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LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL

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Academic year: 2021

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ISSN 1415-8973 Número 10, 2009

A

C

OR DAS

L

ETRAS Revista do Departamento de Letras e Artes

Universidade Estadual de Feira de Santana

LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL

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Universidade Estadual de Feira de Santana Reitor: José Carlos Barreto Santana Vice-Reitor: Washington Almeida Moura

Depatamento de Letras e Artes Chefe: Geraldo Ferreira de Lima Vice-Chefe: Mávis Dill Kaiper BR 116 Norte, Km 3

Campus Universitário, Módulo 2

CEP 44031-460 – Feira de Santana – Bahia – Brasil Endereço eletrônico: dlet@uefs.br

Sítio de internet: http://www.uefs.br/dlet/publicacoes.htm Fone/Fax: 55 75 - 3224-8185 e 3224-8265

A Cor das Letras:

Roberto Henrique Seidel – Editor Cláudio Cledson Novaes – Co-editor

Endereço eletrônico: a.cor.das.letras@gmail.com Ficha Catalográfica: Biblioteca Central Julieta Carteado

C793 A Cor das Letras: Revista do Departamento de Letras e Artes da Uni-versidade Estadual de Feira de Santana. – N. 1 (1997)-. – Feira de Santana: UEFS, 1997-.

v. ; il., 25,5 cm. Anual. ISSN 1415-8973

1. Lingüística – Periódicos. 2. Letras – Periódicos. 3. Artes – Periódicos. I Universidade Estadual de Feira de Santana.

CDU: 8 + 7 (05)

Os textos publicados nesta Revista são de inteira responsabilidade de seus autores. A re-produção, parcial ou total, é permitida, desde que seja citada a fonte.

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Leitura e Produção Textual. A Cor das Letras: Revista do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Feira de Santana, n. 10, 2009. Feira de Santana, UEFS, 2009. Peri-odicidade anual. ISSN 1415-8973

Conselho editorial:

Profa. Dra. Adriana Maria de Abreu Barbosa – UESB Prof. Dr. Alain Vuillemin – Université d’Artois, França Prof. Dr. Amarino Oliveira de Queiroz – UEFS Prof. Dr. Benedito José de Araújo Veiga – UEFS Prof. Dr. Carlos Saez – Universidad de Alcalá, Espanha Prof. Dr. Cláudio Clédson Novaes – UEFS

Prof. Dr. Edgar Roberto Kirchof – ULBRA/Canoas Prof. Dr. Edson Dias Ferreira – UEFS

Profa. Dra. Ester Maria Figueiredo Souza – UESB Prof. Dr. Jenö Farkas – ELTE, Hungria

Prof. Dr. João Cláudio Arendt – UCS

Prof. Dr. João Antônio de Santana Neto – UNEB/UCSAL/UFBA Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi – UFS

Profa. Dra. Lílian Pestre de Almeida – Universidade Independente de Lisboa, Portugal Prof. Dr. Luciano Amaral Oliveira – UEFS

Profa. Dr. Maria da Conceição Reis Teixeira – UNEB Prof. Dr. Márcio Ricardo Coelho Muniz – UFBA Prof. Dr. Mary Kato – UNICAMP

Prof. Dr. Mohamed Bamba – UEFS

Prof. Dr. Odilon Pinto de Mesquita Filho – UESC Prof. Dr. Pál Ferenc – ELTE, Hungria

Profa. Dra. Regina Zilberman – UFRGS

Profa. Dra. Rita de Cássia Ribeiro de Queiroz – UEFS Profa. Dra. Vania Lúcia Menezes Torga – UESC Equipe de realização:

Benedito José de Araújo Veiga – Revisão de metodologia Cláudio Clédson Novaes – Revisão de português e francês Mírian Sumica Carneiro Reis – Revisão de português Nigel Alan Hunter – Revisão de inglês

Roberto Henrique Seidel – Editoração e normalização Capa:

Evandro Ferreira Vaz Impressão:

Imprensa Universitária – UEFS Versão eletrônica disponível em:

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SUMÁRIO Tema — Leitura e Produção Textual:

Análise de gêneros discursivos na esfera pedagógica: a prova discursiva de Língua Portuguesa no Vestibular ...

Erislane Rodrigues Ribeiro

7

Leitura e leitores: perfil da escola pública ... Heloísa Barretto Borges

Maria Helena Rocha Besnosik

25

Conhecimentos prévios e práticas leitoras no ensino fundamental ... Cristiane Malinoski Pianaro Angelo

Valter Sávio Roesler

37

Leitura, experimentação artística e produção textual nas séries iniciais do Ensino Fundamental ...

Maria Emília Lubian

55

Literatura:

Um prefácio à biografia ... André Luis Mitidieri

67

De Clarice Lispector a Cazuza: marcas da literatura na obra musical ... Daiane Raquel Steiernagel

75

A tradição oral e a literatura descolonizadora em João Guimarães Rosa e Mia Couto ...

Miguel Nenevé Roseli Siepamann

89

African-American Theater & the Deconstruction of the American Dream ... Marcela Iochem Valente

101

Narrativas afro-brasileiras: Úrsula, de Maria Firmina dos Reis, Diário de Bitita, de Maria Carolina de Jesus, e Becos da Memória, de Conceição Evaristo ...

Francineide Santos Palmeira

111

Utopia e messianismo na literatura hispano-americana colonial ... Rogério Mendes Coelho

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O consórcio da ciência e da arte enquanto projeto estético norteador d’Os sertões, de Euclides da Cunha ...

Léa Costa Santana Dias

133

Resenha:

RANGEL, Jurema Nogueira Mendes. Leitura na escola: espaço para gostar de ler. Porto Alegre: Mediação, 2005. 176 p. ...

Taciana Zanolla

Flávia Brocchetto Ramos

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ANÁLISE DE GÊNEROS DISCURSIVOS NA ESFERA PEDAGÓGICA: A PROVA DISCURSIVA DE LÍNGUA PORTUGUESA NO VESTIBULAR

Erislane Rodrigues Ribeiro1 Resumo: Por considerarmos bastante relevante os estudos de gêneros discur-sivos na esfera pedagógica como forma de embasar as práticas de escrita e lei-tura realizadas nas escolas, com este artigo pretendemos dar nossa contribuição, analisando o gênero prova discursiva de Língua Portuguesa. Procuraremos ob-servar, em prova de Língua Portuguesa do Processo Seletivo 2004 da UFG, como se configura seu conteúdo temático, sua forma composicional e seu estilo, con-forme a teoria proposta por Bakhtin.

Palavras-Chave: Gêneros do discurso, prova discursiva, Língua Portuguesa, vesti-bular.

Abstract: Through this article, we intend to give our contribution to genre discur-sive test of Portuguese because we consider very important for the study of ge-nres of the pedagogic sphere as a way of teaching based practices of reading and writing carried out in schools. We intend to observe in tests of Portuguese of the Selective Process 2004 of UFG, as set their thematic content, its form and its composicional style, as the theory proposed by Bakhtin.

Key Words: Discursive genres, discursive test, Portuguese, vestibular. INTRODUÇÃO

A escola é uma importante esfera de atividade de nossa sociedade e como tal tem seus próprios gêneros discursivos, por intermédio dos quais se constituem e se desenvolvem as diversas interações escolares e/ou as ativida-des de ensino e de aprendizagem.

Na opinião de Rodrigues (2002, p. 213), “o sucesso do aluno na escola passa pelo domínio dos gêneros escolares, que também devem ser considera-dos objetos de aprendizagem”. Para ela, “um projeto pedagógico para a pro-dução da escrita”, além de contribuir “para a plena participação na vida social pública”, deve se orientar “(sem excluir os demais) para aqueles gêneros cujo domínio é necessário para o bom desempenho escolar (saber tomar notas, fazer resumos, resenhas, participar de seminários, etc.)”.

Em consonância com o que defende a autora, ressaltamos a importância de se exercitar, nas aulas de língua portuguesa, a leitura e escrita de provas discursivas de concursos e vestibulares para que, conhecendo as especificida-des especificida-desse gênero, os indivíduos se saiam melhor no momento em que com eles se defrontam.

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Doutora em Lingüística e Língua Portuguesa pela FCLAR/UNESP; Docente do Curso de Letras, Campus Catalão, Universidade Federal de Goiás; endereço eletrônico: erislane@bol.com.br.

