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Psicopatia corporativa: um estudo sobre gestores no Brasil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

HILDA PINHEIRO DA COSTA

PSICOPATIA CORPORATIVA: UM ESTUDO SOBRE GESTORES NO BRASIL

FORTALEZA – CE 2019

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PSICOPATIA CORPORATIVA: UM ESTUDO SOBRE GESTORES NO BRASIL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia. Orientador: Prof. Dr. Walberto Santos.

FORTALEZA – CE 2019

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PSICOPATIA CORPORATIVA: UM ESTUDO SOBRE GESTORES NO BRASIL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia.

Aprovada em: ____ / ____ / ____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________ Prof. Dr. Walberto Silva dos Santos (orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________________________________ Prof. Dr. Cássio Adriano Braz de Aquino

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________________________________________ Prof.a Dr.a Giovana Veloso Munhoz da Rocha

Universidade Tuiuti do Paraná (UTP)

_________________________________________________________________ Prof.a Dr.a Juliana Barreiros Porto

Universidade de Brasília (UNB)

_________________________________________________________________ Prof.a Dr.a Regina Heloisa Mattei de Oliveira Maciel

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Prof. Dr. Valdiney Veloso Gouveia Universidade Federal da Paraíba (UFPB)

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Meus mais sinceros agradecimentos a todos (familiares, amigos, colegas, professores, alunos e participantes) que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste sonho. Por tantos motivos, cabe um reconhecimento especial à minha avó Zuleica (em memória), que certamente estaria vibrando com essa conquista; à minha mãe Valéria, pelo apoio incondicional de sempre; à minha filha Marisol, pela inspiração e esperança diárias; ao meu companheiro Anderson, pelo cuidado e presença constante, especialmente na reta final dessa trajetória; ao meu orientador e amigo Walberto, por tantos ensinamentos, dedicação e paciência; e à FUNCAP (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico), pela concessão da bolsa de estudos que me permitiu ter dedicação exclusiva ao desenvolvimento desta pesquisa.

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Esta tese buscou compreender a psicopatia corporativa, apresentando elementos teóricos e metodológicos para uma discussão do fenômeno, especialmente entre trabalhadores que ocupam cargo de liderança/gestão. Procurou-se, especificamente, verificar a contribuição da personalidade e dos estilos de gestão para explicar a psicopatia no contexto das organizações, apresentando um modelo integrador. Nesse sentido, um apartado teórico e três estudos empíricos foram levados a cabo. O Estudo 1 teve como objetivo adaptar ao contexto brasileiro um instrumento de autorrelato em psicopatia, a Self-Report Psychopathy Scale (SRP). Participaram 218 pessoas da população geral com idade média de 36 anos (DP = 11,5). Estes também responderam a um inventário de personalidade “normal” baseado na teoria dos Cinco Grandes Fatores (IGFP-5) e à Dark Triad Dirty Dozen (DTDD), medida de personalidade “sombria”, além de perguntas sociodemográficas. Os resultados evidenciaram validade fatorial e consistência interna satisfatórios, sugerindo uma escala mais breve, então denominada SRP-BR. O Estudo 2, em contrapartida, pretendeu desenvolver um instrumento de heterorrelato para avaliação de psicopatia corporativa em gestores (Escala de Percepção em Psicopatia Corporativa – EPPC). Para tanto, participaram 330 trabalhadores de Fortaleza-CE com média de idade de 33 anos (DP = 12,4), que avaliaram seus chefes imediatos. No geral, os resultados atestaram a pertinência de utilização da medida, que atendeu a critérios de validade, precisão e parcimônia. Por fim, o Estudo 3 testou as principais hipóteses e questionamentos desta tese, proporcionando as primeiras aproximações para a construção de um modelo teórico envolvendo traços de personalidade, psicopatia e o estilo de gestão. Participaram 246 trabalhadores, considerando de forma equitativa, porém independente, gestores e colaboradores de diferentes organizações do estado do Ceará. Os primeiros, com idade média de 40 anos (DP = 10,5), responderam a instrumentos de autorrelato, enquanto os subordinados (média de idade 32 anos; DP = 8,9) avaliaram seus gestores por meio da ferramenta de heterorrelato desenvolvida (EPPC). A maioria das hipóteses foi corroborada, permitindo propor um modelo explicativo. Nas duas amostras, as análises demostraram melhor adequação para uma estrutura em que a personalidade sombria se correlaciona com a psicopatia corporativa, que, por sua vez, correlaciona-se negativamente com o estilo de gestão transformacional. Concluindo, confia-se que os objetivos desta tese foram alcançados, referendando as reflexões que permitem identificar fatores que inibem e favorecem a expressão da psicopatia corporativa. Ao mesmo tempo, reconhecem-se limitações e se propõem algumas possibilidades de estudos futuros que visem contribuir para esta área de interesse.

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This thesis sought to understand corporate psychopathy, presenting theoretical and methodological elements for a discussion of the phenomenon, especially among workers who occupy management positions. Specifically, we sought to verify the contribution of personality and leadership styles to explain psychopathy in the context of organizations, presenting an integrative model. In this sense, a theoretical section and three empirical studies were carried out. Study 1 aimed to adapt to the Brazilian context a self-report psychopathy instrument, the Self-Report Psychopathy Scale (SRP). 218 people from the general population with an average age of 36 years (SD = 11.5) participated. They also responded to a “normal” personality questionnaire based on the Big Five Factor theory (IGFP-5) and the Dark Triad Dirty Dozen (DTDD), as well as sociodemographic questions. The results showed satisfactory factorial validity and internal consistency, suggesting a shorter scale, then called SRP-BR. In contrast, Study 2 aimed to develop a hetero-reporting instrument for assessing corporate psychopathy in managers (Corporate Psychopathy Perception Scale – EPPC). For this purpose, 330 workers from Fortaleza-CE with an average age of 33 years (SD = 12.4) participated, evaluating their immediate bosses. Overall, the results attested to the pertinence of using the measure, which met the criteria of validity, internal consistency and parsimony. Finally, Study 3 tested the main hypotheses and questions of this dissertation, providing the first approaches for the development of a theoretical model involving personality traits, psychopathy and leadership style. 246 workers participated, considering equally, but independently, managers and subordinates from different organizations in the state of Ceará. The first group, with mean age of 40 years (SD = 10.5), responded to self-report instruments, while the subordinates (mean age 32 years; SD = 8.9) evaluated their managers using hetero-reporting tools. Most hypotheses were confirmed, allowing the proposition of an explanatory model. In both samples, the analyses showed a better fit for a structure in which dark personality correlates with corporate psychopathy, which in turn negatively correlates with transformational leadership style. In conclusion, it is believed that the objectives of this dissertation were achieved, endorsing reflections that allow to identify factors that inhibit and favor the expression of corporate psychopathy. At the same time, possible limitations are acknowledged and some possibilities for future studies that contribute to this area of interest are proposed.

