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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS Faculdade de Ciências Sociais Programa de Pós-graduação em Performances Culturais

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

Faculdade de Ciências Sociais

Programa de Pós-graduação em Performances Culturais

CAMILA VINHAS ITAVO

O LADO SURPREENDENTE DA QUEDA: minha experiência com o Contato Improvisação

GOIÂNIA 2020

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CAMILA VINHAS ITAVO

O LADO SURPREENDENTE DA QUEDA: minha experiência com o Contato Improvisação

Dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em Performances Culturais para a obtenção no título de Mestre em Performances Culturais.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Abdala Jr.

GOIÂNIA 2020

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Agradecimentos

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de fomento que permitiu a realização desta pesquisa. Agradeço por tê-la realizado em uma universidade federal brasileira de excelência como é a Universidade Federal de Goiás. Agradeço ao meu orientador, prof. Dr. Roberto Abdala Jr., como também agradeço a todos os meus professores pela maestria, pela dedicação, pela generosidade, pela resistência.

Agradeço às minhas professoras de balé e professores que, com sua força, beleza, resistência e refinamento, faziam das grandes exigências físicas uma proposta de aprimoramento artístico do gesto. Agradeço em especial às mestras Lu Favoreto e Tica Lemos, também pela atitude empreendedora do Estúdio Nova Dança como um centro de inovação de investigação em dança no Brasil. Agradeço pela revolução que o Estúdio Nova Dança proporcionou em minha vida como na de tantos outros artistas. Agradeço a Steve Paxton por suas proposições e questões instigantes, por levar longe sua pesquisa. Agradeço por ter feito suas oficinas e assim ter compreendido, com a minha presença, algo inefável, da presença dele. Agradeço pela minha consciência e presença serem forjadas pela dança, na dança. Agradeço por ter seguido em frente e encarado o desconhecido. Sabendo que sempre há de haver o desconhecido, agradeço pela resistência, sensibilidade, habilidade de desconstruir e de reconstruir que a dança desenvolveu em minha vida e na vida de tantos alunos, pesquisadores e bailarinos que se reestruturam no chão de uma sala de aula de Nova Dança, dança contemporânea que incorpora os conhecimentos somáticos por meio do movimento.

Agradeço aos pesquisadores que levam os estudos somáticos adiante, investigando e experimentando os processos de integração entre corpo e mente, proporcionando outras percepções. Agradeço pelo meu corpo e mente se apresentarem como a performance dessa experiência de movimento que venho praticando desde a infância, aqui apresentada como uma forma de conhecimento. Agradeço pela revolução que esse processo me proporcionou, pela flexibilidade e potência que crescem à medida que aprofundo prática e pesquisa do movimento.

Agradeço à Audrey Mattos pela revisão primorosa deste texto.

Agradeço aos meus pais, Duxtei Vinhas Itavo e Luiz Carlos Itavo, que sempre me impulsionaram por meio do exemplo de suas lutas e de suas muitas ações sociais, como também me incentivaram e auxiliaram, agradeço por seus gestos concretos de amor. Agradeço a Marcelo Batistella, que conheci dançando e sambando, pelo seu amor, sua presença, paciência, sua dedicação às traduções e todo auxílio que me ofereceu durante a escrita desta pesquisa.

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RESUMO

O contato improvisação é analisado pela perspectiva das performances culturais como forma de dança contemporânea que enfatiza o lado surpreendente da queda, inspirado nas palavras da escritora, antropóloga e bailarina Cynthia Jean Novack (1947-1996), para quem o contato improvisação “enfatiza a natureza selvagem e desajeitada da queda” (NOVACK, 1990, p.151). A descrição etnográfica dessa dança e sua essência dialógica são apresentadas como formas de autorreflexividade social, por meio da narrativa, num movimento de afunilamento da observação participante, do macro para o microcosmos, partindo do que está dado no mundo para a pessoa que escreve esta análise, em busca da compreensão da relação entre as experiências proporcionadas por essa performance e a multiplicidade de significações remetidas a ela que a tornam performances culturais. Do que está dado no mundo, dois depoimentos disponíveis online em audiovisuais com o criador da performance (1972), Steve Paxton1, um do Juniata College, EUA, nos 36 anos do contato improvisação, e, outro do Museu da Dança, na França. Essas duas narrativas são tomadas como fontes da descrição etnográfica que evidenciam características performáticas essenciais e questões motivacionais que geraram esse movimento de dança. No segundo capítulo, as narrativas que embasam o afunilamento da descrição etnográfica são alguns dos escritos de Steve Paxton, publicados pela Contact Quarterly´s Contact Improvisation Sourcebook (1997), uma coleção especial histórica desse periódico de dança lançado em 1975 como espaço de reflexão, debate e circulação dos estudos de movimento e das experiências decorrentes da performance. Junto com esses escritos, aspectos da história do contato improvisação e da Small Dance, apresentada como técnica de preparação para o movimento, como aquecimento da percepção para a dança do contato improvisação. O terceiro capítulo apresenta a aula de contato improvisação e concentra a observação participante, incluindo minha experiência como bailarina, contatista, professora de dança e de contato improvisação como objeto de reflexão sobre a carga performática de possíveis transformações e de transporte (Schechner, 2011) disponíveis em sala de aula e nas jam sessions.

PALAVRAS-CHAVE: Steve Paxton; Queda; Contato improvisação; Performances culturais. Nova dança.

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ABSTRACT

Contact Improvisation is analyzed from the perspective of cultural performances as a unique form of contemporary dance that emphasizes the surprising side of falling, inspired in the words of writer, anthropologist and dancer Cynthia Jean Novack (1947-1996) for whom contact improvisation “emphasizes the wildness and awkwardness of falling ”(NOVACK, 1990, p.151). The ethnographic description of this dance and its dialogical essence are presented as forms of social self-reflexivity, through the narrative, in a funneling movement of participant observation, from macro to microcosm, starting from what is given in the world to the person who writes this analysis, in search for the understanding of the relationship between the experiences provided by this performance and the multiplicity of meanings that refer to it that make it cultural performances. From what is given in the world, two testimonies available online in audiovisuals with the creator of this performance (1972), Steve Paxton2, one from Juniata College, USA, in the 36th anniversary of contact improvisation, and another from the Dancing Museum, France. These two narratives are taken as sources of the ethnographic description which highlight essential performance characteristics and motivational issues which generated this dance movement. In the second chapter, the narratives which underpin the funneling of the ethnographic description are some of the writings of Steve Paxton, published by Contact Quarterly’s Contact Improvisation Sourcebook (1997), a special historical collection of this dance journal launched in 1975 as a space for reflection, debate and circulation of movement studies and experiences resulting from the performance. Along with these writings, aspects of the history of contact improvisation and the Small Dance, presented as a preparation technique for the movement, as the warming up of the perception for the dance of contact improvisation. The third chapter presents the contact improvisation class as a performance and focuses on participant observation, including my experience as a dancer, contactor, dance and contact improvisation teacher as an object of reflection on the performance load of possible transformation and transportation (Schechner, 2011) available in the classroom and at the jam sessions.

KEYWORDS: Steve Paxton, Falling; Contact Improvisation; Cultural Performances. New Dance.