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Nosso objetivo, com a escrita deste artigo, é, então, desenvolver a análi-se do gênero prova discursiva de Língua Portuguesa em contexto de vestibular, pois sabemos que, como afirma Rocco (1995, p. 24), as características da nossa realidade escolar, sobretudo a de 2º grau, não nos permite negar ou mesmo “desconhecer o alto nível de influência que o vestibular exerce sobre o ensi-no”. Desta forma, com base na teoria bakhtiniana, procuramos observar como a prova discursiva de Língua Portuguesa do Processo Seletivo de 20042 se ca-racteriza em termos de forma composicional, conteúdo temático e estilo.

O presente texto encontra-se organizado do seguinte modo. Inicialmen-te, apresentamos algumas considerações sobre: o que vem a ser gêneros do discurso segundo propõe Bakhtin, como eles podem ser distinguidos dos tipos, a intrínseca relação que estabelecem com seu suporte, além da reconhecida importância que o trabalho com os gêneros no ensino adquiriu recentemente. A seguir, teorizamos, rapidamente, sobre o gênero prova discursiva de Língua Portuguesa especificamente. Em seguida, analisamos a prova discursiva de Língua Portuguesa do Processo Seletivo 2004 da UFG, observando, especial-mente, como ela se constitui no que se refere a seu conteúdo temático, sua forma composicional e seu estilo. Por fim, apresentamos nossas considerações finais e as referências bibliográficas.

1 GÊNEROS DO DISCURSO

Releituras da obra de Bakhtin já foram realizadas, em outros momentos da história, para reavivar uma série de conceitos, como dialogismo, polifonia, carnavalização, interação. Atualmente, um número bastante significativo dos pesquisadores que cita Bakhtin o faz, principalmente, para abordar o tema gêneros do discurso. No entanto, apesar do número de citações de Bakhtin (2000) em pesquisas que versam sobre a questão dos gêneros, os trabalhos sobre o tema têm se diversificado numa velocidade espantosa, distanciando-se uns dos outros em razão das diferentes leituras dos textos do autor e dos dis-tintos objetivos almejados pelos pesquisadores.

Partindo da idéia defendida por Bakhtin (2000) de que não é possível a comunicação verbal a não ser por algum gênero, vários pesquisadores, dentre eles Marcuschi (2002a) e (2002b), têm procurado mostrar a funcionalidade da noção “gêneros textuais” e defendido a importância de se trabalhar com eles e não com os tipos textuais nas aulas de língua materna. Para Marcuschi (2002a, p. 22), os tipos textuais “abrangem cerca de meia dúzia de categorias conheci-das como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção” e os

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ros são “os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, pro-priedades funcionais, estilo e composição característica”. Em Bakhtin, gênero (às vezes denominado pelo autor de tipos, formas) não são aquelas categorias de que fala Marcuschi (2002, p. 22), mas as formas que os enunciados adqui-rem em determinadas esferas de atividades entre interlocutores que as reco-nhecem porque as mesmas se constituíram historicamente, através de proces-sos de interação.

Para Bakhtin (2000, p. 284), gênero do discurso é um “tipo de enuncia-do, relativamente estável do ponto de vista temático, composicional e estilísti-co”, elaborado por cada esfera em que a língua é utilizada. Conceituando gê-neros do discurso em relação às esferas de atividade humana, Bakhtin reconhece que inexistem classificações que partam da observação das esferas da atividade humana, provavelmente em razão de serem tão variadas, fazendo com que os gêneros, por sua vez, sejam também variados e heterogêneos, de natureza infinita. Para o autor russo, além de inexistir tal classificação, falta estabelecer uma distinção básica entre dois subgrupos de gênero. Num primei-ro grupo, incluem-se os gêneprimei-ros de discurso primários, simples, os quais são constituídos de uma comunicação verbal espontânea; num segundo grupo, estão os gêneros de discurso secundários, complexos, que “aparecem em cir-cunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa e relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, científica, sociopolítica”, absorvendo e transformando os gêneros primários (BAKHTIN, 2000, p. 281). Além disso, os gêneros secundários, em sua maior parte, promovem uma “[...] compreensão responsiva de ação retardada: cedo ou tarde, o que foi ouvido e compreendido de modo ativo encontrará um eco no discurso ou no comportamento subse-qüente do ouvinte” (BAKHTIN, 2000, p. 291).

A escolha de um gênero do discurso, seja ele primário ou secundário, é, segundo Bakhtin (2000, p. 301), decorrente das especificidades de determina-da esfera determina-da comunicação verbal, o que significa dizer que existem gêneros, mais ou menos apropriados, tanto em relação às esferas do cotidiano (familiar, íntima, comunitária) como também em relação às esferas dos sistemas ideoló-gicos constituídos (científica, artística, religiosa, política, jornalística, militar, escolar), aos quais corresponde certo estilo lingüístico ou funcional.

Quanto aos nomes que usamos para designar os gêneros, não são inven-tados por nós como resultado de um trabalho individual, são constituídos soci-almente e historicamente. E em relação aos critérios utilizados no processo de designação dos gêneros, em geral utiliza-se um desses critérios: “forma estru-tural, propósito comunicativo, conteúdo, meio de transmissão (suporte),

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pa-péis dos interlocutores, contexto situacional, mas vários desses critérios po-dem atuar em conjunto” (MARCUSCHI, 2002b, p. 8).

Uma tese que Marcuschi (2003) tem defendido em relação ao gênero diz respeito à sua estreita relação com o suporte. Definindo o suporte como “um lócus físico com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”, o autor tem apostado na idéia de que “[...] como o suporte tem um formato específico, ele pode ter contribuições ao gênero. [...]. Seria interessante analisar a hipótese de que os gêneros têm pre-ferência e não se manifestam na indiferença a suportes”. Em outras palavras, o autor atribui grande importância ao suporte para a circulação dos gêneros na sociedade, além de destacar a influência que ele, certamente, acarreta na “na-tureza do gênero suportado”. Desse modo, na visão do autor, “[...] o suporte não é neutro e o gênero não fica indiferente a ele” (MARCUSCHI, 2003, p. 1-7).

Em relação à aquisição dos gêneros, conforme Bakhtin (2000, p. 301), não se distancia da aprendizagem das formas de nossa língua materna. Para ele, “as formas da língua e as formas típicas de enunciados, isto é, os gêneros do discurso, introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência con-juntamente e sem que sua estreita correlação seja rompida”. E como a apren-dizagem das formas da língua e dos gêneros do discurso ocorre conjuntamente através de nossas experiências, falta domínio do gênero se há “falta de vivên-cia de determinadas atividades de certa esfera” (FIORIN, 2006, p. 69).

No Brasil, o recente interesse pelo estudo dos gêneros do discurso de-corre, em parte, da importância que o MEC tem atribuído ao trabalho com os gêneros no ensino de leitura e produção de textos, em especial nas aulas de língua portuguesa, como se pode verificar pela leitura dos PCNs de língua por-tuguesa elaborados por esse órgão do governo. De acordo com os PCNs (1997), nas situações de ensino, é necessário contemplar

a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em função de sua relevância so-cial, mas também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de diferentes formas. A compreensão oral e escrita, bem como a produção oral e escrita de textos pertencentes a diversos gêneros, supõem o de-senvolvimento de diversas capacidades que devem ser enfocadas nas situações de ensino. É preciso abandonar a crença na existência de um gênero prototípico que permitiria ensinar todos os gêneros em circulação social (BRASIL, 1997, p. 23-24).

Atualmente, podemos dizer que é quase unânime a opinião de que é ne-cessário trabalhar com a diversidade de gêneros, já que, como ponderou Bakh-tin (2000, p. 303), “são muitas as pessoas, que dominando magnificamente a língua, sentem-se logo desamparadas em certas esferas da comunicação

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ver-bal, precisamente pelo fato de não dominarem, na prática, as formas do gêne-ro de uma dada esfera”.

2 O GÊNERO PROVA DISCURSIVA

Uma prova “discursiva” é, segundo Chociay,

[...] um diálogo regido por um objetivo específico: o professor emite frases com intenção de avaliar; o aluno emite frases correspondentes com intenção de ser avaliado. O professor quer saber se o aluno domina certos conteúdos e alcança certos comportamentos; o aluno quer demonstrar que conhece tais conteúdos e exerce tais comportamentos (CHOCIAY, 1998, p. 52).