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Esta tesis buscó comprender la psicopatía corporativa, presentando elementos teóricos y metodológicos para una discusión del fenómeno, especialmente entre trabajadores que ocupan puestos de gerencia. Específicamente, se buscó verificar la contribución de la personalidad y los estilos de gestión para explicar la psicopatía en el contexto de las organizaciones, presentando un modelo integrador. En este sentido, se realizó una sección teórica y tres estudios empíricos. El Estudio 1 tuvo como objetivo adaptar al contexto brasileño un instrumento de autoinforme en psicopatía, la Self-Report Psychopathy Scale (SRP). Participaron 218 personas de la población general con una edad promedio de 36 años (DE = 11.5). También respondieron a un inventario de personalidad "normal" basado en la Teoría de los Cinco Grandes (IGFP-5) y la Dark Triad Dirty Dozen (DTDD), una medida de personalidad "oscura", así como preguntas sociodemográficas. Los resultados mostraron una validez factorial satisfactoria y consistencia interna, lo que sugiere una escala más corta, entonces llamada SRP-BR. El Estudio 2 tuvo como objetivo diseñar un instrumento de heteroinforme para evaluar la psicopatía corporativa en gerentes (Escala de percepción de psicopatía corporativa - EPPC). Para este fin, participaron 330 trabajadores de Fortaleza-CE con una edad promedio de 33 años (DE = 12.4), quienes evaluaron a sus jefes inmediatos. En general, los resultados atestiguaron la pertinencia de uso de la medida, que cumplió criterios de validez, precisión y parsimonia. Finalmente, el Estudio 3 puso a prueba las principales hipótesis y preguntas de esta tesis, proporcionando los primeros enfoques para la construcción de un modelo teórico que involucra rasgos de personalidad, psicopatía y estilo de gestión. Participaron 246 trabajadores, considerando por igual, pero de manera independiente, gerentes y colaboradores de diferentes organizaciones del estado de Ceará. El primero, con una edad media de 40 años (DE = 10.5), respondió a instrumentos de autoinforme, mientras que los subordinados (edad media de 32 años; DE = 8.9) evaluaron a sus gerentes utilizando herramientas de heteroinforme. La mayoría de las hipótesis fueron corroboradas, lo que permite proponer un modelo explicativo. En ambas muestras, los análisis mostraron un mejor ajuste para una estructura en la que la personalidad oscura se correlaciona con la psicopatía corporativa, que a su vez se correlaciona negativamente con el estilo de gestión transformacional. En conclusión, esta tesis sugere que se lograron los objetivos de esta tesis, respaldando las reflexiones que permiten identificar factores que inhiben y favorecen la expresión de la psicopatía corporativa. Al mismo tiempo, se reconocen las posibles limitaciones y se proponen algunas posibilidades para futuros estudios que contribuyan a esta área de interés.

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Tabela 1 – Comparação dos critérios de Kaiser, Horn e Hull ... 78

Tabela 2 – Estrutura fatorial da SRP-BR ... 80

Tabela 3 – Estatísticas descritivas (média e desvio padrão) e correlações entre as variáveis (N = 218) ... 81

Tabela 4 – Comparação dos critérios de Kaiser, Horn e Hull ... 91

Tabela 5 – Estrutura fatorial da EPPC ... 92

Tabela 6 – Correlatos da Psicopatia Corporativa na amostra de gestores (N = 123) ... 104

Tabela 7 – Correlatos da Psicopatia Corporativa na amostra de subordinados (N = 123).. 105

Tabela 8 – Distribuição dos gestores em função dos níveis de psicopatia ... 108

Tabela 9 – Comparação de médias, consistência interna e efeito do grupo nas diferenças observadas ... 109

