INSTITUTO DE FÍSICA “GLEB WATAGHIN”
Rafael Amatte Bizão
Propriedades Estruturais e Mecânicas de Materiais
Baseados no Grafeno
CAMPINAS
2017
Propriedades Estruturais e Mecânicas de Materiais
Baseados no Grafeno
Tese de doutorado apresentada ao Insti-tuto de Física Gleb Wataghin da
Univer-sidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do
título de Doutor em Ciências.
Orientador: Prof. Dr. Douglas Soares Galvão
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE
A VERSÃO FINAL DA TESE DE
DOUTORADO DEFENDIDA PELO
ALUNO RAFAEL AMATTE BIZÃO
E ORIENTADA PELO PROF. DR.
DOUGLAS SOARES GALVÃO.
CAMPINAS
2017
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Física Gleb Wataghin
Maria Graciele Trevisan - CRB 8/7450
Bizão, Rafael Amatte,
B551p BizPropriedades estruturais e mecânicas de materiais baseados no grafeno / Rafael Amatte Bizão. – Campinas, SP : [s.n.], 2017.
BizOrientador: Douglas Soares Galvão.
BizTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Física Gleb Wataghin.
Biz1. Grafeno. 2. Dinâmica molecular. 3. Propriedades mecânicas. I. Galvão, Douglas Soares, 1961-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Física Gleb Wataghin. III. Título.
Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Structural and mechanical properties of graphene-based materials Palavras-chave em inglês:
Graphene
Molecular dynamics Mechanical properties
Área de concentração: Física Titulação: Doutor em Ciências Banca examinadora:
Douglas Soares Galvão [Orientador] Alexandre Fontes da Fonseca Kleber Roberto Pirota
André Rodrigues Muniz
Ricardo Paupitz Barbosa dos Santos
Data de defesa: 10-11-2017
Programa de Pós-Graduação: Física
MEMBROS DA COMISSÃO JULGADORA DA TESE DE DOUTORADO DE RAFAEL
AMATTE BIZÃO - RA 144585 APRESENTADA E APROVADA AO INSTITUTO DE FÍSICA “GLEB WATAGHIN”, DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, EM 10/11/2017.
COMISSÃO JULGADORA:
- Prof. Dr.
Douglas Soares Galvão - Orientador - IFGW/UNICAMP
- Prof. Dr.
Alexandre Fontes da Fonseca - IFGW/UNICAMP
- Prof. Dr.
Kleber Roberto Pirota - IFGW/UNICAMP
- Prof. Dr.
André Rodrigues Muniz - UFRGS
- Prof. Dr.
Ricardo Paupitz Barbosa dos Santos - IGCE/UNESP
OBS
.: Informo que as assinaturas dos respectivos professores membros da banca
constam na ata de defesa já juntada no processo vida acadêmica do aluno.
CAMPINAS
2017
Agradeço meu orientador, Prof. Dr. Douglas Soares Galvão, pelas discussões e pela ajuda
prestada durante meu doutorado.
Agradeço aos professores do IFGW pelos cursos ministrados, sempre em
altís-simo nível.
Agradeço aos professores da banca pelas correções/sugestões.
Agradeço meus familiares e amigos pelo apoio ao longo dessa jornada. Agradeço à Larissa pelo apoio e pelas valiosas dicas de português.
Agradeço à FAPESP (processos 13/17468-5 e 15/14682-1) e à CAPES (pro-cesso 1189628) pelo apoio financeiro.
O grafeno é um material composto exclusivamente por átomos de carbono que foi
recen-temente isolado e possui baixa densidade, espessura atômica e excelentes propriedades eletrônicas, térmicas, óticas e mecânicas. Neste trabalho, realizamos simulações de
di-nâmica molecular clássica para caracterizar a elasticidade, resistência mecânica a aplica-ção de deformaaplica-ção, resistência mecânica ao impacto e tribologia de diferentes materiais
baseados em grafeno. No capítulo 1, iniciamos com uma breve introdução ao grafeno, derivamos suas propriedades eletrônicas utilizando o método tight binding, descrevemos
alguns materiais baseados em grafeno, o método de dinâmica molecular e algumas defini-ções importantes de propriedades mecânicas. No capítulo 2, calculamos as propriedades
mecânicas para uma nova família de nanoribbons de grafeno conhecida como nanowiggles. Nossos resultados mostraram que, assim como as propriedades eletrônicas, as
proprieda-des mecânicas dos nanowiggles de grafeno também podem ser ajustadas de acordo com sua topologia. No capítulo3, analisamos a resistência e a absorção de energia de folhas de
grafeno sob impactos balísticos em alta velocidade. Mais especificamente, utilizamos um modelo analítico para conectar os resultados obtidos teoricamente em escala nano com os
resultados experimentais obtidos em escala micro. Com isso, justificamos a diferença de uma ordem de grandeza obtida entre resultados teóricos e experimentais e sugerimos que
o melhor aproveitamento do grafeno para esse tipo de aplicação se dá na utilização de poucas camadas. No capítulo 4 fizemos cálculos de dinâmica molecular para o processo
de tribologia realizado experimentalmente por colaboradores. Para tanto, utilizamos uma ponta de silício para estudar o atrito com um degrau formado pelo desnível de uma
ca-mada de grafeno para outra. Encontramos uma transição de um estágio em que a força normal é pequena (fazendo com que a ponta dobre a camada superior do degrau e vença a
força van der Waals sem fraturar a borda) para outro estágio em que consideramos valores maiores de força normal, que acarretam uma translação da folha e consequentemente a
meu doutorado. Por fim, no capítulo6apresentamos as conclusões gerais e considerações finais do trabalho.
Graphene is a recently isolated material made exclusively by carbon atoms that has low
density, atomic thickness and excellent eletronic, thermal, optical and mechanical proper-ties. In this study, we employed classical molecular dynamics simulations to characterize
the elasticity, mechanical strength, mechanical resistance due to impact and tribology of different graphene-based materials. In chapter1, we started with a brief introduction to
graphene, derivated its electronical properties using the tight binding method, described some graphene-based materials, the molecular dynamics method and some important
de-finitions of mechanical properties. In chapter2, we calculated the mechanical properties for a new graphene nanoribbons family known as nanowiggles. Our results show that, like
its electronical properties, the mechanical properties of graphene nanowiggles also can be tuned according to its topology. In chapter3, we analised the strength and energy
absor-tion of graphene sheets under high impact ballistic tests. More specifically, we utilised an analytical model to relate results obtained theoretically at nano scale with experimental
results obtained at micro scale. Thereby, we justified the difference of one order of magni-tude obtained between theoretical and experimental studies and suggested that the best
performance of graphene for this kind of application would be obtained for few layers. In chapter4 we did molecular dynamics calculations for the tribology process performed
by our collaborators. We utilised a silicon tip to study the friction with the step edge formed by the difference of height between one layer and two layers graphene. We found
a transition from a stage in which the normal force is small, enabling the superior layer to bend and afterwards overcome the van der Waals force without breaking any bond,
for another stage with higher normal force that slides the superior layer and hence break chemical bonds. In chapter 5 we show the resulting publications of my PhD project.
