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COMUNICAÇÃO POPULAR E CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO: A experiência do SASOP com o boletim O Candeeiro no Território do Sertão do São Francisco da Bahia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

CULTURA E SOCIEDADE

COMUNICAÇÃO POPULAR E CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO

A experiência do SASOP com o boletim O Candeeiro no Território do Sertão do São Francisco da Bahia

por

LUCIANA MENDONÇA RIOS

Orientadora: Prof. Dra. Rita de Cássia Aragão Matos.

SALVADOR, 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS

PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM

CULTURA E SOCIEDADE

COMUNICAÇÃO POPULAR E CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO

A experiência do SASOP com o boletim O Candeeiro no Território do Sertão do São Francisco da Bahia

por

LUCIANA MENDONÇA RIOS

Orientadora: Prof. Dra. Rita de Cássia Aragão Matos.

Dissertação apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre.

SALVADOR 2018

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LUCIANA MENDONÇA RIOS

COMUNICAÇÃO POPULAR E CONVIVÊNCIA COM O

SEMIÁRIDO

A experiência do SASOP com o boletim O Candeeiro no Território

do Sertão do São Francisco da Bahia

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de

Mestre em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia.

Aprovada em 12 de dezembro de 2017.

Banca Examinadora

_________________________________________

Profª. Drª. Rita de Cássia Aragão Matos (Orientadora)

Doutora em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade

Federal da Bahia

Universidade Federal da Bahia

__________________________________________

Profº. Dr. José Roberto Severino

Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo

Universidade Federal da Bahia

__________________________________________

Profª. Drª. Gislene Moreira Gomes

Doutora em Ciências Sociais pela Faculdade LatinoAmericana de

Ciências Sociais do México - FLACSO

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AGRADECIMENTOS

Expresso minha gratidão a Deus e à espiritualidade, por me ampararem nos momentos de dúvida, fraqueza e cansaço; por me darem forças e luz para continuar o meu caminho na busca de evolução.

À minha família – pai, mãe, irmã, vó, tias e primas - por entender a ausência nos muitos finais de semana e reuniões, quando precisei ficar lendo referências bibliográficas.

Ao meu companheiro, Augusto Queiroz, e à sua família pela paciência, compreensão e apoio.

Às amigas e amigos, por vivenciarem o meu desaparecimento das suas vidas.

Ao Poscult e seu corpo docente, pela oportunidade de trocas e aprendizagens, e, em especial, à professora Rita Aragão, pelo estímulo, pela escuta e contribuição nas escolhas e caminhos a serem percorridos ao longo da pesquisa.

Aos encontros afetivos construídos na turma 2015.1 do mestrado, que tornaram a maratona mais leve e compartilhada.

À Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, em particular, às comunicadoras (atuais e antigas) da Assessoria de Comunicação da ASA (ASACom), pelas trocas, aprendizados, vivências e inspiração nos diversos encontros de trabalhos e da vida.

Por fim, ao SASOP, pela confiança e apoio para o desenvolvimento desta pesquisa e por me apresentar um mundo cheio de desafios, mas com muitas riquezas, saberes e personagens apaixonantes.

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7 [...] Num bairro pobre de Lima, um grupo de mulheres organizou um mercado. Nele havia um gravador e alto-falantes, que apenas o administrador utilizava. Com a colaboração de um grupo de apresentadores, as mulheres do mercado começaram a usar o gravador para saber o que os habitantes do bairro pensavam sobre o mercado, para tocar música nas festas e para outros fins. Até que a censura se apresentou, na figura de uma religiosa que ridicularizou o jeito

de falar dessas mulheres e condenou a ousadia de pessoas que, “sem saber falar”, atreviam-se a usar alto-falantes. Provocou-se assim uma crise; durante algumas semanas, as mulheres não quiseram saber mais do caso. Algum tempo depois, porém o grupo de mulheres procurou os apresentadores e afirmou: “Pessoal, a gente descobriu que a religiosa tem toda razão; a gente não sabe falar, e nesta sociedade quem não sabe falar não tem a menor possibilidade de se defender nem pode nada. Mas a gente também passou a entender que com a ajuda desse aparelhinho aqui – o gravador - a gente pode aprender a falar”. Desde esse dia as mulheres do mercado decidiram começar a narrar suas próprias

vidas; deixando de usar o gravador apenas para escutar o que outros diziam, elas passaram a usá-lo para aprender a falar por si próprias. (MARTIN-BARBERO, 1997, p. 257)

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8 RIOS, L. M. Comunicação Popular e Convivência com o Semiárido: A experiência do SASOP com o Boletim O Candeeiro no Sertão do São Francisco da Bahia. 2018, 188 F. Dissertação. (Mestrado Multidisciplinar em Cultura e Sociedade). Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.

RESUMO

O contexto do semiárido é marcado historicamente pelo cenário de seca e sofrimento. Nos últimos anos, no entanto, organizações da sociedade civil têm desenvolvido ações que buscam construir uma nova concepção simbólica, mais positiva e menos preconceituosa, com a ideia de Convivência com o Semiárido. Associado a isso, ações de comunicação popular buscam fortalecer esse novo discurso, por meio de narrativas de valorização do semiárido como uma região de diversas riquezas naturais e potencial humano para um desenvolvimento viável. Nesse sentido, o estudo pretende problematizar a contribuição da comunicação popular para o fortalecimento da cultura de convivência com o semiárido, a partir da análise de um boletim impresso, denominado “O Candeeiro”, produzido pela organização não governamental Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais (SASOP), que assessora famílias agricultoras em Remanso, Casa Nova, Pilão Arcado e Campo Alegre de Lourdes, municípios localizados no Território do Sertão do São Francisco.

Palavras-chave: comunicação popular; cultura; convivência com o semiárido; organizações sociais rurais.

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9 RIOS, L. M. Popular Communication and Living with the Semi-Arid: The experience of SASOP with the newspaper O Candeeiro in Sertão do São Francisco da Bahia. 2018, 188 F. Master Dissertation. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.

ABSTRACT

The context of the Semiarido is historically marked by the scenario of suffering. In recent years, civil society organizations have developed actions to build a new conception, more positive. Associated to this, actions of popular communication seek to strengthen this new discourse, through narratives of valorization of the Semiarido as a potential region. The study intends to problematize the contribution of the popular communication to the strengthening of the culture of coexisting semiarid region, based on the analysis of an informative report "O Candeeiro", produced by the non-governmental organization Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais (SASOP), which advises farming families in Remanso, Casa Nova, Pilão Arcado and Campo Alegre de Lourdes, cities located in the Territory of the Sertão do São Francisco.