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1 INTRODUÇÃO ... 11

2 PSICOPATIA ... 17

2.1 Breve histórico e conceitos da psicopatia ... 17

2.2 Psicopatia × sociopatia × transtorno da personalidade antissocial ... 22

2.3 “Origens” e modelos da psicopatia ... 24

2.3.1 Visão biológica /cognitiva ... 24

2.3.2 Visão genética/evolucionista ... 26

2.3.3 Visão sociológica ... 29

2.3.4 Modelos em psicopatia ... 30

2.4 Psicopatia e personalidade ... 32

2.5 Medida e avaliação em psicopatia ... 35

3 LIDERANÇA NAS ORGANIZAÇÕES ... 39

3.1 Breve histórico e conceitos de liderança ... 41

3.2 Abordagens em liderança ... 44

4 PSICOPATIA CORPORATIVA ... 54

4.1 Psicopatia no trabalho e nas organizações ... 55

4.2 Psicopatia corporativa e comportamentos contraproducentes no trabalho ... 59

4.3 O psicopata “de sucesso” ... 60

4.4 Psicopatia corporativa e liderança/gestão ... 62

4.5 Psicopatia corporativa e os estilos de gestão transformacional, transacional e laissez-faire ... 66

5 ESTUDO 1: ADAPTAÇÃO DA VERSÃO BRASILEIRA DA ESCALA DE AUTORRELATO DE HARE... 70

5.1 A escala de autorrelato de Hare / Self-Report Psychopathy Scale ... 71

5.2 Método ... 73

5.2.1 Amostra ... 73

5.2.2 Instrumentos ... 73

5.2.3 Procedimento ... 75

5.2.3.1 Tradução e validação semântica ... 75

5.2.3.2 Coleta de dados ... 75

5.2.4 Análise de dados ... 76

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6 ESTUDO 2: EPPC (ESCALA DE PERCEPÇÃO EM PSICOPATIA

CORPORATIVA) PARA AVALIAÇÃO DE GESTOR ... 85

6.2 Método ... 87

6.2.1 Amostra ... 87

6.2.2 Procedimento ... 87

6.2.2.1 Construção dos itens ... 87

6.2.2.2 Avaliação dos itens ... 88

6.2.3 Validação semântica ... 88

6.2.4 Coleta de dados ... 89

6.2.5 Análise de dados ... 89

6.3 Resultados ... 89

6.4 Discussão parcial ... 93

7 ESTUDO 3: PSICOPATIA CORPORATIVA, PERSONALIDADE E ESTILO DE GESTÃO ... 96 7.1 Método ... 97 7.1.1 Delineamento e Hipóteses ... 97 7.1.2 Amostra ... 99 7.1.3 Instrumentos ... 100 7.1.4 Procedimento ... 101 7.1.5 Análise de dados ... 101 7.2 Resultados ... 102

7.2.1 Correlatos da psicopatia corporativa (personalidade normal, sombria e estilos de gestão)... 103

7.2.2 Psicopatia corporativa, tipo de organização e gênero do(a) gestor(a) ... 106

7.2.3 Personalidade, psicopatia corporativa e estilo de gestão: proposta de um modelo explicativo ... 110

7.3 Discussão parcial ... 111

8 DISCUSSÃO GERAL ... 115

8.1 Resultados principais ... 115

8.2 Implicações práticas ... 119

8.3 Limitações e direções futuras ... 120

8.4 Considerações finais ... 121

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ANEXO A – SRP-BR (Versão brasileira da SRP) ... 149

ANEXO B – Inventário dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade ... 150

ANEXO C – Dark Triad Dirty Dozen ... 151

ANEXO D – Questionário sociodemográfico ... 152

ANEXO E – Parecer do comitê de ética ... 153

ANEXO F – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ... 154

ANEXO G – Formulário para análise de juízes (EPPC) ... 156

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1 INTRODUÇÃO

A psicopatia é considerada um dos fenômenos de personalidade mais estudados em todo o mundo (MOREIRA et al., 2014; MILLER; LYNAM, 2015). Embora só tenha chamado a atenção do público geral nas últimas décadas, suas primeiras descrições datam do século XVIII, quando filósofos passaram a estudar a relação entre livre-arbítrio e transgressões morais (MURRAY, 1997). Na atualidade, o conceito deriva majoritariamente das ideias descritas pelo psiquiatra americano Hervey Cleckley (1941) em seu livro seminal, The mask of sanity (A máscara da sanidade, tradução livre), no qual ele descreve características cognitivas, afetivas e comportamentais marcadas, especialmente, pela ausência de empatia e de culpa/remorso que, inevitavelmente, culmina em relações interpessoais destrutivas (HARE; NEUMANN, 2008).

Não obstante a sua importância, não há uma definição única do que é psicopatia, ou qual a sua natureza (MOREIRA et al., 2014). Existem diversas abordagens na literatura internacional, culminando em modelos teóricos e instrumentos de avaliação distintos. Embora se considere que as diferentes perspectivas ampliam a compreensão sobre a psicopatia, na presente tese serão adotados os preceitos gerais do modelo desenvolvido pelo psicólogo canadense Robert Hare, pesquisador pioneiro na área e autor do instrumento de medida em psicopatia mais usado em todo o mundo, a PCL-R (Psychopathy Check List- Revised) (HAUCK FILHO; TEIXEIRA; ALMEIDA, 2014). Dito modelo será detalhado no Capítulo 1 à continuação.

Obviamente, reconhece-se que nenhum modelo teórico é capaz de abranger toda a complexidade inerente aos processos psicológicos; mas ele também serve de base para a escolha dos instrumentos de avaliação que irão auxiliar o aprofundamento dos conhecimentos sobre psicopatia corporativa. É importante lembrar que a psicopatia não se restringe à população criminosa; não está apenas nos seriados de TV ou em instituições psiquiátricas. Embora o senso comum ainda associe o psicopata ao assassino serial killer, o comportamento das pessoas com essas características vai muito além desses perfis. Alguns desses indivíduos estão perfeitamente adaptados e integrados ao meio social, podendo, inclusive, ocupar cargos de liderança nas mais distintas organizações.

É sobre esse psicopata corporativo, inserido no contexto do trabalho e ocupando cargo de liderança/gestão, que versa esta tese. A designação paradoxal de psicopata “de sucesso” provém de estudiosos defensores da ideia de que algumas características da personalidade psicopática, como charme e ausência de medo, podem, na verdade, servir de

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valor pessoal em algumas profissões, como advocacia, política ou negócios (LYKKEN, 2013). No entanto, embora não cometam crimes, esses indivíduos violam significativamente as normas sociais e o direito dos outros. O uso frequente de táticas ambíguas, fraudes, exploração e manipulação podem desencadear consequências sociais negativas graves. O sucesso seria, então, estar adaptado a uma sociedade fria e desonesta?

Hall e Benning (2006) propõem duas explicações para distinguir psicopatas criminosos de não criminosos: 1) estes últimos são versões menos extremas da psicopatia “clássica”, expressando seus traços de personalidade de maneira mais adaptativa e auxiliados por mecanismos compensatórios, como inteligência, socialização ou melhores oportunidades; 2) os psicopatas não criminosos apresentam características mais marcantes no fator interpessoal-afetivo, e menos no fator antissocial, o que resulta em expressões de comportamento distintas. Criminosos ou não, defende-se que os psicopatas exibem uma estrutura de personalidade com propensão a comportamentos antissociais e antiéticos (MOREIRA et al., 2014) e, portanto, não devem ser enaltecidos.

