• Nenhum resultado encontrado

Palavras-chave: Religiosidade. Catolicismo popular. Festividade. Comunidade rural,

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Palavras-chave: Religiosidade. Catolicismo popular. Festividade. Comunidade rural,"

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

SABERES E CELEBRAÇÕES: UM ESTUDO SÓCIO-ANTROPOLÓGICO DAS PRÁTICAS DE CURA E AS CELEBRAÇÕES RELIGIOSAS NA

COMUNIDADE DE ALAGOAS EM ITABERABA/BA

Maria Eunice Rosa de Jesus

1

RESUMO

A cultura de um povo, aqui representada pelo povoado de Alagoas (Itaberaba/BA), constitui uma ampla área de conhecimentos, ao guardar valores morais, crenças, artes e costumes expressados, principalmente, nos saberes e celebrações da comunidade através de suas práticas de cura e celebrações religiosas, tendo a festa em Louvor a Nossa Senhora das Graças como a principal da comunidade. Neste contexto, as festas pertencentes às comunidades rurais preservam a riqueza e a beleza nos cortejos religiosos e homenagem aos santos festejados através das gerações. Nesse sentido, a (re)elaboração favorece uma construção de conhecimentos oriundos das comunidades rurais, absorvendo novos elementos, seja da cultura material ou da espontânea; na construção e transmissão de novos valores culturais. Desse modo, pode-se afirmar que as festas religiosas, os ritos de cura – o milagre são símbolos que se apresentam nas relações intra e intersocial relacionadas a sua fé entre os membros do mesmo grupo. E a continuidade desses saberes ocorre entre os moradores informalmente no percurso natural da vida, prolongando-se através das gerações nas formas expressivas manifestadas através dos sentimentos de alegria, tristeza, dor, concretizados no cotidiano dessas comunidades.

Palavras-chave: Religiosidade. Catolicismo popular. Festividade. Comunidade rural,

1

Professora da Universidade do Estado da Bahia – UNEB/ Departamento de Ciências Humanas –

CAMPUS V. Mestre em Educação e Contemporaneidade pelo programa de Pós-Graduação em Educação

e Contemporaneidade – PPGEDUC – UNEB. Pesquisadora do Núcleo de Estudos Africanos e

Afrobrasileiros em Línguas e Culturas – NGEAALC, e-mail: mersilva@uneb.br.

(2)

Viver é conviver consigo e com o outro; é se relacionar não só com a comunidade, como também com o mundo através das simbologias de cada grupo e, ao mesmo tempo, pertencendo a tudo o que denominamos de legado cultural de um povo.

Faz-se necessário, portanto, pensar o homem como um ser em constante transformação, adaptável a diversas situações e, sobretudo, como parte integrante do mundo.

Como afirma Paulo Freire (2005), o conhecimento resultante da interrelação do homem com o mundo é uma construção coletiva. Homens e mulheres: negros, brancos, pobres, índios, todos educam, todos ensinam e aprendem. Por isso, Freire diz que

“Ninguém educa ninguém. Os homens se educam em comunhão”. Educação, na concepção freiriana, é a prática de uma teoria do conhecimento. Ao se deparar com um problema, o homem se questiona, questiona seus semelhantes, pesquisa, busca respostas possíveis para solucionar o desafio que está à sua frente, testa suas hipóteses, confirma- as, nega-as, abandona-as e retoma-as. Por meio desse movimento, realiza o esforço da aprendizagem, relacionando conhecimentos anteriores aos atuais, ampliando, construindo novos conhecimentos para construir o seu saber. A esse respeito, escreve o autor:

A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz cultura. E é ainda o jogo destas relações do homem com o mundo e do homem com os homens, desfiando e respondendo os desafios, alterando, , criando, que não permite a imobilidade, a não ser em termos de relativa preponderância, nem das sociedades, nem das culturas (FREIRE, 2005, p.51)

Nesse sentido, o conhecimento nasce da interação entre os seres humanos e destes com o mundo. Todos, de alguma forma, agem e buscam respostas para suas necessidades, por isso, não há ser humano vazio de conhecimento, de cultura. Existem, sim, graus e níveis de conhecimento e saberes diferenciados, mas não há quem nada saiba. Como nos afirma Arantes:

Em se tratando da vida social, a cultura (significação) está em toda

parte. Todas as nossas ações, seja na esfera do trabalho, das relações

conjugais, da produção econômica ou artística, do sexo, da religião,

das formas de dominação e de solidariedade, tudo nas sociedades

(3)

humanas é constituído segundo os códigos e as convenções simbólicas a que dominamos “cultura”(ARANTES, 1986, p.34).

