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Forma e consciência : o desenvolvimento do pensamento artístico-filosófico na obra de Kazímir Maliévitch

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Academic year: 2021

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ANGELA NUCCI

FORMA E CONSCIÊNCIA: O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO ARTÍSTICO-FILOSÓFICO NA OBRA DE KAZÍMIR MALIÉVITCH

CAMPINAS ± SP 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ANGELA NUCCI

FORMA E CONSCIÊNCIA: O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO ARTÍSTICO-FILOSÓFICO NA OBRA DE KAZÍMIR MALIÉVITCH

ORIENTADOR: PROF. DR. NELSON ALFREDO AGUILAR

Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas para a obtenção do Título de Doutora em História.

Área de concentração: História da Arte.

Este exemplar corresponde à versão final da Tese de Doutorado defendida pela aluna Angela Nucci, orientada pelo Prof. Dr. Nelson Alfredo Aguilar e aprovada em 24/02/2015.

CAMPINAS ± SP 2015

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387

Nucci, Angela,

N883f NucForma e consciência : o desenvolvimento do pensamento artístico-filosófico na obra de Kazímir Maliévitch / Angela Nucci. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

NucOrientador: Nelson Alfredo Aguilar.

NucTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

Nuc1. Malevich, Kazimir Severinovich, 18781935. 2. Vanguarda (Estética) -Rússia . 3. Mística. 4. Filosofia russa. I. Aguilar, Nelson Alfredo,1945-. II.

Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Form and conscience : the development of the artistic-philosophical thought in Kazimir Malevich work

Palavras-chave em inglês: Avant-garde - Russia Mystic

Russian philosophy

Área de concentração: História da Arte Titulação: Doutora em História

Banca examinadora:

Nelson Alfredo Aguilar [Orientador] Elena Nikolaevna Vássina

Ricardo Nascimento Fabbrini Antonio Alcir Bernárdez Pécora Paulo Mugayar Kühl

Data de defesa: 24-02-2015

Programa de Pós-Graduação: História

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa da Tese de Doutorado em sessão pública realizada em 24 de fevereiro de 2015 considerou a candidata Angela Nucci aprovada.

Este exemplar corresponde à redação final da Tese defendida e aprovada pela Comissão Julgadora.

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. Nelson Alfredo Aguilar (orientador)

Profa. Dra. Elena Nikolaevna Vássina

Prof. Dr. Ricardo Nascimento Fabbrini

Prof. Dr. Antonio Alcir Bernárdez Pécora

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Resumo

A presente tese tem por objetivo discutir quais seriam as ligações entre o pensamento artístico-filosófico de Kazímir Sievierínovitch Maliévitch (1879-1935) ao longo dos anos de 1920 em relação aos debates da intelligentsia russa do início do século XX, especialmente aqueles ligados à tradição filosófico-mística.

A preocupação de estudar Maliévitch frente a alguns de seus FRQWHPSRUkQHRVRFRUUHSDUDHQWHQGHUR³VHQWLGRHRHVStULWR´GHXPGHWHUPLQDGR período histórico e, embora as escolhas bibliográficas revelem interesse pela Filosofia russa, não se trata de uma tese centrada no âmbito da Filosofia, mas sim da História da Arte e suas ligações com a História Intelectual e a História Cultural.

Ao longo de sua trajetória, Maliévitch fez uso de conceitos relacionados à tradição filosófica como intuição, mística, não-objetividade, infinito e transfiguração. Houve, portanto, a intenção de apresentar e discutir estes termos dentro de uma coerência interna que integrasse aspectos históricos e artísticos.

Desconfiando da razão iluminista e das abordagens cientificistas do conhecimento, muitos pensadores russos viam na intuição, na individualidade criativa e no espírito o caminho para um conhecimento transcendente; pensamento perseguido pelo regime soviético, que no início de 1920 determinou a prisão e a deportação para o Ocidente de uma série de intelectuais russos. Dentre este grupo é possível citar alguns dos mais destacados pensadores russos do início do século XX, como Nikolai A. Berdiáev, Nikolai O. Losski, Pável A. Floriênski e Sierguéi N. Bulgákov. Estes filósofos retomavam alguns dos debates eslavófilos do século XIX e buscavam gerar novas discussões no campo filosófico, social e cultural, frente aos contextos pré e pós-revolucionários.

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A partir desse panorama, buscou-se pensar em um quadro mais amplo sobre os significados de algumas das questões abordadas por Maliévitch em seus tratados e em suas obras. Em um primeiro momento, buscou-se refletir sobre a produção pictórica pós-suprematista de Maliévitch, tanto no que diz respeito a sua ligação com a tradição popular e religiosa, quanto aos problemas e significados no contexto ideológico e artístico do período soviético. Um segundo ponto discutido, refere-se aos desdobramentos dos debates místicos no projeto artístico de Maliévitch, especialmente no período em que o artista viveu na cidade de Vitebsk, a qual acolheu pela mesma época figuras da importância de Mikhail M. Bakhtin e Pável N. Miedvédiev; estudiosos que estavam ligados a discussões e associações religiosas. Em um terceiro nível, a redação concentra-se no problema da representação artística e da livre criação no quadro da reconstrução social e de XP ³QRYR KRPHP´ QR SHUtRGR HP TXH H[LVWLD XP forte enfrentamento ideológico entre as correntes produtivistas, GHIHQVRUDVGRGHVHQYROYLPHQWRGHXPD³FXOWXUD PDWHULDO´HDVFRUUHQWHVQmR-ILJXUDWLYDVQRPHDGDVFRPR³PtVWLFDV´RX³VXEMHWLYDV´ por defenderem valores espirituais. Por fim, buscou-se evidenciar como a questão da representação artística na obra de Maliévitch, ligada ao reconhecimento de uma verdade dissociada da concepção objetiva da realidade, estava inserida em um conjunto de ideias que ganhou proporção suficiente para se tornar uma ameaça e ser diretamente combatido pelo regime soviético.

Palavras-chave: Malevich, Kazimir Severinovich, 1879-1935. Vanguarda - Rússia. Mística. Filosofia russa.

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Abstract

The present thesis aims to discuss what would be the connections between the artistic and philosophical thought of Kazimir Severinovich Malevich (1879-1935) along the 1920s compared to the debates of the Russian intelligentsia of the early twentieth century, especially those related to philosophical and mystical tradition.

The concern of studying Malevich before some of his contemporaries is to understand the "meaning and the spirit" of a particular historical period, and although the bibliographic choices show interest in the Russian philosophy, it is not a thesis centered within the philosophy, but on Art History and its links to Intellectual History and Cultural History.

Throughout his career, Malevich made use of concepts related to the philosophical tradition, such as intuition, mysticism, non-objectivity, infinite and transfiguration. Therefore, the intention was to present and discuss these terms within an internal coherence that integrates historical and artistic aspects.

Distrusting enlightenment reason and scientistic approaches to knowledge, many Russian thinkers saw on intuition, creative individuality and spirit, the way to a transcendent knowledge; idea pursued by the Soviet regime, which in the early 1920s led to the arrest and deportation to the West of a number of Russian intellectuals. Among this group we can mention some of the most prominent Russian thinkers of the early twentieth century, as Nicolai A. Berdyaev, Nicolai O. Lossky, Pavel A. Florensky and Sergei N. Bulgakov. These philosophers retook some of the Slavophiles debates of the nineteenth century and sought to generate new discussions on philosophical, social and cultural fields, compared to pre and post-revolutionary contexts.

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From this background, we tried to think of a broader picture of the meanings of some of the issues addressed by Malevich in his treatises and in his works. At first, we tried to reflect on the pictorial production post-Suprematist of Malevich, both with regard to their connection with the popular and religious tradition, the problems and meanings in the ideological and artistic context of the Soviet period. A second point discussed refers to the unfolding of the mystics debates in the artistic design of Malevich, especially in the period in which the artist lived in the city of Vitebsk, which hosted the same time figures of the importance of Mikhail M. Bakhtin and Pavel N. Medvedev; scholars who were linked to discussions and religious associations. On a third level, the essay focuses on the problem of artistic representation and free creation in the context of social reconstruction and a "new man" in the period in which there was a strong ideological confrontation between the productivist currents, advocates the development of a "material culture" and the current non-figurative, named "mystical" or "subjective" for defending spiritual values. Finally, we sought to show how the issue of artistic representation in the work of Malevich, linked to the recognition of a dissociated truth of the objective conception of reality, was inserted into a set of ideas that gained sufficient proportion to become a threat and be directly fought by the Soviet regime.

Keywords: Malevich, Kazimir Severinovich, 1879-1935. Avant-garde - Russia. Mystic. Russian philosophy.