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ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Camila Vinhas Itavo apresentando solo de balé, em Araçatuba, SP ... 13

Figura 2: Camila Vinhas Itavo apresenta pas-de-deux com Nivaldo Santos, Araçatuba, SP... 15

Figura 3: Steve Paxton e Camila Vinhas Itavo, com Tica Lemos ao fundo, em São Paulo, 2006. ... 21

Figura 4: Cartaz eletrônico do curso Mindinhos oferecido no Espaço 7 de Dança. ... 22

Figura 5: Exercício de aula de afastar o próprio centro do corpo do centro do corpo do parceiro. ... 101

Figura 6: Exercício de aula de afastar o centro do corpo do centro do parceiro. ... 101

Figura 7: Continuação do exercício de aula de afastar o centro do corpo do centro do parceiro. ... 102

Figura 8: Exploração criativa do exercício de afastar o próprio centro do centro do outro. .. 102

Figura 9: Continuação da exploração criativa de afastar o centro do corpo do centro outro. 103 Figura 10: Exercício de aproximar o centro do próprio corpo ao centro do corpo do parceiro. ... 103

Figura 11: Exploração criativa do exercício de aproximar o centro do corpo ao centro outro. ... 104

Figura 12: Exploração criativa das formas de aproximação do centro do corpo ao centro outro. ... 104

Figura 13: Dança criativa do exercício de aproximar e de afastar os centros dos corpos. ... 105

Figura 14: Início da apresentação do rolamento do aikido. ... 107

Figura 15: Desenvolvimento da apresentação do rolamento do aikido. ... 107

Figura 16: Finalização da apresentação do rolamento do aikido... 108

Figura 17: Os alunos experimentando pela primeira vez o rolamento do aikido. ... 108

Figura 18: Início da apresentação do rolamento paralelo ou panqueca. ... 110

Figura 19: Desenvolvimento da apresentação do rolamento paralelo ou panqueca. ... 110

Figura 20: Os alunos experimentando e aprendendo o rolamento paralelo ou panqueca. ... 111

Figura 21: Os alunos experimentando e aprendendo o rolamento convexo ou banana. ... 111

Figura 22: Os alunos treinando o rolamento convexo ou banana... 112

Figura 23: Aluno compreendendo e experimentando o rolamento convexo ou banana. ... 112

Figura 24: Alunos experimentando o rolamento convexo ou banana. ... 113

Figura 25: Dupla iniciando o exercício de passagem em plano médio do rolamento do aikido. ... 114

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Figura 26: Dupla no meio do exercício de passagem em plano médio do rolamento do aikido.

... 114

Figura 27: Dupla finalizando a passagem em plano médio do rolamento do aikido... 115

Figura 28: Duplas se colocando perpendicularmente sobre o outro e descendo pelo rolamento. ... 115

Figura 29: Duplas treinando o rolamento do aikido em plano médio. ... 116

Figura 30: Dupla explorando a passagem em plano médio. ... 116

Figura 31: Dupla explorando a queda durante a passagem em plano médio. ... 117

Figura 32: Duplas explorando passagens em plano médio. ... 117

Figura 33: Dupla realizando passagem de peso em plano médio. ... 118

Figura 34: Duplas começando a dançar durante a jam. ... 123

Figura 35: Duplas começando ganhar confiança na dança durante a jam. ... 123

Figura 36: Camila V. Itavo rolando convexo no ombro de Panmella Ribeiro, durante a jam. ... 124

Figura 37: Camila V. Itavo continua rolamento no ombro de Panmella Ribeiro, durante a jam. ... 124

Figura 38: Panmella Ribeiro, na jam, dando suporte para mim que rolo convexo em seu ombro. ... 125

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

CAPÍTULO 1: DO QUE ESTÁ DADO NO MUNDO ... 37

1.1 Narrativas audiovisuais do contato improvisação ... 41

A. Steve Paxton discussing Magnesium (2008) ... 41

A.1 Espaço esférico ... 44

B. In A non-wimpy way, Steve Paxton on contact improvisation and war (2013) ... 46

B.1 Um terceiro estado, um estado de concordância ... 55

CAPÍTULO 2: ESCUTA CONTATO ... 59

2.1 Small Dance ... 61

2.2 O início do movimento e a Contact Quarterly ... 66

CAPÍTULO 3: A AULA DE CONTATO IMPROVISAÇÃO ... 90

3.1 A performance na jam session ... 122

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 130

REFERÊNCIAS ... 135

ANEXO A ... 141

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INTRODUÇÃO

No ano em que nasci, 1974, em Araçatuba, no noroeste paulista, o Brasil vivia a segunda década da ditadura militar (1964-1985) e iniciava uma parceria com a China, mesmo assumindo suas diferenças políticas. A inflação, que vinha aumentando desde 1973, variou numa faixa entre 30 e 40 por cento em 1974, nível em que permaneceria ao longo da gestão do Presidente Geisel (1974-1979). Minha mãe, Duxtei Vinhas Itavo, que se formou, em 1968, em Estudos Sociais, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araçatuba, fazia mestrado na Escola de Sociologia e Política da USP, que ficava no Santa Cecília em São Paulo, capital, para onde viajava toda semana, 550 quilômetros distante. Passei minha gestação e primeiros anos de vida dentro de salas de aula. Sua última viagem foi em 30 de maio de 1974, quando foi assistir a uma aula de Inezita Barroso em que expunha sua pesquisa sobre a casa na música brasileira. Nasci em 02 de junho de 1974, três dias depois. Em 1975, Duxtei ainda se formou em História, licenciatura plena e também em Geografia.

Em Araçatuba, desde 1963, funcionava a academia Anamaria Ballet, que existe até hoje. Em 1977, quando um dia fui junto ao balé buscar minha irmã, três anos mais velha, escutei a música que ecoava da aula, porque havíamos chegado mais cedo. Então, quis saber o que se fazia lá dentro. Quando soube que dançavam, pedi insistentemente para fazer as aulas de balé. As turmas eram a partir de seis anos, e eu tinha três. Minha insistência foi maior do que meu tamanho. A escola me aceitou, e eu entrei no balé! Aos seis anos, colocava minhas primeiras sapatilhas de ponta, sonho da bailarina clássica! Talvez tenha sido o menor número de sapatilha de ponta encomendado, naquela época.

Mas, antes disso, aos cinco anos, ganhei uma enxaqueca fulminante! Comecei a passar mal e a ficar sensível à luz, vibração, som, cheiro, comidas. Vomitava muito. Só conseguia ficar no escuro. Precisava segurar minha cabeça, ajoelhada na cama, porque sentia que ela iria quebrar em pedacinhos. Esse processo me acompanhou até aos quinze anos, quando encontrei um médico homeopata que foi o único, durante aquela jornada dolorida que já durava dez anos, a dizer-me que tinha cura, sim. Acreditei no processo terapêutico que ele propôs. Eu, e minha família, que me apoiou. Quando se tem uma doença crônica, pode-se até acreditar na cura, mas é preciso resistir à mentalidade ao redor de quem nem sempre acredita junto com o doente. O processo não foi menos dolorido, mas eu estava decidida a sair do ambiente interno de dor, a sair daquele lugar ocupado pela dor dentro da minha cabeça.

Sim, continuei dançando balé, e, quando não estava em crise de enxaqueca, estava fazendo aulas, duas, três vezes por semana e aos fins de semana estava nos ensaios para

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espetáculos que apresentávamos em Araçatuba e em cidades vizinhas, em teatros pequenos, quadras de futebol de salão, ginásios e praças, lugares onde poderiam ser instalados ou improvisados um palco de arena ou italiano. Na fotografia de família (1990), escaneada do papel, apresento solo e uma suíte de balé, no extinto Teatro São João, Araçatuba.

Figura 1: Camila Vinhas Itavo apresentando solo de balé, em Araçatuba, SP

Nas décadas de 1970 e 1980, em uma cidade do interior do Brasil, como Araçatuba, o balé e o jazz eram sinônimos de dança. Não se tinha notícia, e muito menos ideia, de que a dança e os bailarinos, no hemisfério norte, Europa e Estados Unidos, começavam a se utilizar dos estudos somáticos em seus processos corporais artísticos, transformando o caráter estético da dança, em relação ao tipo de imagem e movimento que se desenvolveu no balé clássico e na dança moderna, no caráter da experiência de movimento proporcionada pela pesquisa da dança. Ou seja, o bailarino, que antes treinava muito para atingir o auge da sua performance, em movimentos detalhadamente programados e, muitas vezes, repetidos, usaria, a partir dos estudos somáticos, seu corpo como o experimento para a verificação científica desses estudos, que criam ou relatam movimentações decorrentes deles. Assim, o bailarino começou a pluralizar a perspectiva de observação de seu corpo, como experiência e como transformação

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que esses estudos somáticos causam nele e, ao mesmo tempo, como o observador dessa experiência que foi incorporada por meio de um movimento específico:

A palavra somatics, com o acréscimo da letra “s”, foi um neologismo criado por Thomas Hanna para diferenciar o termo da palavra mais comum, somatic (somática), termo técnico para a estrutura músculo-esquelético do corpo, ou seja, o corpo físico tal como é visto pela medicina. A escolha por esse termo, “somático”, seria significativa para unificar esse campo novo de pesquisa no Ocidente, em função de seu significado advindo do grego antigo, somatikos, que significa “corpo vivido”. Assim, soma como “corpo vivido” implicaria, enquanto princípio, o conhecimento mediado pela experiência sensorial sensível, pela propriocepção do indivíduo e por suas narrativas pessoais internas – portanto, o conhecimento do corpo como algo singular e mutável. [...] De modo geral, os princípios do campo Somático seriam: a quebra do dualismo corpo-mente, a consciência do corpo (body awareness), a atenção (attention), a propriocepção, a construção de um contexto de aprendizado que promova a reflexão e a pausa, o foco nos estímulos do corpo, o refinamento do esforço muscular, o contato do corpo com o chão, a exploração de feedbacks sensoriais que partam, por exemplo, da quietude ou da respiração e, por fim, o fazer pelo movimento (SANTOS, 2016, p. 84).