Para o povo, suas tradições a que denominamos de cultura é representada, ou melhor, vivenciada por meio da religião e das festas populares transformadas, na maioria das vezes, em momentos “quase mágicos” na vida cotidiana dessa comunidade.

Isso porque a organização da festa da padroeira Nossa Senhora das Graças é planejada com uma certa antecedência, seguindo um ritual tão peculiar para cada povo e a cada região que, mesmo acontecendo as mesmas festividades nas diversas comunidades, podemos detectar as particularidades de cada uma. É, também, nesses rituais religiosos que são transmitidos os saberes desse povo, adquiridos ao longo das gerações e assimilados pelos mais novos através das orações – rezas, cantigas, brincadeiras e dos afazeres cotidiano do lugar.

No povoado de Alagoas, pertencente ao município de Itaberaba/Ba como em todo o Nordeste, religião e festas populares constituem assunto fundamental na vida de muitas pessoas. Para os organizadores, as festas não representam propriamente momentos de lazer, mas de trabalho intenso e prazeroso no seu preparo e na sua realização. Neste sentido, podemos compreender a cultura como o modo de ser e de viver dos grupos sociais: a língua, as regras de convívio, enfim, tudo aquilo que é vivido, aprendido, apreendido e compartilhado por uma comunidade. As palavras de Arantes retratam essa reflexão:

Por mais contraditório que possa parecer, são exatamente esses objetos e modos de pensar considerados simplórios, rudimentares, desajeitados e deselegantes ao que reproduzimos religiosamente em nossas festas e comemorações nacionais. É, freqüentemente, às chamadas “supertições populares” que recorremos em nossas aflições e para resolver o que, de outro modo, as pareceriam insolúveis (ARANTES, 1986, p.15).

Embora a sociedade letrada queira ensinar as demais a terem um modo de vida considerado por ela refinado, civilizado e eficiente – numa palavra, “culto” – é impossível evitar que muitos objetos e práticas que ela qualifica de “populares”

pontilhem o cotidiano citadino. É essa, na verdade, uma das funções mais eficientes e

perversas (embora não a única) das instituições de ensino, das igrejas, dos museus e

dos meios de comunicação de destruir o passado. Muitas vezes, de modo indireto e

(4)

implícito, essas agências procuram aproximar o que é efetivamente dissemelhante, legitimando a supremacia de alguns modos particulares de “saber” sobre os demais.

É importante perceber num país como o Brasil, tão diverso, tão grande, com tantas expressões culturais diferentes, com tantos jeitos de ser, de brincar, de conviver e de rezar que vão se modificando de lugar para lugar e a toda hora, que não se pode falar de uma única cultura, mas das muitas culturas que o formam. Culturas herdadas pela sociedade brasileira de diferentes povos, aqui representados, principalmente, pelas nações indígenas, européias e negras africanas que muito contribuíram como elementos fundadores e definidores da identidade brasileira.

Nesta linha de raciocínio, é preciso se pensar a cultura no plural e no presente, como um sistema que a tudo unifica e dá sentido, estruturando as formas de sentir, pensar, e de representar o mundo de uma comunidade, através da relação de troca entre as pessoas, dos bens, serviços e símbolos. Mais ainda, como expressões materiais do saber, do agir e dos afazeres populares. Neste sentido, a cultura representativa do povoado de Alagoas, manifestada na sua festa principal, a de Nossa Senhora das Graças, guarda valores morais, crenças, artes e costumes expressados também do modo de viver da comunidade.