1.1 Imagens microscópicas do grafeno.. . . 18
1.2 Representação planar da hibridização sp2 no grafeno. Por ser uma repre-sentação planar e o orbital 2p estar orientado de acordo com o eixo z, ele não aparece na figura. Fonte: [1] . . . 19
1.3 Estrutura cristalina do grafeno. Esquerda: no espaço real, em que os pon-tos A e B representam sítios da rede e os vetores a1 e a2 são os vetores
primitivos da rede. Direita: no espaço recíproco, em que os vetores b1 e b2
são os vetores primitivos da rede recíproca. Os pontos K± correspondem aos vértices da primeira zona de Brillouin. Uma possível escolha da célula unitária está tracejada. As direções “P” e “D” orientam a Hamiltoniana de acordo com as representações de Pauli e Dirac, respectivamente. Fonte: [2]. 21
1.4 Estrutura de bandas para o grafeno (∆ = 0). Em zoom, a junção dos cones corresponde aos pontos K e são chamados de pontos de Dirac. Fonte: A. H. Castro Neto et al. The electronic properties of graphene. Reviews of Modern Physics, 2009. . . 23
1.5 Exemplos de nanowiggles de grafeno. (a) mostra os parâmetros necessá-rios para definir os GNWs de forma única (Pα, Oβ, Lp e Lo): (Pα, Oβ,
Lp, Lo) = (a) (4A, 8A, 2, 7); (b) (9Z, 15A, 1, 17); (c) (5A, 10Z, 2, 9) e; (d)
(20Z, 15Z, 1, 39). Em (d) as linhas tracejadas indicam a célula unitária do
material. Para maiores detalhes sobre definições e caracterizações estrutu-rais, veja a referência [3]. . . 26
1.6 Estrutura de bandas dos graphene nanowiggles mostrando as possibilidades eletrônicas/magnéticas para diferentes geometrias. Fonte: adaptada de [4]. 27
1.7 Dependência com a ordem de ligação do potencial ReaxFF. Fonte: Van Duin et al, The Journal of Physical Chemistry A, 2001. . . 30
2.1 Nanoribbons de grafeno considerados nas simulações de dinâmica molecu-lar. Os ângulos de abertura são: (a) ω = 180◦; (b) ω = 127◦; (c) ω = 90◦; (d) ω = 67◦; (e) ω = 53◦; (f) ω = 43◦; (g) ω = 37◦; (h) ω = 28◦; (i) ω = 23◦, e; (j) ω = 2◦. . . 37
2.2 Tensão de fratura como função dos diferentes ângulos de abertura. O grá-fico sugere que o ângulo mais crítico encontra-se entre 30◦ e 70◦. . . 38
2.3 Snapshot do GNW (18A, 12Z) mostrando a corrugação resultante do
pro-cesso de termalização. . . 42
2.4 Média quadrática da altura em relação ao plano formado pelo grafeno (< z2 >) para GNWs da família (a) AA, (b) AZ, (c) ZA e (d) ZZ considerando
a temperatura T = 10 K. . . 43
2.5 Curvas representativas de tensão-deformação. (a) de todas as famílias de GNWs mantendo os parâmetros Pα e Oβ constantes. Os resultados obtidos
para o módulo de Young (Y ) e tensão máxima de tração (σc) foram Y =
648(2) GPa e σc ≈ 78 GPa para (5A, 11A), Y = 763(3) GPa e σc ≈
89 GPa para (5A, 11Z), Y = 659(5) GPa e σc ≈ 69 GPa para (5Z, 11A)
e Y = 664(4) GPa e σc ≈ 70 GPa para (5Z, 11Z); (b) para a família
AA mostrando o fenômeno de super-ductilidade para grandes valores de Pα. Como é possível ver, para a estrutura (25A,14A) a fratura é dúctil
e é finalizada em aproximadamente 30% de deformação, enquanto para a estrutura (4A,20A) a fratura é típica de comportamento frágil e a fratura
completa é observada para aproximadamente 15% de deformação. . . 44
2.6 (a-d) Dinâmica de fratura do GNW (25A, 14A) mostrando a distribuição de
tensão de von Mises. A tensão se concentra em uma linha central que se propaga ao longo da estrutura. Conforme a deformação aumenta, a tensão se acumula nos cantos da estrutura e aumenta até a falha mecânica. Nós adotamos o raio de van der Waals para o carbono (1.7Å) de modo a obter valores aproximados de tensão de von Mises. . . 45
oblíquos (Pα e Oβ, respectivamente) para GNWs das famílias (a) AA, (b)
AZ, (c) ZA e (d) ZZ. Em geral, o módulo de Young diminui com o aumento da largura do setor paralelo. . . 46
2.8 Dependência dos valores de deformação máxima com a largura dos setores paralelos e oblíquos para GNW do tipo (a) AA, (b) AZ, (c) ZA e (d) ZZ considerando temperatura de 10 K. Em geral, a família ZZ apresenta valores maiores de deformação máxima. . . 49
2.9 Dependência dos valores de tensão máxima de tração com a largura dos setores paralelos e oblíquos para GNWs das famílias (a) AA, (b) AZ, (c) ZA e (d) ZZ a 10 K. A tendência é diminuir a tensão máxima de tração com o aumento da largura do setor paralelo. . . 50
2.10 Dependência dos valores de tensão máxima de tração com a largura dos setores paralelos e oblíquos para GNWs das famílias (a) AA, (b) AZ, (c) ZA e (d) ZZ a 300 K. A tendência é diminuir a tensão máxima de tração com o aumento da largura do setor paralelo. . . 51
2.11 Dependência do módulo de Young com a largura dos setores paralelos e oblíquos para GNWs das famílias (a) AA, (b) AZ, (c) ZA e (d) ZZ a 300 K. A tendência é diminuir o módulo de Young à medida em que a largura do setor paralelo aumenta. . . 52
2.12 Modelo mecânico para explicar o porquê algumas estruturas descosturam mais facilmente que outras. . . 54
2.13 Tensão máxima de tração (σc) como função do parâmetro Pα mantendo o
parâmetro constante Oβ = 23 para todas as famílias de GNWs. É possível
ver que a tensão máxima de tração segue uma lei de potência, decaindo enquanto o parâmetro Pα aumenta. . . 55
3.1 (a) Configuração utilizada nas simulações de dinâmica molecular (MD). Uma partícula de níquel foi lançada contra folhas de grafeno considerando diferentes velocidades v e ângulos θ. (b) Snapshot da simulação em que θ = 0◦ e v = 900 m/s. O impacto balístico gera uma deformação elástica que se propaga com velocidade vc por uma área muito maior que as dimensões
a fratura no grafeno após o impacto balístico. . . 62
3.3 Resultados obtidos para θ = 0◦ e v = 900 m/s. (a) Visão lateral do impacto, mostrando a folha de grafeno deformada em forma de cone. (b) Visão superior do impacto. Observe que o raio de deformação do cone (rc)
é bem maior que as dimensões do projétil. (c) Velocidade instantânea do cone. O ajuste linear (linha vermelha) sugere que a forma cônica gerada no impacto se propaga com velocidade constante. Os pontos considerados no ajuste estão à direita da linha amarela, que sinaliza o instante do impacto. 64
3.4 Velocidade instantânea do cone de deformação para v = 600 m/s e θ = 0◦. O ajuste linear (linha vermelha) sugere que, considerando as flutuações, o cone de deformação se propaga com velocidade constante. Para essa velocidade de impacto, a aceleração do cone é a = −0.0066 ± 0.0092 km/s2
e sua velocidade v = 1.99 ± 0.15 km/s. Os pontos considerados no ajuste são aqueles localizados à direita da linha amarela, que indica o instante da colisão. . . 65
3.5 Velocidade instantânea do cone de deformação para v = 1100 m/s e θ = 0◦. O ajuste linear (linha vermelha) sugere que, considerando as flutuações, o cone de deformação se propaga com velocidade constante. Para essa velocidade de impacto, a aceleração do cone é a = 0.0072 ± 0.0079 km/s2 e sua velocidade v = 2.64 ± 0.10 km/s. Os pontos considerados no ajuste são aqueles localizados à direita da linha amarela, que indica o instante da colisão. . . 66
3.6 (a) Modelo analítico ajustando os resultados numéricos de nossas simula-ções de MD realizadas em escala nano e os resultados experimentais de testes balísticos em escala micro realizados por Lee et al. [5], para uma ve-locidade de impacto v = 900 m/s. (b) Comparação entre nosso modelo ana-lítico e resultados para outras velocidades de impacto. Perceba que dados obtidos com velocidade maiores/menores estão localizados acima/abaixo do modelo analítico. Mesmo assim, de forma geral, a tendência é um de-créscimo de dN conforme mais camadas são consideradas. . . 71
Existem basicamente três comportamentos: (1) o projétil retorna sem fra-turar a folha de grafeno; (2) o projétil fratura a folha de grafeno, mas não é capaz de vencer as forças de van der Waals e para completamente; (3) o projétil atravessa a folha de grafeno. (b-d) Padrões de fratura após o impacto para valores de ângulos (b) θ = 0◦, (c) θ = 30◦, (d) θ = 45◦, e (e) θ = 60◦. Os ângulos entre rachaduras vizinhas também estão indicados na figura. . . 72
4.1 Resultados da simulação de dinâmica molecular considerando o intervalo de força normal de ≈ 45 a 82 nN. (A) Força de atrito, força normal (FN S)
e altura vertical da folha de grafeno como função do tempo, mostrando os diferentes estágios. A linha tracejada vertical mostra o instante em que a ponta passa a interagir com o step edge. (B) Snapshot de três diferentes estágios: a1, b1 e c1, mostram a sequência dos acontecimentos. . . 77
4.2 Resultados da simulação de dinâmica molecular considerando o intervalo de força normal de ≈ 80nN a 128nN. (A) Força de atrito, força normal (FN S)
e altura vertical da folha de grafeno como função do tempo, mostrando os diferentes estágios. A linha tracejada vertical mostra o instante em que a ponta passa a interagir com o step edge. (B) Snapshot de três diferentes estágios: a2, b2 e c2, mostram a sequência dos acontecimentos. . . 78
1 Introdução geral 17
1.1 Grafeno . . . 17
1.1.1 Propriedades eletrônicas do grafeno . . . 19
1.1.2 Graphene nanowiggles . . . 25
1.2 Dinâmica molecular . . . 28
1.2.1 ReaxFF . . . 29
1.2.2 Integrador Velocity Verlet . . . 30
1.2.3 Ensembles estatísticos-termodinâmicos . . . 31
1.3 Propriedades mecânicas . . . 33
2 Propriedades mecânicas de nanowiggles de grafeno 35 2.1 Resumo . . . 35
2.2 Introdução . . . 36
2.3 Metodologia . . . 39
2.4 Resultados e Discussão . . . 41
2.5 Conclusões. . . 56
3 Efeitos de escala na penetração balística de folhas de grafeno 57 3.1 Resumo . . . 57
3.2 Introdução . . . 58
3.3 Metodologia . . . 58
3.3.1 Métodos computacionais . . . 58
3.3.2 Procedimentos empregados no cálculo da energia específica de pe-netração dos dados publicados por Haque et al. [6] . . . 60
e Xia et al. [8]. . . 60
3.4 Resultados e discussões . . . 60
3.4.1 Testes balísticos via MD . . . 60
4 Tribologia de bordas de grafeno 74 4.1 Resumo . . . 74 4.2 Introdução . . . 74 4.3 Metodologia . . . 75 4.4 Resultados . . . 76 5 Lista de Publicações 79 6 Conclusões gerais 80
Capítulo 1
Introdução geral
1.1
Grafeno
Grafeno é um alótropo do carbono formado pelo arranjo dos átomos em uma estrutura hexagonal bidimensional conhecida na literatura por honeycomb, justamente por lembrar
favos de mel, como mostra a Fig. 1.1(a).