O modo como Chociay define a prova de vestibular comumente deno-minada discursiva, sugere-nos que é possível pensar a interlocução entre can-didatos e banca a partir das considerações de Pêcheux (1993) quando trata do jogo de imagens que envolve os sujeitos. Geraldi (1993, p. 69-71) propôs um exemplo de como essas imagens funcionam, elaborando “um quadro hipotéti-co de respostas que um aluno, na eshipotéti-cola, hipotéti-construiria [...] quando lhe é solicita-do que escreva um texto”. A partir solicita-do quadro proposto pelo autor, desenvol-vemos um para compreendermos melhor as imagens envolvidas no processo de interlocução envolvendo banca e vestibulandos no processo seletivo 2004 da UFG.

À pergunta “quem sou eu para lhe falar assim?”, é provável que os membros da banca respondessem que são: professores de português, com experiência nos níveis superior e fundamental e/ou médio, com condições de selecionar, com base no que se ensina nos níveis que antecedem o vestibular, os alunos com condições de ingressar na universidade; pesquisadores atualiza-dos em suas áreas de atuação quanto às mais recentes abordagens teóricas; profissionais que têm, em decorrência de sua formação e profissão, domínio da língua padrão, além de uma competência inquestionável em atividades de avaliação da leitura e escrita de terceiros. Além disso, são pessoas bem infor-madas, cujos pontos de vista costumam ser considerados relevantes pela soci-edade.

À pergunta “quem é ele para eu lhe falar assim?”, a banca, provavel-mente, responde que ele é um candidato, alguém que concluiu o ensino fun-damental e o ensino médio e que ao candidatar-se a uma vaga na universidade deve demonstrar certos conhecimentos e habilidades e que não pode, ao res-ponder questões da prova de língua portuguesa, cometer erros (nem no con-teúdo nem na forma).

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Neste ponto, consideramos pertinente citar Bakhtin (2000, p. 320), para quem,

o enunciado, desde o início, elabora-se em função da eventual reação-resposta, a qual é o objetivo preciso de sua elaboração. O papel dos outros, para os quais o enunciado se elabora, [...] é muito importante. Os outros, para os quais meu pensamento se torna, pela primeira vez, um pensamento real (e, com isso, real para mim), não são ouvintes passivos, mas participantes ativos da comunicação verbal. Logo de início, o locutor espera deles uma resposta, uma compreensão responsiva ativa. Todo enunciado se elabora como que para ir ao encontro dessa resposta (BAKHTIN, 2000, p. 320).

Quanto à questão, “de que lhe falo eu (banca)?”, os professores que compõem a banca responderiam que falam sobre temas relativos à língua por-tuguesa, pois a prova é de língua porpor-tuguesa, além de temas atuais, para avali-ar o que o aluno tem lido e/ou se é uma pessoa bem informada. Com base no que propõe o manual do candidato e a partir das abordagens teóricas que se destacam na academia, a banca elabora o seu dizer, tentando evitar, entretan-to, que as respostas possam vir a ser muito heterogêneas entre si, o que im-possibilitaria a correção.

As imagens que a banca tem de si, dos candidatos que respondem as questões da prova discursiva de língua portuguesa e dos temas nela contidos compõem, portanto, um quadro que, em nossa opinião, pode revelar bastante das condições em que os discursos das bancas são produzidos.

Segundo Chociay, servem de instrumento para o diálogo, para essa rela-ção de interarela-ção verbal entre o professor (banca) e o aluno (candidato), os “[...] mesmos tipos de frase empregados na comunicação ordinária submeti-dos, porém, a um processo de elaboração cuidadoso” (CHOCIAY, 1998, p. 52). Ao analisar questões de provas discursivas da Vunesp, o autor verifica que:

os enunciados das perguntas desenvolvem-se em dois itens que podem ser de-nominados, respectivamente, comentário e solicitação. Por meio do comentário são fornecidos ao candidato esclarecimentos sobre o aspecto ou o pormenor do texto focalizado; por meio da solicitação se formula a pergunta propriamente di-ta, dividida em dois subitens (CHOCIAY, 1998, p. 61).

A vantagem desse tipo de questão é, segundo ele, que o comentário a-caba por criar para o candidato “um contexto a partir do qual sua capacidade de observação, análise e interpretação poderá operar-se sem maiores entraves [...]”, o que procuraremos observar no momento das análises (CHOCIAY, 1998, p. 63).

No tópico seguinte, passamos a analisar questões da prova discursiva de língua portuguesa propostas pelo centro de seleção da UFG no processo seleti-vo 2004.

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3 ANÁLISE DA PROVA DISCURSIVA DE LÍNGUA PORTUGUESA DO PROCESSO SELETIVO 2004 DA UFG

Em 2004, a segunda etapa do processo seletivo se realizou em dois dias. No primeiro dia, os candidatos receberam o caderno de questões3 contendo as questões discursivas de língua portuguesa e aquelas relacionadas às obras literárias previamente indicadas para o vestibular 2004, as quais compõem o que a UFG denomina prova de “língua portuguesa”. Além dessas questões, no mesmo dia foi realizada a prova de “redação”.

A questão 01 dessa prova situa-se no início da página 01 do caderno de questões e inicia-se com uma seqüência injuntiva, pois o objetivo é fazer com que o interlocutor aja, lendo uma nota de Elio Gaspari, retirada da Folha de São Paulo (16 nov. 2003). Como se pode ver, o comentário da questão 01 é caracterizado por uma instrução dada ao vestibulando; pela apresentação da nota irônica de Elio Gaspari, seguida da referência que indica que foi publicada anteriormente pela Folha de São Paulo; por uma contextualização dada atra-vés da explicação de quem é Madame Natasha (personagem criada pelo autor para ridicularizar a linguagem usada por autoridades que atropelam a comuni-cação). Já a solicitação é dividida em perguntas: a, em que se pede ao candida-to que explique por que o emprego dos termos “eficientização” e “eficientiza-dos” está sendo criticado, e b, em que se solicita ao vestibulando reescrever o último parágrafo conforme a norma padrão.

Em relação à pergunta a, podemos dizer que o comentário feito antes da solicitação, com o uso do texto de Gaspari, seguido da explicação de quem é madame Natasha, delimita as possibilidades de leitura, com a finalidade de direcionar a resposta do vestibulando. Em se tratando de um processo seleti-vo, tal expediente não merece ser alvo de críticas. Assim, com essa pergunta, pode ser avaliada a capacidade do candidato em identificar pistas no texto que o levam a determinadas leituras.

Como respostas esperadas para a letra a dessa primeira questão, o cen-tro de seleção da UFG divulgou as seguintes4:

a) O emprego dos termos “eficientização” e “eficientizados” é criticado por ser uma impropriedade vocabular. Podem ser considerados

3

O “Caderno de questões” é o suporte utilizado pela UFG para as questões das provas e para as respostas dadas pelos candidatos.

4

Em 2004, o Centro de Seleção tornou públicas, em seu site, as respostas esperadas na prova discursiva de língua portuguesa.

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logismos técnicos, usados em lugar de termos disponíveis e recorren-tes, tais como “qualificação” e “melhoria”. Além de serem questioná-veis diante da norma padrão, esses termos manifestam um exagero do estilo técnico e burocrático que não contribui para a clareza da mensagem e que não é, portanto, adequado a textos oficiais nem a autoridades governamentais.

A crítica decorre do fato de um secretário de Estado, Wagner G. Vic-ter, derivar indevidamente os termos “eficientização” e “eficientiza-dos” da palavra “eficiente”, pois já existem palavras equivalentes em português, e esses neologismos não contribuem para a clareza do que está sendo comunicado.

Quanto à pergunta b dessa primeira questão, a despeito de tematizar os níveis de linguagem, assunto que merece de fato estar presente em questões de vestibular, valoriza, como em geral acontece nesse tipo de questão, a nor-ma padrão da língua portuguesa.

A segunda questão, apresentada na mesma página da primeira, também é composta por um comentário e pela solicitação, esta dividida em dois itens. Novamente, o comentário se inicia com instruções dirigidas aos candidatos com o fim de desencadear a ação de ler a resenha que se segue e a ação de escrever para responder ao que se pede; a seguir, insere-se uma resenha do filme O amor custa caro, adaptada da revista Carta Capital de 15 de outubro de 2003; por último, são apresentadas duas perguntas que devem ser respondi-das pelos candidatos.