Na festa religiosa de Nossa Senhora da Graças, o espaço sagrado emerge da relação dos devotos entre si e deles com a Santa. A personificação da Santa, presente nas interações cotidianas, também existe na festa, ou seja, na interação extra-cotidiana dos devotos, quando a Santa é corporificada pelos devotos através dos agradecimentos pelos pedidos concedidos. Essa interação extra-cotidiana das pessoas com a Santa se apresenta de maneira singular na festa de Nossa Senhora das graças, comemorada no dia 27 de novembro.

As comemorações da festa de Nossa Senhora da Graças que têm a participação

de moradores do povoado e de fieis vindos das mais diversas localidades do estado da

Bahia, como também de outros estados do Brasil, começam com um novenário que tem

uma programação específica para cada dia, isto é, rezas, orações, penitências,

culminando com uma grande festa no nono dia, ou seja, no domingo com a celebração

da missa, batismo, precisão e a visita ao santuário Maria Milza como forma de

agradecimento aos pedidos – as graças alcançadas.

(5)

ROMARIAS E BÊNÇÃOS

O fenômeno do aparecimento de Nossa Senhora e o surgimento de uma

“milagreira” – Maria Milza, no povoado de Alagoas, distando doze quilômetros de Itaberaba, trouxe para a comunidade e região um turismo religioso que se baseou num movimento popular que ecoa e amplia a devoção católica e a fé, ganhando contornos de uma identidade regional, nordestina, baiana que desde a década de 50 impõe a presença de milhares de peregrinos, isto é, de romeiros na comunidade.

Antes de descrever o ritual de “cura/milagre” fiz a opção em situar um pouco o contexto social, isto é, localizar antes o povoado – comunidade e, por fim, chegar na residência, ou seja, no Santuário Maria Milza. Desta forma, denominarei a casa, mais especificamente, a sala como “espaço sagrado”, pois é neste local que acontecem os rituais de espera, atendimento e de cura. É no espaço da casa, mais precisamente, na sala onde ficam expostos os santos e, principalmente, a imagem de Nossa Senhora das Graças há, também, fotografias de diversas imagens e paisagens e, sobretudo, de Maria Milza comprovando que algo diferente, ao menos aos olhos e explicação da comunidade, aconteceu, pois nas imagens são constatadas cores que a diferenciam de outras fotos e na imagem de Nossa Senhora feita de gesso aparece meio torta e com uma coloração tida como diferente, ou seja, evidências que são enfatizadas como o sobrenatural. Tais fenômenos são considerados pelos romeiros e por todos da comunidade a comprovação de um milagre, ou seja, o aparecimento de Nossa Senhora e, consequentemente, o dom que foi dado a Maria Milza para ajudar aos mais necessitados.

É também no espaço da casa – sala onde está exposta a Santa de devoção e

diversos santos, exaltando a sua fé e, com isso, contribuindo para a (re)afirmação das

crença e do poder de cura – o milagre. Pensar neste espaço – sala (local de espera) e o

quarto (local de atendimento) como terapêutico religioso que o santuário assume,

possibilita pensar em algo que não seja dicotômico, isso é, nem só sagrado, nem apenas

profano. Como afirma Durkheim (1996) a respeito destas duas esferas há, na verdade,

uma complementaridade, pois num mesmo instante que a sala e o quarto são espaços

(6)

sagrados estes passam a ser a extensão da casa em que pessoas (moradores e visitantes) trafegam normalmente, transformando num local doméstico onde se conversa, recebe e acomoda todos os fiéis vindos dos mais diferentes lugares em busca de soluções para seus problemas/angústias.

As crenças no sagrado são alimentadas pelo que é experienciado no mundo através dos sistemas de representações (testemunhos, gestos, adornos). Isto posto, percebemos que o sagrado só assume tal significado se colocado à luz das práticas mundanas. Trazendo este pensamento para a prática do milagre quando atribui um caráter religioso – o sagrado ao espaço da casa (sala e quarto), porque visivelmente encontram-se ali elementos – simbologias que estão associados aos seres ditos sagrados como imagens de santos, velas, flores e, principalmente, réplicas de partes do corpo, objetos como muletas, cartas e, até, um caixão como prova das graças alcançadas, ou seja, do milagre.