Em termos gerais, estima-se que existam cerca de 70 milhões de psicopatas no mundo (aproximadamente, 1% da população total), podendo esse número aumentar para valores mais expressivos quando se avaliam grupos específicos, como a população carcerária, na qual 25-30% dos indivíduos apresentam algum nível de psicopatia (HARE, 2016). No ambiente corporativo, Babiak e Hare (2006) apontam que é quatro vezes mais comum encontrar psicopatas do que na população geral. Após o lançamento do clássico Snakes in suits: when psychopaths go to work (Cobras de terno: quando psicopatas vão ao trabalho, tradução livre), surgiu um interesse internacional em ampliar as pesquisas relacionadas à temática da psicopatia corporativa.

Avanços no campo metodológico já permitem reconhecer a psicopatia como um construto dimensional, ou seja, que se apresenta em maior ou menor magnitude entre as pessoas de uma população. Assim, não existe um diagnóstico categórico/tipológico de psicopatia, e sim indivíduos com acentuadas características do transtorno (GUAY et al., 2007; WRIGHT, 2009). Essa concepção justifica que a avaliação em psicopatia possa ser realizada através de instrumentos psicométricos. No entanto, a maior parte daqueles designados para medir psicopatia foi desenhada para o público psiquiátrico e/ou forense, sendo escassas em todo o mundo ferramentas destinadas à população geral, sobretudo quando se pretende avaliar características de psicopatia entre líderes organizacionais. Entre as publicações sobre o tema, identificaram-se apenas dois instrumentos específicos para medir psicopatia corporativa: o Psychopathy Measure – Management Research Version – PM-MRV (BODDY, 2010) e o

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Business Scan 360 – B-Scan 360 (BABIAK; HARE, 2012; MATHIEU et al., 2013), agora com sua recente versão em autoinforme, o B-Scan Self (MATHIEU; BABIAK, 2016). Com base nisso, destaca-se, também, a escassez de medidas para avaliar a psicopatia corporativa.

As expressões psicopata corporativo, psicopata executivo, psicopata industrial, psicopata organizacional, psicopata de sucesso, psicopata subclínico ou psicopata não criminoso são usadas indiscriminadamente ao longo dos estudos da área para descrever indivíduos com elevados traços de psicopatia que trabalham e operam, muitas vezes com sucesso, no âmbito das organizações (BODDY, 2005; ULLRICH; FARRINGTON; COID, 2008). Ainda que algumas características possam parecer adaptativas a curto prazo, vem-se ampliando a noção do psicopata de terno e gravata (ou saias1) como uma pessoa que sabe muito bem compreender as relações de poder dentro de uma empresa, possui visão estratégica e, muitas vezes, sabe ter foco, exatamente como se demanda dos líderes fortes e seguros. A grande diferença é que as táticas e estratégias utilizadas por esses indivíduos servem apenas para atingir seus próprios objetivos.

O psicopata corporativo mente, explora e manipula os outros, o que não reflete um funcionamento cognitivo e psicossocial saudável e gera consequências desastrosas para o ambiente organizacional. Utiliza-se de charme para conquistar a confiança e entrar no meio corporativo, muitas vezes com ações cínicas, inescrupulosas e antiéticas na disputa de cargos, salários e poder, causando danos psicológicos e muito sofrimento (BABIAK, 1995, 2000; BODDY, 2011; CLARKE, 2011).

Babiak e Hare (2006) propõem quatro explicações para o aumento da prevalência de psicopatia nas organizações. Primeiro, alguns traços da personalidade psicopática, como charme, carisma e uma certa habilidade com manipulação social, parecem ser atrativos em processos de recrutamento e seleção de pessoal e contribuem para o ingresso na organização. Dessa forma, o psicopata geralmente causa um impacto positivo em entrevistas em geral. Segundo, algumas organizações selecionam indivíduos com tendências psicopáticas porque atribuem rótulo de liderança ao que, na verdade, trata-se de conduta psicopata. Por exemplo, apresentar senso de responsabilidade, tomar decisões e influenciar pessoas são atributos clássicos de liderança, mas que podem vir disfarçados como coerção, dominação e manipulação. A terceira explicação diz respeito à própria natureza dos negócios. No final dos

1 As revisões de literatura sobre psicopatia em mulheres evidenciam, em geral, taxas mais baixas de prevalência

do que entre os homens (VITALE; NEWMAN, 2001). Essa tendência não parece ser específica da psicopatia, já que também se observam diferenças nas manifestações comportamentais em outros transtornos (HUSS, 2011). No entanto, há evidências em que essa diferença não é significativa (MILLER; WATTS; JONES, 2011) e, portanto, a variável sexo não deve ser ignorada no estudo da psicopatia.

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anos 1970, as estruturas e os processos organizacionais mudaram consideravelmente e os trabalhadores precisaram se adaptar a um novo tempo de inovação e rápida circulação de informações. Essa mudança no perfil do trabalhador “moderno” viabilizou a contratação de um maior número de psicopatas, uma vez que excesso de confiança, frieza e insensibilidade (traços psicopáticos) pareciam respostas imprescindíveis para combater os desafios desse novo sistema econômico e político. Por fim, os indivíduos com tendências psicopáticas, conhecidos por ignorar regras e ter habilidade em enganar e manipular, acharam essa nova estrutura organizacional flexível muito mais atrativa.

Desse modo, em face dos valores corporativos contemporâneos (estratégias de produção e de gestão que estimulam a concorrência excessiva; aumento do individualismo; o discurso da excelência, impregnado pelas ideias de perfeição e de superioridade) (HOLANDA et al., 2014), é possível que a psicopatia seja invocada como uma explicação para que essas práticas destrutivas sejam perpetradas, especialmente quando se expressa em meio aos líderes, que já detêm certo poder formal. O psicopata que exerce uma função de liderança é uma pessoa que pode estar perfeitamente integrada às condições organizacionais da contemporaneidade. Sua aparente motivação, capacidade de assumir riscos e esconder habilidosamente suas fraquezas faz com que ele não apenas seja confundido com um líder eficaz (BABIAK; HARE, 2006), mas também que algumas de suas características sejam valorizadas no ambiente corporativo em geral.