O isolamento e caracterização do grafeno rendeu a Andre Geim e Konstantin
Novoselov o Prêmio Nobel de Física de 2010 por conduzirem “experimentos inovadores com respeito ao material bidimensional Grafeno”[9]. O processo de isolamento do Grafeno
é aparentemente simples e se dá através de uma esfoliação mecânica do grafite [9]. No artigo que rendeu o Nobel [10], Geim e Novoselov conduziram a esfoliação com uma fita
adesiva e um cristal de grafite.
Apesar de ter sido isolado apenas em 2004, o grafeno já havia sido estudado
te-oricamente há muito tempo como ponto de partida para o entendimento das propriedades eletrônicas do grafite. Em 1947, Wallace reportou o estranho comportamento
semimetá-lico do grafeno [11]. Porém, nessa época pensavam que seu isolamento seria impossível, já que o teorema de Mermin-Wagner (1966) afirma que estruturas bidimensionais não seriam
estáveis devido a impossibilidade de haver uma quebra espontânea de simetria contínua em sistemas com dimensão menor que três. Acreditava-se que qualquer flutuação
indu-zida pela temperatura seria capaz de enrolar essa estrutura em forma de nanotubos ou fulerenos. Na verdade, o que se observou é que o teorema não foi violado já que folhas
suficientemente grandes de grafeno não são estritamente bidimensionais, sendo relaxadas pela presença da superfície, de defeitos ou por corrugações.
(a) Imagem obtida por microscopia de tunelamento (STM) mostra a estrutura hexagonal tipo “favos de mel” do grafeno. Fonte: [12].
(b) Fulereno, nanotubos e grafite, respectiva-mente, obtidos através de transformações rea-lizadas em uma folha de grafeno. Fonte: [9].
Figura 1.1: Imagens microscópicas do grafeno.
É importante enfatizar que diversos outros alótropos do carbono podem ser
ob-tidos a partir de transformações realizadas no grafeno. Os fulerenos, por exemplo, podem ser obtidos adicionando pentágonos na estrutura bidimensional do grafeno, ocasionando
assim uma curvatura positiva, que torna a estrutura esférica. Por outro lado, realizando cortes, enrolando uma folha de grafeno e refazendo a ligação entre os carbonos podemos
obter os nanotubos de carbono. Por fim, empilhando folhas de grafeno, obtemos o grafite. Todas essas transformações estão sintetizadas na Fig. 1.1(b).
Acredita-se que o grafeno abrirá uma nova era na ciência dos materiais devido as suas excelentes propriedades. Dentre elas, podemos citar: pequena espessura
(espes-sura de um átomo de carbono), baixa densidade (uma folha hipotética de grafeno de 1m2 pesaria 0.77mg), transparência ótica (absorve apenas 0, 023 da intensidade luminosa
inci-dente), altíssima resistência (uma folha de grafeno comparada com uma hipotética de aço de mesma espessura seria 100 vezes mais resistente), condutividade elétrica (ligeiramente
superior a do cobre) e condutividade térmica (conduz calor 10 vezes melhor que o cobre) [9].
Todas essas qualidades fizeram com que o grafeno rendesse o Prêmio Nobel com um intervalo bem pequeno entre descoberta e premiação em comparação aos outros
prêmios, já que o artigo reportando o isolamento foi publicado em 2004 e o prêmio en-tregue em 2010. Essas excelentes propriedades também fizeram com que o grafeno fosse
Figura 1.2: Representação planar da hibridização sp2 no grafeno. Por ser uma
represen-tação planar e o orbital 2p estar orientado de acordo com o eixo z, ele não aparece na figura. Fonte: [1]
extensivamente estudado e que surgissem cada vez mais buscas por aplicações
tecnológi-cas.
Agora faremos uma breve exposição da estrutura eletrônica do grafeno obtida
através da aproximação tight biding. A exposição será em grande parte baseada nos artigos [2, 13].
1.1.1
Propriedades eletrônicas do grafeno
Estrutura cristalina
Conforme adiantamos, o grafeno forma uma estrutura hexagonal bidimensional. É ener-geticamente favorável que os átomos de carbono sofram uma hibridização do tipo sp2,
na qual um orbital do tipo s se hibridiza com dois do tipo p resultando em três orbitais híbridos do tipo sp2, restando um orbital 2p (ver Fig. 1.2). Os orbitais hibridizados são os
responsáveis pelas fortes ligações covalentes no plano (também conhecidas como ligações σ) que os átomos de carbono fazem com seus vizinhos e que mantém a estrutura
hexago-nal coesa, enquanto o orbital 2p restante (perpendicular ao plano) pode formar ligações (também conhecidas como ligações π) fracas comparadas as ligações σ.
Existem diversas maneiras de definirmos a célula unitária para uma rede he-xagonal. Seguiremos aqui a definição de Mecklenburg e Regan [2] que pode ser vista na
Fig. 1.3. Trata-se de uma rede de Bravais triangular em conjunto com uma base de dois átomos. Na Fig. 1.3 representamos os sítios da célula unitária por “A” e “B”. Os
vetores a1 e a2 são os vetores primitivos que geram o restante da estrutura através de
translações do tipo Ri = R(m, n) = ma1 + na2 com o parâmetro de rede para o
gra-feno a = |a1| = |a2| ≈ 2, 46Å. As direções ˆas e ˆad são as direções armchair e zig-zag,
respectivamente, e nessa representação podem ser escritas em termos dos vetores a1 e a2
como ˆ ad = (a1− a2)/a (1.1) ˆ as = (a1+ a2)/ √ 3a. (1.2)
A direção ˆan é perpendicular as duas anteriores e é obtida através do produto
vetorial entre ˆad e ˆas, ˆan= ˆad× ˆas.
A rede recíproca do grafeno também é hexagonal, como mostra a Fig. 1.3
(direita), em que b1 e b2 são os vetores primitivos que geram a rede recíproca através
de translações do tipo Qi = Q(m, n) = Nm1b1+ Nn2b2, sendo N = N1N2 a quantidade de
células primitivas do cristal. Os pontos K+ e K− destacados na figura correspondem a
dois vértices da primeira zona de Brillouin que serão importantes nos desenvolvimentos posteriores.
Aproximação tight-binding
Conforme adiantamos, o orbital 2p não participa das ligações. Por esse motivo, conside-raremos seus elétrons como os únicos responsáveis pela dinâmica eletrônica.
Para todos os propósitos, os outros elétrons são considerados inertes. Os dos orbitais hibridizados sp2 por estarem participando de fortes ligações covalentes e os do
orbital s por estarem muito próximos ao núcleo; essa é a abordagem tight-binding. Em nosso desenvolvimento consideraremos que a dinâmica eletrônica se dá
apenas por interações entre os primeiros vizinhos, desconsiderando os efeitos da interação dos elétrons com os segundos e vizinhos de mais alta ordem. Essas interações se dão por
tunelamento entre orbitais vizinhos.