Keywords: popular communication; culture; coexisting semiarid region; rural social organizations

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10 LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Nova Delimitação do Semiárido...19

Figura 2 Os Retirantes - Cândido Portinari (1944)...28

Figura 3 Mapa do Território de Identidade do TSSF...32

Figura 4 Barragem de Sobradinho... 35

Figura 5 Relatoria gráfica da reunião com atingidos por Barragem...36

Figura 6 Ruínas de Remanso “Velho”...37

Figura 7 Estrutura de organização do SASOP...41

Figura 8 Cisterna de 16 mil litros da agricultora Gracinha...48

Figura 9 Tanque ou Caldeirão de Pedra de Dona Gracinha...59

Figura 10 Cisterna-Calçadão de Gustavo e Nanci Santos...59

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11 LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Caracterização do Território Sertão do São Francisco...34

Quadro 2 Das Tecnologias de Água para Produção...57

Quadro 3 Número de tecnologias construídas pelo SASOP ...59

Quadro 4 Lista dos títulos e temas dos boletins O Candeeiro...90

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Boletins por município...90

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12 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ASA ARTICULAÇÃO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO CEBS COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE

CHESF COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO CNBB COMPANHIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL CPT COMISSÃO PASTORAL DA TERRA

IBGE INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA INSA INSTITUTO NACIONAL DO SEMIÁRIDO

IRPAA INSTITUTO REGIONAL DA PEQUENA PROPRIEDADE APROPRIADA MAB MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGEM

MDA MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO MDS MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL MOC MOVIMENTO DE ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA ONG ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL

P1+2 PROGRAMA UMA TERRA E DUAS ÁGUAS P1MC PROGRAMA UM MILHÃO DE CISTERNAS

SASOP SERVIÇO DE ASSESSORIA A ORGANIZAÇÕES POPULARES RURAIS SEPLAN SECRETARIA ESTADUAL DE PLANEJAMENTO

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13 SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

1. O SEMIÁRIDO BRASILEIRO E O SERTÃO DO SÃO FRANCISCO ... 18

Realidade Sociopolítica ... 22

Um Lugar Simbólico ... 24

1.1.Território do Sertão do São Francisco...30

2. O SASOP E A CONVIVENCIA COM O SEMIÁRIDO...39

2.1.A Convivência com o Semiárido – Uma abordagem conceitual...45

A convivência na prática...55

3. A COMUNICAÇÃO POPULAR NO SASOP...61

3.1. O Candeeiro entre as ações de comunicação do SASOP...73

4.METODOLOGIA...82

Delimitação do Corpus...84

Análise do Corpus e resultados encontrados...86

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...112

BIBLIOGRAFIA...118

ANEXOS...126

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14 INTRODUÇÃO

_______________________________________________________________

A definição do objeto desta pesquisa foi resultado da relação estabelecida entre a pesquisadora e a realidade pesquisada, partindo de inúmeras inquietações, questionamentos e curiosidades, que conduziram à reflexão e aprofundamentos teóricos e empíricos.

A relação pessoal com o tema da comunicação popular e da convivência com o Semiárido se deve à experiência profissional na organização não governamental (ONG) Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais (SASOP), da qual fiz parte da equipe entre os anos de 2008 e 2015, com afastamento para dedicação ao mestrado, e retorno, mais recentemente.

O SASOP1 é uma organização da sociedade civil que, desde 1989, assessora

agricultores, agricultoras, pescadores e pescadoras artesanais para uma melhor qualidade de vida. Sua missão é contribuir para o desenvolvimento rural sustentável a partir do fortalecimento da agricultura familiar, com base na Agroecologia, e favorecer o protagonismo e a conquista da cidadania por agricultores, agricultoras e suas organizações.

Antes de conhecer o SASOP, por ser uma pessoa urbana, nascida e criada na cidade de Salvador/BA, tudo o que eu conhecia sobre as regiões semiáridas brasileiras vinha por meio da literatura e dos meios de comunicação. E parecia ser muito distante da minha realidade. Depois de interagir com este mundo e visitar inúmeras comunidades rurais, percebi que o sofrimento mostrado pelos meios de comunicação existe, mas, como em qualquer lugar do nosso país, é estruturado historicamente pela desigualdade social.

Vi também, nas minhas andanças, que o Semiárido abriga muita gente trabalhadora, muitas riquezas naturais e uma enorme diversidade cultural. No Semiárido vive um povo forte e com muita vontade de viver na terra em que nasceram e viveram seus antepassados, contradizendo a imagem de pessoas miseráveis e sofredoras, disseminada pelo discurso midiático.

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15 Aprendi conversando com os agricultores e agricultoras. Aprendi a enxergar o Semiárido e os modos de vida do seu povo com um novo olhar. Aprendi a reconhecer as riquezas e a sabedoria de quem convive com a seca, da mesma maneira de quem convive com a neve e também precisa estocar alimentos e água para consumir no período que não dá para produzir. Aprendi a respeitar ainda mais a caatinga, pela sua capacidade de resiliência, os animais e a relação de equilíbrio no meio ambiente.

Vi como grandes empresas destroem comunidades e retiram famílias de suas terras em nome do desenvolvimento, a qualquer custo. Falo da implantação das torres de energia eólica, da mineração e do agronegócio, quase sempre com subsídios do poder público. Pude ver que inciativas simples de descentralização do acesso água para garantir esse direito, como as cisternas, promovem a dignidade das pessoas. Vi como a resistência dos povos vem mostrando que é possível conviver com o Semiárido, se houver políticas públicas adequadas à região, que considere a cultura do estoque - de água, de alimentos e de sementes.

Ouvi, em inúmeros depoimentos, que, numa seca que completou seis anos, não houve notícias de saques, mortes, desnutrição ou migrações para as grandes cidades, graças aos programas que garantem captação e armazenamento de água para o consumo e para produção de alimentos.

Nesse período de vivências no SASOP, participei de atividades de formação em comunidades rurais, facilitei algumas oficinas de comunicação para jovens dessas comunidades e apoiei a elaboração, edição e revisão de alguns dos exemplares do boletim O Candeeiro, objeto de análise desse estudo. O fiz juntamente com a então comunicadora da equipe local do Programa Semiárido, responsável pela elaboração dos boletins durante boa parte dos anos em que foi produzido. Outras poucas edições do corpus analisado foram elaboradas com o meu acompanhamento. Enquanto pesquisadora, fiz o esforço de manter um distanciamento necessário para as análises.

O Candeeiro é um boletim impresso, produzido no contexto do Programa Uma Terra de Duas Águas (P1+2)2, projeto de comunicação elaborado e executado

2 O P1+2 é um programa criado pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) em 2007 com o objetivo de ampliar o estoque de água das famílias para dar conta das necessidades dos plantios e das criações animais. Esse programa também criou o boletim O Candeeiro, como forma de sistematizar e contas as histórias exitosas dos povos do semiárido.

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16 por diversas organizações da sociedade civil que integram a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), entre elas, o SASOP. Seu objetivo é registrar e disseminar experiências bem sucedidas da agricultura familiar na prática da convivência com o Semiárido.

Esta é uma ação que já nasce para visibilizar ações positivas sobre o Semiárido e se apresenta como uma estratégia que favorece a quebra de estereótipos sobre a agricultura familiar, sobre o campo e sobre o Semiárido. Busca mostrar que é possível morar no campo e se ter qualidade de vida, mas, até que ponto ele contribui para a mudança de comportamento das famílias e transformação do olhar estigmatizado de uma região sem possibilidades para uma região em que essa qualidade é possível?

Esta inquietação gerou o objetivo desta pesquisa, que é entender de que maneira este boletim, enquanto ação de comunicação popular desenvolvida pelo SASOP, contribui para o fortalecimento da cultura de Convivência com o Semiárido, nos quatro municípios de atuação da ONG (Remanso, Casa Nova, Pilão Arcado, Campo Alegre de Lourdes).

Tal curiosidade vem de questionamentos sobre o formato do produto: escrito e impresso num contexto de alto índice de analfabetismo entre as pessoas mais velhas e onde não se tem o hábito da leitura.

Essas perguntas motivaram as entrevistas de campo que contribuíram para o entendimento sobre o que pensam as pessoas que tiveram suas histórias contadas nestes boletins e como elas avaliam esse tipo de sistematização de experiências.