Na letra a, exige-se, basicamente, que o candidato demonstre ser um leitor capaz de mostrar sua capacidade de apreender a idéia-núcleo do texto apresentado. Já para responder corretamente a solicitação b, o candidato pre-cisa saber o que é enredo e ponto de vista, quer dizer, exige-se que o vestibu-lando tenha certo domínio de uma nomenclatura específica para que tenha condições de responder a contento o que é solicitado.

Segundo o centro de seleção, as respostas esperadas, utilizadas como referências para a correção dessa questão, eram:

a) De acordo com o resenhista, a obra dos irmãos Coen está acima da média da produção americana por apresentar um ponto de vista crí-tico com relação aos usos e costumes americanos.

O recurso empregado pelo resenhista para exemplificar a sua opinião é a citação de outros filmes dos cineastas e sua classificação em dois

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gêneros: o humor negro (Fargo) e a comédia escrachada (Arizona nunca amais), por exemplo.

b) De acordo com a resenha, em termos de enredo, o filme é caracteri-zado pelo conflito entre um advogado especialicaracteri-zado em divórcios e processos afins e uma mulher deslumbrante que busca enriquecer por meio de casamentos.

Em termos de ponto de vista, o filme é uma comédia escrachada e uma crítica à obsessão americana com advogados, processos judiciais e julgamentos.

Na página 2, são apresentadas as questões 3 e 4. A questão 3 foi elabo-rada a partir de uma charge de Angeli, publicada na Folha de São Paulo no dia 13 de outubro de 2003. Nela, o comentário consiste: numa seqüência injuntiva que orienta o leitor para que “leia” uma charge apresentada; na própria char-ge, seguida da referência com a indicação do nome de seu autor, do local e data de publicação e na orientação com relação à leitura a ser feita, segundo a qual a charge dramatiza o problema do desemprego no Brasil. Em seguida, vem a solicitação, com perguntas a e b. Tanto em uma como em outra, o vesti-bulando é orientado a analisar “a combinação da linguagem verbal com a não-verbal”.

Na pergunta a, pede-se que o candidato explique “por que a situação re-tratada é irônica”. Assim, apesar de se orientar o aluno para que “leia”, o que, sob o nosso ponto de vista, significaria que o vestibulando é uma das instân-cias que contribui para a constituição do sentido, é dado o pressuposto de que a situação retratada é irônica, cabendo ao candidato apenas explicar o porquê disso acontecer.

Quanto à pergunta b, solicita-se que o candidato reescreva a fala das personagens da charge, explicitando a relação entre as orações através do uso de uma conjunção ou de uma locução equivalente, sem que seja alterada a ordem das orações. De novo, o candidato deve demonstrar o domínio de uma nomenclatura gramatical: para responder a questão, tem que saber o quê e quais são as conjunções e as locuções. Além disso, também nessa questão, trabalha-se com a idéia do sentido literal, imanente ao texto, ao se dar a ins-trução de que o candidato deve manter “o sentido original da frase”, o que vai de encontro à concepção de linguagem como forma de interação e à tese de que os sentidos são produzidos e compreendidos pelos interlocutores no pro-cesso de interação.

Segundo o centro de seleção da UFG, as respostas esperadas para a questão 4 seriam:

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a) A situação retratada é irônica porque a personagem que anuncia va-gas acaba de perder seu trabalho, que é uma espécie de subempre-go. A situação, por ser exagerada, chama a atenção para a gravidade do desemprego.

OU

A situação retratada é irônica porque mostra que até o trabalhador que anuncia empregos acabou de tornar-se mais um desempregado. OU

A situação retratada é irônica porque quem foi despedido tinha como profissão anunciar empregos. Se até quem anuncia empregos é des-pedido, então não há muito o que anunciar.

b) A resposta que mantém o sentido da frase deve conter: Uso da conjunção ou de locução equivalente;

Manutenção do aspecto verbal;

Uso do verbo no modo subjuntivo ou na forma nominal infinitiva. Possibilidades de construção (alguns exemplos):

- Você não vai acreditar, mas acabo de ser despedido! - Você não vai acreditar, porém acabo de ser despedido! - Ainda que você não acredite, acabo de ser despedido! - Por incrível que lhe pareça, acabo de ser despedido! - Embora você não acredite, acabo de ser despedido! - Apesar de você não acreditar, acabo de ser despedido! - Mesmo que você não acredite, acabo de ser despedido! - Por mais que você não acredite, acabo de ser despedido!

Na questão 4, apresenta-se o comentário: com uma instrução para que se leia um trecho de uma matéria publicada na Folha de São Paulo no dia 26 de agosto de 2003, intitulada “Unesco reúne grupo para salvar línguas”, com a indicação do local e da data da publicação. Depois disso, são feitas as pergun-tas a e b.

No item a, partindo do pressuposto de que “línguas mortas” é uma me-táfora, pede-se que o candidato explique “como se forma o sentido metafóri-co” dessa expressão. Para isso, o vestibulando precisa saber o que é uma me-táfora ou “o sentido metafórico”. Outra vez, espera-se do vestibulando um saber metalingüístico em nível terminológico. A resposta esperada pela banca para a pergunta era mais ou menos a seguinte, segundo divulgou o Centro de Seleção:

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a) O sentido metafórico da expressão “línguas mortas” forma-se com base na comparação entre línguas e seres vivos; nesse sentido, o termo apresenta características similares a um organismo vivo en-quanto é falada por uma comunidade. Se essa língua deixa de ser u-sada, torna-se morta.

Já a pergunta b é uma questão que, seguramente, pode avaliar a ca-pacidade do candidato no que se refere à leitura. O candidato acer-taria o item b da questão, conforme divulgou o centro de seleção da UFG, caso sua resposta expressasse o eixo da seguinte resposta espe-rada:

b) Elementos que devem compor possíveis respostas: Estabelecimento da analogia com espécie animal;

Reconhecimento da valorização da diversidade lingüística;

Reconhecimento da língua como veículo de cultura/ identidade étni-ca;

Reconhecimento da língua como experiência humana/ identidade comunitária.

Possibilidade de construção da resposta:

De acordo com Grinevald, a extinção de uma língua é análoga ao de-saparecimento de uma espécie animal. Como a preservação das es-pécies animais é uma defesa da diversidade genética (ecossistema global), há nesse raciocínio uma valorização implícita da diversidade lingüística e, por conseqüência, da diversidade sociocultural: identitá-ria e comunitáidentitá-ria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Feita a leitura de cada questão em particular, queremos, nesse momen-to, fazer algumas considerações quanto a regularidades que a comparação entre elas deixa entrever, mesmo tendo consciência de que o corpus aqui ana-lisado é um tanto restrito para análises mais consistentes e conclusões melhor acabadas.

Considerar as provas discursivas de língua portuguesa como um gênero, ou, ao menos, um sub-gênero ___ é bastante provável que as provas discursivas de outras áreas também possam ser englobadas em um mesmo gênero ___, nos

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dá a possibilidade de arriscar a dizer algo sobre seu estilo, seu conteúdo temá-tico e sua estrutura composicional.

Para começar, pensemos sobre seu conteúdo temático que, apesar de não ser o assunto específico de um texto, pode ser entendido como um domí-nio de sentido de que um gênero se ocupa, com estreita vinculação com outros gêneros pertencentes à mesma esfera de atividade. Considerando as questões discursivas de língua portuguesa como um gênero do discurso pedagógico que se vincula ao ensino como esfera de atividade, podemos supor que existam tantos outros gêneros pertencentes a esse setor que compartilham com as questões discursivas praticamente o mesmo domínio de sentido.

Analisando as quatro questões da prova discursiva de Língua Portuguesa do Processo Seletivo 2004, podemos afirmar que elas funcionam como um espaço privilegiado para a emergência de discursos que objetivam comentar, descrever e analisar a língua, o que também ocorre com outros gêneros desse mesmo setor de atividade. Para exemplificar, basta lembrarmos da primeira questão, em que, no comentário, há uma nota cujo tema é a impropriedade vocabular em textos oficiais e da quarta, que traz no comentário um texto sobre a extinção das línguas em comparação ao desaparecimento de espécies animais.