O psicopata corporativo pode até atingir cargos elevados e ser bem-sucedido profissionalmente, mas aqui se defende uma concepção da condição como essencialmente patológica e com presença de comportamento antissocial, embora não necessariamente de natureza criminosa (HARE; NEUMANN, 2008; NEUMANN; VITACCO; HARE; WUPPERMAN, 2005). Apesar de ser uma questão relevante, que causa estragos financeiros e emocionais na vida de muitas pessoas, os estudos sobre psicopatia corporativa e liderança organizacional ainda são bastante limitados, especialmente fora da América do Norte e, sobretudo, no Brasil.

De natureza pluricausal, de formas variadas de manifestação e de consequências múltiplas, a presença do psicopata corporativo traz sérias implicações não apenas para o trabalhador que convive diretamente com ele, mas para a organização e para a sociedade como um todo (BABIAK; NEUMANN; HARE, 2010; BODDY, 2005). Por sua importância psicossocial, considera-se oportuno o desenvolvimento de estudos acerca da prevalência, das estratégias e das consequências da psicopatia, sob a perspectiva daqueles que se propõem a analisar o humano no ambiente de trabalho. Percebe-se, assim, a necessidade de oferecer uma

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reflexão sobre psicopatia corporativa no Brasil, considerando críticas às novas conformações do trabalho e seus efeitos nos modos de ser, pensar e sentir dos trabalhadores, bem como preenchendo a lacuna de instrumentos válidos e precisos adaptados ao contexto organizacional.

Em função do exposto, o objetivo geral da presente tese é compreender a psicopatia em contexto organizacional brasileiro, apresentando elementos teóricos e metodológicos para uma aproximação e discussão do fenômeno, especialmente entre trabalhadores que ocupam cargo de liderança/gestão. Mais especificamente, busca-se: (1) realizar uma ampla revisão da literatura, enfocando a psicopatia em contexto organizacional e, em especial, em cargos de liderança/gestão; (2) adaptar e validar a SRP-III ao contexto da pesquisa, de forma a ter um instrumento de autorrelato em psicopatia corporativa; (3) desenvolver um instrumento de heterorrelato para averiguar a percepção de psicopatia corporativa no gestor, pelo viés do subordinado; e, por fim, pretende-se (4) explorar a contribuição da personalidade e dos estilos de gestão para explicar a psicopatia corporativa, identificando um modelo que permita integrar os diferentes elementos associados.

Desse modo, visando atender aos objetivos propostos e aprofundar o conhecimento acerca dos construtos de interesse, a presente tese está organizada em duas partes principais. A primeira, que compreende três capítulos teóricos; e a segunda, composta por três estudos empíricos.

No marco teórico, o Capítulo 1 consiste em uma visão geral da psicopatia, cujo intuito é apresentar as distintas definições do construto, origens, histórico, modelos e avaliação, considerando os distintos níveis de análise (social e individual) e as teorias explicativas de maior expressão sobre o tema. No Capítulo 2, apresenta-se uma breve revisão sobre perspectivas teóricas relacionadas à liderança/gestão, juntamente com uma justificativa para a inclusão desse tema específico na avaliação da psicopatia corporativa. Por fim, no Capítulo 3 é apresentada uma revisão seletiva da literatura acerca da psicopatia corporativa, e, em especial, estudos estrangeiros que relacionam a psicopatia à liderança/gestão.

Na parte empírica, o Estudo 1 visa adaptar e analisar as propriedades psicométricas de uma medida de autorrelato para captar tendências de psicopatia na população geral. O Estudo 2, por sua vez, busca construir e validar um instrumento de percepção de psicopatia corporativa (heterorrelato), ampliando a possibilidade de captação do fenômeno em gestores. Já no Estudo 3, pretende-se conhecer a relação dos traços de personalidade “normal” e sombria com a psicopatia corporativa, considerando a influência desses construtos no estilo de gestão. Propõe-se, adicionalmente, um modelo explicativo em

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que tais variáveis atuam como antecedentes do estilo de gestão transformacional (variável critério), buscando-se compreender o papel dos traços de personalidade (big five e dark triad) nessas interações.

Finalmente, apresentam-se a Discussão Geral e as Conclusões, indicando os principais resultados, as possíveis limitações dos estudos e algumas sugestões para pesquisas futuras.

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2 PSICOPATIA

A psicopatia é um dos construtos que mais desperta curiosidade na população em geral. É tema recorrente em entretenimento televisivo (filmes, novelas e seriados), o que certamente contribui para o aumento do fascínio e também para a confusão que envolve o perfil psicopata. Diversos teóricos da Psicologia, da Psiquiatria e do Direito Criminal também têm se debruçado sobre o estudo da psicopatia (WALSH; WU, 2008), destacando o interesse da comunidade acadêmica sobre a temática. Em busca realizada no Google Acadêmico (2018), utilizando o descritor “psychopathy”, sem estabelecer limite de data, foram encontrados cerca de 80 mil registros referentes a estudos sobre psicopatia, variando entre artigos, livros, dissertações e teses.

Apesar do interesse crescente e dos recentes e notáveis avanços no estudo da psicopatia, ainda persistem divergências e incógnitas sobre o assunto. Como definir a psicopatia? Que compreensões os pesquisadores têm acerca desse fenômeno, cuja prevalência se assemelha à da esquizofrenia? Seria uma síndrome (conjunto de sintomas relacionados), um transtorno, um desvio ou mesmo uma estratégia de adaptação? Qual a sua origem: é genética ou existem fatores sociais que podem desencadeá-la? De que maneiras é possível identificar a psicopatia? Há tratamento? O presente capítulo busca compreender e clarificar esses aspectos gerais.

2.1 Breve histórico e conceitos da psicopatia

As características da psicopatia remontam aos tempos de Teofrasto, aluno de Aristóteles, que elencava alguns sintomas do que ele denominou de “homem inescrupuloso”, cujas características descritas pelo filósofo incorporam o conceito atual de psicopatia, como a loquacidade e boa lábia (MILLON; SIMONSEN; BIRKET-SMITH, 1998). Segundo Murray (1997), a discussão efetiva acerca desse tema iniciou no fim do século XVIII, quando alguns filósofos e psiquiatras passaram a estudar a relação entre livre-arbítrio e transgressões morais. Em 1801, Philippe Pinel foi o primeiro a notar que alguns pacientes, mesmo envolvidos em comportamentos destrutivos, mantinham a capacidade de raciocínio intacta. Chamou de “mania sem delírio” aquelas manifestações de indivíduos que não tinham alucinações ou transtorno de entendimento, mas que evidenciavam um comportamento com sinais de insanidade mental (MURRAY, 1997).