A fim de saber até que ponto O Candeeiro contribui para o fortalecimento da cultura de convivência com Semiárido, se fez necessário traçar os seguintes objetivos específicos:

i) Demarcar e contextualizar o Semiárido Brasileiro e Baiano, sob os aspectos econômicos, políticos, ambientais e socioculturais, com recorte para os municípios de Remanso, Casa Nova, Pilão Arcado e Campo Alegre de Lourdes, localizados no Sertão do São Francisco; ii) Abordar definições da convivência com o Semiárido, com base em

teses e dissertações já elaboradas sobre o tema, na concepção de pesquisadores e das organizações da sociedade civil que atuam no Semiárido;

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17 iii) Problematizar a Cultura e a Comunicação Popular, a partir da

experiência do SASOP;

iv) Analisar, de forma crítica, O Candeeiro, relacionando suas narrativas ao contexto de produção e aos depoimentos de atores envolvidos no processo de sistematização das experiências.

O percurso metodológico utilizado para alcançar os objetivos estabelecidos tomou por base uma pesquisa qualitativa, com recorte para o estudo de caso e análise crítica de conteúdo. Em suas etapas principais, a pesquisa foi divida em revisão bibliográfica, coleta dos dados empíricos e análise das informações coletadas.

A revisão bibliográfica privilegiou os conceitos de convivência com Semiárido, apoiado na visão de pesquisadores e das experiências de organizações e movimentos sociais ligados à luta do campo e da agricultura familiar. Para isso, foram utilizadas reflexões teóricas de Roberto Silva (2006), Roberto Malvezzi (2007) e da própria ASA, além de outros autores.

A cultura popular foi tratada a partir de reflexões de autores clássicos, que articulam a cultura e a comunicação, como Canclini (2003), Martin-Barbero (1997), Chartier (1995), Cuche (2002). Em seguida, a comunicação popular é trazida a partir da inspiração de Freire (1970) e das definições teóricas das autoras Peruzzo (1998), Festa (1984) e Paiva (2003).

A articulação da comunicação popular e o discurso hegemônico sobre o Semiárido é feita com base em Durval Muniz de Albuquerque Jr. (2011) e nas dissertações das pesquisadoras Viviane Brochardt (2013), Luciana de Fátima Pinto Santos (2015), Vilbégina dos Santos (2012) e Lourivânia Santos (2012), que desenvolveram trabalhos inspiradores com o mesmo tema do presente estudo. Vale ressaltar que as duas últimas autoras apresentaram seus trabalhos de dissertação neste Programa de Mestrado, sob orientação também da Profª Rita Aragão.

Na pesquisa empírica, a coleta de dados contou com o levantamento dos exemplares dos boletins fornecidos pelo SASOP, a observação de espaços de diálogos nas comunidades visitadas e a realização de entrevistas com homens, mulheres e jovens, representantes da agricultura familiar - que tiveram suas histórias visibilizadas em O Candeeiro - e integrantes do SASOP, ligados à definição dos temas e das experiências para produção dos boletins.

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18 A análise dos dados permitiu a organização das informações coletadas, a partir de categorias temáticas e presença de elementos textuais importantes que revelassem tensões, silenciamentos e lugares de fala. Tendo por base uma análise crítica de conteúdo a partir das relações das narrativas com o contexto de produção do boletim e das entrevistas, chegou-se aos resultados e apresentação das considerações finais da pesquisa.

Importante destacar que, inicialmente, as entrevistas não faziam parte da metodologia, mas se fizeram necessárias para legitimar as hipóteses levantadas a partir da análise de conteúdo.

A dissertação foi organizada em cinco capítulos, iniciados a partir desta introdução, trazendo as reflexões apresentadas acima. O primeiro capítulo se relaciona com o primeiro objetivo específico e trata de demarcar o Semiárido ao qual se refere esta pesquisa. O segundo capítulo traz o debate apontado pelo objetivo específico dois, no qual abordo as reflexões teóricas sobre a convivência com o Semiárido.

O capítulo três problematiza a cultura e a comunicação popular, conforme indica o objetivo específico três. Por fim, os capítulos quatro e cinco referem-se ao objetivo específico quatro e apresentam a metodologia de pesquisa, os resultados encontrados e as considerações finais. Esses últimos capítulos trazem questionamentos e observações resultantes das análises, que abrem possibilidades para o desenvolvimento de artigos e novos projetos de pesquisa. Apontam ainda alguns caminhos para que as organizações do Semiárido possam debater sobre a importância da comunicação popular, enquanto estratégia política e pedagógica e enquanto um direito que potencializa outros direitos, porque sem Comunicação não há Democracia!

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19 1. O SEMIÁRIDO BRASILEIRO E O SERTÃO DO SÃO FRANCISCO

______________________________________________________________

“Sertão de Euclides da Cunha”, “Nordeste das Secas”, “Polígono das Secas” e “Semiárido”. Essas são algumas das denominações que já caracterizaram a região do Semiárido Brasileiro, ao longo da história do Brasil. Sabe-se que, originalmente, o termo “Sertão” referia-se, enquanto denominação, a regiões afastadas dos centros urbanos e, ainda na atualidade, o termo aparece, muitas vezes, dando a ideia de um espaço deserto, pouco habitado, longe de áreas ocupadas. O próprio dicionário Aurélio Buarque de Holanda define o termo sertão como: “lugar agreste afastado dos pontos cultivados; floresta longe da costa; interior do país; zona do interior mais seca que a caatinga” (AURÉLIO, 2016).

A semiaridez foi definida com a elaboração do Plano de Ação de Combate à Desertificação das Nações Unidas, em 1977 (SILVA, 2006). De acordo com o documento, as regiões semiáridas, de um modo geral, são caracterizadas pela aridez do clima, pela deficiência hídrica, com imprevisibilidade das precipitações pluviométricas e pela presença de solos pobres em matéria orgânica.

O primeiro conceito técnico, no entanto, só é definido após a Constituição Federal de 1988, que institui o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE) e destina 50% dos recursos desse Fundo para serem aplicados na região semiárida do Brasil (SILVA, 2006). Até então, a região semiárida era associada a todo o Nordeste brasileiro, demarcada pela área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE).

Em 2005, o Ministério da Integração Nacional define uma “Nova Delimitação do Semiárido Brasileiro”3, com mais 970 mil quilômetros quadrados, considerando três critérios, conforme portaria Ministerial nº 89, de março de 2005:

A precipitação pluviométrica média anual inferior a 800 mm; um índice de aridez de até 0,5, no período entre 1961 e 1990, calculado pelo balanço hídrico que relaciona as precipitações e a evapotranspiração potencial; e o risco de seca maior que 60% no período entre 1970 e 1990. (SILVA, 2006, p.16)

3 Estudo coordenado pelo Ministério da Integração Nacional e realizado em 2004 por um Grupo de

Trabalho Interministerial (GTI). O resultado deu origem, em 2005, à publicação Nova Delimitação do Semiárido Brasileiro. Disponível em:

< http://www.mi.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=0aa2b9b5-aa4d-4b55-a6e1-82faf0762763&groupId=24915>. Acesso em: 13 de Jan de 2016.

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20 A nova delimitação, instituída pelo Ministério da Integração, passa então a incorporar 1.135 municípios dos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, no Nordeste, e o norte de Minas Gerais. Para a Articulação do Semiárido Brasileiro, no entanto, há ainda a inclusão do estado do Maranhão, que possui municípios com as mesmas características ambientais que os estados reconhecidos legalmente como Semiárido.

De acordo com o Instituto Nacional do Semiárido (INSA), vivem na região mais 22,5 milhões de habitantes, homens e mulheres, adultos e jovens, crianças e idosos. O Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, detalha ainda que essa população está cada vez mais urbana, chegando a 14 milhões de pessoas vivendo nas sedes das cidades e 8,5 milhões no espaço rural.