Essa postura dos pesquisadores dos estudos somáticos incluía a possibilidade de a dança ser apropriada como forma de conhecimento e, assim, aliava-se a outros campos do saber, como a Anatomia, a Fisiologia, a Mecânica, a Física, a Física Quântica e até a Medicina, uma vez que alguns trabalhos proporcionavam a melhora de problemas crônicos nas estruturas e sistemas do corpo humano. Essa pesquisa em dança começou a estruturar-se no Brasil na década de 1990. O Festival Internacional da Nova dança de Brasília teve início em 1996, por exemplo.

Mas, para quem tinha o balé e o jazz como possibilidades únicas, e como era muito bem estruturado como proposição de movimento, ritmo e performance cultural, cuidadosa e disciplinadamente ensinado e ensaiado, com uma relação intrínseca com a música, o balé era um tipo de experiência de movimento muito apreciada pelos que amavam dança ao meu redor.

Meu ídolo era o bailarino clássico russo-americano Mikhail Nikolaévich Baryshnikov3

que, no ano 2000, assumiu a direção, com Mark Morris, da White Oak Dance Project, em Nova Iorque, EUA; uma companhia contemporânea que buscava extrapolar os limites da dança moderna. Para ir além dos limites coreográficos da dança, a turnê dessa companhia foi composta, em 2000, por Mikhail Baryshnikov e sete bailarinos muito especiais: Steve Paxton, Simone Forti, Lucinda Childs, Yvonne Rainer, David Gordon e Trisha Brown, coreógrafos da Judson Dance Theater, que se agregaram na Judson Memorial Church, uma das principais fundações da Nova Dança, nas décadas de 1960 e 1970.

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Nesse espaço de experimentação da Judson Memorial Church, os artistas realizaram ensaios, treinamentos, reuniões e performances. Em dois anos, criaram mais de duzentas performances de dança que foram apresentadas, em sua maior parte, apenas por uma noite. Muitas experimentações da “era” Judson estavam relacionadas com as noções de cair e de relaxar, reconsiderando as ideias estéticas e técnicas de seus antecessores na linguagem da dança. Havia um desejo de libertar a coreografia da psicologia e do drama, típicos da dança moderna. O grupo perguntava o que era a dança e que tipo de movimentação poderia ser considerada como dança. Estabeleceu assim, uma estética com preocupações formais básicas: experimentos despojados e métodos democráticos, imbuídos de um senso de jogo para a composição da cena. A explosão desse trabalho experimental significou o início da dança pós-moderna norte-americana que influenciou significativamente todas as correntes de dança posteriores nos Estados Unidos e na Europa, conhecidas, em geral, como Nova Dança (BELÉM, 2017, p. 3). Assim como eu, meu ídolo do balé também de tornou um praticante da Nova Dança. Em meus primeiros anos de balé, como quase sempre fui a mais baixa da turma, quando ainda não alcançava a barra, era orientada a apoiar os pés no piano, no canto da sala, no início de uma longa barra e grande espelho. Esse piano, muitas vezes o escutei ser tocado para a aula.

O balé proporcionava uma experiência de movimento diferente da vida cotidiana. Pessoalmente, eu sentia muita eletricidade em meu corpo quando dançava balé. Talvez hoje eu chamasse essa sensação de adrenalina. Especializei-me em piruetas que se deslocam no espaço, como os chamados tour-piqués. O que eu gostava nelas era que, se eu me mantivesse equilibrada durante todo aquele movimento em espiral, eu poderia rodar muito, como num movimento contínuo. Poderia fazer vinte, trinta ou até mais tour-piqués seguidos, sem parar, atravessando um grande espaço no palco ou na sala de aula.

Em minhas últimas apresentações eu fazia dúzias de tour-piqués. Lembro-me da sensação de desorientação que sentia ao final dessas sessões de giros que terminavam em pausa pose. Na fotografia abaixo, feita em dezembro de 1990, no extinto Teatro São João, em Araçatuba, danço meu primeiro pas-de-deux (dueto entre uma bailarina e um bailarino na dança clássica) com Nivaldo Santos, bailarino também de Araçatuba que, no ano seguinte, seguiria para a Alemanha para viver da dança e de onde só retornaria ao Brasil para visitas.

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O ano de 1991 foi meu último dançando o tão sonhado pas-de-deux, no qual ainda havia uma suíte, ou seja, peça musical maior, com entradas e saídas, o pas-de-deux, o solo do bailarino, o solo da bailarina, a dança do coro, o dueto novamente, a dança de todos. Eu havia tomado a decisão de seguir pelos caminhos da comunicação social, do jornalismo e da fotografia. Eu já havia dançado balé clássico de 1977 a 1991 e não sabia que havia outras danças além do balé e da dança moderna.

Em 1974, ano que nasci, meu tio Flávio Itavo, irmão mais velho de meu pai, Luiz Carlos Itavo, morava no México e trouxe de lá uma câmera fotográfica profissional para meu pai. Era uma Asahi Pentax Spotmatic 50 mm. Naquele ano, meu pai se formava em administração de empresas e, no ano seguinte, em contabilidade, na Faculdade de Administração de Empresas de Araçatuba.

Em 1989, ano em que caiu o muro de Berlim, meu professor de Educação Artística no primeiro colegial (atual primeira série do Ensino Médio) era o maestro, compositor e multi-instrumentista Zé Renato Gimenes, que nos apresentou o filme The Wall (1982), do Pink Floyd, e nos deu aulas de fotografia. Eu tinha entre 14 e 15 anos e fui muito bem nos trabalhos

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fotográficos, então meu pai deu-me a câmera fotográfica que ganhara quando nasci. Passei décadas com ela nas mãos. Ela ainda funciona.

Formei-me em Jornalismo no fim de 1995 e mudei-me para São Paulo no início de 1996. Fiz minha pequena mudança com a ajuda do caminhoneiro com quem eu tinha realizado meu primeiro documentário, um diálogo experimental entre a fotografia e o rádio PX, no vídeo O jornaleiro que preferiu o rádio (1995)4 que foi meu trabalho de conclusão de curso (TCC), mas

também se tornou meu primeiro prêmio em audiovisual, o Mapa Cultural Paulista, em 2000, cinco anos depois.

Em 1996, eu trabalhava no Diário Popular, na época propriedade de Orestes Quércia, no centro da cidade de São Paulo. Eu era jornalista do Caderno Revista quando chegou às minhas mãos, em papel de fax, um release do Estúdio Nova Dança, na rua 13 de Maio, no Bixiga, divulgando uma jam session, atividade que iria acontecer num sábado de manhã. Além de publicar o release, fui pessoalmente ver o que era. Quando cheguei, já tinha terminado, mas decidi voltar a dançar no momento em que pisei aquele ambiente novo de dança.

Naquele mesmo ano, comecei a ter aulas, no Estúdio Nova Dança, com a bailarina Lu Favoreto5, de dança clássica aplicada à restruturação corporal, às terças e quintas das 10h às

12h. Lu havia sido aluna de Klaus Viana6 nos anos 1980 e, nos anos 1990, pesquisava a obra

da fisioterapeuta francesa Marie Madeleine Bezièrs sobre coordenação motora e psicomotricidade, transformada em “reestruturação corporal aplicada ao movimento vivenciado” por Lu Favoreto.