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Sumário

Introdução...01

Capítulo 1. Maliévitch místico?...21

1.1. Além do 0-1: Suprematismo e transfiguração...21

1.2. Mística: Éter ou objeto de estudo?...38

1.3. Teologia Mística...49

0DOLpYLWFKH%DNKWLQ³$OpPGDUD]mR´HUHOLJLRVLGDGH...65

1.5. Além da figuração...79

Capítulo 2. Silhuetas do absoluto: Teologia negativa e Sem-objeto (Bezpredmietnost)...107

2.1. Equação do impossível: Maliévitch, misticismo e União Soviética...109

2.2. Poética do irrepresentável: O Nada como via do conhecimento...117

2.3. A cultura popular na obra de K. Maliévitch...125

2.4. A imagem limite: Pintura de ícone e a obra de K. Maliévitch...140

Capítulo 3. Notas de verão sobre impressões de inverno: Olhares sobre a cultura russa...151

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3.1. Notas sobre as notas...151

3.2. Notas sobre a literatura russa...153

3.3. Notas sobre a filosofia russa...191

3.4. Notas sobre o colecionismo e os museus de arte na Rússia...203

Capítulo 4. Cultura e civilização: A disputa entre a consciência russa e a ideologia soviética...215

4.1. A intelligentsia russa do século XIX...215

4.2. A instauração de uma controvérsia: Vekhi (1909)...222

4.3. Cultura em disputa...238

Capítulo 5. Maliévitch em Vitebsk...247

5.1. Unovis e o voo de Dédalo...247

5.2. Dualismo e conciliação entre matéria e espírito na cultura artística e filosófica russa...284

Capítulo 6: A cosmogonia suprematista...315

6.1. Apresentação das traduções...315

6.2. Traduções do russo para o português dos escritos de Kazímir Maliévitch...320

6.2.1. Correspondência Maliévitch ± Ettinger (Vitebsk - Moscou, 03 de abril de 1920)...320

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6.2.2. Correspondência Maliévitch ± Guerchenzon (Vitebsk- Moscou, 11 de

abril de 1920)...323

6.2.3. Correspondência Maliévitch ± Guerchenzon (Vitebsk-Moscou, 15 de outubro de 1921)...328

6.2.4. Correspondência Maliévitch ± Guerchenzon (Vitebsk-Moscou, 11 de fevereiro de 1922)...330

6.2.5. Tratado: O espelho suprematista (1923)...333

6.3. A utopia do sem-objeto...334

Conclusão...347

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Agradecimentos

Certa vez, em um livro célebre que não carece de citações, Giacometti GLVVHTXH³pH[FHOHQWHWUDEDOKDUFRPRV~OWLPRVFODU}HVGRGLDSRUTXHVHYrHQWmR nitidamente as coisas que pegam mDLV OX]´ (OH IDODYD GH SLQWXUD mas como grande artista falava sempre daquilo que antecede a ação.

Estou aqui, então, para falar de dentro da penumbra, que é de onde se tem mais consciência e amor pela luz. E esta luz ainda recobre meus pais, Luis e Eliane, a matéria e o amor de que sou feita. Irmãos Karamázov, você já leu? Leia - era a pergunta do pai à filha criança - e a mãe fechava a cara, achando inadequado à idade da menina. E eu folheava as ilustrações dos tomos, lia as frases soltas, como que para agradar aos dois, sem fugir do conselho de nenhum. E os dedos folhearam cada vez mais atentos ao longo dos anos também por eles.

Priscila, a irmã historiadora lia obstinada na cama ao lado, todos os livros, todos os dias e ajudava a engordar as estantes e meu interesse pelo mundo. Rafael, o irmão também mais velho, que já nasceu engenheiro e pedia de presente motores para desmontar, ensinava as coisas que eu não poderia aprender, só admirar na figura dele. E ainda hoje é assim.

E a luz recobriu os amigos, doces e amorosos que, por generosidade do destino e deles mesmos, resistiram ao meu gênio e me ensinaram muito do que sei agora.

Meu orientador, Nelson Aguilar, um homem verdadeiramente brilhante, os dedos que passavam pensativos pelo cabelo prateado e as falanges de estudioso que me ensinaram tanto sobre a Arte ao longo dos anos.

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Ao sempre gentil, professor e tradutor, Nivaldo dos Santos, por sua paciente ajuda com os termos e longas passagens intrincadas da escrita de Maliévitch.

Aos membros da banca de qualificação e defesa por todo o auxílio e a atenção que dedicaram à leitura do trabalho e, especialmente, à Elena Vássina, pela ajuda em toda a trajetória da pesquisa, desde o Mestrado.

Aos professores e funcionários do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e do Instituto de Artes da Unicamp pela participação em minha formação acadêmica.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento da pesquisa.

E, em especial, ao meu amor, Frederico. Obrigada.

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³DEHOH]DVDOYDUiRPXQGR´

O Idiota

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Tabela de transliteração russo-português

A transliteração do russo para o português foi realizada conforme mostra a tabela abaixo. Nos casos da transcrição de alguns nomes próprios, optou-se por manter a forma mais convencional adotada.

Alfabeto russo Transcrição para registro catalográfico ou linguístico Adaptação fonética Ⱥ Ȼ ȼ Ƚ Ⱦ ȿ Ȭ ɀ Ɂ ɂ Ƀ Ʉ Ʌ Ɇ ɇ Ɉ ɉ Ɋ ɋ Ɍ ɍ Ɏ ɏ ɐ ɑ ɒ ɓ ɔ ɕ ɖ ɗ ɘ ə A B V G D E Io J Z I I K L M N O P R S T U F Kh Ts Tch Ch Chtch ² Y ² È Iu Ia A B V G, Gu antes de e ou i D E, Ie Io J Z I I K L M N O P R S, SS (intervocálico) T U F Kh Ts Tch Ch Chtch ² Y ² È Iu Ia

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Lista de Imagens

Imagem 1: Última exposição futurista - 0.10, Petrogrado, 1915-16. Fotografia, p.

22.

Imagem 2: Andréi Rubliev. Transfiguração, c. 1405, Kremlin, Moscou, p. 25.

Imagem 3: Ícone da Transfiguração, atribuído a Theófanes, o Grego. Início do

século XV. Galeria Tretiakov, p. 25.

Imagem 4: Transfiguração, Escola de Novgorod, século XV ± início XVI, p. 26. Imagem 5: Transfiguração, c. 1516. Monastério de Iaroslav, p. 26.

Imagem 6: K. Maliévitch. Cabeça de camponês, 1928-1932. Ost. 55 x 44.5 cm.

Museu Russo, p. 82.

Imagem 7: K. Maliévitch. Duas figuras em transformação suprematista. Ost, 60.5 x

72 cm. c. 1928-32. Museu Russo, p. 82.

Imagem 8: Velório de K. Maliévitch, Leningrado, 1935. Fotografia, p. 95.

Imagem 9: Chegada do cortejo fúnebre na Estação, Leningrado, 1935. Fotografia,

p. 95.

Imagem 10: Una e Natalia Andreievna no local onde as cinzas de Maliévitch foram

dispersas, Nemchinovka, 1935. Fotografia, p. 95.

Imagem 11: K. Maliévitch. Esportistas, 1930-31. Ost, 142 x 164 cm. Museu Russo,

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xxii

Imagem 12: K. Maliévitch. O Homem forte, 1913. Aquarela e grafite sobre papel,

53,3 x 36.1 cm. Figurino da ópera futurista Vitória sobre o Sol. Museu Russo, p. 102.

Imagem 13: Exposição Arte na época do Imperialismo, Museu Russo, 1932.

Fotografia, p. 105.

Imagem 14: Exibição de Arte Burguesa, Galeria Tretiakov, Moscou, 1931.

Fotografia, p. 105.

Imagem 15: K. Maliévitch. Torso feminino. Óleo sobre madeira. 58 x 48 cm.

Museu Russo, p. 107.

Imagem 16: Prédio das Casernas Brancas onde estavam alojadas as oficinas do

Comitê de Vitebsk de Luta contra o Desemprego. Dezembro de 1919. Fotografia, Vitebsk, 1920, p. 115.

Imagem 17: K. Maliévitch. Camponesa com baldes e criança, 1912. Ost, 73 x 73

cm. Stedelijk Museum. Amsterdã, p. 127.

Imagem 18: K. Maliévitch. Camponesa com baldes, 1912. Ost, 80,3 x 80,3 cm.

MoMA. Nova Iorque, p. 127.

Imagem 19: Tipos da Pequena Rússia. No. 3. Mulher com trajes ucranianos.