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Em 1835, o britânico J. C. Prichard aceitou a teoria de Pinel, dissentindo sobre a moralidade neutra desse transtorno, acreditando em um defeito de caráter. Para ele, o indivíduo nessa condição era seduzido por sentimentos superpoderosos que o conduziam a praticar atos socialmente repugnantes, criando o rótulo “insanidade moral” (MILLON; SIMONSEN; BIRKET-SMITH, 1998). Porém, foi Koch (1891) o primeiro autor a utilizar o termo psicopatia em sua acepção moderna, introduzindo o transtorno nomeado de “inferioridade psicopática” para caracterizar os indivíduos que apresentavam comportamentos “anormais”, mas que não eram “loucos” (DEMOLINARI, 2010; GIRÃO, 2013).

Em 1904, Emile Kraepelin identifica em seus estudos quatro tipos de “personalidade psicopática”. O primeiro envolvia os fraudadores: mentirosos e vigaristas, caracterizados como encantadores, mas desprovidos de moralidade e senso de responsabilidade. O segundo grupo era formado por criminosos por impulso, que não conseguiam controlar a vontade e cometiam crimes como roubos e incêndios. O terceiro tipo se constituía de criminosos profissionais, que tinham boas maneiras e respaldo da sociedade, mas eram manipuladores e egocêntricos. Por fim, o último grupo era composto por aqueles que levavam a vida na “vadiagem”, sem responsabilidades (MILLON; SIMONSEN; BIRKET-SMITH, 1998).

Hervey Cleckley, em 1941, com o livro The mask of sanity (A máscara da sanidade, tradução livre), torna-se o principal autor a escrever sobre a psicopatia. Ele corrobora os autores anteriores e afirma que a psicopatia é um transtorno psíquico, porém sem os sintomas típicos das psicoses. A característica central e comum a essas pessoas é o que ele chamou de “demência semântica”, um déficit na compreensão dos sentimentos humanos. Em 1976, ele cria o que fica conhecido como Critério Cleckley, um perfil clínico com características para uma espécie de diagnóstico rudimentar. Nesse livro, o autor esclarece que os psicopatas não são necessariamente criminosos violentos. São indivíduos que possuem determinadas características, podendo ser do ramo de negócios, médicos ou cientistas. As características da psicopatia listadas por Cleckley (1941/1988) foram as seguintes:

1. Charme superficial e boa inteligência;

2. Ausência de delírios e outros sinais de pensamento irracional; 3. Ausência de nervosismo e manifestações psiconeuróticas; 4. Não confiabilidade;

5. Tendência à mentira e insinceridade; 6. Falta de remorso ou vergonha;

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8. Juízo empobrecido e falha em aprender com a experiência; 9. Egocentrismo patológico e incapacidade para amar;

10. Pobreza generalizada em termos de reações afetivas; 11. Perda específica de insight;

12. Falta de reciprocidade nas relações interpessoais;

13. Comportamento fantasioso e não convidativo sob influência de álcool e às vezes sem tal influência;

14. Ameaças de suicídio raramente levadas a cabo;

15. Vida sexual impessoal, trivial e pobremente integrada; 16. Falha em seguir um plano de vida.

Em resumo, os 16 critérios específicos poderiam ser agrupados em três categorias (PATRICK, 2006): indicadores de ajustamento positivo (demonstra boas capacidades cognitivas e é normalmente agradável, causando boa impressão no primeiro encontro); indicadores de desvio comportamental (irresponsável, promíscuo, impulsivo, não aprende com os próprios atos); e indicadores de frieza emocional e comprometimento nas relações sociais (falta de remorso, culpa ou vergonha, egocentrismo, insinceridade). Ainda segundo Cleckley (1963), o comportamento antissocial não é o suficiente para o diagnóstico de psicopatia. Sendo assim, é possível expressar que os psicopatas podem apresentar uma conduta antissocial como característica fundamental, mas frequentemente não exibem crimes violentos. Apesar da marcante contribuição de Cleckley nos estudos da psicopatia, ele não apontou métodos estruturados para avaliação do transtorno, ficando a critério do profissional verificar quando o comportamento do indivíduo podia se tornar prejudicial.

Alguns anos mais tarde, Schneider (1980) considera a personalidade psicopática como o desvio de uma personalidade mediana, porém com a particularidade de não somente o sujeito sofrer com essa anormalidade, mas também fazer sofrer a sociedade. Para ele, as personalidades psicopáticas seriam inatas, podendo sofrer influência socioambiental em sua manifestação e desenvolvimento. Observou-se, também, que a psicopatia não necessariamente se manifestava de modo contínuo, mas podia aparecer intermitentemente.

No final da década de 1970, o psicólogo canadense Robert Hare começa a publicar uma série de estudos sobre a temática, descrevendo a psicopatia como um transtorno grave, caracterizado por desvio de caráter, ausência de sentimentos genuínos, frieza, manipulação, egocentrismo e falta de remorso ou culpa (HARE, 1975). Segundo Hare, o psicopata é um indivíduo “sem sentimento” e sua marca registrada é a assombrosa falta de empatia e de culpa (HARE, 2013). Parece haver entre os indivíduos com tendências de

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psicopatia uma incapacidade de se preocupar com a dor e o sofrimento do outro. Sem esse pré-requisito fundamental para o estabelecimento de relações interpessoais construtivas, o psicopata apresenta dificuldade para manter vínculos afetivos de qualquer ordem.

Os primeiros experimentos de Hare sobre a psicopatia aconteceram em 1965 e mediam excitação fisiológica (HARE, 1968). Voluntários, todos do sexo masculino, conectados a um monitor de glândulas sudoríparas, foram informados que receberiam um breve choque elétrico. O estudo, publicado no The Journal of Abnormal Psychology, revelou que enquanto a maioria dos criminosos, assim como sujeitos do grupo controle, exibiu significante estresse fisiológico prévio ao choque, o mesmo não ocorreu com os psicopatas. Eles permaneciam imparciais diante da ideia de receber um choque elétrico. Em estudo similar, publicado anos depois, os participantes foram perguntados se preferiam receber o choque imediatamente, ou após um período de 10 segundos. 56% dos psicopatas (contra 90% dos outros participantes) escolheram a opção de se livrar logo do choque, sugerindo que eles não se importavam em esperar por um evento desagradável (HARE, 1978).