Em 1997, mudei para sua turma do período noturno, para a qual oferecia esse tema com o título “dança contemporânea e exploração do movimento”. Foi minha primeira revolução de dança7. Fiquei por sete anos, às terças e quintas das 19h às 22h. Meu corpo, de uma bailarina

clássica, foi desconstruído para dar lugar a um corpo contemporâneo que passou a apreciar quedas e passagens dinâmicas entre os planos alto, médio e baixo, entre outros procedimentos cinéticos que causam experiências inomináveis de transformação da estrutura do corpo e da mente.

Em 1999, eu trabalhava na primeira revista multimídia de São Paulo, a ADD CD-Rom, em Alphaville, onde eu desenvolvia minhas próprias pautas, fotografava, escrevia e recebia um

4 Assista aqui: https://www.youtube.com/watch?v=ROjIHrTptD8. 5 Nascida em 1965.

6 Nascido em 1928.

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ótimo salário, quando a Lu Favoreto e a Tica Lemos8, do Estúdio Nova Dança, convidaram-me

para ser assessora de imprensa do Estúdio, por um salário muito inferior ao que eu tinha na ADD CD-Rom. Apesar disso, aceitei e propus que trocássemos uma parte do valor do meu trabalho por aulas de dança e o restante pelo que elas poderiam pagar-me. Assim, iniciei uma nova formação em Nova Dança no Estúdio Nova Dança onde fiquei até 2003. Fazia aulas todos os dias de manhã e à noite e, aos fins de semana, trabalhava como permutista; aproveitava, sempre que possível, para fazer as aulas dos artistas que vinham de fora oferecer oficinas. Assim, fiz oficinas com Angel Viana9, Neide Neves, Rose Akras, André Trindade, entre muitos

outros.

Por isso, em 1999, comecei a fazer aulas de contato improvisação com a bailarina Tica Lemos, cofundadora, codiretora e professora do Estúdio Nova Dança, em São Paulo. Seu nome de nascença é Isabel Rocha de Cunto Lemos, graduou-se em 1987, pela School for New Dance Development, de Amsterdã, Holanda. Foi quando eu, que já havia aprendido a apreciar quedas na dança, estava prestes a conhecer o lado surpreendente da queda. Em entrevista para o pesquisador da UnB Diego Pizarro, Tica Lemos revela quando e como conheceu pessoalmente Steve Paxton:

O Laurie Booth chegou a ser bem conhecido como coreógrafo. Chegou a coreografar para o Nederlands Dans Theater, da Holanda. E foi ele quem me colocou na roda do Contato. Ele me falou que existia essa faculdade de dança no interior da Inglaterra, em Totnes, Devon, e eu fui para lá em um festival, onde eu conheci todo mundo. Estavam lá o Steve Paxton, a Simone Forti, a Kirstie Simson, a Katie Duck e o Laurie, que me chamou para fazer uma performance. Colocamos uns tatames do lado de fora e fizemos uma mistura de capoeira e Contato. Nessa ocasião, eu conheci o Steve Paxton pessoalmente. Foi então que eles me deram a dica dessa faculdade que havia em Amsterdã, e que ia ter um curso de verão sobre improvisação. Eu fiz esse curso de três semanas e reencontrei a Simone Forti, que é uma papisa do estudo da improvisação, ela é um pouco mais da geração do Steve Paxton. Eu também reencontrei, na ocasião, a Kirstie e a Katie Duck. Nesse curso, também conheci a Lisa Nelson. A partir daí, comecei a conhecer todas as pessoas envolvidas com o Contato. Eu estava com 20 anos, já fazia teatro, fazia esportes, fazia ginástica olímpica e capoeira há bastante tempo. Foi quando eu descobri que eles estavam abrindo esse curso de dois anos em Amsterdã, me inscrevi e fui aceita para o programa. Essa experiência foi importantíssima para mim, porque na faculdade o Contato-Improvisação não era um curso regular, era um intensivo por semestre, onde vinham até três professores convidados. Uma vez, por exemplo, vieram Nancy Stark Smith, Karen Nelson, Alito Alessi e Andrew Harwood. Durante esses intensivos, fazíamos faculdade normal de manhã e à tarde sempre havia professores convidados do mundo inteiro, então era possível se aprofundar razoavelmente. E, na faculdade; tínhamos que fazer solos, dançar no trabalho dos outros 8 Nascida em 1964.

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colegas, convivíamos direto com esse universo da Nova Dança (PIZARRO, 2015, p. 195).

Com a abertura do Estúdio Nova Dança, em 1995, em São Paulo, Tica Lemos é considerada a primeira bailarina que ancorou e desenvolveu tecnicamente o contato improvisação no Brasil, embora outros bailarinos, como Guto Macedo10, do Rio de Janeiro, já

houvessem tido experiência com o contato improvisação. Guto Macedo é professor de dança e bailarino e havia feito um workshop com Nina Martin, em Nova Iorque, em 1986.

Entre as décadas 1990 e 2000, Tica Lemos proporcionou chão e disciplina para o desenvolvimento e ensino da técnica no Estúdio Nova Dança, espaço que mantinha em parceria e coautoria de Lu Favoreto e Adriana Grecci, que depois saiu e montou o Move, na Vila Madalena, quando entrou Cristiane Paoli Quito, da EAD-USP. Tica trouxe Steve Paxton para o Brasil em 2000, 2006 e 2007, ocasiões em que ele ofereceu suas oficinas no Nova Dança.

Segui fazendo as aulas da Tica Lemos de 1999 a 2002, quando fui para Londres estudar inglês. Quando retornei a São Paulo, em 2003, comecei a dar aulas de dança no Sesc Pompéia, em São Paulo, onde fiquei até 2005, quando tirei o DRT, a carteira profissional de bailarina. No fim daquele ano, foi anunciada a vinda de Steve Paxton a São Paulo. Ele iria oferecer um intensivo de duas semanas e quase oito horas por dia chamado Material for the spine, no Estúdio Nova Dança, para apenas vinte pessoas, o que tornava o curso caro, além de muito raro.

Depois de um processo de inscrição, fui aceita entre os vinte estudantes e pesquisadores, muitos professores, junto com integrantes das companhias Nova Dança 4 e 8 Nova Dança. Mas, e como pagar? Depois de muito buscar esclarecer sobre essa técnica que eu pesquisava e que estava vindo para o Brasil, tive a felicidade de receber o curso como um grande presente de meu pai. Mas, no segundo dos quinze dias de aula com Steve Paxton, meu tio, José Lúcio Itavo, irmão mais novo de meu pai, veio a óbito repentinamente, em Araçatuba, distante 550 quilômetros da capital, onde eu estava. Mesmo assim, meu pai me orientou a ficar em São Paulo e continuar a fazer o curso depois de tanto investimento, com o que concordei.

Quando cheguei atrasada para a aula, naquele dia da morte do meu tio, eu estava muito triste; subi até a lanchonete do Estúdio Nova Dançapara pedir um suco, pois não me havia conseguido alimentar devido às notícias. Todos já estavam na sala de aula. Havia um silêncio instalado. Soprava um vento úmido de verão. Para minha enorme surpresa, apenas Steve Paxton estava na lanchonete, na sacada, quando cheguei. Então, ele me perguntou porque eu estava triste. Respondi, e ele ficou ali uns minutos conversando comigo.

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Sempre me interessei por processos de expansão da consciência pois, na minha infância, acreditara que essa seria minha única saída para a cura da enxaqueca e tudo que ela causava em minha saúde e em minha vida. Sabia também dos estudos de Steve Paxton sobre esses processos. Enquanto conversávamos, peguei na bolsa um chocolate e, quando ele se apercebeu disso, disse-me que meu corpo teria mais trabalho para digerindo aquele tipo de nutriente do que para me fornecer energia para a aula. Então, pedi um suco e contei a ele a minha história de enxaqueca. Surpreendi-me ainda mais quando ele me disse, concluindo sobre minha história, “Você saiu da dor, você aprendeu a se retirar dela”. Eu sorri e seguimos para a sala de aula. Aquele comentário reverberou por décadas em minha estrutura. Comecei a pensar que eu estivera conectada com os estudos somáticos, feitos na década de 1970, pela extensa experiência de dor que afetara minha percepção. De alguma forma, eu pesquisara Nova Dança; enquanto buscava o processo de cura, eu era afetada pela experiência de tomar o corpo como sujeito que precisava “contar” para a própria consciência sobre o que acontecia com a dor, sobre que tipo de solicitação essa dor fazia ao meu corpo. Curei-me da dor quando aprendi a escutar e a atender sua solicitação.