Figura 1 - Nova Delimitação do Semiárido

Fonte: Ministério da Integração4

Em seu trabalho de dissertação de mestrado apresentado ao Programa de Pós Graduação em Cultura e Sociedade, da Universidade Federal da Bahia, a pesquisadora Lourivânia Santos (2012, p.39) relata a ocorrência de fortes períodos de estiagens, desde a chegada dos colonizadores portugueses no país, sendo um dos primeiros períodos datado de 1552. O clima do Semiárido e o comportamento

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21 das chuvas foram documentados pelos viajantes da época do Império, conforme traz Euclides da Cunha, no clássico “Os Sertões”, escrito em 1897:

Revelou-o, pela primeira vez, o senador Tomás Pompeu, traçando um quadro por si mesmo bastante eloquente, em que os aparecimentos das secas, no século passado e atual, se defrontam em paralelismo singular, sendo de presumir que ligeiras discrepâncias indiquem apenas defeitos de observação ou desvios na tradição oral que as registrou. Assim, para citarmos apenas as maiores secas de 1710-1711, 1723-1727, 1736-1737, 1744-1745, 1777-1778, do século XVIII, se justapõem às de 1808-1809, 1824-1825, 1835-1837, 1844-1845, 1877-1879, do atual. (CUNHA, 2011, p.45)

Importante ressaltar que a seca de 1877, considerada como uma das piores estiagens, decorre, de acordo com Albuquerque Jr. (2011), de um conjunto de fatores econômicos, sociais e políticos. Santos (2012) explica que, nesse período, a região atravessava uma crise agrícola e passava por uma mudança do modelo escravagista para o modelo de trabalho livre, além de ser dependente da cultura de subsistência, estando mais vulnerável aos períodos de chuva. Por isso, os efeitos da estiagem foram sentidos com mais intensidade. A autora aponta que as secas anteriores não impactaram tanto na vida da elite nordestina e, por este motivo, não foram consideradas como graves, conforme descreve Albuquerque Jr. (2011) Apud. Santos (2012):

Enquanto a seca era problema do mundo dos dominados, ela era uma senhora desconhecida, mas, ao chegar ao mundo dos dominantes, ela não só é percebida, como transformada no cavalo de batalha de uma classe dominante que estava necessitando de argumentos fortes, para continuar exigindo o seu quinhão na partilha dos benefícios econômicos e dos postos políticos a nível nacional. Foi, pois, a seca para esta classe, neste momento um achado com o qual procurou conquistar benefícios econômicos e políticos e recuperar a hegemonia no interior da região, que estivera ameaçada por alguns momentos. (ALBUQUERQUE JR, 1988, p 83 Apud. SANTOS, 2012, p. 40)

Os ciclos de estiagem são um fenômeno natural e acontecem há séculos, independente da interferência humana. O déficit hídrico, no entanto, não se dá por falta de chuva, mas, conforme Malvezzi (2007), o problema é que a chuva que cai é menor do que a água que evapora. Quando se compara a outras regiões semiáridas do mundo, onde chove entre 80 a 250 mm por ano, o Semiárido brasileiro é o mais chuvoso do planeta. Nele, chove, em média, de 200 a 800 mm anuais (SILVA, 2002).

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22 O fato é que o índice de evaporação no Semiárido brasileiro é de três mil milímetros por ano. Outra característica que proporciona os longos períodos de estiagem é a variação das chuvas. A precipitação pluviométrica se concentra em poucos meses do ano e é distribuída de forma irregular. Normalmente é esperada entre os meses de setembro a março, mas nem sempre a chuva vem nos meses aguardados.

A cobertura vegetal de todo o Semiárido é a Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, reconhecido como uma das 37 grandes regiões naturais do planeta, ao lado da Amazônia e do Pantanal. Malvezzi (2007) aponta que, oficialmente, seis biomas compõem o território brasileiro: Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e Pantanal. Desses, o bioma Caatinga é o mais recente, com uma boa capacidade de regeneração, perfeitamente adaptada ao clima e aos solos locais.

No período chuvoso, a vegetação da caatinga fica verde e florida e abriga uma alta biodiversidade de insetos, inclusive abelhas, o que estimula na região a produção de mel. Quando chega a estiagem, a vegetação perde as folhas para aumentar sua resistência em época de escassez de água. Daí, a palavra Caatinga, que, segundo Silva (2006), deriva do tupi-guarani e quer dizer mata branca.

Conforme o mesmo autor, a vegetação tem uma capacidade de se proteger dos períodos de longa estiagem, o que a caracteriza como adaptável ao clima seco. Silva (2006) afirma que a formação vegetal se caracteriza pelas folhas pequenas, que reduzem a transpiração, caules suculentos, para armazenar água, e raízes espalhadas, para capturar o máximo de água durante as chuvas.

Ao contrário do que muitos pensam, a caatinga é um ecossistema único, que apresenta grande variedade de paisagens, relativa riqueza biológica e endemismo. Apesar desse bioma ser pouco conhecido, estudos identificaram até agora uma gama de espécies bastante ampla. A biodiversidade da caatinga se compõe de, no mínimo, 1.200 espécies de plantas vasculares, 185 espécies de peixes, 44 lagartos, 47 cobras, 4 tartarugas, 3 crocodilos, 49 anfíbios, 350 pássaros e 80 mamíferos. (MALVEZZI, 2007, p.58)

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23 Mesmo tendo uma importância fundamental para a biodiversidade5 do

planeta, a Caatinga é o terceiro bioma mais degradado do país, depois da Mata Atlântica e do Cerrado, conforme dados da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA, 2016)6. Infelizmente, a Caatinga que, originalmente, cobria uma área em torno de um milhão de quilômetros quadrados, hoje, tem como área remanescente pouco mais de 700 mil km², sendo que menos de um por cento está sob proteção de unidades de conservação (ASA, 2016).

A explicação para o acelerado processo de degradação e consequente aridez das terras, segundo Santos (2012), estaria no processo de ocupação do território pelos portugueses, que instalaram grandes fazendas e implantaram uma pecuária extensiva, levando ao desmatamento de muitas áreas. Hoje, parte dos solos está degradada. A flora e a fauna vêm sofrendo a ação predatória, que ameaça a sobrevivência de muitas espécies vegetais e animais, criando riscos à ocupação humana, inclusive associados a processos, em curso, de desertificação.

Realidade Sociopolítica

É um fato que a região do Semiárido brasileiro é marcada historicamente pela exploração dos recursos naturais e por desigualdades sociais. Estas são causadas não apenas pelos fatores climáticos, mas, principalmente, pela concentração de terra, de água e dos meios de comunicação, que sempre pertenceram a poucas e poderosas famílias latifundiárias.

Dados da ASA (2016) revelam que cerca de 1,5 milhão de famílias agricultoras - 28,82% de toda a agricultura familiar brasileira - ocupam apenas 4,2% das terras agricultáveis do Semiárido. Por outro lado, 1,3% das famílias com estabelecimentos rurais com mais de mil hectares7, conhecidos como latifúndios, detêm 38% das terras.

A especificidade climática, aliada à falta de vontade política para executar medidas estruturantes, fez com que, ao longo de décadas, o poder público

5 Segundo a ASA, um terço das plantas da Caatinga e 15% de seus animais são espécies exclusivas,

que não existem em nenhuma outra parte do mundo. Disponível em <http://www.asabrasil.org.br/>. Acesso em: 28 ago. 2016.

6 Disponível em <http://www.asabrasil.org.br/>. Acesso em: 28 ago. 2016.

7 Um hectare equivale a 10 mil metros quadrados. Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e

Tecnologia (INMETRO). Disponível em:

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24 investisse em grandes obras, que mobilizavam alto volume de recursos financeiros, com alto impacto social e ambiental, originando a chamada “indústria da seca”8.