Diante do exposto, percebemos que a relação de confiança estabelecida entre a milagreira e os fiéis é construída a partir da predisposição dela para ouvir os problemas, as angústias, as aflições daqueles que vão em busca de respostas para muitas inquietações que, às vezes, nem a ciência tampouco a medicina conseguem responder, bem como a comunhão de elementos católicos que unem a milagreira aos devotos. Vale lembrar que esses devotos que procuram Maria Milza para interceder por eles junto a Nossa Senhora das Graças são, em grande maioria, pessoas que residem na zona rural e também compartilham da mesma religião, ou seja, são católicos.

Além de compartilharem dos mesmos códigos religiosos há, ainda, a familiaridade e aproximação destas pessoas com a milagreira pelo seu comportamento de uma mulher do “povo” que participa ativamente da vida cotidiana de sua comunidade e sempre preocupada em ajudar e amenizar a dor dos mais necessitados.

Tais atitudes levam a uma maior aproximação dela com seus fiéis/seguidores,

estabelecendo aí uma relação de afetividade e confiança. Neste caso não é apenas o

fator simbólico da religião que conta na hora da decisão de buscar a “cura” para seus

males, há, também, outros elementos que influenciam desde a decisão até o

fortalecimento dos laços afetivos com a milagreira.

(7)

Há, portanto, práticas do comportamento da milagreira Maria Milza que desperta a nossa atenção como a simplicidade de saber ouvir, a sensibilidade para lidar com as angústias, dores e os problemas alheios contribuem para que haja uma atmosfera de familiaridade entre as partes. Este processo vai adquirindo firmeza e maturidade ao longo dos encontros, estabelecendo laços de confiabilidade que vão se estreitando, e, sobretudo, configurando uma relação não somente de líder religiosa e devotos, mas sim uma relação de reciprocidades, de empatia. A partir do conceito de líder carismático

i

de Weber (1996), possibilita entender como esse sentimento de

confiança dos devotos com a milagreira se estabelece no cotidiano dessas pessoas.

REFERÊNCIAS

ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Ática, 1986.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore. Col. Primeiros Passos.São Paulo:

Brasiliense,1986.

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

DURKHEIM, Emile. As Formas elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Paulinas, 1996.

WEBER, MARX. Economia e sociedade: fundamentos de sociologia compreensiva. 3ª ed. Brasília: Unb, 1994.vol. 1

i

Um dom puro e simplesmente vinculado ao objeto ou à pessoa que por natureza o possui e que por nada

pode ser adquirido (WEBER, 1994, p. 280).

Referências

Documentos relacionados

Foram avaliadas três concentrações de terra diatomácea e carvão ativado como material para purificação do hidrolisado de amido de mandioca.. As alíquotas de hidrolisado foram

¾ Segundo nível • Terceiro nível – Quarto nível A FAMÍLIA PROFIBUS A FAMÍLIA PROFIBUS PROFIBUS-FMS PROFIBUS-FMS é a solução de propósito geral para comunicação de

A garantia não cobre: (a) defeitos ou danos resultantes do uso anormal do produto pelo cliente, como superfícies plásticas e outras peças expostas externamente arranhadas,

O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) foi criado pelo Ministério da Saúde em 1975 para a obtenção regular de dados sobre mortalidade no País. A partir

Em suma por meio de pesquisa bibliográfica e coleta de dados junto a uma comunidade negra rural, buscou nesse trabalho analisar e compreender a vivência de

( ) Na passagem “ Se a Amazônia, sob uma ótica humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizemos também as reservas de petróleo do mundo inteiro” (linhas 11-12),

(134) Constituindo um elemento dos custos de produção, os direitos de exploração têm, nessa conformidade, uma influência na rendibilidade de todos os produtores de CD-R.

As comunidades de Actinomycetales apresentaram variações entre as amostras de água de gotejamento e sedimento nas duas cavernas, sendo a água de gotejamento e a caverna