Na fotografia abaixo, feita por Tânia Soares, converso com Steve Paxton, em 2006, no palco do Sesc Belenzinho, em São Paulo, após sua apresentação de Night Stand com sua parceira de dança e de vida, Lisa Nelson11. Entre nós, ao fundo, está Tica Lemos conversando

com Lisa.

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Figura 3: Steve Paxton e Camila Vinhas Itavo, com Tica Lemos ao fundo, em São Paulo, 2006.

A despeito dos percalços emocionais, o curso foi muito intenso e profundo. Steve Paxton compartilhava, nesse curso, Material para a coluna, sua pesquisa sobre a coluna vertebral e o material que ele chamou de “the dark side”, o lado negro, com movimentos que se relacionam com a parte do corpo que não se pode alcançar com o próprio olhar, a qual abordo no terceiro capítulo. Ele toma esses dois aspectos e ensina a potencializá-los por meio de rolamentos específicos, que são detalhados também no capítulo 3, “A aula de contato improvisação”.

A partir disso, passei dois anos lecionando no Espaço 7 de Dança, em São Paulo, sobre Material for the spine, bem como publiquei uma matéria no Caderno Fim de Semana da Gazeta Mercantil (ITAVO, 2006) sobre o espetáculo Night Stand apresentado por Steve Paxton e Lisa Nelson no Sesc Belenzinho. Eu havia participado de uma entrevista coletiva com eles, desde então, passei a entrevistá-lo por e-mail, pois eles moram em Vermont, EUA.

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Figura 4: Cartaz eletrônico do curso Mindinhos oferecido no Espaço 7 de Dança.

Steve Paxton e Lisa Nelson retornaram a São Paulo em 2007 e tive outra oportunidade de fazer seu curso intensivo, dessa vez de apenas uma semana, com carga horária diária de quatro horas, também limitado a vinte participantes. Assim, publiquei nova matéria sobre eles na Dança em Revista (ITAVO, 2007).

Também em 2007 fomentei, com o amigo Ricardo Neves, permutista como eu, no Estúdio Nova Dança, a produção de um encontro de contato improvisação ainda inédito no Brasil. Ele preferia festival, e, eu, encontro. Ricardo tinha quebrado a perna e eu ia até sua casa para estruturarmos juntos o projeto.

Tínhamos decidido convidar para as oficinas intensivas os professores Daniel Lepkoff12,

de Nova Iorque, que esteve com Steve Paxton desde sua primeira oficina e, então, era da chamada primeira geração de contatistas, além de Cristina Turdo, bailarina, professora do Instituto Universitário Nacional de Arte – IUNA, de Buenos Aires, e, Tica Lemos, do Estúdio Nova Dança, São Paulo, ambas da segunda geração de contatistas. Entre outros colegas da terceira geração como nós dois, estavam Tal Avni13, de Tel Aviv (Israel), Fernando Neder14, do

12 Nascido em 1950. 13 Nascida em 1973. 14 Nascido em 1963.

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Rio de Janeiro e Giovane Aguiar15, bailarino e professor de Brasília, autor do Festival

Novadança de Brasília, além de Ricardo Neves16 e eu.

Assim, de 12 a 17 de fevereiro de 2008 lançamos em cocriação e coautoria de Camila Vinhas Itavo e Ricardo Neves, o Primeiro Encontro Internacional de Contato Improvisação de São Paulo17, no Centro de Dança Humberto Silva, Galeria Olido, patrocinado pela Secretaria

Municipal de Cultura. Era o primeiro festival de contato improvisação oferecido gratuitamente para bailarinos no Brasil. Estava guarnecido por uma agenda de uma semana repleta de aulas de formação técnica, jam sessions, palestras e performances no teatro.

Na galeria Olido, em três salas enormes, três oficinas aconteciam ao mesmo tempo com as salas totalmente lotadas, às vezes com mais de setenta pessoas e ainda outras pessoas circulando e rolando pelos corredores, pelas escadas, descansando e conversando nos sofás. Daniel Lepkoff havia vindo direto do Japão, onde tinha ido conhecer sua sogra, mãe de Sakura, sua esposa. Quando, no aeroporto, perguntei-lhe o que gostaria de fazer, pois ele tinha saído de um voo de doze horas do Japão para os Estados Unidos e mais doze horas de lá para o Brasil, um seguido do outro, respondeu-me que gostaria de tomar cerveja e ficar descalço. Nunca imaginei que me identificaria tanto com ele. Um professor, artista e pensador extremamente gentil, com gestos refinadamente acabados. Daniel Lepkoff me contou, então, que também era matemático e que tinha vários artigos publicados em revistas científicas.

Levei-o a minha casa, fiz pizzas de gorgonzola e tomamos cerveja. Conversamos e depois ele tocou violão e cantou. Com aquele encontro entre primeira, segunda e terceira gerações de contatistas, quando reunimos Daniel Lepkoff, Tica Lemos, Cristina Turdo, Tal Avni, Fernando Neder, Giovane Aguiar, Ricardo Neves e eu, a cada dia, eu tomava mais consciência do nível de interlocução que tínhamos proposto. Assista a trecho no minuto 01:35 do audiovisual Primeiro encontro internacional de contato de São Paulo (2008)18.

Eu tinha me preparado como produtora e coordenadora do encontro, tinha emprestado três câmeras mini-DVs e três tripés, comprado caixinhas e mais caixinhas de fitas mini-DV e fiz uma estrutura de filmagens de todo o Encontro com as três câmeras ao mesmo tempo, uma fixada em um tripé, fazendo um registro geral de uma perspectiva central e mais aberta do palco e das salas, outra, também fixada em tripé, porém em perspectiva lateral e mais próxima do palco, enquanto eu empunhava a terceira e para obter registros mais próximos. Assim construí

15 Nascido em 1970. 16 Nascido em 1975.

17 Confira aqui: http://tudoedanca.blogspot.com/2008/02/vez-do-contato-improvisao.html. 18 Assista em: https://youtu.be/yt13ItkvefI.

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um acervo audiovisual do Primeiro Encontro Internacional de Contato Improvisação de São Paulo (2008), que agora se torna também histórico.19

Naquela palestra, Daniel Lepkoff conta, no minuto 08:40 do vídeo Primeiro encontro internacional de contato improvisação de São Paulo (2008)20, como foi participar dos

primeiros movimentos de contato improvisação com Steve Paxton e como era esquisito dançar algo em que não se sabia o que iria parecer, nem como seria:

Eu acho que me lembro desse dueto apenas por causa do vídeo (risos), mas eu me lembro, me lembro dos meus sentimentos depois. É impossível de imaginar agora, mas naquele tempo eu estava junto com os primeiros trabalhos de Steve Paxton. E era uma performance. Mas imagine estar numa performance que você não tem a menor ideia do que vai parecer, do que vai acontecer! Agora você tem uma imagem do que o contato improvisação é, mas eu não tinha nessa época essa imagem (LEPKOFF, 2008).

Daniel Lepkoff havia sido aluno de Mary Fulkersone, por isso, tinha experiência em release technique, o que tornava seus gestos muito leves, mesmo sendo um homem grande. Steve Paxton fala sobre a sensibilidade dos alunos de Mary Fulkerson em um artigo tratado no segundo capítulo desta disssertação. Naquele encontro, Tica Lemos revelou para a plateia no teatro da Galeria Olido como é incrível a força do depoimento e que ficou muito emocionada a primeira vez em que viu contato improvisação; o momento está registrado no minuto 12:30 do vídeo Primeiro encontro internacional de contato improvisação de São Paulo (2008)21. Diz

ela:

Então, é incrível como essa forma de dança que tem o foco físico no outro, ela trouxe uma capacidade de expansão dos processos cognitivos de percepção que eu nunca tinha visto antes, em nenhuma forma de dança. Tem essa natureza do que se pratica sozinho na dança contemporânea, na dança moderna, a pessoa desenvolve o próprio corpo, e nessa dança, você encontra o outro, então o outro traz muito mais estímulo sensorial (LEMOS, 2008). Tica afirma que “a Nova Dança é a dança contemporânea que traz diferentes capacidades de conhecimento cognitivo por causa dos estudos somáticos". Tanto ela quanto Daniel ensinam, dançam e performam até hoje. E o acervo audiovisual que produzi do Primeiro Encontro Internacional de Contato Improvisação tornou-se uma expressão concreta da minha observação participante desta descrição etnográfica, concedendo-lhe respaldo histórico.