Fotografia. Séc. XIX, p. 127.

Imagem 20: Camponesa ucraniana carregando baldes. Fotografia. Séc. XIX, p.

127.

Imagem 21: K. Maliévitch em Kursk, cerca de 1900. Fotografia, p. 128.

Imagem 22: K. Maliévitch. Duas figuras masculinas. Início dos anos 1930. Ost, 99

x 79,5 cm. Museu Russo, p. 128.

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Imagem 24: Vestido tradicional de noiva do leste da Ucrânia, início do século XX,

p. 131.

Imagem 25: K. Maliévitch. Coveiro - Figurino da ópera Vitória Sobre o Sol, 1913.

Museu do Teatro. São Petersburgo, p. 131.

Imagem 26: Traje feminino do leste da Ucrânia, início do século XX, p. 131.

Imagem 27: K. Maliévitch. Realismo pictórico de um moço com um saco nas

costas, 1915. Ost, 71,1 x 44,4 cm. MoMA, Nova Iorque, p. 132.

Imagem 28: K. Maliévitch, Realismo Pictórico de uma Camponesa em Duas

Dimensões (Quadrado Vermelho), 1915. Ost, 53x53cm. Museu Russo, p. 132.

Imagem 29: K. Maliévitch. Suprematismo, 1915. Ost, 57.5 x 48.5 cm.

Stedelijk Museum, Amsterdã, p. 132.

Imagem 30: Pissanki (ovos de páscoa ucranianos) com motivos do sol, p. 132. Imagem 31: Ruchniki (vestimenta cerimonial ucraniana tecida), nordeste

ucraniano, anos 1930. 261,6 x 38 cm (esquerda), 238,7 x 33 cm (direita), p. 132.

Imagem 32: Foto: Motanka e senhora ucraniana, séc. XX. Fotografia, p. 136. Imagem 33: Boneca motanka contemporânea. Fotografia, p. 136.

Imagem 34: K. Maliévitch. Mulher com braços abertos, c. 1930, grafite sobre

papel, 22,5 x 15,7 cm, p. 136.

Imagem 35: K. Maliévitch. Místico, c. 1930, grafite sobre papel, 22,5 x 17,3 cm, p.

136.

Imagem 36: K. Maliévitch. Quadrado preto, c. 1923. Ost, 106 x 106 cm. Museu

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xxiv

Imagem 37: K. Maliévitch. Cruz preta, c. 1923. Ost, 106 x 106,5 cm. Museu

Russo, p.136.

Imagem 38: K. Maliévitch. Círculo preto, c. 1923. Ost, 105,5 x 106 cm. Museu

Russo, p.136.

Imagem 39: Figuras femininas. Cultura Tripiliana. Coleção de Aleksandr

Polichtchuk, Kiev, p. 139.

Imagem 40: Ícone de Cristo em Majestade. Catedral da Transfiguração de Cristo.

Monastério de Iaroslav. Primeira metade do século XVI. Museu de História e Arquitetura, p. 142.

Imagem 41: K. Maliévitch. Suprematismo Místico, 1920-1922. Ost. 100,5 x 60

cm. Coleção particular dos herdeiros do artista, p. 142.

Imagem 42: Ícone de São Nicolau. Séc. XVI. Têmpera sobre madeira, 96 x 74 x

2,5 cm, p. 142.

Imagem 43: Lissitzki e Maliévitch, 1920. Fotografia. Centro Cultural Fundação

Khardjiev-Chaga, Museu Stedelijk, Amsterdã, p. 264.

Imagem 44: Grupo Unovis, Vitebsk, 1921. Fotografia. Coleção Particular, p. 264. Imagem 45: Lissitzki em seu ateliê, Vitebsk, 1919. Fotografia, p. 265.

Imagem 46: El Lissitzki. Autorretrato, 1924. Fotografia, p. 265.

,PDJHP  OOLD 7FKDFKQLN 'RLV SUDWRV FRP PRWLYRV VXSUHPDWLVWDV GpFDGD GH

 0XVHX/RPRQRVVRY6mR3HWHUVEXUJRS

Imagem 48: Nikolai Suétin. Design para padrão têxtil, década de 20. Guache e

nanquim sobre papel, 15.3x27 cm. Museu Russo, p. 284.

,PDJHP  8QRYLV 3URMHWR SDUD WULEXQD 9LWHEVN  *XDFKH VREUH SDSHO

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1

Introdução

Contemplação. Revelação. Transfiguração.

Quais seriam as interpretações de uma obra vista ao longo de décadas como incompreensível? O Quadrado negro ³LQFRPSUHHQVtYHO´ j FUtWLFD - já diria ironicamente Maliévitch; o Quadrado ³LQFRPSUHHQVtYHOjVPDVVDV´, ³formalista´ e ³EXUJXrV´GLULDRpoder soviético; o Quadrado negro do qual tomei conhecimento ainda nova, sem graduação no bolso e no Lattes; e há também o quadrado que todos viram na televisão, sendo ridicularizado na propaganda da Coca-Cola, virando Pop Art e fetiche.

Mas aqui no Brasil tivemos a chance de ver os originais suprematistas. Eles vieram pegar o calor dos trópicos na Vigésima Segunda Bienal Internacional, de São Paulo. E lá dentro rodavam mundos, satélites, cada um em sua própria rotação. Fui até lá por eles e não sabia ainda o que eram, mas as reportagens da época diziam que não se poderia perder aquilo.

Outros satélites suprematistas vieram tempos depois, junto aos ícones, lado a lado de seus pares - e também dos ímpares: de cartazes soviéticos à arte dos Ambulantes. E a sinfonia ressou mais forte, criando uma força centrípeta pelas paredes da oca brasileira.

Seria bom viver uma residência artística literal: dormir e acordar dentro do museu. Tive que transformar a idéia em uma iniciação científica, depois em mestrado e doutorado.

Dos quadrângulos - ³URVWRV´ desse ³novo tempo´ - e dos etéreos e infinitos brancos sobre branco saltaram por todo esse tempo questões: Quem é

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2

HVVH³QRYRKRPHP´"4XDLVVmR DVYLV}HVP~OWLSODVGHVVD³QRYDVRFLHGDGH´"4XDO o papel do artista (o que lhe é dado, o que lhe é emprestado, o que lhe é usurpado) nesse cosmo, nesse caos russo e soviético do início do século XX? E a arte, para quê e para quem serve, quem lhe serve, qual seu sentido ontológico, humano, espiritual?

Maliévitch tem uma gravidade própria em torno de seu eixo de ação. Satélites e planetas giram conjuntamente a ele: Tatlin, Lissitzki, Krutchônikh, Khlébnikov, Maiakóvski, Rodtchenko, Rozanova, Iudin, Suétin, Kogan... Outras constelações também interagem com sua órbita: Guerchenzon, Bakhtin, Floriênski, Losski, Berdiáev e muitos outros. Ele orbita entre regiões polarizadas: Kiev, Moscou, Vitebsk, Petrogrado, ou ainda, Svomas, Unovis, Ginkhuk, Museu Russo. É a esta complexa astronomia artística e cultural que se dedica este trabalho.

Para tanto, buscou-se considerar a produção de Maliévitch em uma dimensão histórica, tentando definir a coerência do que chamarei de ³FRVPRJRQLD suprematista´ e de suas contribuições, não apenas no cenário artístico.

Serão apresentados ao longo da redação os possíveis pontos comuns, de origem e convergência entre o pensamento artístico-filosófico do artista, filósofo e pedagogo Kazímir Sievierínovitch Maliévitch1 (Kiev, Ucrânia ± então parte do Império Russo) ao longo dos anos de 1920, em relação aos debates filosóficos ocorridos em meio ao grupo que se constituiu como a intelligentsia russa do final do século XX2.

1 A pronúncia russa do nome do artista é a mais empregada pela historiografia, embora a

transliteração polonesa Kazimierz Malewicz seja adotada por alguns autores, como A. Nakov, em consideração à própria escolha do artista que assinou parte de suas obras fazendo uso da grafia polonesa.

2 &RQIRUPH %UXQR *RPLGH ³D intelligentsia pode ser entendida como certa categoria de

pensadores e letrados que se autoatribuiu a missão de defender os valores culturais, e que se ORFDOL]DGLVWDQWHWDQWRGR³(VWDGR´TXDQWRGR³SRYR´$GLVWkQFLDJHUDDVHQVDomRGHSHUWHQFLPHQWR a uma comunidade, unida pela vocação de martírio, ao mesmo tempo em que produz uma

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3

Esse grupo de filósofos, dentre os quais é possível citar alguns dos mais destacados pensadores russos do início do século XX, como Nikolai O. Losski (1870±1965), Sierguéi N. Bulgákov (1871±1944), Nikolai A. Berdiáev (1874-1948), Semion L. Frank (1877-1950) e Pável A. Florênski (1882-1937) era defensor da tradição espiritualista russa e retomava alguns dos debates eslavófilos do século XIX3, mas buscava ao mesmo tempo gerar novas discussões nos campos filosófico, social e cultural, frente aos contextos pré e pós-revolucionários.