Uma das maneiras de representar essa interação é utilizando a linguagem de
tight-Figura 1.3: Estrutura cristalina do grafeno. Esquerda: no espaço real, em que os pontos A e B representam sítios da rede e os vetores a1 e a2 são os vetores primitivos da rede.
Direita: no espaço recíproco, em que os vetores b1 e b2 são os vetores primitivos da
rede recíproca. Os pontos K± correspondem aos vértices da primeira zona de Brillouin.
Uma possível escolha da célula unitária está tracejada. As direções “P” e “D” orientam a Hamiltoniana de acordo com as representações de Pauli e Dirac, respectivamente. Fonte:
[2].
binding pode ser escrita como
H =X i [ANA(Ri) + BNB(Ri)] − t X <i,j> [A†(Ri)B(Rj) + H.c.], (1.3)
em que α (α = A, B) é a energia do elétron que está no átomo do subsítio α da base,
Nα(R) = α†(R)α(R) é o operador número, α†(R) é um operador de campo capaz de
criar um elétron no subsítio α do sítio R e α(R) é um outro operador de campo capaz de
destruir elétrons da mesma forma.
O primeiro termo dessa Hamiltoniana é o responsável por fazer a contabilização
da energia de cada sítio i. Os termos envolvendo subíndice “A” contam a energia do subsítio “A” da base através da contagem de elétrons feita pelo operador número NA no
sítio de posição Ri e multiplicando pela energia desses elétrons A. O mesmo raciocínio
vale para o subsítio “B”. Já o segundo termo, é o responsável pela interação entre os
sítios vizinhos < i, j >. O termo A†(Ri)B(Rj) é responsável por destruir um elétron
no subsítio “B” do sítio j e então criá-lo no subsítio “A” do sítio i. A denominação H.c
significa hermitiano conjugado e faz com que o caminho inverso também seja permitido para o elétron, ou seja, passar do sítio i para o j. De acordo com essas definições, os valores
necessários para o vetor Rj realizar a soma entre vizinhos são (Ri, Ri− a1, Ri− a2). A
constante t, também conhecida como constante de hopping, está ligada à probabilidade
da condução eletrônica ocorrer e seu valor é t ≈ 2.8 eV[13].
Introduzimos agora a seguinte transformada de Fourier nos operadores de
campo A e B A(R) = N−1/2X k A(Qk)eiR.Qk (1.4) B(R) = N−1/2X k B(Qk)eiR.Qk (1.5)
em que Qk é uma posição na rede recíproca dada em função dos vetores primitivos b1 e
b2. Aplicando a transformada na Eq. 1.3, usando a relação Pk = eiRk(Q−Q
0)
= N δQ,Q0 e
escrevendo a Hamiltoniana em uma forma matricial chegamos em
H =X J A†(Qj) B†(Qj) H A(Qj) B(Qj) , (1.6)
em que definimos o termo central do Hamiltoniano como
H = −t −∆/t 1 + e−iQ.a1 + e−iQ.a2 1 + eiQ.a1 + eiQ.a2 ∆/t . (1.7)
Definimos também o termo ∆ = (a− b)/2 e para a obtenção dessa expressão
o zero de energia foi escolhido para que (a+ b)/2 = 0.
É importante ressaltar que como ∆ é a diferença de energia entre elétrons do
subsítio “A” e “B” e no grafeno como os subsítios “A” e “B” são ocupados pelos mesmos tipos de átomos (carbono), então ∆ = 0 para o grafeno. No entanto, faremos o desenvolvimento
para um ∆ genérico e particularizaremos quando quisermos obter as propriedades do grafeno.
Diagonalizando o Hamiltoniano da Eq. (1.7) chegamos em suas autoenergias, que são dadas pela equação
(Q) = ±tp(∆/t) + |1 + eiQ.a1 + eiQ.a2|2, (1.8)
que nos dá uma expressão para a banda de valência (−) e a banda de condução (+). O
gap que separa as duas bandas está intimamente ligado com o parâmetro ∆ e é nulo para o grafeno.
Figura 1.4: Estrutura de bandas para o grafeno (∆ = 0). Em zoom, a junção dos cones corresponde aos pontos K e são chamados de pontos de Dirac. Fonte: A. H. Castro Neto
et al. The electronic properties of graphene. Reviews of Modern Physics, 2009.
A Fig. 1.4 mostra um gráfico da estrutura de bandas para o grafeno, obtido
plotando tanto a parte positiva quanto a negativa da expressão 1.8. Como o gap que separa as bandas de valência e condução é nulo no grafeno, isso o classifica como um
semimetal ou um semicondutor de gap nulo, já que a energia de Fermi está localizada em (Q) = 0.
Agora iremos descrever o comportamento da energia dos elétrons que estão localizados nas proximidades dos pontos K (também conhecidos como pontos de Dirac)
definidos na Fig. 1.3.
Escrevendo K± como função dos vetores primitivos da rede recíproca
K± = ±2b2 + b1
3 + mb1+ nb2. (1.9)
É importante enfatizar que a escolha dos pontos K± é arbitrária, já que os
outros pontos são obtidos através de translações dos vetores primitivos da rede recí-proca. Portanto, um desenvolvimento considerando outro conjunto de pontos deve levar
ao mesmo resultado.
Consideramos Q = K±+ k com k.aj 1 (limite do contínuo - comprimentos
de onda muito maiores que o parâmetro de rede) e expandimos o termo 1 + eiQ.a1 +
Hamiltoniano nas proximidades de K±, que toma a forma H±(k) = vF ∆/vF k.(±ˆad− iˆas) k.(±ˆad+ iˆas) −∆/vF , (1.10) com vF = √
3ta/2¯h, também conhecida como velocidade de Fermi. Por fim,
diagonali-zando esse hamiltoniano sua autoenergia será
(k) = ±vF
p
∆2+ |k|2. (1.11)
Particularizando para o caso do grafeno (∆ = 0), chegamos em uma dispersão linear isotrópica para a energia nas proximidades dos pontos de Dirac do tipo
(k) = ±vF|k|. (1.12)
Sabemos que a energia de uma partícula relativística com m0 = 0 é E = cp.
Isso nos leva a comparar com a Eq. (1.12) e concluir que elétrons próximos aos pontos K da primeira zona de Brillouin se comportam como partículas relativísticas de massa nula
(já que p = ¯hk) viajando com a velocidade de Fermi (vF ≈ c/300).
Essa conclusão faz com que fenômenos de caráter quântico/relativístico possam
ser observados em experimentos com grafeno. De fato, diversos experimentos nesse sentido foram realizados. Para mais informações, é sugerida a referência [13].
O desenvolvimento feito até agora foi em relação aos vetores da base, isto é, independente de qualquer escolha de eixos coordenados. Ainda assim, podemos escrever a
Hamiltoniana da Eq. (1.10) escolhendo duas orientações que as levam a formas conhecidas. Uma dessas formas é a de Dirac, obtida tomando a orientação “D” representada
na Fig. 1.3. Nessa representação, ˆad= ˆy e ˆas = −ˆx de forma que a Hamiltoniana da Eq.
(1.10) toma a forma
H±D(k) = vF(±σxky+ σykx) + σz∆. (1.13)
Uma outra orientação possível é a de Pauli, que é obtida tomando ˆad = ˆx e
ˆ
as = ˆy de forma que a Hamiltoniana da Eq. (1.10) toma a forma
Particularizando para o caso do grafeno (∆ = 0), a Hamiltoniana tipo Pauli toma a forma H+ P(k) = vF(σ.k), (1.15) em que σ = (σx, σy).
1.1.2
Graphene nanowiggles
Como vimos nas seções anteriores, o grafeno é um semicondutor de gap nulo, o que muitas
vezes o impossibilita de ser utilizado em transistores e aplicado diretamente para geração de tecnologia. Existem diversas maneiras de abrir o gap do grafeno, incluindo
funcio-nalização química, [14], aplicação de tensão mecânica [15] ou por mudanças topológicas na estrutura. Uma das mudanças topológicas consiste na fabricação de tiras finitas de
grafeno, conhecidas como nanoribbons de grafeno (GNRs) [16,17]. GNRs podem ser defi-nidos como segmentos finitos de grafeno com uma das dimensões significantemente maior
que a outra. Suas propriedades eletrônicas têm sido extensivamente estudadas [18, 19] e uma das conclusões é que elas dependem diretamente do confinamento eletrônico
prove-niente da limitação estrutural. Dessa forma, conforme os GNRs se tornam mais estreitos, o gap aumenta [19].
Recentemente, com a advento de uma nova técnica de fabricação [20], uma nova família de nanoribbons conhecida como nanowiggles pôde ser isolada
experimental-mente [20, 4] e passou a atrair bastante atenção. Graphene nanowiggles são repetições desalinhadas de nanoribbons (ver Fig. 1.5) que possuem propriedades eletrônicas e
mag-néticas ajustáveis alterando sua geometria [4]. De certa forma, isso possibilita a fabricação de estruturas para aplicações específicas.