A construção de grandes infraestruturas hídricas concentradas - geralmente implantadas nas proximidades das grandes fazendas e de projetos de irrigação, associadas à implantação de polos de desenvolvimento com base em monoculturas - ampliaram processos de concentração de poder, dependência econômica e política.

Apostar apenas nas grandes obras provoca um déficit hídrico desafiador para os pequenos produtores, que vivem da agricultura familiar e da criação de animais. Mesmo a escassez da chuva sendo um fenômeno natural e cíclico na região, os governos insistiram, ao longo dos anos, num discurso de combate à seca para justificar o investimento em grandes obras que serviram e ainda vêm servindo como plataforma de política eleitoral.

Essa “indústria da seca” se tornou, então, um instrumento nas mãos dos “coroneis do Sertão”, filhos das oligarquias representativas de famílias com o controle das terras e, consequentemente, da água. É na região semiárida que o coronelismo deixou sua marca mais evidente, a partir da concentração do poder nas mãos das oligarquias locais.

O coronelismo9 que, segundo o jurista Vitor Nunes Leal (2012), tem suas raízes no Brasil Colônia, ganha força no período do Império, mas que é característico do regime republicano, tem na figura do coronel aquele que sempre obrigou o povo a lhe fazer favores sob o uso da força, a partir do poder e da política. O coronelismo somente se enfraqueceu em algumas regiões do país após a Revolução de 1930 e a ascensão de Getúlio Vargas à presidência da República.

Em uma reportagem publicada antes das eleições municipais de 2016, a ASA10 lembrou que, durante muito tempo, as eleições eram manipuladas pelos

8 No texto Seca no Nordeste Brasileiro, publicado com o selo da Fundação Joaquim Nabuco, Lúcia

Gaspar define a Indústria da Seca como: “exploração por parte dos grandes proprietários e altos comerciantes, dos recursos destinados ao combate à pobreza da região, no que se denomina de “indústria da seca”. Disponível em: < http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar>. Acesso em: 24 jan. 2017.

9 O conceito de coronelismo considerado nesse projeto foi desenvolvido pelo jurista e professor Vitor

Leal Nunes, no livro Coronelismo, Enxada e Voto.7ª. ed. [s.n1], 2012.

10 Reportagem publicada em 28/09/16 com o título Indústria da seca: novos discursos para velhas práticas. Disponível em:

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25 chamados “coroneis”, com a compra de votos a partir da troca por mercadorias, alimentos ou emprego.

A abolição do regime servil e, depois, com a República, a extensão do direito de sufrágio deram importância fundamental ao voto dos trabalhadores rurais. Cresceu, portanto, a influência política dos donos de terra, devido à dependência dessa parcela do eleitorado, consequência direta da nossa estrutura agrária, que mantém os trabalhadores da roça em lamentável situação de incultura e abandono. Somos, nesse particular, legítimos herdeiros do sistema colonial da grande exploração agrícola, cultivada pelo braço escravo e produtora de matérias-primas e gêneros alimentícios, destinados à exportação. (LEAL, 2012, p.232)

Essa situação também se reflete na mídia, já que os donos de terras na região Semiárida também são os donos dos meios de comunicação, configurando o “coronelismo eletrônico”, conforme a pesquisa dos autores Venício Lima e Cristiano Aguiar Lopes (2009). Segundo esses autores, a articulação de emissoras de rádio e televisão com redes nacionais dominantes, com alcance para criar consensos políticos, facilitam a eleição de representantes em nível federal, deputados e senadores, e estes asseguram o coronelismo como sistema.

Ao controlar as concessões, o novo coronel promove a si e aos seus aliados. A moeda de troca continua sendo o voto, como no velho coronelismo. Só que não mais com base na posse da terra, mas no controle da informação. Não será coincidência, portanto, constatar que as oligarquias dominantes, em vários estados e regiões do país (sobretudo no Nordeste), a partir das últimas décadas do século passado, têm em comum o vínculo com a mídia. Em especial, com as emissoras de rádio e televisão comerciais e suas retransmissoras (RTVs), mas também com as emissoras educativas. Seus membros são detentores de mandatos nos diferentes níveis de representação, no Executivo e no Legislativo, mas, sobretudo, são governadores, deputados federais ou senadores. (LIMA; LOPES, 2008, p. 74 e 75)

Um Lugar Simbólico

Após tratar das características ambientais e políticas, do recorte espacial e geográfico, é fundamental para esse estudo pensar na região Semiárida e no território do Sertão do São Francisco além dessa concepção. É preciso levar em consideração a construção simbólica, cultural e ideológica. A representação do

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26 Semiárido Brasileiro, por exemplo, pode ser observada a partir de discurso produzido historicamente que cria a imagem de paisagem árida, de gente sofrida, de clima hostil, aspectos que foram naturalizados pelo senso comum.

Uma região precisa ser considerada por sua construção humana, cultural e, principalmente, pelas suas relações de poder. Não se trata simplesmente de um território delimitado apenas pela natureza. Conforme afirma a pesquisadora Lourivânia Santos (2012), trata-se de [...] “uma construção humana e, por isso mesmo, antes de sua constituição e mesmo depois, figura como objeto de disputa, como é característico das relações de poder estabelecidas no meio social” (SANTOS, 2012, p.22).

Para Albuquerque Jr (2011), o conceito de região está associado ao sentido de dominação. Origina-se do vocábulo, regere, que significa comandar, administrar. Sugere então um espaço cujas regras são subordinadas a um poder dominante.

Definir a região é pensá-la como um grupo de enunciados e imagens que se repetem, com certa regularidade, em diferentes discursos, em diferentes épocas, com diferentes estilos e não pensá-la uma homogeneidade, uma identidade presente na natureza (ALBUQUERQUE JR, 2011, p.35)

Para o sociólogo Pierre Bourdieu (1989), a palavra região carrega análises variadas que podem confundir uma representação significativa do termo. O conceito, para o autor, pode se tornar um instrumento de manipulação política, quando usado para construções ligadas, por vezes, aos interesses políticos ou por um grupo local.

Dessa maneira, Bourdieu (1989) registra:

A região é o que está em jogo como objeto de lutas entre os cientistas, não só geógrafos, é claro, que, por terem que ver com o espaço, aspiram ao monopólio da definição legítima, mas também historiadores, etnólogos e, sobretudo desde que existe uma política de ‘regionalização’ e movimentos ‘regionalistas’, economistas e sociólogos (BOURDIEU, 1989, p. 118).

A região, como também afirma Serpa (2015), é um tipo de território que implica, na sua efetivação, em um discurso que vai articular um conjunto de signos e

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27 representações para legitimá-la enquanto construção simbólica e política, legitimando também uma hegemonia11.

E para manter a hegemonia, historicamente, o Semiárido tem sido alvo de políticas de desenvolvimento baseadas na concentração da terra e da água, impedindo o acesso a esses direitos pela grande maioria da população da região. As grandes obras hídricas, criadas supostamente para resolver o problema da escassez de água, reforçaram esse quadro de exclusão e acentuaram a pobreza, a fome e a sede na região. A isso se soma a negação de potencialidades locais, da cultura e do conhecimento da população pelo Estado Brasileiro, ao longo dos anos.

Diante dessa negação de direitos, vem uma construção simbólica do Semiárido como um lugar pobre, insustentável, inviável, improdutivo, de terra rachada, animais mortos e pessoas miseráveis. Essa visão foi, ao longo do tempo, compondo o discurso das pessoas, da mídia e do próprio governo, sendo reforçada cotidianamente pelos meios de comunicação de massa que abordam as características climáticas como fatores determinantes para a impossibilidade do desenvolvimento dessa região.

