivesse existido, o aviso colocado na alavanca do disjuntor impunha que o autor não efectuasse aquela ligação sem previamente averiguar das razões que levaram à colocação daquele aviso. O simples bom senso assim o exigia.

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Ao actuar daquela forma, o autor, para além de ter desobedecido, não realizou o seu trabalho com o zelo e diligência a que estava obrigado, infringindo, assim, os seus deveres contratuais, mais concretamente os referidos no art.º 20.º, n.º 1, alíneas b) e c) e n.º 2, da LCT (6) .

A violação daqueles deveres poderia ter assumido extrema gravidade, caso se tivesse provado que os seus colegas ainda não tinham terminado o seu

trabalho, quando o autor ligou o disjuntor. Nesse caso, a integridade física daqueles dois colegas e quiçá a sua própria vida teria corrido sério risco.

Todavia, dos factos provados não resulta que assim tenha acontecido. Na verdade, o acervo factual que foi dado como provado é absolutamente

inconcludente a esse respeito. O facto de se ter provado que ligou o disjuntor, sem disso dar conta a ninguém e sem previamente se certificar de que o podia fazer, não permite concluir que os colegas BB e o CC ainda não tinham

acabado o seu trabalho e, consequentemente, não permite concluir que as suas vidas tivessem sido postas em risco.

Ora, tratando-se de factos que foram invocados pela ré para despedir o autor, competia à ré fazer a prova dos mesmos, por força do disposto no n.º 4 do art.º 12.º da LCCT e, não tendo sido feita essa prova, a desobediência

mantém-se, mas deixa de ter a gravidade que teria se aqueles factos tivessem sido dados como provados.

Na verdade, importa ter em conta que a gravidade da infracção imputada ao recorrente/autor residia não tanto na desobediência em si, mas nas

consequências que dela podiam advir para os seus já referidos colegas de trabalho. Não estando provado que estes tivessem efectivamente corrido risco de vida, cai por terra o facto que maior gravidade assumia em termos de justa causa.

Fica-nos a simples desobediência e a falta de zelo, mas tais infracções, desprovidas de quaisquer consequências, não são em si mesmas

suficientemente graves para justificar o despedimento do autor, mormente se tivermos em conta que ele já estava ao serviço da ré há mais de 28 anos, sem que da matéria de facto provada conste que tivesse sido alvo de qualquer punição disciplinar.

Acresce que, perante as circunstâncias do caso, a conduta do autor parece ter

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sido meramente acidental, não sendo verosímil que se venha a repetir no futuro, não permitindo, por isso, desencadear uma quebra definitiva na relação de confiança ínsita à relação laboral, com a consequente

impossibilidade da sua manutenção.

Concluímos, pois, pela ilicitude do despedimento, com as consequências previstas no art.º 13.º da LCCT.

4. Decisão

Nos termos expostos, decide-se conceder a revista, revogar a decisão recorrida e condenar a ré a pagar ao autor o valor correspondente às

retribuições que ele teria auferido desde o 30.º dia que antecedeu a data da propositura da acção até à data da sentença e a indemnização de antiguidade a que alude o n.º 3 do art. 13.º da LCCT, cujos montantes se relegam para execução de sentença, por falta de elementos para determinar o valor das retribuições que o autor teria realmente auferido (art. 661.º, n.º 2, do CPC).

Custas pela ré.

Lisboa, 8 de Março de 2006 Sousa Peixoto

Sousa Grandão

Pinto Hespanhol, vencido nos termos da declaração infra) Declaração de voto:

vencido por entender que a conduta protagonizada pelo trabalhador configura justa causa de despedimento, pelo que negaria a revista.

Vasques Dinis Fernandes Cadilha

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(1) - Anota-se que a Relação eliminou alguns dos factos que na 1.ª instância tinham sido dados como provados.

(2) - Proferido no proc. 1919/05, da 4.ª Secção, de que foi relatora a Ex.ma Conselheira Maria Laura Leonardo.

(3) - Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2.ª edição, pag. 491 e seguintes.

(4) - Direito do Trabalho, Almedina, 12.ª edição, pag. 556.

(5) - Ob. cit., pag. 559.

(6) - Regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Dec.-Lei n.º 48.491, de 24.11.69, aqui aplicável.

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