A descrição completa da forma de um GNW depende de quatro parâmetros estruturais [21]: a largura da estrutura (Lo - medida perpendicularmente ao seu
com-primento) e do setor oblíquo (Oβ), além da largura do setor paralelo externo/interno
(Pα/Lp). As direções oblíquas e paralelas são definidas de acordo com a direção periódica
da estrutura, isto é, sua maior direção. Todos esses parâmetros são definidos na Fig.
1.5(a). Os sub-índices α/β denotam a morfologia dos setores paralelos/oblíquos, que
Figura 1.5: Exemplos de nanowiggles de grafeno. (a) mostra os parâmetros
necessá-rios para definir os GNWs de forma única (Pα, Oβ, Lp e Lo): (Pα, Oβ, Lp, Lo) = (a)
(4A, 8A, 2, 7); (b) (9Z, 15A, 1, 17); (c) (5A, 10Z, 2, 9) e; (d) (20Z, 15Z, 1, 39). Em (d) as
linhas tracejadas indicam a célula unitária do material. Para maiores detalhes sobre definições e caracterizações estruturais, veja a referência [3].
(a) Estrutura eletrônica dos graphene nanowiggles obtidas utilizando DFT (linhas pontilhadas) e um método tight binding (linhas cheias) corresponden-tes a diferencorresponden-tes estados magnéticos para graphene nanowiggles do tipo AA, AZ, ZA e ZZ conforme
ilustrado na Fig. 1.5. As distribuições
esquemá-ticas de spin são mostradas na parte superior de cada gráfico (vermelho: down, preto: up).
(b) Gaps da estrutura de bandas dos graphene na-nowiggles como função de “P” e “O” para o estado magnético PM em AA (superior esquerda), e para o estado AFM em AZ (superior direita), ZA, (in-ferior esquerda) e ZZ (in(in-ferior direita). As áreas brancas correspondem a geometrias não permitidas pela escolha de “P” e “O”. As partes marcadas com um “x” correspondem a distribuições AFM que não são estáveis.
Figura 1.6: Estrutura de bandas dos graphene nanowiggles mostrando as possibilidades eletrônicas/magnéticas para diferentes geometrias. Fonte: adaptada de [4].
diferentes podem ser definidas: (α, β) = (A, A) (Fig. 1.5(a)), (Z, A) (Fig. 1.5(b)), (A, Z) (Fig. 1.5(c)) e (Z, Z) (Fig. 1.5(d)).
As propriedades eletrônicas e magnéticas dos nanowiggles ilustrados na Fig.
1.5foram calculadas utilizando abordagem DFT e um método tight-binding considerando
os três primeiros vizinhos e o resultado está na Fig. 1.6 (mais detalhes dos métodos computacionais utilizados estão disponíveis na referência [4]). Os resultados da simulação
mostram uma boa concordância entre os dois métodos empregados. Diferentemente do grafeno, os nanowiggles não apresentam gap nulo para algumas construções geométricas.
Baseado nisso, a Fig. 1.6 (direita) mostra um gráfico em que várias estruturas são simu-ladas variando a forma dos nanowiggles, conforme descrito anteriormente, e o tamanho
do gap é contabilizado por uma escala de cores.
Além de gaps distintos, variações na forma dos nanowiggles também geram
diferentes alinhamentos magnéticos. A Fig. 1.6 (esquerda) também mostra em sua parte superior esses alinhamentos. Estruturas AA (armchair na direção paralela e oblíqua)
possuem apenas ordenamento paramagnético (PM). Por outro lado, estruturas AZ (arm-chair na direção paralela e zig-zag na oblíqua) podem apresentar diferentes
ordenamen-tos magnéticos: PM, FM (ferromagnético), AFM ferromagnético), TAFM (anti-ferromagnético transversal), LAFM (anti-(anti-ferromagnético longitudinal). Estruturas ZA
admitem PM, FM e AFM e estruturas ZZ admitem PM, AFM e LFiM (outro tipo de ferromagnético longitudinal).
1.2
Dinâmica molecular
Com a evolução do computador, métodos numéricos para a resolução de problemas físicos passaram por uma grande expansão e estão se tornando cada vez mais importantes.
Dentre esses métodos, podemos destacar a teoria do funcional da densidade (DFT), dinâmica molecular, coarse grained e elementos finitos. A diferença entre eles
está na maneira de abordar o problema, pois cada método possui um tipo de aproximação
diferente, que impacta diretamente no tamanho do sistema que podemos tratar e no tempo de simulação que conseguimos atingir.
Os métodos DFT reduzem problemas de N corpos e, portanto, 3N coordenadas espaciais, em um problema de 3 coordenadas empregando um funcional da densidade
eletrônica. A abordagem por métodos DFT tem se tornado cada vez mais popular no cálculo de propriedades eletrônicas, e adaptações aos funcionais para melhor descrever o
gap dos materiais continuam sendo estudadas.
O método de dinâmica molecular clássica utiliza a equação de Newton como
base. Em um sistema de N átomos, cada átomo é tratado como uma esfera de massa m que possui 3 coordenadas espaciais e 3 coordenadas de velocidade. Para prevermos
como se dá a evolução temporal do sistema, utilizamos as equações de Hamilton. Dado o Hamiltoniano de um sistema dinâmico qualquer composto por N partículas
H = N X i=1 p2 i 2mi + U (q), (1.16)
em que pi é o momento da i-ésima partícula, mi sua massa e U (q) a energia potencial de
interação entre as partículas do sistema. Utilizando as equações de Hamilton, obtemos as
equações de movimento ˙ pi = dpi dt = − ∂H ∂qi = −∂U (q) ∂qi = Fi, (1.17) ˙ qi = dqi dt = ∂H ∂pi = pi mi , (1.18)
em que Fi é a força sentida pela partícula i.
Tendo o potencial de interação bem definido, obtemos facilmente a força e a aceleração. Por processos de integração, obtemos a velocidade e a posição ao longo do
tempo.
Existem diversos potenciais criados para auxiliar nos cálculos de dinâmica
molecular, tanto reativos quanto não reativos. Potenciais conhecidos como não reativos são derivados de potenciais harmônicos e, portanto, não são capazes de realizar ou desfazer
ligações químicas. Já os potenciais reativos são aqueles capazes de descrever o surgimento e a quebra de ligações por não serem exclusivamente baseados em potenciais harmônicos.
Potenciais não reativos, de uma maneira geral, são da forma
U (r1, ..., rN) = X bonds ai 2(li− li0) 2+ X angles bi 2(θi − θi0) 2+ X torsions ci 2(1 + cos(nωi− γi)) 2+ X atompairs 4ij[( σij rij )12− (σij rij )6] + X atompairs kqiqj rij (1.19)
em que rij = |ri − rj|. Neste trabalho, além de potenciais não-reativos, utilizamos um
potencial reativo conhecido na literatura como ReaxFF.
1.2.1
ReaxFF
O potencial ReaxFF é um potencial reativo em que as energias e forças são calculadas baseando-se na ordem de ligação entre os átomos que constituem o material (ver Fig. 1.7).
Além disso, o ReaxFF considera interações de Coulomb e van der Waals explicitamente [22]. Com isso, ele pode descrever de maneira satisfatória a formação e dissociação das
ligações químicas entre os átomos, possibilitando esse tipo de estudo. Seu uso é interes-sante em situações em que métodos ab initio se tornam computacionalmente proibitivos,
Figura 1.7: Dependência com a ordem de ligação do potencial ReaxFF. Fonte: Van Duin et al, The Journal of Physical Chemistry A, 2001.
isto é, para sistemas muito grandes ou para longos tempos de simulação. Suas parametri-zações são desenvolvidas utilizando simulações precisas de DFT, aliadas com resultados
experimentais quando disponíveis [22].
O ReaxFF já foi utilizado com sucesso em diversos tipos de simulações, como
cálculos de propriedades mecânicas em membranas de siliceno [23], nitreto de carbono [24], além da caracterização do mecanismo de cura do grafeno [25], processos de combustão
[26, 27] e oxidação [28] envolvendo sistemas baseados em carbono. Existem diversos con-juntos de parâmetros desenvolvidos para o ReaxFF, cada qual determinado para diferentes
elementos e sistemas. Ao rodarmos simulações com potenciais clássicos, devemos sempre avaliar com cuidado o conjunto de parâmetros que melhor se adapta ao tipo de problema
que estamos querendo estudar. Ao longo da tese, quando conveniente, será mencionado além do potencial utilizado nas simulações, o conjunto de parâmetros escolhido.