A fragilização do Semiárido se apresenta pelo não reconhecimento dos potenciais da região. A seca é encarada como um problema a ser enfrentado e não como característica climática e ambiental. Assim, as alternativas encontradas para seu enfrentamento por parte do poder público têm sido, ao longo da história, de intervenções emergenciais que não promovem o desenvolvimento sustentável da região nem do seu povo.

No discurso das instituições governamentais brasileiras, o Nordeste permanece como a região das secas, portanto, merecedor de atenção especial do poder público, como aponta a Sudene sobre a seca como caraterística principal do Semiárido.

O Semiárido Nordestino tem como traço principal as frequentes secas que tanto podem ser caracterizadas pela ausência, escassez, alta variabilidade espacial e temporal das chuvas. Não é rara a sucessão de anos seguidos de seca. (SUDENE, 2016).

11 Para Gramsci (apud SERPA), as classes dominantes não governam pela força, mas pelas

estratégias (nem sempre sutis) da persuasão, às vezes indiretas, fazendo com que as classes subordinadas aprendam a enxergar a sociedade pelo prisma dos governantes. (SERPA, 2015, p. 18)

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28 Esse aspecto que é referenciado em diversas expressões artísticas, como literatura, música, artes plásticas, dramaturgia, aparecendo como uma fatalidade que desorganizava o modo de vida das famílias e da sociedade, sendo responsabilizada pelos conflitos sociais na região, a exemplo do cangaço e do messianismo, naturalizando as questões sociais. (SILVA, 2003).

O discurso midiático reforça as imagens de terra rachada, de miséria, de crianças em situação de desnutrição, de êxodo, de pessoas incapazes e da indústria da seca, preconizando uma representação do Semiárido que cristaliza a imagem da seca, do atraso e da estagnação social. Através dessas imagens, o Brasil vai conhecendo uma região seca e de uma população sofrida e fragilizada.

A hegemonia das políticas de combate à seca, com a contribuição decisiva dos meios de comunicação social, construiu no imaginário popular e da própria nação uma falsa ideia sobre o Semiárido: um lugar apenas de terra rachada e seca, onde se encontram carcaças de gado morto, crianças desnutridas, agricultura improdutiva. Desse modo, o que era resultado da falta de estrutura e de políticas condizentes virou falta de água; e o que era ausência do Estado, enquanto provedor de políticas públicas adequadas, passou a ser incapacidade do povo de inovar e criar alternativas para conviver com as condições de semiaridez da região. (BROCHARDT, 2013. P.17)

Da mesma forma, Silva (2002) aponta sobre a construção simbólica de um Semiárido, centrado na mídia brasileira, que contribuiu para estereotipar a região, seu povo e sua paisagem. O autor afirma que:

A mídia brasileira estandartizou a estética da miséria através das suas narrativas sobre as secas. Criou estereótipos para homens, mulheres e paisagens desta região... Sem muito esforço, vai produzindo significados para o cenário de flagelo nordestino: fome, êxodo rural, carros pipas, morte. (SILVA, 2002.p.09)

A literatura, as artes plásticas, a música e outras artes também contribuíram para essa construção simbólica de um semiárido de retirantes. Brochardt (2013) cita exemplos como Cândido Portinari, que pinta, em 1944, a série Os Retirantes (Figura 2), apresentando figuras esqueléticas que partem do sertão. Na literatura, Raquel de Queiroz publica, em 1930, o romance O Quinze e João Cabral de Melo Neto escreve, entre 1954 e 1955, o poema Morte e Vida Severina.

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Figura 2 - Os Retirantes - Cândido Portinari (1944)

Fonte: Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP)12

Para Albuquerque Jr (2011, p.81), o discurso da seca traçou, durante décadas, um quadro de horrores sobre a região do semiárido, consolidando uma imagem de miséria e pobreza, a partir do fenômeno climático da seca. "É a seca que chama a atenção dos veículos de comunicação, especialmente os do Sul do país, para a existência do Norte e de seus ‘problemas’”.

Embora nos últimos 10 a 15 anos, se tenha observado uma fratura nesse discurso midiático - com a diminuição dos saques, êxodos e mortes em época de estiagem - abrindo-se uma possibilidade para os aspectos positivos do semiárido, o discurso hegemônico se mantém enquanto construção cultural com interesses econômicos e políticos, no intuito de garantir as relações de exploração e de poder.

Este sertão estagnado no tempo, este sertão incapaz de contemporaneidade não é somente um erro, um mito ou um desconhecimento, é uma arma, é um argumento, é um instrumento usado nas lutas sociais e políticas travadas no país, que visam preservar um dado arranjo de forças, reproduzir dados privilégios econômicos, políticos e sociais e repor dadas relações e hierarquias sociais, dentro e fora do espaço nomeado sertão. (ALBUQUERQUE JR, 2014,p.43)

12 Disponível em: <http://masp.art.br/masp2010/acervo_detalheobra.php?id=438>. Acesso em: 27 de

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30 Assim, o autor deixa demarcado de como a produção literária, o jornalismo e a arte contribuíram para consolidar um discurso e uma consciência de Semiárido como uma região frágil e que alimentou por séculos as relações de poder, a concentração de riquezas e de terras. Essa afirmação tem respaldo em Foucault (2014), que ressalta o quanto um discurso é repleto de intenções e de relações de poder.

(...) o discurso é, melhor dizendo, um desses lugares no qual são exercidos, de maneira privilegiada, alguns de seus mais terríveis poderes. O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo pelo que e por meio do qual se luta, aquele poder do qual a gente quer se apoderar. (FOUCAULT, 2014, p.9)

Da mesma maneira que Foucault, Martín-Barbero (2004) aponta que:

O discurso é poder, lugar de uma luta específica pelo poder. E essa luta faz parte de suas condições de produção e de circulação. De maneira que estudar as regras do engendrar do discurso é estudar regras e relações de poder. Isto é, não se trata só de que o poder utilize o discurso como arma, como sofisma, como chantagem, mas de que o discurso faz parte constitutiva dessa trama de violência, de controle e de luta que constitui a prática do poder. O poder tem reclamado sempre o controle da linguagem e dos discursos. Não há sociedade, por pequena que for, que não regulamente a produção e a distribuição dos discursos. (BARBERO, 2004. p.70)

À luz das relações de poder instaladas no Semiárido que é possível entender as políticas públicas para o Semiárido impulsionadas pelo Estado, a partir dos anos 1960. Políticas que se expressaram de forma localizada, por meio de projetos de irrigação associados à implantação de polos de desenvolvimento, com base em monoculturas agroquímicas, empresas de mineração e implementação de projetos de energia eólica, que geram impactos socioambientais negativos, acentuando a desigualdade social e a degradação do meio ambiente. Esta constatação foi feita pelo Banco Mundial (2017), a partir de uma avaliação dos projetos de irrigação no Semiárido brasileiro: “são um sucesso do ponto de vista da lucratividade empresarial e um desastre do ponto de vista dos ganhos sociais”.13

13 Banco Mundial. Série Água Brasil: Impactos e externalidades sociais da irrigação no Semiárido brasileiro. Brasília, 1ª ed. 2004. Disponível em:

http://documents.worldbank.org/curated/en/452461468020657543/pdf/416070REPLACEM00Box3214 25B00PUBLIC0.pdf.. Acesso em 24 de jan. 2017.

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31 Outra característica marcante dessas políticas é a construção de grandes infraestruturas hídricas, geralmente, concentradas próximas às grandes fazendas, engendrando processos de concentração de poder e de dependência econômica e política das famílias pobres para acesso às fontes de água, configurando num “latifúndio hídrico”, conforme aponta Brochardt (2013).