Ao longo do texto serão apresentados alguns aspectos da produção pictórica pós-suprematista de Maliévitch, tanto no que diz respeito a sua ligação com a tradição popular e religiosa quanto aos problemas e significados de sua inserção no contexto ideológico e artístico no período soviético.

Um segundo ponto discutido, refere-se aos desdobramentos dos debates místicos no projeto artístico e teórico de Kazímir Maliévitch durante os anos vinte, especialmente pelo período em que o artista viveu em Vitebsk, cidade que acolheu pela mesma época figuras da importância de Mikhail M. Bakhtin (1895-1975) e Pável N. Miedvédiev (1891-1938), estudiosos que estavam ligados a discussões e associações religiosas.

Em um terceiro nível, a redação concentra-se no problema da representação artística e da livre-criação no quadro da reconstrução social e de sensação de isolamento psicologicamente dolorosa. Sua origem pode ser datada, mais remotamente, nas reformas petrinas de começos do século XVIII, ou, de modo mais preciso, a partir de certas reformas administrativas de Catarina II, quando se suspende o serviço compulsório da nobreza ao Estado, vigente desde a época de Pedro, o Grande, e cria-se uma camada GHVYLQFXODGDGDDWXDomRGLUHWDQDVLQVWLWXLo}HVGDDXWRFUDFLD´,Q*20,'(%UXQR%DUUHWR (org.), Antologia do Pensamento Crítico Russo (1802-1901)/organização, apresentação e notas de Bruno Barreto Gomide; tradução de Cecília Rosas e outros, São Paulo: Editora 34, 2013, pp. 10,11.

3 Embora seja errôneo considerar o eslavofilismo como uma corrente homogênea, tendência

LQWLWXODGD SRU .LULrLHYVNL FRPR ³RUWRGoxa-HVODYD´ RX ³HVODYR-FULVWm´ tinha entre seus principais representantes A. Khomiakov (1804-1860), I. Kiriêievski (1806-1856), Samarin (1819-1876) e A. Aksákov (1817±1860). Em linhas gerais, o eslavofilismo reafirmava a atitude eclesiástica, defendendo um retorno à essência utópica do Cristianismo.

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XP ³QRYR KRPHP´ QR SHUtRGR HP TXH existia um forte enfrentamento ideológico entre as correntes produtivistas, defenVRUDVGRGHVHQYROYLPHQWRGHXPD³FXOWXUD PDWHULDO´HDVFRUUHQWHVQmR-figurativas, QRPHDGDVFRPR³PtVWLFDV´RX³VXEMHWLYDV´ por defender valores não-objetivos e espirituais.

Dentre as fontes primárias, foram selecionados dois textos autobiográficos de Maliévitch (1923 e 1933) que, embora não possam ser considerados como documentos irrefutáveis à construção de sua trajetória ou origem, estabelecem parâmetros valiosos para compreender a construção simbólica que faz de sua figura enquanto artista.

Segundo Andréi Nakov, um dos mais destacados pesquisadores da obra de Maliévitch, a redação da autobiografia escrita na década de 1930 teria sido arquitetada como forma de encobrir a origem nobre polonesa do artista, FRQVWLWXLQGR XPD HVSpFLH GH ³YHUVmR LGHRORJLFDPHQWH FRUUHWD´ DRV ROKRV GR regime bolchevique, que naquele momento já fazia repressão aos artistas.

Como se confirmou em 2002, Maliévitch nasceu em Kiev, em 24 de fevereiro de 1879. A correção da data de nascimento (antes considerada 1878 pelos historiadores) foi atestada pela descoberta da certidão de batismo do artista na Igreja Católia Romana de São Alexandre. Conforme consta na documentação, sua família era de origem polonesa e Maliévitch era ³QREUHKHUHGLWiULR´SRUSDUWH da família de seu pai.

O artista cresceu em uma colônia polonesa implantada na Volínia, na região oeste da Ucrânia, embora tenha vivido os primeiros anos de sua juventude em Kursk, entre 1890 e 1905, e partido para Moscou, por volta dos anos de 1906-1907.

O ano da redação de seu maior texto autobiográfico (1933) foi crítico na trajetória de Maliévitch, coincidindo com a descoberta de um câncer que o levaria à morte em maio de 1935, além de ter sido escrito meses após o decreto que

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liquidou as associações artísticas e mais adiante estabeleceu o dogma do Realismo Socialista, na URSS. Contudo, os dois textos autobiográficos são documentos importantes para uma obordagem da temática camponesa, tema que esteve presente ao longo de toda a produção de Maliévitch.

O texto de 1933 é também um dos raros escritos do período, estabelecendo um ponto de contato com a obra pictórica pós-suprematista, diferentemente, por exemplo, da produção suprematista que foi acompanhada em paralelo ou imediatamente seguida por grandes safras de produção teórica.

Tais escritos autobiográficos podem ser pensados como modelos da construção simbólica da figura do artista e nos quais, opondo-se à cultura soviética, Maliévitch resgata valores provenientes da tradição russa, seja esta da cultura popular ou religiosa.

A partir desse enfrentamento entre as noções de cultura soviética e russa também é possível perceber a inserção de Maliévitch nos debates envolvendo o problema da cultura material e de valores espirituais, ou mesmo a crítica que faz em relação aos modelos europeus de erudição e progresso existentes na Rússia desde a época de Pedro, e que tomaram novas dimensões durante o regime bolchevique.

Outra fonte primária abordada na pesquisa, ainda hoje praticamente inexplorada e que recebe aqui a primeira tradução, não apenas para o português, mas em língua ocidental, é parte da correspondência trocada durante os anos vinte entre Maliévitch e o filósofo Mikhail Ossipóvitch Guerchenzon (1869-1925) e também, o colecionador e crítico de arte Pável Davidovitch Ettinger (1866-1948). Esta seleção de cartas foi escolhida, pois sua redação é paralela à concepção dos tratados filosóficos de Maliévitch e, enquanto textos privados podem fornecer uma dimensão mais indicial do pensamento do artista. Um dos tratados filosóficos de Maliévitch; Suprematitcheskoe zerkalo (O Espelho Suprematista), de 1923, e um poema do artista recebem também a primeira tradução para o português.

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Como a redação dessas cartas ocorreu em um momento privilegiado, de relativa liberdade e consolidação dos projetos suprematistas em Vitebsk, é possível perceber que Maliévitch aborda de maneira mais direta temas como Deus, a religião e D YLVmR GD ³QRYD DUWH´ HP UHODomR DRV YDORUHV HVSLULWXDLs e existenciais e enquanto sistema de pensamento. Além disto, Maliévitch cita e problematiza alguns debates que teve com membros do círculo de Bakhtin, assim como a respeito de textos de filósofos contemporâneos como N. Berdiáev e S. Bulgákov.

Embora todo trabalho de tradução seja por essência complexo, a tradução de escritos de Maliévitch sempre foi reconhecida como uma tarefa árdua. Os trechos a seguir dão um exemplo das dificuldades em se lidar com a escrita do artista:

A maneira de escrever de Maliévitch é tal que exige a todo o momento o recurso da exegese, e a exegese pode ser feita somente a partir da própria língua, ou seja, do russo e não de uma tradução [...], pois o texto traduzido sofreu forçosamente um desvio. 4

Seus numerosos escritos, que têm um tom quase patriarcal, testemunham, pela confusão do pensamento e a imperícia do estilo, sua educação desordenada. Suas origens simples cavaram sem dúvida a vala que o separava de um Kandinski, o qual havia recebido uma educação cosmopolita e mais sofisticada. 5

A querela iniciada no tempo de Maliévitch continua. Há os ³FUHQWHV´ H RV ³DWHXV´ +i WDPEpP DTXLOR TXH R SUySULR DUWLVWD escreveu, mas é confuso, para não dizer muitas vezes obscuro. 6

4 VALLIER, D., Historiographie critique de Malévitch. In: MARCADÉ, Jean-Claude, Malevitch

1878-1978: actes du Colloque international tenu au Centre Pompidou 0XVpH 1DFLRQDO G¶$UW 0RGHUQH OHVHWPDL/DXVDQQH/¶ÆJHG¶+RPPHS

5 GRAY, Camilla, /¶$YDQW-JDUGHUXVVHGDQVO¶DUWPRGHUQH-1922/DXVDQQH/¶ÆJHG¶+RPPH

1986, p. 124.