1.2.2
Integrador Velocity Verlet
Dadas as equações de movimento do sistema, precisamos integrá-las no tempo para obter a evolução temporal dos vetores posição e momento de cada átomo i do sistema estudado.
Uma maneira rápida e confiável de fazer isso é utilizando o integrador de Verlet, que é basicamente um integrador de Euler que considera os termos de segunda ordem. Sua
forma é dada pela equação xi(t + ∆t) = xi(t) + vi(t)∆t + Fi(t) 2mi ∆t2 vi(t + ∆t) = vi(t) + Fi(t) + Fi(t + ∆t) 2mi ∆t, (1.20)
em que t é o tempo e ∆t o passo de integração.
1.2.3
Ensembles estatísticos-termodinâmicos
O estado de um sistema d-dimensional fechado preenchido com N partículas clássicas é
determinado pelo vetor posição xi(t) e momento pi(t) de cada partícula i (i = 1, ...N ),
ou, de maneira equivalente, por um vetor R = [x(t), p(t)].
Um ensemble estatístico é um conjunto grande de cópias virtuais de um sistema real, representando através de uma distribuição estatística todos os possíveis estados deste
sistema. Dependendo do tipo de sistema e do tipo de simulação, diferentes ensembles estatísticos são necessários para um melhor tratamento do problema. Dentre os principais
ensembles, utilizamos três em nossas simulações: o ensemble micro-canônico (NVE), o ensemble canônico (NVT) e o ensemble isotérmico-isobárico (NPT).
Ensemble NVE
O ensemble NVE trata sistemas isolados em que o número de partículas, o volume e a
energia se conservam. Esse ensemble seria o equivalente a experimentos que não têm contato com o meio externo, ou seja, devidamente cercados por paredes rígidas, isolados
do exterior, e sem possibilidade de troca de partículas e de calor. Nesse ensemble, não temos nenhum tipo de controle sobre a temperatura, que é dada basicamente pelo grau
de agitação dos átomos, podendo ser estimada através do teorema da equipartição
hEKi =
3
2N kbT, (1.21)
em que hEKi é a energia cinética média, N é o número de partículas do sistema, T a
temperatura e kb a constante de Boltzmann. Quando o controle da temperatura e/ou da
Ensemble NVT
O ensemble NVT é empregado quando há necessidade de controlar a temperatura. Este controle é feito através do acoplamento do sistema a um reservatório virtual, que é
res-ponsável por regular a temperatura e deixar em torno de um valor médio pré estabelecido. Para inserir a dependência com a temperatura na dinâmica molecular, Nosé
e Hoover propuseram um modelo que posteriormente ficou conhecido como termostato Nosé-Hoover [29]. Trata-se, basicamente, de uma modificação no Hamiltoniano original,
descrito previamente na Eq. 1.16. Essa modificação foi pensada de forma que uma nova dependência com a temperatura fosse capaz de alterar a energia cinética das partículas.
O novo Hamiltoniano foi postulado como
H = N X i=1 p2i 2mis2 + U (q) + p2s/2Q + gkbT ln s, (1.22)
em que ps é o momento conjugado da variável s, Q é um parâmetro que se comporta
como uma espécie de massa para o movimento de s, g é essencialmente igual ao número de graus de liberdade do sistema, kb é a constante de Boltzmann e T é a temperatura
externa desejada.
Assumimos que o Hamiltoniano dado pela Eq. 1.22 obedece as equações de
Hamilton. Sendo assim, obtemos as equações de movimento dqi dt = ∂H ∂pi = pi mis2 (1.23) dpi dt = − ∂H ∂qi = −∂φ ∂qi (1.24) ds dt = ∂H ∂ps = ps/Q (1.25) dps dt = − ∂H ∂s = X i p2 i mis2 − gkbT ! /s, (1.26)
que podem ser facilmente integradas no tempo utilizando integradores numéricos.
Ensemble NPT
O ensemble NPT é utilizado quando além do controle da temperatura, o controle da pres-são também é necessário. Esse ensemble é importante principalmente em termalizações
iniciais do sistema, em que se deseja que a estrutura gerada esteja em conformidade tanto com o potencial quanto com a temperatura utilizada para tratar o sistema. Para isso,
usualmente, a pressão nas extremidades do material é fixada em zero, o que faz com que o volume da caixa de simulação se ajuste para minimizar a energia do sistema. O método
de obtenção das equações se dá de maneira semelhante ao do ensemble NVT e pode ser visto com detalhes nas refs. [30, 31, 32].
1.3
Propriedades mecânicas
Como esse trabalho envolve diversos cálculos de propriedades mecânicas, a definição de termos que serão utilizados no decorrer da tese se faz necessário.
O teste mecânico mais natural de se realizar em um material é o de tração. Nesse teste, uma força F é aplicada em uma das extremidades, o que provoca uma
dis-tensão no material. A força por área da seção transversal do material (A) é definida como tensão (stress) σ = F/A e a distensão resultante como deformação (strain). Diferentes
materiais respondem a esse teste de maneiras distintas. Podemos definir dois tipos de materiais: frágeis (brittle) e dúcteis (ductile).
Materiais frágeis são aqueles que uma pequena rachadura é suficiente para que a fratura se alastre pelo material e faça com que ele se rompa por completo, o que não
ocorre com os materiais dúcteis. Um exemplo de material frágil bastante conhecido é o
vidro e outro de material dúctil é a borracha.
Durante o processo de distensão, podemos derivar um gráfico de tensão-deformação,
que para materiais dúcteis se parece com o esboço apresentado na Fig. 1.8. Na região linear, definimos uma grandeza conhecida como módulo de Young, que é justamente o
coeficiente angular desta região. A máxima tensão que o material suporta é conhecida como tensão máxima de tração (ultimate strength ou tensile strength).
Capítulo 2
Propriedades mecânicas de nanowiggles
de grafeno
2.1
Resumo
Conforme descrito na seção 1.1.2, nanowiggles de grafeno (GNW) têm sido estudados recentemente devido ao interesse no desenvolvimento de dispositivos baseados em
gra-feno. Neste capítulo, iremos explorar as propriedades mecânicas de um grande número de GNWs de diferentes formas e tamanhos através de simulações de dinâmica molecular
reativa. Nossos resultados mostram que as propriedades mecânicas dos GNWs são for-temente dependentes da sua topologia e, de forma geral, folhas mais estreitas possuem
maior tensão máxima de tração e módulo de Young. Os valores de módulo de Young foram obtidos em um intervalo de ≈ 100 − 1000 GPa e os de tensão máxima de tração
em um intervalo de ≈ 20 − 110 GPa, fazendo com que as respostas mecânicas dos GNWs possam ser ajustadas dentro de uma grande extensão de valores, sendo muito sensíveis aos
valores dos parâmetros que os definem. Além disso, encontramos um comportamento su-per dúctil para algumas estruturas. Propriedades mecânicas ajustáveis, juntamente com
propriedades eletrônicas e magnéticas também ajustáveis [33], fazem com que os GNWs sejam muito atrativos para serem explorados em aplicações futuras. Os resultados
apre-sentados nesse capítulo foram recentemente publicados e estão disponíveis na referência [34].
2.2
Introdução
As propriedades mecânicas do grafeno têm sido estudadas intensivamente por diferentes
metodologias, tanto teóricas quanto experimentais [35]. Baseando-se na técnica de micros-copia de força atômica (AFM), experimentos de nano-indentação revelaram que o módulo
de Young e a tensão máxima de tração de folhas de grafeno atingiram a incrível marca de 1.0 TPa e 130 GPa [36], respectivamente, fazendo do grafeno o material mais resistente já
medido. Simulações computacionais utilizando métodos de DFT apresentaram resultados consistentes com os experimentais, atingindo 1.05 TPa para o módulo de Young e 130
GPa para a tensão máxima de tração [36]. Mais recentemente, propriedades mecânicas de tiras de grafeno (GNRs) também foram estudadas, mostrando que dependem basicamente
da sua largura [37,38,39], e que os GNRs podem ser ainda mais resistentes que o grafeno e que nanotubos de carbono, principalmente devido aos efeitos de reconstrução de borda
[37].
Entretanto, as propriedades mecânicas se mostraram sensíveis a eventuais
de-feitos presentes nos materiais. Mesmo considerando pequenas concentrações de dede-feitos, em alguns casos, foi observada uma queda significativa nos valores de módulo de Young e
de tensão máxima de tração [40]. Considerando defeitos conhecidos como grain bounda-ries, as propriedades mecânicas permanecem semelhantes quando comparadas ao grafeno
em sua forma perfeita. Porém, quando defeitos em forma de vacâncias e stone-wales são considerados, o módulo de Young e a tensão máxima de tração diminuem com o aumento
da densidade de defeitos, atingindo a saturação em regimes de grande concentração [41]. Adicionalmente, a inserção de defeitos no grafeno leva a mudanças nos padrões de fratura,
apresentando uma transição de fratura frágil para super-dúctil [41].