Como consequência, surgem milhares de famílias dependendo do abastecimento de água por meio de carros pipas, bebendo lama e águas impuras, contraindo doenças e vendendo seu voto para saciar a sede. Considerando essas questões sociais e políticas, Brochardt levanta alguns questionamentos que levam a refletir sobre o mito do Semiárido ser um lugar ruim apenas por conta do aspecto climático:

[...] por que o Semiárido só é ruim para os pobres? Por que os coronéis mantem grandes extensões de terras, mesmo a região nada produzindo? Por que estes também não migravam se a condição de vida é inexistente? Por que nas terras dos coroneis há água? Por que a região é tida como um lugar de seca se é o Semiárido mais chuvoso do planeta? (BROCHARDT, 2013, p. 37)

Essas questões colocadas no contexto do Semiárido mostram como a região é diversa, imensa e traz o questionamento - se as condições de vida são tão difíceis, o que o faz ser tão povoado? Isso faz com que se pense na possível riqueza e diversidade que existe na região. A região que não é só caatinga, mas também seus povos como os ribeirinhos, os quilombolas, os indígenas, as comunidades de fundo de pasto14.

1.1. TERRITÓRIO DO SERTÃO DO SÃO FRANCISCO

A realidade apresentada até aqui se estende por todo o Semiárido brasileiro. Assim como ressalta Santos (2012), a Bahia é o quinto estado em extensão no país e o maior da federação quando inserido no mapa do Semiárido brasileiro. “Responde por mais de 23% do total de municípios dessa região e suas terras representam 40% de toda a área territorial, que é de 969.589,4 km ou 11% de todo o território nacional” (SANTOS, 2012, p. 73).

Na Bahia, o Semiárido é o clima de 265 dos 417 municípios baianos, de acordo com a SUDENE. Destes, 10 cidades compõem o território do Sertão do São

14 As comunidades de fundos e fechos de pasto utilizam áreas coletivas para a criação de animais,

especificamente, caprinos e ovinos, que se alimentam da vegetação nativa existente, normalmente, em áreas de caatinga preservada.

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32 Francisco, localizado no norte do Estado. São elas: Campo Alegre de Lourdes, Canudos, Casa Nova, Curaçá, Juazeiro, Pilão Arcado, Remanso, Sento Sé, Sobradinho e Uauá. Juntas, somam uma área de 61.750,70 Km²15.

Figura 3

Fonte: Secretaria do Planejamento da Bahia (SEPLAN)16

Ao tratar de território, cabe aqui esclarecer a definição deste lugar que se localiza entre os Territórios de Identidade17 da Bahia, definidos geograficamente pelo

Governo do Estado, a partir de critérios como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política, a população, sob orientações do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Governo Federal (2008)18.

Angelo Serpa (2015) lembra que o processo de identificação de territórios rurais foi deflagrado, a partir de 2003, pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) do MDA, para nortear as politicas públicas para o setor agrícola nacional, especialmente aqueles ligados à agricultura familiar. O autor ressalta que, na Bahia,

15 IBGE. Instituto Nacional de Geografia e Estatística. <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 03 de

abr. 2016.

16 Disponível em < http://www.seplan.ba.gov.br/>. Acesso em 28 de ago. 2015

17 Disponível em Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia (SEPLAN). <

http://www.seplan.ba.gov.br/>. Acesso em 28 de ago. 2015.

18 O “Territórios da Cidadania” é um programa de desenvolvimento regional sustentável e garantia de

direitos sociais voltado às regiões do país que mais precisam, com objetivo de levar o desenvolvimento econômico e universalizar os programas básicos de cidadania. Trabalha com base na integração das ações do Governo Federal e dos governos estaduais e municipais, em um plano desenvolvido em cada território, com a participação da sociedade. Disponível em http://portal.mda.gov.br/o/877095. Acesso em 25 de fev. 2017.

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33 foi o Fórum Baiano da Agricultura Familiar que, em 2007, reivindicou o reconhecimento, a adoção e o estabelecimento de 26 Territórios de Identidade, em substituição às “regiões econômicas”, como diretriz básica do planejamento público estadual.

Os Territórios foram então instituídos no ano de 2010, passando a reconhecer a existência de 27 Territórios de Identidade, constituídos a partir da especificidade de cada região. A metodologia foi desenvolvida com base no sentimento de pertencimento das comunidades, através de suas representações.

O objetivo dessa divisão territorial, de acordo com a Secretaria de Planejamento do Estado (Seplan, 2016), foi identificar prioridades temáticas definidas a partir da realidade local, possibilitando o desenvolvimento equilibrado e sustentável entre as regiões. Sua metodologia foi desenvolvida com base no sentimento de pertencimento, onde as comunidades, através de suas representações, foram convidadas a opinar.

Para o Governo do Estado (Seplan, 2016), o conceito de território envolve um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, caracterizado por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura, a política e as instituições, e uma população com grupos sociais relativamente distintos, que se relacionam interna e externamente por meio de processos específicos, onde se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade, coesão social, cultural e territorial.

Apesar disso, Serpa (2015) destaca a diferença entre as regionalizações culturais, que se constroem no dia a dia dos habitantes das regiões e que vão consolidando uma consciência regional como reflexo e condição de uma apropriação simbólica e material do território, e as regionalizações institucionais, resultantes da atuação do Estado, que tem como base definir estratégias de desenvolvimento regional/territorial, com o propósito de aplicar mecanismos de intervenção como subsídios, impostos, atos administrativos ou legislativos. (SERPA, 2015, p.14).

De todo modo, essa dimensão territorial institucional é importante para o processo de desenvolvimento local porque, segundo Putnam (1993), possibilita introduzir novas abordagens, em que o território não é visto apenas como espaço físico, mas como um ambiente em que exercem formas específicas de interação

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34 social e tecem redes de relações e atores para a constituição de empreendimentos inovadores, fenômeno que vem sendo designado de “capital social”.

Nessa abordagem, destaca-se a consideração de um “sentimento de pertencimento” na definição territorial, levando em consideração, mais que elementos econômicos ou geográficos, as representações políticas e socioculturais. Mais que uma definição arbitrária, ou tecnoburocrática, compor um território deve levar em consideração o reconhecimento cultural.

Com apoio de Paul Little (2002), pode-se complementar territorialidade como um “esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente”, levando em consideração “os saberes ambientais, ideologias e identidades – coletivamente criados e historicamente situados – que um grupo social utiliza para estabelecer e manter seu território” (LITTLE, 2002, p.5). O autor pontua ainda a existência dos vínculos afetivos e culturais que se mantém com o local. Dessa forma, o território fortalece o sentimento de pertencimento e contribui para a cristalização de representações coletivas e da cultura local.

O Sertão do São Francisco, de acordo com dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), tem uma população total de mais de 520 mil habitantes. Destes, aproximadamente 150 mil vivem na área rural. A mesma pesquisa afirma que o número de agricultores e agricultoras familiares se aproxima de 32 mil. Destas, 2.371 famílias são assentadas de reforma agrária. A atividade que lidera a economia da região é a agropecuária, principalmente a fruticultura e criação de caprinos e ovinos.