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O historiador e colecionador Nikolai Ivanovitch Khardjiev (1903-1996), que havia tomado contato com Maliévitch por causa de suas pesquisas sobre o trabalho de Maiakóvski e dos futuristas russos chegou a apontar algumas imperfeições na autobiografia escrita em 1933 pelo artista; lacunas e trechos LQFRPSUHHQVtYHLVDRTXH0DOLpYLWFKWHULDUHVSRQGLGR³(XQmRJRVWRGHUHID]HURX repetir o que já escrevi [...]. É cansativo! Eu escrevo outra coisa. Mas eu escrevo PDO´7

Essa passagem não apenas reforça a imagem de um artista pouco preocupado com esquemas e com um rigor formal na construção de seu pensamento, como também deixa transparecer uma sensibilidade muito particular, presente em sua escrita ágil, mas mal interpretada pela crítica ao longo dos anos - uma ³FDSDFLGDGHVXUSUHHQGHnte de fixar o processo do pensaPHQWRDLQGDYLYR´ como afirmou certa vez Khardjiev.

Contudo, se mesmo um dos artistas mais próximos de Maliévitch, El Lissitski, chegou a dizer que seu amigo HVFUHYLD WH[WRV XWLOL]DQGR XPD ³VLQWD[H verdadeiramente em contraVVHQVR´seria necessário evitar o senso comum de ver em sua escrita uma simples falta de clareza ou polidez. Ao contrário, seria valioso interpretar tal característica como dado relevante ao estudo do pensamento de Maliévitch e deste, frente às pesquisas contemporâneas no campo da filosofia, literatura e linguística.

O conjunto de procedimentos linguísticos desenvolvidos pelos poetas do Futurismo russo durante as primeiras décadas do século XX, em especial por Vielimir Vladimirovitch Khlébnikov (1885-1922) e Aleksiéi Elisseievitch Krutchônikh

7 MALÉVITCH, K., Enfance et Adolescence ± Chapitres dH O¶$XWRELRJUDSKLH GH O¶DUWLVWH. In:

MARCADÉ, Jean-Claude, Malevitch 1878-1978, op.cit., p. 151. Khardjiev publicou a primeira parte da autobiografia de Maliévitch acompanhada de sua introdução em K istorii russkogo avanguarda (Sobre a história da vanguarda russa), Estocolmo: Almqvist & Wiksell, 1976, pp. 85-127. A segunda parte foi publicada pelo historiador em Russian Literature, Amsterdã, 1996, n. 39, pp. 303-327. A tradução para o inglês aparece em T. Andersen, Malevich. Essays on Art, Copenhagen: Borgen, 1968, vol. 2, pp. 147-155, seguida de outras publicações.

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(1886-1968), com os quais Maliévitch esteve familiarizado, mais que influentes nos desvios de seus textos estabelecem analogias com os princípios suprematistas, entre eles, a redução das formas em estruturas essenciais geométricas, a síntese SOiVWLFD D EXVFD GH XPD SLQWXUD ³FRPR WDO´ ³SXUD´ ³autônoma´ das leis da natureza ou de sistemas externos e a afirmação das formas, linhas e cores como entidades dinâmicas dentro do campo da criação artística.

Seria oportuno prevenir o leitor sobre a cautela no emprego de citações de trechos redigidos por Maliévitch ao longo da redação. Foi deliberadamente por prudência que se evitou utilizar frases isoladas de seu contexto original, porque é bastante próprio à escrita do artista que o significado de determinadas passagens seja elucidado apenas na leitura total do texto, ou ainda, com a leitura conjunta de vários tratados, algumas vezes, separados por anos em suas publicações. Há, portanto uma intertextualidade muito complexa, que abre espaço para que determinados apontamentos pareçam ambíguos ou mesmo contraditórios quando lidos isoladamente.

Também é provável que parte do estranhamento no uso de termos considerados tortuosos seja o reflexo de uma percepção ocidental a respeito de construções da língua russa ou, mais especificamente, do estilo futurista e alogista adotados por Maliévitch. Contudo, toda tradução será sempre um desvio, uma interpretação, e os textos de Maliévitch não fugirão deste problema.

Por fim, parece necessário reforçar que a produção teórica de Maliévitch se deu a partir de uma visão de mundo revelada pela pintura e não pela linguagem verbal, muito embora a escrita se constitua como outra forma de expressão desta visão.

Apesar de nas últimas duas décadas a obra de K. Maliévitch ter sido objeto de novos estudos especializados, a exemplo das pesquisas de Andréi Nakov publicadas em francês e inglês (Kazimir Malewicz: Le peintre absolut, Paris: Thalia, 2007; Malevich: painting the absolute, Farnham, U.K: Lund Humphries,

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2010) e dos trabalhos financiados pela Malevich Society, de Nova Iorque, sob a coordenação de Charlotte Douglas e Christina Lodder (Rethinking Malevich.

Proceedings of a Conference in Celebration of the 125th Anniversary of Kazimir MaleviFK¶V %LUWK, London: The Pindar Press, 2007) a compreensão do papel do

artista, não apenas como um dos grandes inovadores e teóricos da arte moderna, mas enquanto filósofo e pedagogo, ainda está por ser aprofundada. O Brasil, por sua vez, conta com um número bastante reduzido de pesquisas e especialistas no tema em relação ao cenário mundial.

Dentre esse conjunto de trabalhos é necessário citar a dissertação de mestrado defendida no ano de 2005 por Cristina Antonioevna Dunaeva, intitulada

De sistemas novos na arte de Kazímir Maliévitch: da história da arte à análise da linguagem artística, sob a orientação do Prof. Dr. Nelson Alfredo Aguilar

(Universidade Estadual de Campinas); a tese de doutorado defendida em 2005, por Verônica Antonine Stigger: Arte, mito e rito na modernidade: a dimensão

mítica em Piet Mondrian e Kasimir Malevitch, a dimensão ritual em Kurt Schwitters e Marcel Duchamp, sob a orientação da Profa. Dra. Lisbeth Rebollo Gonçalves

(Universidade de São Paulo); a dissertação de mestrado discutida em 2007, pela pesquisadora Patrícia D. Greco: Kazimir Malievitch: novos conceitos, outras

revoluções, sob a orientação da Profa. Dra. Adriana Facina Gurgel do Amaral

(Universidade Federal Fluminense); a publicação, em 2007, do tratado de Maliévitch: Dos novos sistemas na arte, com tradução para o português e prefácio por Cristina A. Dunaeva; e a dissertação de mestrado intitulada: O trabalho

pedagógico de Kazímir Maliévitch: uma abordagem a partir da Teoria do Elemento Adicional em Pintura, discutida por mim, em 2008, junto ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, sob a orientação do Prof. Dr. Nelson Aguilar.

É necessário ressaltar a dívida destas pesquisas que, muito provavelmente, seriam impensáveis não fosse o contato do público brasileiro com a significativa mostra de obras de Maliévitch em duas grandes exposições organizadas sob a curadoria geral de Nelson A. Aguilar: a XXII Bienal

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Internacional de São Paulo - Salas Especiais, realizada em 1994 e a exposição 500 Anos de Arte Russa - State Russian Museum, realizada em 2002, na OCA -

Ibirapuera. Entre abril e novembro de 2009, também foram apresentadas ao público brasileiro no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília, do Rio de Janeiro e de São Paulo, obras da vanguarda russa na exposição Virada russa ± A

vanguarda na coleção do Museu Estatal Russo de São Petersburgo, que contou

com uma sala especial dedicada a Maliévitch.

Também é fundamental ressaltar a importância das pesquisas no campo da literatura russa realizadas por Boris Schnaiderman (ao qual devemos, dentre tantas, traduções fundamentais de obras de Maiakóvski e Dostoiévski), e também ao trabalho de Augusto e Haroldo de Campos, que juntamente a B. Schnaiderman tornaram acessível, apenas para citar um exemplo, a inovadora obra poética de Vielimir Khlébnikov e Aleksiéi Krutchônikh na antologia Poesia

Russa Moderna, publicada originalmente em 1968, pela Editora Civilização

Brasileira.

Desde as primeiras citações, no Ocidente, em meados do século XX, como em Dictionnaire de la peinture abstraite (3DULV)+D]DQ 1957), de Michel Seuphor, Maliévitch se tornou um dos artistas mais estudados pelos críticos e historiadores da arte. A complexidade e pluralidade de sua atuação e pensamento, no entanto, fazem com que sua obra seja ainda hoje vista como uma das mais enigmáticas produções da arte de vanguarda.