19 O material do I Encontro também está disponível em <https://videoedanca.wordpress.com> e em

<https://youtube.com/c/CamilaVinhasItavo>.

20 Assista aqui: https://youtu.be/yt13ItkvefI. 21 Assista aqui: https://youtu.be/yt13ItkvefI.

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No Brasil, o artista independente e autônomo que não tenha microempresa, ou a recém-criada MEI, não existe para as leis de mercado, não tem meios de ser contratado. No momento em que a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo incorporava o evento, o fez com a condição de colocar a produtora com quem já trabalhara como representante jurídica do evento.

Uns meses antes da segunda edição desse Encontro, li pela internet uma matéria celebrando o segundo encontro internacional de contato improvisação de São Paulo. Aquela notícia significava que eles iriam produzir o encontro sem mim, dali em diante, suprimindo meu nome e história das edições seguintes do evento. Minha coluna ficou imóvel, como um choque corporal, por uns dias. Mas, naquele momento eu já tinha tomado consciência de que o contato improvisação era o contrário de uma disputa e, então, resolvi ir embora de São Paulo, construir outras histórias, novas danças.

A experiência aqui descrita é o lugar de fala dessa análise. É uma parte intrínseca dos questionamentos e da investigação sobre o lado surpreendente da queda sobre os quais foi tomado como eixo central que as performances culturais são experiências somadas de significações, e que o ato de fazer uma performance cultural já seria a recepção de uma ideia cultural. Neste caso, a ideia cultural de Paxton, que inaugura uma proposta de diálogo espacial para a qual ele dá suporte e busca verificação por meio das experiências de movimento que ele pesquisa, treina e propõe; assim, Paxton parece ser triádico.

Considera-se em sua proposição três estados no contato improvisação. O primeiro estado é o estado de contato entre uma estrutura física em relação a outra estrutura física. O segundo estado é o estado da improvisação, dinâmica de entrega do peso, dois a dois, em uma dimensão esférica do movimento. E o terceiro é o estado de concordância, que proporciona o diálogo espacial na mesma frequência. É nesses estados que as performances culturais se dão no contato improvisação. O lugar das performances culturais está na percepção do que foi criado por Paxton, em primeiro lugar. Em segundo lugar está na prática dos contatistas, está no que os bailarinos fazem. E o terceiro lugar está na recepção, considerando que o ato de ensaiar, de praticar também é uma recepção da ideia cultural de Steve Paxton.

Sob essa perspectiva, um lado surpreendente da queda, no microcosmos, apresenta a queda abrindo espaço articular, o que dinamiza toda a estrutura do corpo, fluidificando-o toda vez que o sujeito entregar seu corpo ao chão, inspirando e expirando longamente, acompanhando os microeventos que se vão desencadeando, ao passo que essa entrega vai-se aprofundando física, psíquica e culturalmente. E, no macrocosmos, o lado surpreendente da queda apresenta o desenvolvimento da consciência de que essa é a queda de um corpo que também é celeste, que faz parte do espaço sideral, que está inserido em seu sistema; assim, essa

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queda torna-se uma investida do corpo na sua trajetória esférica. E essa atenção específica aos aspectos cinéticos esféricos desse sujeito sobre seu corpo amplia sua óptica, seu alcance de visão, sua propriocepção, a consciência de si e do espaço ao seu redor, considerado esférico.

Essas experiências estão, primeiramente, fundadas no movimento mas, para muitos contatistas, elas atuam em outras dimensões profundas da estrutura física do pesquisador e na sua percepção. A mesma experiência traz significações plurais para receptores diferentes, com biotipos diferentes, com diferentes, ou nenhumas, experiências de movimento e, mesmo assim, nada disso altera a estética proposta pelo contato improvisação, calcada na atuação dos três estados citados.

SP: Houve uma história de um professor de geometria que me tocou. Ele contou-nos sobre um aluno que era inteligente em geometria. Mas nunca se saía bem nas provas, porque sempre voltava ao princípio e provava cada passo. Ele não aceitava os teoremas como provados. Por isso, era mais lento que os demais, porque ele levava mais tempo para provar o básico, e de alguma forma eu traduzi isso para o corpo, eu tinha que entender o básico. Não apenas aceitando as verdades... Não apenas aprendendo os truques, mas descobrindo os princípios. Eu acho que essa era a mensagem, para mim. Eu me perguntei... Quais são os princípios básicos? Foi-nos dado esse presente maravilhoso, nosso corpo, mas não nos deram instruções, um “manual do usuário” para ele.

FN: Como foi a passagem para a dança? Como a dança entrou na sua vida, depois disso?

SP: Eu não via nenhum outro lugar para estudar os princípios que me interessavam. Pensei que a dança poderia tê-los. Então, estudei dança e performance. Estudei muitos tipos de dança. E continuei sem achar os princípios básicos (NEDER, 2010, p. 2).

Aqui Paxton declara sua intenção de investigar os princípios do movimento no corpo sem se acomodar em certezas e sempre observando o primeiro impulso do movimento. Assim “a performance do contato improvisação se forja na apropriação do que há de mais cotidiano na vida na Terra, que é a ação da força da gravidade. Paxton toma esse fenômeno como base para investigação sobre o movimento, pluraliza-o e amplifica quando o apreende como um componente da sua experiência, pela qual o corpo modifica-se, transforma-se e transporta-se” (ITAVO, 2019, p. 244). Para Richard Schechner (2011, p. 56), as “atividades de performance são processuais e sempre uma ou mais de suas partes estará em transformação”.

Em 2019, publiquei um capítulo do livro Performances culturais: memórias e sensibilidades, intitulado “Contato improvisação, um estado de concordância” (ITAVO, 2019), cujos fundamentos são largamente utilizados nesta dissertação por meio de citações diretas ou paráfrases ao longo de todo o texto.

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A dança do contato improvisação foi criada por Steve Paxton, em 1972, como método de treinar o corpo numa programação cinética ao mesmo tempo em que propunha treinar a mente a observar-se a si própria e ao corpo, obtendo informações multidimensionais dos campos sensorial, racional, do campo cinético e de tudo que se relaciona com o movimento do corpo e do espaço. O contato improvisação situava a dança como uma arte da experiência e como modo de conhecimento empírico-artístico por meio de uma estética que busca treinar a mente como instrumento de escuta dos processos vividos pelo corpo, invertendo papéis habituais e quebrando protocolos pré-definidos como a relação entre o corpo e o chão. Embora naquele momento já houvesse outras técnicas de chão, o contato improvisação investigava uma afinação muito específica de relacionamento de movimento com o outro e com o chão.

Muitos dos dançarinos que haveriam de criar o contato improvisação chegavam à idade adulta no final dos anos 50 e entrada dos anos 60. Eles participaram da dança das escolas modernas tradicionais assim como das escolas emergentes de coreógrafos como Cunningham, Halprin e Hawkins. Ambas as danças teatral e social nesse período manifestavam distintamente mudanças culturais e políticas. Técnicas existentes ganharam outros significados, novas técnicas foram desenvolvidas, e diferentes atitudes emergiram frente à atividade de dançar (NOVACK, 1990, p. 33; tradução de Marcelo Batistella).