Ainda com relação ao conteúdo temático, devido à estreita relação do gênero prova discursiva de língua portuguesa com gêneros em que se divul-gam as pesquisas realizadas pela lingüística, gêneros estes que fazem parte do cotidiano dos professores que compõem a banca, há, em nossa opinião, um uso excessivo de termos técnicos provenientes dos estudos gramaticais e/ou lingüísticos e literários, os quais, muitas vezes, acabam por se tornar empeci-lhos para a realização de uma boa leitura por parte de muitos candidatos. Nas questões que analisamos observamos termos como enredo, ponto de vista, conjunção, locução, sentido metafórico, os quais, a despeito de denunciarem a presença da heterogeneidade constitutiva, pois remetem aos discursos da gramática, da lingüística e da teoria literária, não fazem parte das enciclopé-dias de certos candidatos, acabando por levá-los a leituras equivocadas das questões. Há quem defenda o ensino da teoria gramatical no ensino funda-mental e médio, de nossa parte, concordamos integralmente com Possenti (2001) quando afirma que não é preciso ensinar ao aluno

o que é um anafórico, ou um precedente, ou pressuposto, ou pronome etc. Não é preciso dizer nada disso para uma pessoa ler. Se disser, não prejudica. Agora, se os professores gastarem muitas aulas para ensinar isso, seus alunos não esta-rão lendo e ficam prejudicados (POSSENTI, 2001, p. 6).

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Vale ressaltar que o que o Centro de Seleção propõe, teoricamente, a-través dos manuais de candidato, não se efetiva completamente na prática, no momento dos vestibulandos lerem as questões da prova discursiva de língua portuguesa, pois, em relação à gramática, a UFG advoga a tese de que seu estudo deve ser visto como uma “uma estratégia para compreen-são/interpretação/produção de textos” (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2004, p. 27).

Outro ponto que nos chamou a atenção foi que, contradizendo o que se propõe no manual de candidato 2004, nos quais se afirma que a leitura não é uma tarefa mecânica de decodificação, mas um processo ativo de construção de sentidos, na questão 3 do Processo Seletivo 2004, pede-se que o candidato “mantenha o sentido original da frase”, o que nos leva à constatação de que ao menos nesse momento, em grande medida em razão da necessidade de cerce-amento das possibilidades de leitura ___ o que possibilita a correção das ques-tões ___ e por se dar o processo interativo num quadro institucional que res-tringe a enunciação, mantém-se uma concepção de leitura, segundo a qual há um sentido original inscrito pelo autor no texto, o que depõe contra as mais recentes abordagens sobre a leitura.

No que diz respeito à construção composicional das questões, ao “modo de organizar o texto, de estruturá-lo” (FIORIN, 2006, p. 62), destacamos que, ao contrário do que a afirmação de Chociay (1998) levaria a supor, a forma de composição das questões, constituídas de comentário e solicitação nem sem-pre contribui para que o candidato às vagas da UFG possa exercer sua capaci-dade de observação, análise e interpretação sem maiores entraves (CHOCIAY, 1998, p. 63). Como pudemos verificar, há comentários, por exemplo, que, em vez de orientar os alunos em relação ao que significa determinado termo da Lingüística ou da Teoria Literária, de cujo entendimento depende a elaboração da resposta, tratam de questões secundárias, na medida em que não contribu-em diretamente para que os vestibulandos tenham condições favoráveis para elaborar suas respostas.

De qualquer modo, de fato, constatamos haver, ao menos nas questões que analisamos, essa forma de composição da questão discursiva, dividida em comentário e solicitação. Nos comentários de todas as questões, um gênero de outra esfera de atividade foi trazido para seu interior, contribuindo para a ca-racterização do novo gênero. Assim, nas questões aparecem charges, nota, resenha, os quais saem, em especial, da esfera jornalística para a esfera do ensino, fazendo com que os textos passem “de um gênero para outro”, em razão de estar “colocado em outro contexto, ou seja, em outra esfera de ativi-dade” (FIORIN, 2006, p. 72), além do que a mudança de suporte contribui para

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a passagem de um gênero a outro. Evidencia-se, assim, a presença bastante forte da heterogeneidade mostrada, especialmente a marcada. Talvez porque a UFG defenda, como propõe no manual do candidato do processo seletivo para ingresso em 2004, que os textos escolhidos para a elaboração das provas sejam variados, pertencendo a gêneros diversos, com as mais diferentes fun-ções, todas as questões analisadas trazem como parte do comentário textos diversos de gêneros variados (UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS, 2004).

Conforme expõe Marcuschi (2002b, p. 5), na composição dos gêneros entram seqüências estruturais sistemáticas a que ele denomina tipos textuais, os quais abrangem algumas poucas categorias conhecidas: a narração, a argu-mentação, a exposição, a descrição e a injunção. Tidos como tipologicamente heterogêneos, os gêneros podem se constituir da combinação de diversos tipos, nas mais variadas ordens. Como não poderia ser diferente, isso ocorre com o gênero em análise. Porém, queremos ressaltar a importância que a se-qüência tipológica injuntiva adquire nesse gênero, na medida em que “com a seqüência injuntiva, o agente-produtor tem como objetivo fazer agir o destina-tário e não só fazer ver” (SOUSA, 2002, p. 162). Assim, nas questões analisadas, aparecem, com certa freqüência, verbos no imperativo: leia, explique, reescre-va, responda, mantenha e os pronomes interrogativos qual, como e por que.

Os verbos e os pronomes citados acima contribuem para compor o estilo desse gênero, pois, como define Fiorin (2006, p. 62), o estilo é uma “uma sele-ção de certos meios lexicais, fraseológicos e gramaticais em funsele-ção da imagem do interlocutor e de como se presume sua compreensão responsiva ativa do enunciado”.

Assim, realizadas essas análises, parece-nos que a banca construiu uma imagem dos vestibulandos como indivíduos sobre os quais ela possui um poder dado pela sua posição sócio-histórica, cabendo-lhe solicitar, deles, um conhe-cimento teórico-terminológico e temático bastante apurado para refletir sobre a língua e analisá-la.

REFERÊNCIAS

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BRASIL, Secretaria de educação fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portu-guesa. Brasília: MEC/SEF, 1997.

CHOCIAY, R. Língua portuguesa no vestibular da UNESP: das perguntas às respostas. São Paulo: Imprensa Oficial, 1998.

FIORIN, J. L. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006. GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

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MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: MARCUSCHI, L. A.; DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002a.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais e ensino de língua. Pernambuco: Universidade Federal e Pernambuco, 2002b. Mimeografado.

MARCUSCHI, L. A. A questão do suporte dos gêneros textuais. Pernambuco: Universidade Federal e Pernambuco, 2003. Mimeografado.

PÊCHEUX, M. Análise automática do discurso. In: GADET, F.; HAK, T. (Org.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Ed. UNICAMP, 1993.

POSSENTI, S. Existe a leitura errada? Entrevista concedida a CARVALHO, J. M. T. de; MARINHO, M. Presença Pedagógica, v. 7, n. 40, p. 5-18, 2001.

ROCCO, M. T. F. O vestibular e a prova de redação. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 11, p. 23-39, jan./jun. 1995.

RODRIGUES, R. H. O artigo jornalístico e o ensino da produção escrita. In: ROJO, R. (Org.). A prática de linguagem em sala de aula: praticando os PCNs. São Paulo: EDUC; Campinas: Mercado de Letras, 2002.

SOUSA, K. M. de. A redação no vestibular: textos que realizam gêneros ou tipologias? 2002. 215 f. Tese (Doutorado em Lingüística e Língua Portuguesa)-Faculdade de Ciências e Letras, Universi-dade Estadual Paulista, Araraquara, 2002.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS. Centro de seleção. Manual do candidato: processo seletivo. 2004. Goiânia, 2004.

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ANEXOS5

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Tivemos acesso à prova discursiva de Língua Portuguesa do Processo Seletivo 2004 pelo site www.cs.ufg.br.

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LEITURA E LEITORES: PERFIL DA ESCOLA PÚBLICA

Heloísa Barretto Borges1 Maria Helena Rocha Besnosik2 Resumo: Este trabalho focaliza Projeto de pesquisa em andamento, em uma escola pública de Feira de Santana – BA. O propósito da pesquisa é conhecer o perfil de estudantes e professores da escola pública, tendo como ações atuais: a implantação de Círculos de Leitura com os professores, realizados mensalmente; a aplicação de um Questionário aos alunos; a implantação de Oficinas de Leitura com os alunos; e realização de Entrevistas com professores e alunos. Este Projeto é, metodologicamente, de abordagem descritiva, com caráter explicativo. Apre-senta características de intervenção, visto que os dados coletados propiciarão aos envolvidos uma revisão teórico-metodológica. Os resultados parciais obtidos referem-se à aceitabilidade da comunidade escolar, assim como sinais de modifi-cação na dinâmica das estratégias de leitura por parte dos docentes, que têm se mostrado receptivos a novos aprendizados.