Em outro estudo que media atividade cerebral por meio de neuroimagem, Hare percebeu que os psicopatas não apresentavam mudança de estimulação no sistema límbico (associado ao processamento de material emocional) ao serem expostos a palavras com conteúdo emocional negativo, como cadáver, larva ou tortura. Em vez disso, a ativação ocorreu nas regiões do cérebro que envolviam a compreensão e produção da linguagem, como se os psicopatas analisassem o material em termos linguísticos, descoberta muito significativa para a época. No entanto, o primeiro artigo descrevendo esses dados foi rejeitado pela revista Science, que alegou não se tratarem de pessoas reais, já que 80% dos grandes pesquisadores em psicopatia nunca estiveram em contato direto com um psicopata (HARE, 2017). Assim, os estudos pioneiros com neuroimagens, nos quais se avaliava como criminosos processavam material semântico e emocional, foram posteriormente publicados por Williamson, Harpur e Hare (1991), Intrator et al. (1997), Hare (1998) e Kiehl (2006). Deduz-se, portanto, que a idiossincrasia de processamento emocional e da linguagem são centrais para os déficits afetivos, sendo a psicopatia resultado de um funcionamento deficiente do cérebro, mas não um defeito estrutural (BLACKBURN, 2006). O estudo da psicopatia por meio de neuroimagens ainda é incipiente e poucas conclusões podem ser derivadas dessa via.

Hare (1980) definiu, inicialmente, a psicopatia como um construto unidimensional composto por dois fatores correlacionados. O Fator 1 envolvia aspectos clínicos (interpessoais e afetivos), e o Fator 2, aspectos comportamentais, cujas características definiam um estilo de vida antissocial. Sob tal perspectiva, para o diagnóstico de psicopatia,

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seria necessária a apresentação, em conjunto, desses dois tipos de indicadores (NEUMANN; HARE, 2008). Não obstante o predomínio do modelo com dois fatores, nos últimos anos, estudos desenvolvidos em diferentes contextos impulsionaram a proposta de novas dimensões para uma melhor compreensão da psicopatia. Cooke e Michie (2001), por exemplo, sugerem um modelo com três fatores compostos por estilo de vida interpessoal arrogante e dissimulado; deficiência na experiência afetiva; e estilo comportamental impulsivo e irresponsável. Foi com base nesse estudo que Hare (2003) reformula sua teoria, apresentando um novo modelo para compreensão da psicopatia, dessa vez com os quatro fatores: interpessoal, afetivo, estilo de vida e antissocial.

Independentemente da época, cultura ou modelo adotado, a psicopatia se apresenta como um conjunto de características cognitivas, afetivas e comportamentais marcadas por uma “antissocialidade” que pode ocasionar problemas, sobretudo, para os que estão próximos. O psicopata é um sujeito “egocêntrico, grandioso, arrogante, enganador, manipulador, superficial, insensível, impulsivo, que busca sensações extremas, que prontamente viola normas e obrigações sociais, sem qualquer sentimento de vergonha, culpa ou remorso” (HARE; NEUMANN, 2005, p. 57). Parece não compreender nem considerar o valor ou significado emocional da linguagem. Ele não possui o aspecto emocional em pleno funcionamento, portanto aprende a imitar/descrever, mas sem verdadeiramente compreender; parece que não possui os componentes “sensíveis” da linguagem. Sua autoimagem é definida mais pelos bens adquiridos, e por outros sinais de sucesso e poder, do que pelo amor, discernimento e compaixão (HARE, 2013). Os psicopatas em geral enganam, trapaceiam, fraudam, iludem e manipulam sem escrúpulo. Acreditam que é sempre vantajoso usar a cabeça ao invés do coração. São como androides desprovidos de emoção e consciência, apesar de saberem o que é certo e errado socialmente2 (IRIA; BARBOSA, 2008). O psicopata detecta as vulnerabilidades e “aperta o botão certo”, sem hesitar em explorar pessoas confusas, frágeis ou impotentes. É, portanto, um fenômeno com implicações diretas para o contexto das interações sociais. O Quadro 1 resume as características-chave da psicopatia:

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Há uma interessante discussão dentro do Direito Penal, que não perpassa nossos objetivos, sobre a imputabilidade do psicopata. Em uma visão clássica, os psicopatas fazem julgamentos morais, mas simplesmente não ligam se seus atos são moralmente corretos. Já numa visão não clássica, os psicopatas não fazem realmente julgamentos morais, eles apenas fingem fazê-los a fim de manipular as aparências e as pessoas ao redor (SINNOTT-ARMSTRONG, 2008).

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Quadro 1 – Características-chave da psicopatia

Emocional/interpessoal Desvio social

Eloquente e superficial Impulsivo

Egocêntrico e grandioso Fraco controle do comportamento Ausência de remorsos ou culpa Necessidade de excitação

Falta de empatia Falta de responsabilidade

Enganador e manipulador Problemas de comportamento precoce

Emoções rasas Comportamento adulto antissocial

Fonte: Adaptado de Hare, 2013.

Mesmo após essas explanações, ainda é difícil fornecer uma resposta sucinta à pergunta “o que é psicopatia?”, uma vez que a diversidade de abordagens e modelos impede a comparação de resultados nos estudos empíricos. Essa situação exige que a pesquisa em psicopatia seja considerada desde uma perspectiva ampla (KRUEGER, 2006).