Perscrutando uma atitude diferente na atividade de dançar, Paxton propôs a não utilização da repetição durante o diálogo espacial, mas sim do fluxo. Os bailarinos não repetiam passos ou sequências de movimentos. Eles apreendiam habilidades dentro de uma gama de movimentos que geravam fluxo e que foram sistematicamente estudados, desenvolvidos e ensinados. Os movimentos aprendidos eram usados de acordo com a percepção, sensibilidade e os desafios que o momento da dança apresentava. Essa ruptura com a repetição em cena se refletia na atitude, na cultura e nas performances dos pesquisadores da dança daquele momento. Por outro lado, Paxton afirma, em entrevista à Revista Percevejo: “para trazer algo do caos eu acho que você deve ser capaz de identificar e repetir. Até que fique claro. Portanto, quando você encontrar algo que não puder repetir, então aprenda a repetir isso. É muito difícil falar sobre isso, pois significa falar sobre o desconhecido e o futuro” (NEDER, 2010, p. 7). Paxton sugere, com isso, a repetição como prática disciplinar, o que significa que, para superar qualquer limite, tendência ou padrão de movimento, também se usa a repetição durante o treinamento, mas ele não se refere à repetição durante uma performance ou diálogo espacial.

Historicamente, o contato improvisação bebeu na fonte milenar do aprimoramento do gesto fomentado pelas artes do movimento e pelas artes marciais. Steve Paxton, que nasceu em 1939, em Phoenix, no Estado do Arizona, Estados Unidos, formou-se em ginástica e em dança clássica, depois em dança moderna, foi colega de classe de Mercê Cunningham, com quem

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apresentou as primeiras performances de improvisação. Formou-se em aikido22, sobre o qual

tem pesquisado durante toda a vida.

Experimentando o corpo

Concepções e práticas na cultura americana constroem o corpo e suas técnicas; nós aprendemos o que nossos corpos são e como movê-los em toda a nossa interação social. A dança foca em técnicas do corpo direta e extensivamente. Embora às vezes vista como uma série de habilidades, as técnicas de dança proporcionam experiências de movimentos, imagens corporais, e conceitos do corpo, self e movimento com implicações que vão muito além. O contato improvisação, sendo uma construção americana do corpo e de formas em que o corpo pode e deveria mover-se, constitui um comentário que é culturalmente relevante23. (NOVACK, 1990, p. 150; tradução de Marcelo Batistella). Assim, essas técnicas de movimento experimentadas disciplinadamente por bailarinos também forjam sua percepção, sua propriocepção, sua tomada de consciência e constroem suas formas de compreensão. Dos anos 1970 para cá, muitos movimentos desenvolveram-se como técnica de preparação para o contato improvisação, que se foi expandindo como performance, dança, método de treinamento, pesquisa de movimento. A história do contato improvisação começa quando Steve Paxton, bailarino, ginasta, performer, depois de décadas experimentando e sistematizando técnicas e experiências de movimento, desde sua adolescência até se tornar professor, ao chegar aos trinta e três anos de idade, em 1972, inicia, com seu corpo como instrumento e objeto de pesquisa, um novo método de dança que veio a chamar de contato improvisação, em um curso de extensão universitária que ofereceu na Oberlin College, em Oberlin, Ohio, EUA. Seu objetivo era “saltar para fora do planeta e não ter lesões” no retorno, e, “fazer as pessoas se jogarem umas nas outras, sem se machucarem”.

Para isso, valeu-se de alguns princípios do aikido, mas inverteu a polaridade de um destes princípios. O aikido é uma das artes marciais mais jovens, com poucos séculos de história, centrada na harmonização do Ki, energia que compõe todos os seres, sintetizando, a partir das artes marciais que a precedem, o que há de mais harmônico na realização de movimentos. É uma arte marcial de defesa que utiliza a lei do mínimo esforço, usando a força

22 O aikido é uma arte marcial japonesa criada na primeira metade do Século XX por Morihei Ueshiba, nascido

em 1883 em Tanabe, na província de Wakayama. [...] No aikido, mente e corpo devem agir juntos, sem contrariedade ou oposição. Isso é parte do processo de descoberta do próprio ki, a força vital que preenche, alimenta e conduz tudo que existe. Todos nós somos dotados de nosso próprio ki, princípio fundamental de todas as artes marciais sino-japonesas para a compreensão do corpo, da mente e da natureza (RACY, p. 2-5).

23 Experiencing the Body

Conceptions and practices in American culture construct the body and its techniques; we learn what our bodies are and how to move them in all of our social interaction. Dance focuses on techniques of the body directly and extensively. Although sometimes viewed as sets of skills, dance techniques provide movement experiences, body images, and conceptions of body, self, and motion with far-reaching implications. Contact improvisation, as one American construction of the body and of ways in which the body can and should move, constitutes a commentary, which is culturally revealing.

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inerente ao movimento do “adversário” contra ele próprio, levando-o, em movimentos circulares, a sair da estabilidade de seu centro, direcionando-o ao chão e à sua imobilidade. No segundo capítulo desta dissertação, analiso um artigo em que Steve Paxton discorre sobre esse rolamento do aikido. A seguir, um comentário do próprio Paxton sobre essa arte marcial, em entrevista publicada na Revista Percevejo.

FN: Você vê o CI como uma forma de dança, do ponto de vista da História da Arte Ocidental?

SP: Eu não sei. Talvez... Mas se parece também bastante com um esporte, exceto que não há competição. É muito democrática, portanto imagino que seja também uma forma de política. É um pouco como uma Arte Marcial, exceto que não é uma luta. Tem muito de aikido. Somente porque eles solucionaram o problema da queda. aikido tem belos rolamentos.

FN: Eles solucionaram muito bem.

SP: Sim, e nós precisávamos daquela informação no CI. Uma vez que você tem isso, uma vez que as pessoas entendem como rolar e cair, abre-se um espaço muito grande para alto nível energético, interações altamente dramáticas.

FN: É uma questão de técnica também. SP: Sim, é técnico. (NEDER, 2010, p. 3).

Tecnicamente, Paxton utiliza princípios do aikido, como o aproveitamento da energia do outro, mas inverte sua polaridade. Em vez de usar a energia do outro para o retirar de seu centro, desestabilizá-lo e levá-lo à imobilidade, ele segue em direção ao centro do outro, com seu próprio centro, num movimento tão contínuo quanto possível e, assim, aproveita a lei do mínimo esforço. Ao propor essa experiência para seus alunos, a partir daquele curso, ele lhes entrega várias táticas de resistência para que nunca se machuquem durante as atividades, como formas de ir ao encontro do outro e se desenrolar dele em direção ao chão, por meio de movimentos específicos criados por ele, considerados rolamentos. Levam o corpo a experimentar a extensão de todas as partes, centro e extremidades, e desenvolvem a sensação de autonomia de todas as partes na entrega de peso. Segundo o próprio Steve Paxton,

[o] efeito da gravidade sobre nossos tecidos, sobre a própria água em nossas células, sugere a mim que ele pode ser pensado como uma gama complexa de eventos, que combinados produzem uma sensação geral de "eu", em movimento ou parado. Altere alguns desses eventos, mesmo mentalmente ou emocionalmente, e as qualidades da relação com a gravidade também mudarão. (PAXTON, 2018, p. 33; tradução minha)24.

Considerando que o efeito da gravidade poderia oscilar de acordo com os sentidos, Paxton desenvolveu em seus alunos a habilidade da queda. Fez com que cada um se tornasse responsável pela própria queda durante a dança de cair. Para isso, treinou-os em rolamentos de 24 Gravity´s effect on all our tissues, on the very water in our cells, suggests to me that it can be thought of as a

complex array of events, which in combination produce a general sense of “me”, moving or still. Alter a few of those events, even mentally or emotionally, and the qualities of the relationship to gravity will change as well.

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queda do aikido, um movimento circular que possibilita ao artista não cair, mas fazer uma passagem pelo chão com seu corpo em curvatura e se colocar na vertical, sem esforço.

Com seu método de ensino, ele disponibilizou acesso a informações sensoriais dos campos de energia em jogo dos bailarinos que entregavam seu peso em movimento, sem preocupação com as formas realizadas no espaço, mas sim com a sobrevivência e segurança de ambos, com a atenção focada no cuidado consigo e com o outro ao mesmo tempo, na entrega do corpo para a atividade da queda e na entrega da mente para o testemunhar ou assistir dos processos performados. Naquele momento de sua criação, a inversão dos papéis de corpo e mente no desenvolvimento do movimento parecia materializar-se na linguagem da dança como uma espécie de antidiscurso coreográfico, por não propor um movimento previamente pensado a ser realizado no espaço. Em contrapartida, essa inversão pode ter sido pensada justamente para desconstruir movimentos padronizados, padrões estéticos e/ou históricos.