Palavras-Chave: Círculo de leitura, Oficinas de leitura, Escola Pública.

Abstract: This study presents a current research project held in a public school of Feira de Santana, Bahia. The research focuses on getting to know the profile of students and teachers of this public school and has as present actions: the im-plementation of reading groups with the teachers, on a monthly basis; applica-tion of a quesapplica-tionary for the students; implementaapplica-tion of reading groups with students and interviews with both students and teachers. The methodology of this project is one of descriptive approach, with an explanation character. It presents intervention features, due to the fact that the collected data will bring to the parts involved a theoretical and methodological review. The partial results obtained refer to the acceptability by the school community, as well as signs of modification in reading strategies used by the teachers, who have shown them-selves receptive to a new learning.

INTRODUÇÃO

A literatura (e talvez somente a literatura) pode criar os anticorpos que coíbam a expansão da peste da linguagem. [...] há coisas que só a literatura com seus mei-os específicmei-os nmei-os pode dar (Ítalo Calvino).

Este texto, que ora apresentamos, é uma tentativa de sistematização e análise parcial dos dados coletados em um estudo de caso realizado no Colégio Estadual de Feira de Santana, na cidade de Feira de Santana/BA, com a

1

Professora Assistente do Cursos de Pedagogia e de Letras da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); endereço eletrônico: isabborges@hotmail.com.

2

Professora Adjunta do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS); endereço eletrônico: maria.besnosik@terra.com.br.

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pectiva de traçar o perfil leitor de alunos e professores no contexto de uma sociedade contemporânea.

Esta pesquisa teve a sua origem a partir da implantação de um Projeto denominado “Tecendo Leituras”, numa parceria entre a Secretaria de Educa-ção do Estado da Bahia e a Universidade Estadual de Feira de Santana, que se caracterizava na realização de oficinas de leitura com alunos e professores, na perspectiva de estímulo ao desenvolvimento de leitores críticos, no ambiente escolar.

Durante a realização do Projeto, observamos o interesse das escolas en-volvidas em solidificar um trabalho de leitura, tendo como referência todas as áreas do conhecimento. No entanto, o projeto não teve continuidade por falta de empenho da Secretaria da Educação do Estado. Sendo assim, nós, pesqui-sadores vinculados ao Núcleo de Leitura Multimeios/UEFS, resolvemos tomar como campo para um trabalho de pesquisa e extensão o Colégio Estadual de Feira de Santana, um dos sete estabelecimentos envolvidos no referido proje-to.

A escolha deste colégio explica-se por ser um dos mais antigos da cidade e por ser considerado de médio porte, trabalhando com alunos do Ensino Mé-dio. Além disso, durante o tempo em que convivemos dentro do colégio, éra-mos instigados pelos professores a realizar um trabalho mais efetivo no que diz respeito à formação de leitores reflexivos, que pudessem se posicionar frente à realidade da sociedade.

Nesse sentido, o nosso contato na escola permitiu que percebêssemos como os alunos, de um modo geral, tinham pouco contato com práticas de leitura que os levassem a uma reflexão sobre as concepções e as possibilidades de uso das diversas linguagens. A formatação das oficinas no Projeto “Tecendo Leituras” permitiu que experimentássemos com os professores e com os alu-nos a leitura de vários textos, desde o escrito até o imagético. Essas vivências leitoras foram enriquecedoras, no sentido de oportunizar o conhecimento dessa realidade, o que facilitou a elaboração deste projeto de pesquisa, cuja proposta é aliar a investigação à intervenção.

Isso indica o nosso compromisso de pesquisadoras em não perder de vista a necessidade de investigar as formas de acesso desigual ao livro, no âm-bito social no qual a escola se insere, e a relevância de um debruçar-se na bus-ca de alternativas de intervenção para minimizar os conseqüentes prejuízos na formação de leitores proficientes. Significa, assim, uma interferência construti-va no traçado das metas primordiais da escola pública.

Nessa perspectiva, questões afloram, tais como: O que significa ler na sociedade atual, com seus sistemas plurais de comunicação e interação? Quais

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as representações de leitura que o jovem e/ou adulto estudante da escola pública faz diante da realidade escolar marcada por parcos recursos materiais e operacionais, em contraste com as necessidades que a sociedade impõe ao cidadão, na sua lida diária? Que sentido tem a leitura no viver cotidiano de alunos e professores?

AS TEIAS DA PRÁTICA

As atividades de leitura são realizadas com os professores de todas as áreas do conhecimento, porque pretendemos aprofundar a reflexão sobre a formação do sujeito letrado, desconstruindo a idéia de que o lugar da leitura é da responsabilidade apenas do professor de língua portuguesa. É necessário que todos os professores compreendam que a responsabilidade de formar leitores cabe à escola como um todo. É tarefa do professor de geografia, de história, de matemática, de física, de química, de educação física, de ciências, de artes, enfim de todas as áreas. O aluno precisa ser desafiado a:

Ler tudo, desde as banalidades que possam parecer divertidas até coisas que o professor julga que devem ser lidas para o desenvolvimento pessoal do aluno como pessoa sensível, civilizada, culta, como cidadão, para o estabele-cimento de seu senso estético, de sua solidariedade humana, do seu conheci-mento (GUEDES; SOUZA, 2004, p. 17).

O que temos como realidade nas nossas escolas é a percepção de que cada área preocupa-se com os seus conteúdos específicos e não há a dimensão de que o mote do trabalho do professor se realiza através da leitura, sendo que a diversidade textual é o que torna possível um passeio pelo conhecimen-to já construído, visconhecimen-to que:

Esta leitura de inserção do aluno no universo da cultura letrada desen-volve a habilidade de dialogar com os textos lidos, através da capacidade de ler em profundidade e interpretar textos significativos para a formação de sua cidadania, cultura e sensibilidade (GUEDES; SOUZA, 2004, p. 19).

Soares (1988) assinala que a democratização da leitura ainda não acon-tece de forma plena na nossa sociedade. Os indivíduos aprendem a ler e a es-crever, mas nem sempre se tornam leitores letrados, isto é, usuários plenos da língua escrita. É válido ressaltar que o ato de ler requer, inicialmente, a apre-ensão do código lingüístico, embora não se esgote na apreapre-ensão do sistema lingüístico, nos limites da alfabetização.

É notório que a responsabilidade escolar com a formação de neoleitores e com o aprofundamento da proficiência leitora de sua clientela se amplia através do reconhecimento de que só a vivência da língua escrita nos mais

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variados modos de uso social e nos diversos suportes de circulação rumo a um estado pleno de letramento3, representará a garantia de apropriação do me-canismo da leitura, primordial para a prática cidadã, no cenário social. Nesse mister, a escola agrega o valor de mediadora, incorporando o aprendizado de que:

Entre as leis sociais que modelam a necessidade ou a capacidade de lei-tura, as da escola estão entre as mais importantes, o que coloca o problema, ao mesmo tempo histórico e contemporâneo, do lugar da aprendizagem esco-lar numa aprendizagem da leitura, nos dois sentidos da palavra, isto é, a a-prendizagem da decifração e do saber ler em seu nível elementar e, de outro lado, esta outra coisa de que falamos, a capacidade de uma leitura mais hábil que pode se apropriar de diferentes textos (CHARTIER, 1996, p. 240).

É perceptível a ressonância de uma crise de leitura que tem afetado os sistemas nacionais de ensino (fundamental, médio e superior), na contempo-raneidade, haja vista os resultados de pesquisas e avaliações divulgados pela mídia. Ressalve-se que não se pode pensar a leitura apenas numa perspectiva canônica.

A nossa tentativa nessa pesquisa, ao pensar em traçar o perfil desses lei-tores a partir da inserção de alunos e professores em práticas de leitura, é fazer aflorar o leitor que existe escondido em cada um, abrindo espaço para que falem de suas leituras que, muitas vezes, são desqualificadas pela própria escola. As avaliações nacionais sobre o nível de leitura dos alunos da escola pública sempre revelam dados em que os alunos apresentam baixos índices no que se refere à performance de leitura. No entanto, esses dados se limitam a mostrar uma leitura canonizada e autorizada pelo sistema educacional, que não permite traçar um panorama mostrando a variedade textual utilizada por esses jovens.