Em linhas bastante gerais, alguns historiadores costumam dividir a produção teórica de Kazímir Maliévitch em três períodos. O período inicial corresponde à época da Última exposição futurista ± 0.10, o segundo, inicia-se por volta dos anos da Revolução de 1917, e o terceiro se refere aos textos publicados no final dos anos 1920 até meados da década de 1930. Publicados durante este último período estão os textos pedagógicos e Die Gegenstandslose Welt (O

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concebido e reformulado ao longo de toda a década de 1920, foi publicado pela Bauhaus apenas em 1927, por ocasião da mostra retrospectiva da obra de Maliévitch, que ocorreu primeiro em Varsóvia e depois em Berlim.

Conforme Troels Andersen (Malevich: Catalogue raisonné of the Berlin

exhibition 1927, 1970) e Donald Barthelme (Catálogo da Bienal Internacional de São Paulo, 1994) um manuscrito de trezentas páginas e cerca de trinta quadros,

desenhos e cadernos de notas foram deixados na Alemanha por Maliévitch quatro meses antes do encerramento de sua exposição, em Berlim, devido a uma convocação para regressar a Leningrado. Por esta razão, em 30 de maio o artista confiou uma série de manuscritos e cadernos de notas ao engenheiro Gustav von Riesen (estes escritos foram publicados no Ocidente em microficha no ano de 1980), ficando o arquiteto modernista Hugo Haring responsável pela guarda das obras presentes nas exposições, além dos vinte e dois gráficos explicativos de sua teoria e pelas pranchas sobre a teoria da cor desenvolvidas por Mikhail Vassiliévitch Matiuchin (1861-1934). Os dois receberam ainda instruções para que o material não fosse reenviado à Rússia.

Ao regressar de sua viagem, Maliévitch foi interrogado a respeito de seus contatos na Alemanha e permaneceu preso por alguns dias. Em 1930, o artista foi detido por mais de duas semanas, tendo de prestar novo depoimento sobre a viagem realizada três anos antes. Na época do ocorrido, Maliévitch, sob a suspeita de espionagem, teve seus bens confiscados e sua família com medo do que poderia acontecer ao artista destruiu parte de seus arquivos, incluindo algumas de suas telas.

Ainda que Maliévitch tenha sido alvo de perseguições ideológicas e enfrentado críticas ferrenhas ao longo da década de vinte, estas duas prisões são emblemáticas, pois abriram uma nova série de episódios, resultando em ações muito mais pontuais e violentas por parte do regime.

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Como aponta Dmitri Gorbatchev8, no início de 1930, uma exposição das obras de Maliévitch, na Galeria de Arte de Kiev, foi fechada por órgãos governamentais logo após sua abertura. Como resultado, o diretor da galeria, Fedor Kumpan, foi preso pelo crime de exibição de trabalhos de um ³DUWLVWD EXUJXrV´. Após este ocorrido, as obras de Maliévitch apareceram em apenas mais três exibições, entre os anos de 1933 e 1935 e ainda sim, acompanhadas de OHJHQGDV TXH DOHUWDYDP R HVSHFWDGRU VREUH R FDUiWHU ³EXUJXrV´ RX ³IRUPDOLVWD´ daquelas obras.

A partir de 1936, as obras de Maliévitch e da vanguarda foram confiscadas pelo governo e trancafiadas nos porões dos museus soviéticos onde permaneceram inacessíveis ao público e a qualquer pesquisador russo ou estrangeiro durante o período stalinista e mesmo depois deste. O nome de Maliévitch caiu forçosamente no esquecimento, tanto que pesquisadores e interessados eram desencorajados e não conseguiam obter praticamente nenhuma informação sobre o artista, tanto em livros de história da arte ou no interior dos museus russos.

Distante geograficamente, mas próxima à perseguição ideológica imposta pelo regime soviético, a significativa mostra de trabalhos deixados por Maliévitch na Alemanha foi corajosamente escondida do regime nazista, fato fundamental para a redescoberta de Maliévitch e da não-figuração no Ocidente, em 1957; período do qual datam os primeiros estudos sobre a vanguarda russa.

Na Rússia, as obras de Maliévitch seriam exibidas novamente no ano de 1962, embora a situação só tenha se alterado efetivamente com as políticas inauguradas por Mikhail Gorbachev entre meados dos anos de 1980 e em 1991,

8 GORBACHEV, Dmitri, We Reminisced About the Ukraine. We were Both Ukrainians. In

Ukrajinska Avanguarda: 1910-1930 (Zagreb: Muzej suvremen umjetnosti, 1990), pp. 196-199 apud DOUGLAS, Charlotte; LODDER Christina, Rethinking Malevich. Proceedings of a Conference in &HOHEUDWLRQRIWKHWK$QQLYHUVDU\RI.D]LPLU0DOHYLFK¶V%LUWKLondon: The Pindar Press, 2007, p. IX.

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com o final da União Soviética e consequente abertura dos arquivos e a liberação das publicações que eram controladas pelo governo.

Os estudos precursores, ainda que se possa apontar a imprecisão de alguns dados historiográficos, constituem parte fundamental da bibliografia sobre o tema até hoje. Dentre as primeiras publicações ocidentais detacam-se: The

Russian Experiment in Art (1863-1922), de Camilla Gray (New York: Abrams,

1962) e /¶DUWDEVWUDLW (Paris: Le livre de poche, 1967) escrito entre 1964 e 1966, por Dora Vallier. Já na década de 1970, entre a prolífera safra de estudos a respeito da vanguarda russa, pode-se apontar a publicação de Le Renouveau de

O¶DUWSLFWXUDOUXVVH-1914 /¶ÆJHG¶+RPPH de Valentine Marcadé, que

revela em detalhes a movimentação do cenário russo desde meados do século XIX, contexto cultural e artístico fundamentais à compreensão da formação da vanguarda russa.

Como aponta Dora Vallier no posfácio da edição de 1980 de /¶DUW

abstrait, o estudo da obra de Maliévitch teria se ampliado consideravelmente no

espaço de quinze anos, em especial à luz das publicações em inglês e francês de parte dos escritos do artista, já que até o início da década de 1960, praticamente o único texto conhecido de Maliévitch era O Mundo não-objetivo/sem-objeto.

A descontinuidade desse período inicial é rompida no final dos anos sessenta com os trabalhos de organização, tradução e pesquisa da produção de Maliévitch, que possibilitaram a compreensão do Suprematismo frente à diversidade cultural do período. No Ocidente, tais pesquisas foram realizadas por Troels Andersen (quatro volumes contendo tratados, poemas e cartas do artista que foram editados, primeiramente em dinamarquês, e em inglês, entre 1968 e 1978, além do Catalogue raisonné da exibição de 1927, em Berlim, publicado em 1970) e Valentine e Jean-Claude Marcadé (quatro volumes contendo manifestos, tratados e documentos traduzidos e publicados em francês, entre 1974 e 1994).

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Com a redescoberta da obra de Maliévitch nascem também as primeiras polêmicas entre pesquisadores ocidentais e russos:

Foram necessários quarenta anos para que o nome de Maliévitch reaparecesse oficialmente. Na 2ª edição da Grande Enciclopédia Soviética (1954) Maliévitch nem mesmo é cLWDGR $ µJUDQGH FRQIXVmR SXEOLFLWiULD¶ feita no Ocidente entorno de Maliévitch, se não é sempre genuína, nós admitimos facilmente, com C. Simonov, permitiu fazer sair da sombra em seu próprio país uma das personalidades mais fortes da arte de todos os tempos. A fim de que se escrevam menos absurdos sobre o Suprematismo, nós pedimos, como C. Simonov, que sejam publicados mais documentos possíveis. É necessário para isto não ter medo de encarar a verdade face a face...

É muito cômodo, como o faz M. Khardjiev em sua apresentação da ³$XWRELRJUDILD´ LQpGLWD GH 0DOLpYLWFK $FWD 6ODYLFD +\OHD 3ULQWV Stocolmo, 1976, p.84-98) rejeitar todas as possibilidades por erros dos pesquisadores ocidentais sem os quais Maliévitch estaria ainda no esquecimento. O que impediu M. Khardjiev e seus colegas soviéticos que tiveram acesso aos documentos de primeira mão de publicá-los? M. Khardjiev sabe, melhor que qualquer um, que é responsável por este estado das coisas. Por que, então, ele teve a necessidade de fazer promessas de lealdade aos organismos soviéticos que mantem até os dias de hoje Maliévitch sob o poder, gritando que o Ocidente é culpado de todos os males?9

Dentre uma série de autores que publicaram livros e artigos a partir da década de 1970, não é possível deixar de mencionar nomes como Emmanuel Martineau, Frédéric Valabrègue, Charlotte Douglas, John E. Bowlt, Evgeniia Petrova, Galina Demosfenova, Aleksandra Chatskikh, Larissa A. Zhadova e E. F. Kovtun, em especial, porque alguns destes pesquisadores transpuseram paradigmas de pesquisas ao estabelecer novos temas preferenciais, como por exemplo, ao estudar a produção filosófica e a atuação pedagógica de Maliévitch.