Há um direcionamento para a ampliação da percepção e atuação do corpo no espaço, ampliação essa que engloba o outro como continuidade do espaço. Ao mesmo tempo em que cada um vive uma experiência única, que dá lugar ao sentido pessoal, à potência do corpo, abre-se espaço para o abre-sentido social da dança compartilhada com outros, mesmo que abre-seja com o parceiro da dança. Em umas das fontes decupadas no primeiro capítulo, Paxton conta sobre sua intenção de ir em direção à percepção de ambos os participantes. Isso possibilitou treinar a mente a assistir e atender o corpo para resolver situações, na maioria das vezes desconhecidas, que não foram criadas à priori pela mente, mas são criadas no momento em que a performance acontece, pela dança, que é resultado de um diálogo espacial, feito de movimentos, que cria uma trajetória no espaço na qual os dançarinos muitas vezes lidam com o desconhecido.

Com a premissa de desenvolver um movimento intentando o mínimo esforço do movedor, os rolamentos criados por Paxton desenvolvem uma espécie de moto-contínuo, com o movedor solando ou em dueto. Ele retirou, com isso, a arbitrariedade dos comandos da mente para a realização de movimentos, entregando esse comando ao corpo. A improvisação requer o treino de uma linguagem desenvolvida por meio da composição em tempo real, composição que não foi escrita, mas vai se dando durante o ato de sua criação, no momento do encontro do gesto artístico e seus criadores, movedores que combinam movimentos, esses sim previamente treinados. Movimentos treinados para serem realizados imprevisivelmente, imersos em um estado de concordância, com atenção focada no peso, no movimento, com dedicação e afunilamento da percepção na ação da gravidade e reação no corpo em movimento no espaço.

Ao mesmo tempo, Steve Paxton associava o toque com a biomecânica e a gravidade, o que, ideologicamente, separava a forma da dança do encontro

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psicológico e sexual direto: “O que sempre me fascinou sobre o contato,” diz a escritora Elizabeth Zimmer, “era que ele tinha o rigor de uma forma de dança e produzia em mim o mesmo tipo de autodescoberta que toda aquela conversa e todos aqueles grupos de encontro produziam”. Mark Russel, originalmente ator, interessara-se pelo “trabalho teatral físico” na universidade, mas viu-se desestimulado devido à tendência de os atores transformarem os exercícios de toque em “apalpamento”. “Quando comecei a estudar contato improvisação”, ele diz, “a forma da dança me conquistou porque era sensual, mas não sexual. Era clara, as regras eram rígidas... Coisas emocionais podiam aflorar, mas não necessariamente”. (NOVACK, 1990, p. 166; tradução de Marcelo Batistella).

A atuação do corpo em relação ao chão proporciona uma perspectiva que engloba o outro como continuidade do espaço. Não há expectativas sobre qual forma realizar no espaço ou qual velocidade deve ser atingida. O que há, é o desenvolvimento de uma narrativa espacial, dialógica, contínua, cinética, em que ambos falam e se escutam a si mesmos e ao corpo do planeta, com quem também estão em diálogo. E assim alcançam um “estado de concordância” (trado no primeiro capítulo desta dissertação) e de preservação entre os entes envolvidos nessa atividade que promove a presença, a integração, a ruptura. Então, que tipo de performance é o contato improvisação?

O contato improvisação pode ser compreendido como uma performance em que o corpo é tomado como instrumento material da experiência que tem o tato como primeiro registro físico dela no sujeito. Uma performance que reconstrói formas de mover-se e viver o mundo. Nessa performance, enquanto o sujeito se disponibiliza para a experiência da dança, do treinamento do sensível, da atenção e de movimentos que reestruturam sua estrutura fisiológica, seu corpo também se torna uma performance da sua consciência.

Assim o contato improvisação também se apresenta como uma performance de autodescoberta, nas palavras da escritora Elizabeth Zimmer (NOVACK, 1990, p. 166). Ou, nas palavras de Steve Paxton, uma performance “que leva a apreciação dos padrões que as sensações específicas criam”, “uma comunicação física que flui em duas direções, em direção à percepção de ambos os bailarinos e que é respondida reflexamente” (STEVE PAXTON, Anexo B, 2019). A reflexibilidade é um componente da consciência presente nas performances culturais e no contato improvisação e é um componente fundamental da Small dance (pequena dança). É um dispositivo que oferece um panorama interno de imagens e de sensações do corpo no espaço observadas pela mente. A reflexividade é o trabalho da mente para o corpo e pode se tornar um “apropriado finale de uma experiência” (TURNER, 2015, p.15), ou seja, é o resultado da performance que gera significados para a experiência.

Tato, ou toque, e improvisação são os primeiros estados dessa performance, aliados ao elemento comum a todos os três estados: a gravidade. Um elemento que está sempre presente

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e causa imprevisibilidade no jogo da movimentação. Observados sob a ótica de Victor Turner, o tato poderia ser compreendido com uma regra fixa com princípios a serem seguidos, e a improvisação como técnica, um treino específico do campo do sensível, um estado de presença, de abertura para o desconhecido que não poderia ser pressuposto.

No processo de aprendizagem do contato improvisação, uma pessoa adquire habilidade de maneira a mover-se ao invés de executar uma determinada série de movimentos. Aprender essa maneira de mover-se finalmente envolve interagir com outra pessoa, embora o aluno às vezes use o chão como “parceiro” nos estágios iniciais da prática das técnicas de movimento do contato improvisação. Apesar de diferenças em abordagem de um professor de contato improvisação para outro, todos os professores instruem seus alunos a focar na sensação física do toque e na pressão do peso. Portanto, no processo de aprendizagem, o senso do toque e as ações reflexas físicas assumem mais importância para o dançarino que o senso de visão e as ações escolhidas conscientemente.

Ao fazer o contato improvisação, o peso e a altura do outro dançarino não indicam o quão fácil ou difícil será dançar com ele ou ela. O contato improvisação não depende da força muscular, embora a força possa permitir a execução de certos movimentos. Mas, porque se espera que cada dançarino faça apenas o que ele ou ela é capaz, pessoas de tamanhos e pesos radicalmente diferentes podem dançar razoavelmente bem juntas; a chave para ser um bom parceiro reside na sua consciência de movimento dentro dos parâmetros da forma. (NOVACK, 1990, p. 150, tradução de Marcelo Batistella)25.

Um dos parâmetros dessa forma é o toque. O tato, ou o toque, pressupõe algo imediato e é mediado. É um mediador entre o peso do próprio corpo e o peso do corpo do outro. O tato é concreto e informa quanto ao fluxo do peso na dança. Um treino do corpo. Já a improvisação, outro parâmetro da dança, é um treino da mente para que ela não se torne o agente dominante, por meio do ego. Assim se dá seu caráter inesperado, sua relação com o desconhecido.

Além de sensibilizar-se sobre o peso e o toque, um aluno de contato improvisação deve aceitar a desorientação e aprender a ser virado de cabeça para baixo e lateralmente, movendo-se pelo espaço em movimentos espiralados ou curvos ao invés do movimento axial mais usual das ações cotidianas. Inicialmente, o senso de desorientação espacial cultivado na forma às vezes assusta as pessoas. De certo modo, o seu medo se origina de uma reação aceitável ao perigo físico. Especialmente durante os anos iniciais do contato improvisação, a forma era realmente perigosa, pois ninguém sabia o 25 In the process of learning contact improvisation, a person acquires skill in a way of moving rather than in

executing a particular set of moves. Learning this way of moving eventually involves interacting with another person, although the student sometimes uses the floor as the “partner” in beginning stages of practicing contact improvisation movement skills. Regardless of differences in approach from one teacher of contact improvisation to another, all teachers instruct their students to focus on the physical sensations of touch and the pressure of weight. Thus, in the learning process, the sense of touch and physical reflex actions assume more importance for the dancer than the sense of vision and consciously chosen actions.

When doing contact improvisation, the weight and height of another dancer do not indicate how easy or difficult it will be to dance with him or her. Contact improvisation does not rely on muscular sthength, althought strength may allow for the execution of certain movements. But because each dancer is supposed to do only what he or she is able, people of radically different sizes and weights can dance quite well together; the key to be a good partner rests on one’s movement awareness within the parameters of the form.

Referências

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