Há que se ressaltar as diversas situações de leitura presentes nas práti-cas sociais, fazendo parte das manifestações da cultura, que exigem de pesso-as notadamente letradpesso-as um preparo específico, seja relativo ao domínio da informática, seja relacionado à habilidade interpretativa de um filme, de uma obra de arte, de alguns manuais ou textos instrucionais.

A História da Leitura tem apresentado uma variedade de leitores, que não se limitam a leituras autorizadas, ou mesmo que mais ouvem do que lêem o texto escrito. Na experiência do contato com os professores desse colégio, constatamos a pouca familiaridade com o texto literário e como a leitura esta-va restrita às necessidades profissionais, para atender a uma demanda con-teudista do momento. Os professores e as professoras, todos com formação

3

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universitária, apresentaram queixas a respeito da falta de leitura dos alunos, entretanto não conseguiam localizar a raiz do problema. Na verdade, eles também fazem parte do problema, apesar do nível avançado de escolaridade em relação aos estudantes.

A leitura do texto literário localiza-se, muitas vezes, no campo do praze-roso, sem a compreensão dos aprendizados embutidos nesse tipo de leitura. Lê-se literatura para ocupar o tempo, para se distrair, para fugir da realidade. Onde fica a possibilidade de construir uma experiência estética na leitura do texto literário? Iniciamos então os Círculos de Leitura por área de conhecimen-to, uma vez por mês, lendo textos literários. Nessa perspectiva, dominar a lei-tura implica em elaborar sentidos, de forma mais aprofundada, como fator preponderante para recuperar o papel social de cidadão.

Admitimos que um texto literário é um instrumento poderoso de con-textualização do mundo, em seus vários enfoques, porque propicia uma pro-funda reflexão sobre o conjunto complexo de componentes mentais e emo-cionais da compreensão, trazendo em seu bojo o caráter polissêmico, que abre espaço para múltiplos olhares interpretativos. A partir da leitura, então, o ser humano poderá amadurecer sua forma de atuação no mundo, ao perceber as possíveis vias de acesso e/ou de ocultamento existentes nas relações horizon-tais e verticais das práticas sociais.

O texto literário também se torna relevante por conta do aspecto catár-tico que lhe é conferido, do jogo lúdico que estimula a imaginação do leitor, da possibilidade de lidar com o prazer, da liberdade de criar, das novas significa-ções que atribui aos signos. Pode constituir-se, ainda, pelo caráter interpretati-vo/reflexivo que encerra, em instrumento desalienador de estereótipos sociais e elemento aguçador da criticidade. A obra literária, assim, pode ser entendida como um objeto construído que “humaniza em sentido profundo, porque faz viver” [...] “é grande o poder humanizador desta construção, enquanto cons-trução” (CANDIDO, 1995, p. 244; 245).

Para a literatura, a palavra assume a dinâmica de educar os sentidos, com vistas a uma ação transformadora do indivíduo, o qual, a partir da chega-da ao mundo, torna-se apto a interpretá-lo. E o faz de várias maneiras: pelo olhar, pelo cheiro, pelo tato, pelos ruídos captados e, conseqüentemente, pe-los significados sensoriais e emocionais apreendidos, muitas vezes além das palavras, antes pelo reconhecimento de intenções e motivações que ele im-pregna às ações em sua volta.

Por conseguinte, o ser humano elege a palavra como algo imprescindível para garantir o seu lugar social no mundo e dar sustentabilidade a sua condi-ção de sujeito pensante, que é e está cada vez mais desafiado a construir

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sabe-res e valosabe-res, bem como usufrui-los no seio da cultura, sempre fazendo esco-lhas em situações plurais. Esse processo construtivo de valores, efetivado pelo escritor e reprocessado pelo leitor, sugere que:

Todas as obras literárias, em outras palavras, são “reescritas”, mesmo que inconscientememte, pelas sociedades que as lêem; na verdade, não há releitura de uma obra que não seja também uma “reescritura”. Nenhuma o-bra, e nenhuma avaliação atual dela, pode ser simplesmente estendida a novos grupos de pessoas sem que nesse processo, sofra modificações, talvez quase imperceptíveis (EAGLETON, 1997, p. 17).

Como intérprete, o leitor identifica, na tessitura textual, uma significa-ção tanto subjetiva quanto histórica. É o nível hermenêutico de apropriasignifica-ção da obra - unidade semântica viva e, portanto, polissêmica - que vai garantir-lhe o equilíbrio no processo de (re)construção de valores do mundo. Na realidade, a literatura opera com a linguagem, peculiarmente empregada, considerando as múltiplas possibilidades e expectativas subjacentes a um discurso contextuali-zado e carregado de intencionalidade, que se disponibiliza ao leitor.

TECENDO O LEITOR NOS MEANDROS DA ESCOLA

Dirigir um olhar crítico para a questão da leitura, na atualidade, bem como envolver a escola na implementação de projetos que invistam prioritari-amente na formação de leitores não só para o interior da escola, mas para o mundo, se constitui em eixo central da preocupação de educadores. Concor-damos que “cada leitor, a partir de suas referências, individuais ou sociais, históricas ou existenciais, dá sentido mais ou menos partilhado, aos textos de que se apropria” (CHARTIER, 1996, p. 20).

Sob essa ótica, é possível considerar a importância de revalorizar criti-camente o papel da escola, enquanto aglutinadora e difusora de saberes, no sentido de implementar abordagens pedagógicas que mobilizem os potenciais de aprendizagem que o estudante dispõe. Isso implica no resgate cultural da leitura, compreendendo-a como uma prática, entre outras, que designa con-sumo cultural e incorporando o sentido de que:

A leitura obedece às mesmas leis que as outras práticas culturais, com a diferença de que ela é mais diretamente ensinada pelo sistema escolar, isto é, de que o nível de instrução vai ser mais potente no sistema dos fatores explica-tivos, sendo a origem social o segundo fator. No caso da leitura, hoje, o peso do nível de instrução é mais forte. Assim, quando se pergunta a alguém seu nível de instrução, tem-se já uma previsão concernente ao que ele lê, ao nú-mero de livros que leu no ano, etc. Tem-se também uma previsão concernente

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à sua maneira de ler. Pode-se rapidamente passar da descrição das práticas às descrições das modalidades dessas práticas (BOURDIEU, 1996, p. 237).

O entendimento conseqüente, então, é que o conjunto das ações peda-gógicas tanto na área de ensino da língua materna, quanto nas demais áreas do conhecimento, deve convergir para a efetivação de um movimento didático que parte da dimensão pessoal, isto é, direcionado à esfera da experiência subjetiva, para atingir uma abrangência coletiva. Assim, cada leitura se forma-liza evidenciando seu aspecto cognitivo, além de seu elemento histórico-cultural.

Desse modo, reconhecendo os sentidos e os valores historicamente atri-buídos às situações de leitura, é possível afirmar a relevância de implementa-ção de uma política de leitura, através de mecanismos mobilizadores, que am-pliem as formas e os processos de leitura e ofereçam oportunidades de aprendizado aos educandos, principalmente os economicamente despossuí-dos, ratificando que “Mas ler aprende-se” (CHARTIER, 1996, p. 22).

O processo de formação do leitor escolar, como ponto de partida para a constituição do leitor social proficiente, está vinculado às nuanças interpretati-vas que a totalidade dos docentes da escola estabelecem, dimensionando a prática cotidiana da leitura via implementação de rituais didáticos produtivos, estimuladores e sedutores, assumindo uma mediação inteligente e atualizada, ao oferecer um repertório variado de leitura.

Aproximar o educando do livro indica uma tomada de atitude eficaz e e-ficiente, de mão dupla, posto que exige que o docente invista em sua própria formação leitora e conceba o livro, então, como fonte inesgotável e imprevisí-vel de saber e poder, com o qual deve se cumpliciar, assumindo que:

[...] todo professor é também um professor de leitura: conhecendo o professor as características e dimensões do ato de ler, menores serão as possi-bilidades de propor tarefas que trivializem a atividade de ler, ou que limitem o potencial do leitor de engajar suas capacidades intelectuais, e, portanto, mais próximo estará esse professor do objetivo de formação de leitores (KLEIMAN, 1995, p. 11).