9 MARCADÉ, Valentine e J-C., nota 178 gerada a partir do texto de Constantin Simonov, ³Em razão

dos méritos diante daV DUWHV SOiVWLFDV VRYLpWLFDV´. In: Nauka e Jhizn (Ciência e Vida), Moscou, 1975, n. 12, pp. 126-127. In: MALÉVITCH, K., Le Miroir Suprematiste, /DXVDQQH/¶ÆJHG¶+RPPH 1977, p. 203. Na nota, os tradutores afirmam ainda que M. .KDUGMLHYFRPHWH³JURVVHULDV´HLJQRUD a literatura não russa que havia sido empreendida naqueles últimos vinte anos a respeito de Maliévitch.  

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Há também estudos ímpares, apenas para citar um deles, como os de Andrzej Turowski, que se dedicou a investigar as origens e influências polonesas e ucranianas do artista, elucidando antigas dúvidas sobre a biografia e a genealogia familiar de Maliévitch.

Apesar dos avanços dessas pesquisas, foram necessários mais de cinquenta anos após a morte de Maliévitch para que a Rússia acolhesse novamente uma grande exibição individual das obras do artista (Kazimir Malevich.

1878-1935). A exposição foi inaugurada no Museu Russo, em Leningrado (10 de

novembro - 18 de dezembro, de 1988), seguindo para a Galeria Tretiakov, em Moscou (29 de dezembro de 1988 - 10 de fevereiro de 1989) e, por fim, para o Museu Stedelijk, em Amsterdã (05 de março ± 29 de maio de 1989). Essa exposição foi seguida por importantes exibições durante a década de 1990, nos Estados Unidos (1990-1991), Espanha (1993), Itália (1993-1994) e na Alemanha (1995).

Essa nova série de exposições e pesquisas sobre Maliévitch foi alimentada pela polêmica revelação de uma coleção de manuscritos, desenhos e pinturas, que estava em poder de Nikolai Khardjiev. O historiador manteve diversos documentos em segredo até o final de sua vida e somente com sua morte e após escândalos e acordos que envolveram governo russo e holandês, essa grande coleção passou a pertencer à Fundação Khardzhiev-Chaga, no Museu Stedelijk, em Amsterdã.

No ano de 1993, Nikolai Khardjiev e sua esposa Lidia Vassilievna Chaga (1912-1995) emigraram de Moscou para Amsterdã, tentando levar o conjunto de documentos que estava em poder deles. Contudo, a coleção acabou sendo despedaçada por uma série de acontecimentos tanto oficiais, quanto extraoficiais. Segundo os órgãos russos, Khardjiev estava violando as leis de proteção do patrimônio artístico e cultural do país. Na alfândega, parte do arquivo foi levada para Amsterdã, parte foi extraviada e uma terceira parcela do arquivo foi

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confiscada pelo governo russo e enviada para o RGALI (Arquivo Estatal Russo de Literatura e Arte). Após acordos internacionais os documentos foram oficialmente integrados ao Centro cultural da Fundação de Arte Khardjiev-Chaga, sob a tutela do Museu Stedelijk. Os documentos roubados não foram restituídos até hoje e a parcela do arquivo que foi encaminhada ao RGALI permanece fechada aos pesquisadores desde 1994, com a promessa de abertura somente no ano de 2019.

Segundo A. Chatskikh (2012), o poeta e filólogo Sergei Sigei, alguém que gozou da consideração de Khardjiev por algum tempo e estava bastante a par do desdém que o colecionador nutria pelos pesquisadores (sobretudo, ocidentais) GD YDQJXDUGD UXVVD GH VXD pSRFD FRQVLGHUDGRV SRU HOH FRPR ³XP HQ[DPH GH EDUDWDV´TXHWHULDVXUJLGRDSDUWLUGDPerestroika, afirmou de maneira controversa que:

O desgosto de Khardjiev para com eles está ligado também ao fato de que não sabiam sobre os materiais em seu arquivo e coleção. Ele deliberadamente limitou o acesso aos seus tesouros acreditando que não havia muitos estudiosos.10

Ainda segundo Chatskikh, a profunda desconfiança de Kardjiev em relação aos estudiosos ocidentais deve-se, em parte, a um controverso evento no qual esteve envolvido o eslavista suíço e ex-pupilo de Roman Jakobson, Bengt Jangfeldt (1948), o qual teria traído a confiança do historiador e se apropriado indevidamente de documentos e materiais.

Atualmente, grande parte dos documentos que estavam em poder de Khardjiev foi publicada em russo entre os anos de 1996 e 2004 e uma importante edição em inglês (A Legacy Regained: Nikolai Khardzhiev and the Russian

10 KHARDZHIEV, N., Pisma v Sigeisk, ed. Sergei Sigei, Amsterdã: Uitgeverij Pegasus, 2006, p.287

apud SHATSKIKH, Aleksandra, Black Square: Malevich and the Origin of Suprematism, New Haven and London: Yale University Press, 2012, p. 188.

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Garde, Palace Editions, 2002) possibilitaram uma transformação da visão sobre a

obra de Kazímir Maliévitch.

Nos últimos anos, algumas das pesquisas sobre Maliévitch, assim como sobre outros artistas da vanguarda russa, têm considerado essa produção em sua dimensão histórica, tentando definir a coerência de sua obra não apenas no cenário artístico, mas também político e ideológico da época.

Em paralelo a essas fontes primárias também é preciso levar em conta trabalhos fundamentais à compreensão mais ampla dos ideais e projetos artísticos russos no início do século XX. Uma das pesquisas mais relevantes sobre este panorama cultural é a obra de Anatole Kopp: Changer la vie, changer la ville 8QLRQ*pQpUDOHG¶eGLWLRQV 

Conforme expõe o autor, nos anos subsequentes à Revolução tomou forma na Rússia um ambicioso projeto que visava à reformulação das concepções e modos de vida. A criação desta sociedade implicava em um complexo processo de transformação do homem e na criação de um novo sistema de relações políticas, econômicas, sociais e culturais.

Segundo Kopp, durante os anos vinte, a questão da reconstrução do ³modo de vida´ RX byt (termo russo que não possui em língua portuguesa uma tradução precisa, mas costuma ser traduzido pela maior parte dos estudiosos FRPR ³H[LVWrQFLD FRWLGLDQD´ UHIHULQGR-se a tudo o que concerne às regras e condutas coletivas e individuais) foi ponto central de debates em diversas áreas.

Acreditando que as antigas formas e concepções sociais poderiam ameaçar as conquistas da revolução, muitos intelectuais defendiam que a partir de novas relações de trabalho e da cultura, seria possível criar mecanismos de transformação social.

Com isso, configurou-se na União Soviética um projeto oficial que deveria abarcar todos os domínios da atividade e da conduta humana, um projeto

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que defendia a um só tempo a mudança do homem, das estruturas sociais e do ambiente físico e que deveria fomentar a passagem de uma vida baseada em interesses individuais, para modos de vida coletivos.

Como é possível imaginar, tal projeto defrontava-se com impasses práticos e conceituais: uma realidade social totalmente nova só poderia ser construída por um novo homem, mas este novo homem só poderia ser fruto de uma realidade que até aquele momento existia somente em um plano teórico.

Esse projeto utópico que inspirou grande parcela dos intelectuais russos foi no campo das artes visuais associado à constituição de novas formas e concepções artísticas. Neste contexto, o ideal de renovação artística que já ganhava força no início do século XX - a exemplo das pesquisas abstratas de Vassíli Vassiliévitch Kandinski (1866±1944), o Raionismo de Mikhail Fiódorovitch Larionov (1881-1964) e Natalia Siergueievna Gontcharova (1881-1962), a produção dos futuristas russos e o Suprematismo de K. Maliévitch - encontrou legitimação e inserção política.