Defeitos conhecidos como re-entrant corners (veja Fig. 2.1) possuem um
com-portamento peculiar, já que configurações com defeitos mais acentuados não necessaria-mente apresentam o comportamento mais crítico. Na Fig. 2.1, apresentamos estruturas
investigadas em simulações realizadas por nós utilizando dinâmica molecular reativa com o potencial ReaxFF [42]. Pudemos concluir que existe um mínimo na tensão de fratura,
e que esse mínimo não corresponde ao defeito com ângulo mais acentuado. Os resultados obtidos por nós (Fig. 2.2), levam a um mínimo entre 30◦ e 70◦.
O conhecimento detalhado das propriedades mecânicas destes materiais é muito importante para a fabricação de nano-dispositivos e para explorar de maneira satisfatória
Figura 2.1: Nanoribbons de grafeno considerados nas simulações de dinâmica molecular.
Os ângulos de abertura são: (a) ω = 180◦; (b) ω = 127◦; (c) ω = 90◦; (d) ω = 67◦; (e) ω = 53◦; (f) ω = 43◦; (g) ω = 37◦; (h) ω = 28◦; (i) ω = 23◦, e; (j) ω = 2◦.
Figura 2.2: Tensão de fratura como função dos diferentes ângulos de abertura. O gráfico sugere que o ângulo mais crítico encontra-se entre 30◦ e 70◦.
sua resistência mecânica [43,37]. Neste capítulo, investigamos profundamente as propri-edades mecânicas e as dinâmicas de fratura dos GNWs. Diversos GNWs de diferentes
tamanhos e formatos, compreendendo as quatro famílias previamente definidas (veja cap.
1.1.2), foram investigados. Utilizando simulações de dinâmica molecular reativa,
calcula-mos o módulo de Young, a tensão máxima de tração, a distribuição de tensão de von Mises e os padrões de fratura para mais de 1000 estruturas diferentes. Nos cálculos,
conside-ramos duas diferentes temperaturas, 10K e 300K, de forma a investigar as dependências das propriedades mecânicas com a temperatura.
2.3
Metodologia
O presente estudo foi realizado através de simulações computacionais utilizando o método de dinâmica molecular (MD) reativa, empregando o potencial ReaxFF [42] com a
para-metrização de Mueller [44], implementado no pacote LAMMPS [45]. Mais informações a respeito do potencial ReaxFF podem ser encontradas na seção1.2.1.
As simulações foram realizadas utilizando um timestep suficientemente pe-queno (0.05 fs) de forma a capturar de maneira satisfatória as interações para duas
tem-peraturas diferentes, 10 K e 300 K. Os valores de temperatura foram controlados utilizando
uma cadeia de termostatos de Nosé-Hoover, previamente descrita na seção 1.2.3. No ge-ral, discutiremos aqui os resultados para 10 K e, quando relevante, compararemos com os
resultados para 300 K.
As estruturas dos GNWs foram projetadas para conterem uma média de 2000
átomos. Os métodos geométricos para obter as células unitárias foram previamente des-critos na literatura [3].
Os parâmetros Pα e Oβ são medidos de acordo com a quantidade de linhas
de átomos de carbono paralelas à respectiva direção. Essas linhas podem ser vistas na
Fig. 1.5(a) para ambas direções. O parâmetro Lo é medido de maneira similar a Pα,
entretanto, ele engloba a contagem de todas as linhas de átomos de carbono paralelas ao
seu comprimento. Para todas estruturas consideradas, o parâmetro Lp foi escolhido de
modo a ser o menor possível, isto é, Lp = 2 se α = A ou Lp = 1, se α = Z. Já o parâmetro
Lo foi escolhido de modo que Lo = 2 × Pα − 1. Desse modo, as estruturas podem ser
as estruturas proibidas (considerando a valência do carbono) resultantes da combinação de Pα, Oβ, Lp e Lo.
Para realizar os cálculos de tensão-deformação primeiramente termalizamos as estruturas utilizando um ensemble NPT, fixando a pressão externa em zero nas direções
periódicas (veja a Fig. 1.5). O processo de termalização foi realizado de forma a eliminar qualquer tipo de tensão residual proveniente de efeitos térmicos. Após a termalização,
utilizamos o ensemble NVT e continuamente alongamos a estrutura na direção periódica, (até atingirmos a falha mecânica) medindo os valores de tensão segundo a equação
L = L0(1 + qdt), (2.1)
em que L0 é o comprimento inicial da estrutura, L seu comprimento após o intervalo
dt e q a taxa de deformação. Durante o processo, adotamos uma taxa de deformação q = 1 × 10−5 fs−1, que se mostrou adequada após diversos testes. De modo a obter os
valores de tensão na estrutura, calculamos o tensor tensão virial, dado por
σij = PN k mkvkivkj V + PN k rki· fkj V , (2.2)
em que V = l × A é o volume da estrutura, N o número de átomos, v a velocidade, r
a posição do átomo e f a força por átomo. O volume dos GNWs foi calculado durante o processo. A área total inicial (A0), isto é, antes de qualquer tipo de deformação foi
calculada multiplicando o comprimento total pela largura total do GNW, subtraindo a área das regiões vazias em formato de trapézio. Consideramos que a área total cresce
linearmente com a deformação, isto é, A = (1 + )A0, em que é a deformação. Nós
adotamos a espessura do grafeno l = 3.4 Å.
As curvas de tensão-deformação foram obtidas plotando a componente uniaxial do tensor tensão (σii) ao longo da direção periódica (i) e a deformação ao longo da mesma
direção (i). A deformação é definida como uma quantidade adimensional obtida dividindo
a tamanho atual pelo tamanho inicial da estrutura na mesma direção, isto é:
i =
∆Li
Lo i
, (2.3)
em que ∆Li = Li− Loi é a variação ao longo da direção i, Li é o comprimento atual e Loi
o comprimento inicial da estrutura. Os valores do módulo de Young podem ser obtidos através da razão entre a tensão uniaxial e o deformação uniaxial aplicado para gerar tal
tensão
Y = σii i
. (2.4)
em que σii é a componente ii do tensor tensão virial na região linear (de comportamento
elástico).
Nós também calculamos os valores de tensão de von Mises para cada átomo de modo a obter informações a respeito da distribuição de tensões na estrutura. A
ten-são de von Mises provê informações importantes sobre o processo de fratura, através da visualização de distribuição de tensão ao longo da estrutura [46, 24, 23]. A tensão de von
Mises por átomo (i) é definido como
σ
vmi=
r
(
σi 11−σi22)
2 +(
σi 22−σi33)
2 +(
σi 11−σi33)
2 +6(
σi 12 2 +σi 23 2 +σi 31 2)
2 , (2.5)em que σii(i = 1, 2, 3) e σij (i 6= j = 1, 2, 3) são as componentes normal e de cisalhamento,
respectivamente.
2.4
Resultados e Discussão
Primeiramente analisamos os GNWs após o processo de relaxação térmica, previamente descrito na seção 2.3. Nesse ponto, os GNWs exibem corrugações estruturais, como pode
ser visto na Fig. 2.3. O nível de corrugação depende da família do GNW (AA, AZ, ZA ou ZZ) e dos valores de Pα e Oβ. A família AA apresenta os menores níveis de corrugação,
assumindo valores consideráveis apenas para estruturas com grandes valores de Pα. Já
para a família AZ, os níveis de corrugação podem ser consideráveis para grandes valores
de Pα e pequenos valores de Oβ, mas muito pequenos considerando pequenos valores de
Pα. Considerando a família ZA, os níveis de corrugação aumentam para valores grandes
de Oβ. Finalmente, a família ZZ apresenta níveis de corrugação que se tornam pequenos
para estruturas com pequenos valores de Oβ e Pα, assumindo valores significativos em
outros casos. Esses padrões podem ser mais facilmente visualizados na Fig. 2.4, na qual apresentamos os valores da média quadrática da altura com relação ao plano formado
pelo grafeno (< z2 >) para diferentes estruturas. Como esperado, a temperatura adotada no processo de termalização também influencia os níveis de corrugação dos GNWs.