Quadro 1 - Caracterização do Território Sertão do São Francisco – BA

Área (km²): 61.750,70

População Total (hab): 494.431

População Urbana (hab): 315.797 (63,87%)

População Rural (n. de habitantes): 178.634 (36,13%)

Número de projetos - Reforma Agrária: 98

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Número de estabelecimentos da agricultura familiar: 31.768 Pessoal ocupado na agricultura familiar: 31.768

Número de Pescadores 16.515

Fonte: IBGE 2010. Acesso em: 03 de abr. 2016

Este território tem como forte identidade os seus elementos físicos e naturais, que, inclusive, dão nome à região: uma área geográfica de clima Semiárido nas proximidades do Rio São Francisco. Outra característica que marca os municípios do território é a barragem do Sobradinho, que, construída na década de 1970, provocou forte impacto ambiental e social ao inundar as cidades de Remanso, Casa Nova, Sento Sé, Pilão Arcado e Sobradinho.

Ainda hoje esse episódio faz parte da lembrança e do cotidiano das pessoas moradoras da região e, principalmente, na vida dos pescadores e ribeirinhos, que precisaram mudar das cidades que foram inundadas para as novas cidades planejadas pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), mudando todo seu modo de vida. Esse fato foi um dos motivadores para o surgimento do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)19, nos anos 70, quando o governo militar brasileiro iniciou a construção de grandes usinas em várias regiões do país. As obras possuíam diversos estudos sobre o potencial e o aproveitamento da energia elétrica, mas não considerava uma proposta de indenização adequada das famílias que viviam na beira dos rios.

Muitas dessas famílias foram expulsas de suas terras, sem ter para onde ir, passando a migrar para as cidades ou a aumentar os grupos dos sem terras. O Movimento, que é nacional, surge então com a proposta de reivindicar indenizações justas para as famílias. Em seguida, outras pautas entraram na luta do movimento, como o debate pelo direito de continuar na terra, sendo agricultores, produzindo seu próprio alimento (MAB, 2017). Em entrevista com um pescador20, que também integra o MAB:

O que mais dói no ribeirinho é que a família teve que sair da beira do rio para morar no centro da caatinga. Tivemos que aprender uma nova maneira de viver sem água de qualidade. Não é fácil para ninguém

19 Disponível em <http://www.mabnacional.org.br/>. Acesso em 03 de fev. 2017.

20 Entrevistado não foi nomeado para preservar sua identidade. Adotarei a categoria profissional do

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aprender uma nova vida. Após a gente estar instalado lá, aparece a mineração, parques eólicos, vivemos um conflito imensamente e, por isso, gera ambição, o processo de grilagem. Hoje é complicado pegar um peixe para sobreviver. Faltou estudo na barragem para ver a condição dos peixes. Muitos foram extintos porque a barragem acabou com a piracema, mudando o rio. O passivo social de onde acontece barragens é enorme. (Depoimento de Pescador A. 27 junho de 2017) Figura 4 - Barragem de Sobradinho - junho de 2017

Fonte: Acervo da autora

Figura 5 – Imagem da relatoria gráfica da reunião com pescadores atingidos por Barragem, na Colônia de Pescadores Z-026, em Sobradinho-BA21

Fonte: Acervo da autora

21 A reunião com os pescadores foi parte da programação da Caravana Agroecológica do Semiárido Baiano: no caminho das águas do São Francisco, realizada entre 26 e 30 de junho de

2017, com a participação de organizações e movimentos sociais, institutos de pesquisa, universidades, agricultores, pescadores e povos de comunidades tradicionais.

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37 Diante deste imenso território, é necessário retomar o objetivo deste estudo que busca “entender de que maneira o boletim O Candeeiro contribui para o fortalecimento da cultura de convivência com o Semiárido” e, com isso, delimitar os quatro municípios onde a ação é realizada: Remanso, Campo Alegre de Lourdes, Casa Nova e Pilão Arcado.

Esses são os quatro municípios onde atua a organização não governamental, Serviço de Assessoria a Organizações Populares Rurais (SASOP) e onde estão as experiências visibilizadas no boletim aqui estudado.

A cidade de Remanso22 tem sua fundação datada no ano de 1900, pela Lei Estadual nº 369. Em 1974, com a construção da Barragem de Sobradinho, a sede da cidade foi transferida para uma nova localidade, a Nova Remanso, construída pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), distante sete quilômetros da sede velha, que seria encoberta pelas águas do lago de Sobradinho.

Informações do IBGE (2010) mostram que o município tem uma população de quase 39 mil habitantes, numa área territorial de 4.683.409 km². Com um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (2010) de 0,579, a cidade possui 18 estabelecimentos de Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2012, eram 7.377 pessoas matriculadas no ensino fundamental, 1.625 no ensino médio e 25.654 pessoas alfabetizadas.

Figura 6 – Ruínas de Remanso “Velho”, uma das cidades inundadas pelo Lago do Sobradinho após construção da barragem

Fonte: Acervo da autora

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38 Casa Nova23 surge na primeira metade do século XIX, com a descoberta e

comercialização de sal em seu território. Oficialmente, a cidade foi criada por lei provincial de 1879, com área desmembrada de Remanso. Seu nome original foi São José do Riacho de Casa Nova.

A área total do município é de 9.657,51 km², o que o torna o quarto maior em território na Bahia, atrás de Sento Sé, com 12.871 km², Correntina com 12.242 km² e Pilão Arcado com 11.700 km². Em 2010, a cidade possuía uma população de 64.944 habitantes, 16 estabelecimentos de Saúde do SUS e um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) de 0,570. Na área da Educação, o ano de 2012 registrou 13.538 matrículas no ensino fundamental, 2.355 no ensino médio e 43.523 pessoas alfabetizadas.

Pilão Arcado24 tem uma tradição local, na qual sua denominação está ligada a uma lenda de pescadores que encontraram um pilão, com formato de uma curva em arco, em uma das margens do rio São Francisco, e passaram a utilizá-lo para pilar o sal que salgava o peixe.

A cidade, então em terras da Província de Pernambuco, foi criada em 1810, com a denominação de Vila do Pilão Arcado. A sede foi elevada à categoria de cidade em 1938. Em 1974, também devido à implantação da Barragem de Sobradinho, no rio São Francisco, Pilão Arcado foi transferida para local distante 62 km da sede velha.

A nova cidade também foi planejada e construída pelo Governo Federal, por meio da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf). Hoje, tem uma área de 11.626,635 km² e uma população residente de 32.860 pessoas. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM 2010), de acordo com o IBGE, é de 0,506.

Pilão Arcado possui apenas um estabelecimento de saúde de SUS. Em relação a Educação, o IBGE registrou 8.155 matrículas no ensino fundamental, 1.216 matrículas no ensino médio e um total de 19.968 pessoas alfabetizadas no ano de 2012.

Campo Alegre de Lourdes25 situa-se na divisa com o Estado do Piauí. Embora esteja na área do Vale do São Francisco, fica a 120 km do rio, não é cortado por

23 Disponível em http://www.cidades.ibge.gov.br. Acesso em 14 jan. 2016. 24 Disponível em http://www.cidades.ibge.gov.br. Acesso em 14 jan. 2016. 25 Disponível em http://www.cidades.ibge.gov.br. Acesso em 14 jan. 2016.

(39)

39 nenhum curso de água permanente e ainda não possui sistema de adutora de água para a população, que está sendo construído há alguns anos. A população permanece utilizando água de poços comunitários.

Numa área territorial de 2.781,170 km², a cidade possui uma população de pouco mais de 28 mil habitantes, sendo 21.000 na área rural. A base de sua economia é a agricultura de subsistência e a pecuária de pequeno e grande porte. A cidade foi criada em 05 de julho de 1962, com território desmembrado de Remanso, quando recebeu o nome de Campo Alegre de Lourdes. O IBGE (2010) revela a existência de 11 estabelecimentos de Saúde SUS. Campo Alegre de Lourdes possuía, em 2012, 5.606 matrículas no ensino fundamental, 671 matrículas no ensino médio e 18.234 pessoas alfabetizadas.

Referências

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