Por volta de 1915, dentre tantos projetos, nasce R³]HUR´GDVIRUPDVde Maliévitch, que não visava à cópia mimética da realidade, mas uma existência autônoma e propunha uma nova e ampliada consciência, que concebia como um o que o homem ocidental, marcado até hoje pelo pensamento iluminista, cinde em hemisférios antagônicos: razão e intuição. Isto porque, para o artista, o projeto de transformação total do homem implicava em uma compreensão de mundo no qual a razão era somente um dos aspectos do conhecimento.

Assim, mais do que uma reação futurista DR³YHOKR´o sentido atribuído por Maliévitch às novas formas da arte pode ser compreendido como o reflexo de um processo perene de transformação do homem e da cultura.

Contrário às abordagens contemporâneas desenvolvidas por construtivistas e produtivistas, influenciadas em sua maioria pelas teorias

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marxistas, Maliévitch nunca restringiu suas análises a uma visão objetiva ou tecnicista da arte. Além disto, mais que uma abordagem restrita ao campo estético, a concepção revolucionária de Maliévitch é aquela que vê na arte a possibilidade de aproximação e compreensão da realidade, na medida em que as transformações estéticas dos novos sistemas da arte refletiam também novas concepções de mundo: pensamento que torna plausível no interior de seus tratados não só as discussões filosóficas acerca da representação objetiva e não-objetiva, como também a crítica ao sistema político e ideológico da época e o papel imposto ou desempenhado pelo sujeito neste cenário.

Dentro do mesmo raciocínio, muitos de seus tratados dedicam-se a uma profunda reflexão sobre a nova representação artística, não apenas do ponto de vista plástico, mas em relação aos elementos externos (Estado, Igreja, Trabalho) que dão forma à consciência humana.

Tanto para Maliévitch, como para toda uma geração de filósofos russos, dentre os quais: N. Fiódorov, V. Soloviov, N. Berdiáev e P. Floriênski, o conceito de verdade aparece dissociado da objetividade, da realidade visível, material ou da construção de uma estética utilitária ou homogênea da consciência das massas, como idealizada pelos produtivistas ou pelo regime soviético.

Em um nível mais profundo de compreensão, o conceito de não-objetividade desenvolvido por Maliévitch dentro do Suprematismo não se resume à simples ideia da rejeição da representação do ³DPRQWRDGRGHFRLVDV´TXHFHUFD o homem. Para os pensadores russos do início do século XX, as discussões sobre o binômio objetividade/não-objetividade estavam ligadas à defesa da individualidade, sem a qual não seria possível alcançar a ³via criativa´ ³WUDQVFHQGHQWH´H³OLEHUWDGRUD´.

Dentro desse raciocínio e desconfiando da razão e das abordagens estritamente cientificistas do conhecimento, essa nova intelligentsia russa do início

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do século XX via na intuição e na individualidade criativa o caminho para um conhecimento transcendente e universal.

Embora o problema da transcendência pelas vias da arte não seja privilégio nem invenção do pensamento artístico modernista, seria oportuno retomar algumas das questões colocadas pela arte moderna como ponto de partida. Pode a forma trazer em si mesma seu conteúdo? Em quais sentidos a arte moderna desencadeou a crise (ou uma libertação do artista) da representação, da imagem? Se a arte é por excelência o campo da criação e a criação é fruto da mente e do espírito, poderia o artista pela via artística realizar a transcendência espiritual proposta em essência pela religião?

Essas são algumas das questões para se pensar as relações entre o pensamento filosófico-místico e as propostas artísticas russas do final do século XIX e início do XX. Entretanto, mais pontualmente, a questão que se coloca na tese é avaliar se seria possível determinar um discurso de fundo místico na poética suprematista de Maliévitch, mesmo frente às coerções políticas e ideológicas e à aversão bolchevique ao pensamento religioso e metafísico. Ou seja, avaliar a formação de determinadas concepções de Maliévitch, buscando uma compreensão histórica da filosofia e estética suprematistas.

Não se trata, entretanto, de traçar um perfil psicológico ou religioso do artista, mas sim, de avaliar qual seria a importância de determinados discursos filosóficos e teológicos na formação do pensamento maliévitchiano, buscando determinar em quais debates da época o artista e suas obras estavam inseridas.

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Capítulo 1. Maliévitch místico?

1.1. Além do 0-1: Suprematismo e Transfiguração

Mas eu me transfigurei no zero das formas e fui além do 0-1.11

K. S. Maliévitch, 1915

Não seria difícil afirmar que esta é uma das frases mais enigmáticas do pintor, filósofo e pedagogo Kazímir Sievierínovitch Maliévitch (1879-1935)12, sobretudo em um ambiente cultural que ainda não tinha se recuperado da estética ou dos programados espetáculos e escândalos públicos, verdadeiros happenings

avant la lettre promovidos pela vanguarda futurista russa do começo do século XX.

É com esta afirmação que o artista finaliza os textos ³Do cubismo na arte ao novo realismo da pintura contanto que criação absoluta´ e ³Do cubismo e do futurismo ao suprematismo. O novo realismo pictórico´, publicados

11 6HJXQGRDHGLomRRULJLQDOGRWH[WRGH³No ia preobrazilsia v nul form i vychiol za 0 ± 1´

ɇɨ ɹ ɩɪɟɨɛɪɚɡɢɥɫɹ ɜ ɧɭɥɶ ɮɨɪɦ ɢ ɜɵɲɟɥ ɡɚ  ± 1). O termo preobrajenie (ɩɪɟɨɛɪɚɠɟɧɢɟ: transfiguração, transformação) aparece erroneamente traduzido em relação ao vocabulário de Maliévitch FRPR³PHWDPRUIRVH´DH[HPSORGDWUDGXomRSDUDRIUDQFrVGH$QGUpH 5REHO³-HPH suis métamorphosé en zero des formes, je suis arrivé au-GHOiGX]HURjODFUpDWLRQF¶HVW-à-dire au suprematisme, nouveau réalisme pictural, création non-REMHFWLYH´ In: MALÉVITCH, K. S., Écrits, Paris: Édition Gerárd Lebovici, 1986, p. 198.

12 Segundo pesquisas de Andrzej Turowski (Malewicz w Warszawie: Rekonstrukcje i Symulacje.

Cracóvia: Universitas, 2002) realizadas junto a arquivos ucranianos, sabe-se que Maliévitch nasceu no ano de 1879 e não em 1878 como constam nas biografias estabelecidas a partir de informações concedidas por seus parentes. Conforme afirma o historiador da arte Dmitri Gorbatchev no catálogo Malévitch ± 8P FKRL[ GDQV OHV FROOHFWLRQV GX 6WHGHOLMN 0XVHXP G¶$PVWHUGDP (2003) a informação está indicada nos Registro dos atos de nascimento da igreja paroquial de Kiev (fundo 312, inv.1, dossiê 113, f HTXHR DUWLVWDHUD³QREUHKHUHGLWiULR´SHORODGR GHVHXSDLSRORQrV Neste panorama, Andréi Nakov também não pode deixar de ser citado como um dos pesquisadores que se dedicou à investigação e revisão da biografia do artista.    

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respectivamente em 1915 e 1916, versões aprimoradas de seu primeiro manifesto suprematista impresso no catálogo da exposição ocorrida entre dezembro de 1915 e janeiro de 191613, em Petrogrado, intitulada Última Exposição Futurista ± 0.10, onde Maliévitch apresentou pela primeira vez ao público seus quadros suprematistas.

Ao expor um de seus mais polêmicos trabalhos, a tela conhecida como

Quadrado preto sobre fundo branco ou Quadrângulo (1915) no canto superior da

sala de exposição, mesmo lugar onde tradicionalmente são colocados os ícones dentro das casas UXVVDV H DR DILUPDU TXH R TXDGUDGR SUHWR VHULD ³R tFRQH GH QRVVR WHPSR´ 0DOLpYLWFK S{V D pintura mais uma vez em contato com um dos problemas centrais da história da representação artística e da imagem: a iconoclastia.

A ligação de sua obra com a tradição das imagens religiosas e populares russas é bastante extensa e verificável, não apenas por meio da leitura dos escritos do artista, onde abertamente assume sua admiração pelos ícones e

13 De acordo com o calendário antigo (juliano), a exposição foi inaugurada em 19 de dezembro de

1915. Entretanto, se for levado em conta o calendário moderno (gregoriano), a abertura da exposição data de 01 de janeiro de 1916.

Imagem   1:   Última   exposição   futurista-­‐0.10,   Petrogrado,   1915-­‐16.   Fotografia.    

Fonte:   PETROVA,   Yevgenia   (edit.)   Kazimir   Malevich   in   State   Russian   Museum,   São   Petersburgo:   Palace   Editions,  2000,  p.  74.  

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