Prosseguimos agora com a análise das propriedades mecânicas dos GNWs sob deformação. Conforme a deformação aumenta, os níveis de corrugação começam a
dimi-Figura 2.3: Snapshot do GNW (18A, 12Z) mostrando a corrugação resultante do processo
(a) (b)
(c) (d)
Figura 2.4: Média quadrática da altura em relação ao plano formado pelo grafeno (< z2 >) para GNWs da família (a) AA, (b) AZ, (c) ZA e (d) ZZ considerando a temperatura
0 0.05 0.1 0.15 0.2 0.25 0.3 0.35
Strain
0
20
40
60
80
100
Stress (GPa)
(5
A,11
A)
(5
A,11
Z)
(5
Z,11
A)
(5
Z,11
Z)
(a)0 0.05 0.1 0.15 0.2 0.25 0.3 0.35
Strain
0
20
40
60
80
100
Stress (GPa)
(4
A,20
A)
(25
A,14
A)
(b)Figura 2.5: Curvas representativas de tensão-deformação. (a) de todas as famílias de GNWs mantendo os parâmetros Pα e Oβ constantes. Os resultados obtidos para o módulo
de Young (Y ) e tensão máxima de tração (σc) foram Y = 648(2) GPa e σc≈ 78 GPa para
(5A, 11A), Y = 763(3) GPa e σc≈ 89 GPa para (5A, 11Z), Y = 659(5) GPa e σc≈ 69 GPa
para (5Z, 11A) e Y = 664(4) GPa e σc ≈ 70 GPa para (5Z, 11Z); (b) para a família AA
mostrando o fenômeno de super-ductilidade para grandes valores de Pα. Como é possível
ver, para a estrutura (25A,14A) a fratura é dúctil e é finalizada em aproximadamente 30%
de deformação, enquanto para a estrutura (4A,20A) a fratura é típica de comportamento
Figura 2.6: (a-d) Dinâmica de fratura do GNW (25A, 14A) mostrando a distribuição de
tensão de von Mises. A tensão se concentra em uma linha central que se propaga ao
longo da estrutura. Conforme a deformação aumenta, a tensão se acumula nos cantos da estrutura e aumenta até a falha mecânica. Nós adotamos o raio de van der Waals para o
(a) (b)
(c) (d)
Figura 2.7: Dependência do módulo de Young com a largura dos setores paralelos e oblíquos (Pα e Oβ, respectivamente) para GNWs das famílias (a) AA, (b) AZ, (c) ZA e (d) ZZ.
nuir, até desaparecerem por completo. A partir desse ponto, a tensão passa a aumentar linearmente, caracterizando o regime elástico do material. Neste regime, não há
defor-mação plástica, isto é, se removermos a tensão, a estrutura volta para sua configuração inicial. Além disso, é nesse regime que o módulo de Young do material é definido.
Con-forme a deformação continua aumentando, a tensão também aumenta e a estrutura passa por um regime não-linear até atingir o ponto definido como tensão máxima de tração (σc).
Nesse ponto, o processo de fratura começa a ocorrer e os valores de tensão tendem a zero rapidamente. Curvas representativas de tensão-deformação considerando uma estrutura
de cada família podem ser vistas na Fig. 2.5 (a), na qual cada regime pode ser facilmente identificado.
Durante o processo de deformação, observamos que a tensão de von Mises se acumula em uma linha central ao longo da direção longitudinal do GNW e alcança
seu valor máximo nos cantos internos, como pode ser visto na Fig. 2.6. Isso pode ser explicado pelo fato de que regiões distantes da linha central podem aliviar facilmente a
tensão por suas bordas estarem livres. Apenas a linha central está presa em ambos os lados ao longo da direção na qual a deformação está sendo induzida. Os cantos internos
dos GNWs acumulam ainda mais tensão em relação ao resto da linha central, já que a ausência de vizinhos nessa região contribui negativamente para a distribuição de tensão
entre os átomos.
Entende-se que defeitos podem enfraquecer localmente um material, fazendo
com que a fratura ocorra naquela região com valores de tensão menores do que os observa-dos para o mesmo material em sua forma perfeita [47,48]. Como previamente mencionado,
a forma dos GNWs pode ser considerada como um defeito topológico intrínseco no gra-feno, de modo que é esperado que a tensão máxima de tração seja menor que o do grafeno
e que a fratura ocorra nessas regiões. Isso é exatamente o que observamos em nossas simulações, já que o GNW mais forte é mais fraco que o grafeno em sua forma perfeita,
com rachaduras partindo dos vértices dos GNWs. Esse comportamento foi consistente para todas as famílias de GNWs investigadas por nós.
A natureza do processo de fratura depende fortemente da forma da estrutura, indo desde frágil até super-dúctil. Um GNW (4A, 20A), por exemplo, apresenta um
com-portamento frágil característico, com a tensão caindo abruptamente para zero após o início do processo de fratura, como mostra a Fig. 2.5 (b). Por outro lado, para o GNW
(25A, 14A), um comportamento dúctil é observado e a ruptura completa é obtida apenas
para valores de deformação maiores que 0.3. Nesse caso, um processo de aliviamento
de tensão mais complexo pode ser observado, com diversas quedas consequentes, como mostra a Fig. 2.5 (b), diferindo do decréscimo agudo observado para o grafeno [43] e
para o GNW (4A, 20A). Essas quedas na curva de tensão-deformação são uma
consequên-cia de um processo que ocorre com as ligações químicas do material, parecido com um
processo de descostura, levando o material a apresentar um comportamento super-dúctil. Em geral, esse comportamento foi observado para estruturas com altos valores de setor
paralelo, isto é, altos valores de Pα. Esse fenômeno foi mais frequente para GNWs da
família ZZ, com algumas estruturas alcançando valores finais de deformação da ordem
de 0.5. Os valores finais de deformação reportados aqui são ainda maiores que os valo-res previamente reportados por Xu et al. [41] para grafenos com defeitos, especialmente
quando comparados com estruturas da família ZZ, como pode ser visto na Fig. 2.8. Nós observamos que as fraturas nos GNWs geralmente se propagam ao longo
da direção oblíqua. Dessa forma, as famílias AA e ZA apresentam bordas armchair ao longo da fratura, enquanto a família AZ apresenta bordas zigzag. Por outro lado, no caso
da família ZZ, fraturas armchair são mais comuns. Snapshots do processo de fratura completo de um GNW (25A, 14A) pode ser visto na Fig. 2.6.
Considerando todas as famílias de GNWs, os valores de módulo de Young e tensão máxima de tração σc decrescem com o aumento do parâmetro Pα. Entretanto,
não pudemos verificar uma dependência consistente com o parâmetro Oβ. Os valores do
módulo de Young para todas as estruturas investigadas podem ser vistos na Fig. 2.7. A
tensão máxima de tração, σc, segue uma tendência similar, que pode ser vista nas Figs.
2.9 e 2.10. Efeitos de temperatura são negligenciáveis no módulo de Young (veja a Fig.
2.11), já que eles permanecem praticamente iguais de 10 K para 300 K. Por outro lado, os valores de tensão máxima de tração são muito sensíveis à mudanças de temperatura,
caindo bruscamente com o aumento da temperatura.
Considerando as quatro famílias, o módulo de Young para as famílias AA e ZZ
pode atingir valores de 100 até 1000 GPa (Fig. 2.7(a) e (d)), enquanto para as famílias AZ e ZA o valor vai de 400 até 900 GPa (Fig. 2.7 (b) e (c)). Já a tensão máxima de
tração varia de 20 a 100 GPa para a família AA, 40 a 110 para a família AZ, 40 a 90 para a família ZA, e 20 a 100 para a família ZZ. O grande intervalo de valores obtidos
(a) (b)
(c) (d)
Figura 2.8: Dependência dos valores de deformação máxima com a largura dos setores
paralelos e oblíquos para GNW do tipo (a) AA, (b) AZ, (c) ZA e (d) ZZ considerando temperatura de 10 K. Em geral, a família ZZ apresenta valores maiores de deformação
(a) (b)
(c) (d)
Figura 2.9: Dependência dos valores de tensão máxima de tração com a largura dos setores paralelos e oblíquos para GNWs das famílias (a) AA, (b) AZ, (c) ZA e (d) ZZ a 10 K.
A tendência é diminuir a tensão máxima de tração com o aumento da largura do setor paralelo.
(a) (b)
(c) (d)
Figura 2.10: Dependência dos valores de tensão máxima de tração com a largura dos setores paralelos e oblíquos para GNWs das famílias (a) AA, (b) AZ, (c) ZA e (d) ZZ a
300 K. A tendência é diminuir a tensão máxima de tração com o aumento da largura do setor paralelo.
(a) (b)
(c) (d)
Figura 2.11: Dependência do módulo de Young com a largura dos setores paralelos e oblíquos para GNWs das famílias (a) AA, (b) AZ, (c) ZA e (d) ZZ a 300 K. A tendência