Sendo assim, a qualificação da atividade de leitura na escola pública po-de se efetivar, na medida em que haja possibilidapo-des po-de professores e alunos darem maiores saltos no desenvolvimento de seus potenciais de leitores críti-co-reflexivos, que ressignifiquem os valores ideológicos do seu espaço-tempo e conquistem sua autonomia leitora. Os textos literários, então, como produtos culturais e mananciais de leitura, tornam-se, para estudantes e professores, instrumentos exemplares de incorporação de conhecimentos e exercício das emoções.

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OS CÍRCULOS DE LEITURA

Dentre as práticas de leitura que temos exercitado com os professores, destacamos os “Círculos de Leitura”, que consistem na leitura em voz alta de um texto literário previamente escolhido. Esta prática é originária dos Encon-tros de Leitura promovidos pela Fundação Biblioteca Nacional, por meio do Programa de Incentivo à Leitura, denominado PROLER.

O círculo de leitura retoma a experiência da leitura em voz alta, prática que foi muito difundida antes da consolidação da leitura silenciosa e da expan-são da alfabetização.

A leitura em voz alta vai durante muitos séculos fazer parte das práticas leitoras de uma população considerada não letrada, ou melhor, não alfabeti-zada. Era muito comum na França, entre os séculos XVI e XVIII, tanto no campo quanto na cidade, as pessoas se reunirem para escutar a leitura de um livro, fosse no ambiente familiar ou no trabalho. Era época de uma leitura intensiva, em que o mesmo texto era lido diversas vezes, pela escassez de material im-presso. Sabe-se por diversas pesquisas no campo da leitura, ainda na França, da existência de uma importante instituição social denominada “veillé” em que os camponeses se reuniam para namorar, cantar, conversar, fazer trabalhos manuais, contar histórias e também, se existisse entre eles algum homem alfa-betizado e que possuísse livros, poderia ler em voz alta.

Aparece, então, a figura do ledor, que encarnava o indivíduo que ia um pouco além da decifração dos signos e ainda era um possuidor de livros, o que lhe conferia um status social. Diz Fabre (1996): “O lugar do ledor é sempre o mais iluminado, contra o fogo, à noite, ou no vão da janela, quando há sol, senta-se na cadeira que lhe é reservada”. O ledor, portanto, era uma figura importante, presente nos vários relatos sobre leitura do século XVI ao XVIII.

Esta modalidade de leitura sobreviveu durante muito tempo, na França do século XIX. Na cidade, as pessoas já liam silenciosamente e individualmente, mas no campo ainda persistia uma leitura coletiva e em voz alta: “Eles perten-ciam às “gerações de ouvintes” que ainda não haviam se transformado em “gerações de leitores”, ou seja, pessoas para as quais a leitura era muitas vezes experiência coletiva, integrada em uma cultura oral (LYONS, 1999, p. 197).

A leitura em voz alta no inicio do século XIX também fazia parte “da cul-tura do local de trabalho”. Afirma Lyons: “Perdiguier menciona as leicul-turas em voz alta entre carpinteiros franceses, no inicio dos anos 1820, em que se de-clamavam Racine e Voltaire” (LYONS, 1999, p. 195).

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Têm-se notícias de que a leitura em voz alta era muito comum nos am-bientes familiares ou de trabalho. Manguel (1997) relata a experiência de tra-balhadores cubanos numa fábrica de charutos onde acontecia uma leitura pública de livros e do jornal dos trabalhadores, durante o turno de trabalho, em 1866. Um dos trabalhadores era escolhido como leitor oficial e os outros o pagavam por esta tarefa. Essas leituras foram desaparecendo aos poucos, de-vido a proibições do governo. Contudo, elas reaparecem ainda no século XIX, por meio de trabalhadores que imigraram para os Estados Unidos. Assim,

O material dessas leituras, decidido de antemão pelos operários(que, como nos tempos de El Fígaro, pagavam do próprio salário o lector), ia de his-tórias e tratados políticos a romances e coleções de poesia clássica e moderna. Tinham seus prediletos: O conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, por exemplo, tornou-se uma escolha tão popular que um grupo de trabalhadores escreveu ao autor pouco antes da morte dele, em 1870, pedindo-lhe que ce-desse o nome de seu herói para um charuto; Dumas consentiu (MANGUEL, 1997, p. 135-6).

Essa leitura nas fábricas de charuto ultrapassou o século XIX e sobrevi-veu até 1920. A leitura partihada remonta não só o século XIX, mas muitos séculos anteriores; lia-se publicamente nas tabernas, nos salões da corte, nas estalagens, nos locais de trabalho, nos lares humildes, nos mosteiros, nas pra-ças públicas. A literatura brasileira, do século XIX, mostra alguns exemplos de leitura em grupo como as dos serões familiares. Machado de Assis, em seu livro Dom Casmurro, apresenta o personagem José Dias, o agregado da casa, que tinha a tarefa de ler à noite, depois do jantar, para as pessoas da família. Essas leituras, em geral, tinham a função de entretenimento.

Câmara Cascudo também relata esses serões familiares nas casas dos sertanejos, no século XIX, quando se refere a leituras dos folhetos de cordel:

A ausência de jornais, o isolamento das fazendas e engenhos de açúcar determinavam uma vida familiar mais intensa. Raramente o chefe da casa saía à noite. A dona, filhos, noras, permaneciam fiéis ao serão habitual, candeeiro aceso, depois da “janta”, fazendo sono, trabalhando nas obras manuais, ou-vindo a leitura tradicional desses folhetos que vinham de séculos, mão em mão com seu público inalterável (CASCUDO, 1953, p. 25).

A leitura em voz alta também foi e ainda é uma prática de leitura nas es-colas. Na França, no final do século XIX, era realizada para incentivar nos alu-nos o gosto pela leitura. O professor primário era orientado a escolher uma obra atraente e no final da aula, duas ou três vezes por semana, fazer essa leitura para os seus alunos.

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Nas nossas escolas, essa prática tem sido usada com um outro objetivo, pois não é o professor que efetua a leitura e sim os alunos. O professor vai observar a competência do aluno para decifrar os sinais, além de ser usada como um instrumento disciplinador.

Pois bem, a leitura realizada em voz alta para determinados grupos não é uma prática nova, inventada nos dias de hoje. O que é novo na prática dos Círculos de Leitura “é o uso do círculo para aproximar leitores na troca de suas interpretações para estímulo intensivo da própria experiência de dizer e dizer-se”4.

Essa prática efetivada nos círculos se diferencia dos momentos anterio-res da história, porque se está diante de um grupo em que todos sabem ler. Não são ouvintes apenas de uma leitura, mas eles vão juntos numa leitura coletiva do mesmo texto, partilhando opiniões sobre o que leram.

Sendo assim, iniciamos o nosso Círculo de Leitura com o texto de Ma-chado de Assis, “Pai contra mãe”. Em todos os grupos, por área de conheci-mento, aconteceu um debate caloroso com relação à escolha do texto, como também no desenrolar da própria leitura.

Alguns professores expressaram suas dificuldades com a leitura de Ma-chado de Assis, apontando que, na verdade, poderíamos ter iniciado com um outro autor, alegando que este era um clássico de linguagem difícil. Durante as conversas pós leitura do texto, percebíamos que os comentários eram feitos a partir das experiências de cada leitor e observávamos que algumas leituras eram realizadas ao “pé da letra”, sem levar em conta o contexto e a ironia implícita no texto, característica deste escritor.

A leitura do conto machadiano mobilizou as professoras para uma dis-cussão no campo da ética, na figura da personagem que faria qualquer coisa para o bem-estar da sua família. Machado de Assis põe em foco uma análise da sociedade brasileira, ainda na época da escravatura, em que prevalecia a men-talidade de naturalizar a situação dos negros, ressaltando as fraquezas huma-nas na luta pela sobrevivência.

Tratando-se de um texto literário e, portanto, de característica polissê-mica, as interpretações tomaram diversos caminhos, desde uma análise a par-tir do contexto da época, até trazer as discussões para o contexto atual, numa tentativa de relacionar as posturas dos personagens aos valores éticos e mo-rais vivenciados no presente momento histórico-político do país e as mazelas sociais decorrentes.

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