2.2 Psicopatia × sociopatia × transtorno da personalidade antissocial

Como observado, ao longo da história, diversos teóricos se debruçaram sobre o estudo da psicopatia, mesmo que esta aparecesse sob distintas denominações e enfoques. Parece haver, entre os pesquisadores, uma confusão entre os termos transtorno de personalidade antissocial, psicopatia, sociopatia e transtorno de caráter, ora sendo utilizados como sinônimos, ora diferenciados no âmbito dos comportamentos antissociais (COSTA; VALÉRIO, 2008), o que é compreensível, uma vez que a história desses termos está intimamente relacionada. Tal imprecisão é evidente ao se observar a ampla utilização do termo psicopatia na literatura científica para a nomeação de uma série de problemas, que são, por vezes, utilizados como sinônimos. No entanto, parte-se do princípio que a terminologia adotada irá refletir particularidades do fenômeno, daí a importância de se diferenciar a psicopatia de outros construtos correlatos.

É interessante começar destacando que o termo psicopatia não é referenciado nos manuais de diagnósticos oficiais, como a Lista de Classificação Internacional das Doenças – CID-10 e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5. Na publicação do primeiro manual, o DSM-1, em 1952, foi utilizado o termo sociopatia para denominar a perturbação caracterizada, principalmente, pela presença de comportamentos antissociais (GONÇALVES, 2008).

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Atualmente, o DSM-5 adota a designação transtorno da personalidade antissocial (TPA), classificado como um transtorno da personalidade do grupo B, para caracterizar um “padrão difuso de indiferença e violação dos direitos dos outros, o qual surge na infância ou no início da adolescência e continua na vida adulta. Esse padrão também já foi referido como psicopatia, sociopatia ou transtorno da personalidade dissocial” (APA, 2014, p. 659). Portanto, o que o DSM descreve é um conjunto de comportamentos criminosos e antissociais, diagnóstico frequente em presidiários, já que não é condição determinante para o diagnóstico apresentar falta de empatia, grandiosidade e emoções rasas. Evidenciando essa diferença, observa-se, por exemplo, que a prevalência de TPA em contexto prisional é maior do que 50%, enquanto que no máximo 30% dos prisioneiros apresentam também altos escores em psicopatia (HARE, 2006). Por essa razão, ratifica-se a premissa de que o comportamento antissocial/criminal não é um componente constitutivo da psicopatia, embora seja um correlato frequente.

Existem 10 tipos de distúrbios de personalidade descritos no DSM-5, incluindo distúrbio da personalidade narcisista e distúrbio da personalidade histriônica, estreitamente relacionados à psicopatia (BABIAK; HARE, 2006). Portanto, diferentemente da sociopatia que mais se confunde com o TPA, a psicopatia deve ser entendida em um espectro mais amplo; um conjunto de características de personalidade socialmente (in)desejáveis, marcado por falta de consciência e incapacidade de empatia, culpa ou lealdade em relações às pessoas.

Após críticas e revisões, o DSM-5 apresentou um avanço potencial na compreensão da natureza dos traços de personalidade em geral. Até recentemente, todas as aproximações a transtornos de personalidade eram consideradas categóricas. No novo manual, os transtornos são considerados dimensionais e se situam em cinco domínios principais: afeto negativo, desapego, antagonismo, descontrole e psicoticismo, que por sua vez se desdobram em 25 facetas, como hostilidade, impulsividade e excentricidade (KRUEGER et al., 2007). Por meio dessas facetas, é possível “localizar” um transtorno, sem, no entanto, classificá-lo necessariamente em um diagnóstico. Esse modelo ainda vem sendo incorporado na prática clínica.

Nesse contexto, a falta de distinção entre os termos, especificando se correspondem ou não ao mesmo construto, pode se apresentar como um problema significativo para a replicabilidade dos estudos na área. Por essa razão, torna-se fundamental que tal distinção fique clara, mesmo para fins de investigação, visto que, no senso comum, algumas das características dessas condições, de fato, confundem-se. Em função disso, mesmo não sendo um propósito específico da presente tese, torna-se importante buscar

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compreender as origens desse fenômeno. A seguir, busca-se ampliar o entendimento da psicopatia, delineando um pouco das diversas correntes teóricas que tentam explicar seu surgimento e perpetuação.

2.3 “Origens” e modelos da psicopatia

A psicopatia é hereditária ou produzida pelo meio? Essa é uma pergunta básica que surge quando se pretende conhecer as origens de uma condição psicológica qualquer. Interessa saber: qual a causa da psicopatia? Se, por um lado, estudos recentes com gêmeos fornecem evidências convincentes de que fatores genéticos exercem forte influência nos comportamentos de indivíduos com traços de psicopatia (BAKER; POLOVINA; HOWELL, 2007), por outro, não se pode menosprezar a influência das forças ambientais, que parecem ter um papel tão importante nos sintomas centrais da psicopatia (insensibilidade, falta de empatia e de culpa) (PATRICK, 2006). A verdade é que parecem ser diversas as forças que “produzem” a psicopatia e, portanto, várias conjecturas merecem consideração.

2.3.1 Visão biológica /cognitiva

Os estudos cerebrais em geral passaram a ter maior importância a partir do caso Phineas Gage. No século XIX, em um acidente com explosivos, um homem teve sua cabeça atravessada por uma barra de ferro que penetrou em sua bochecha esquerda e saiu no topo de sua cabeça, passando pelo córtex pré-frontal. Depois do ocorrido, sua forma de agir foi gravemente modificada: ele se tornou rude, desrespeitoso e arrogante. Concluiu-se, a partir desse incidente, que havia uma determinada parte do cérebro que se referia exatamente às emoções/personalidade e que deveria ser estudada mais profundamente (KIEHL, 2006). Entretanto, essa “psicopatia adquirida” é diferente da constelação de traços e comportamentos que definem o psicopata atualmente. Esses “pseudopsicopatas” não demonstram a insensibilidade exacerbada da maioria dos psicopatas, assim como raramente apresentam comportamentos de agressão instrumental, aquele tipo de violência planejada, com objetivo claro e definido (KIEHL, 2006). No entanto, estudos acerca da estrutura e funcionamento do cérebro para explicar a psicopatia, além de escassos, são inconclusivos.

O cérebro humano, mais evoluído que o de outros mamíferos por ter a capacidade de observar, refletir, planejar, pensar, fantasiar, estar consciente e formar uma identidade é também responsável por regular comportamentos e emoções (MCLEAN, 1990). O ser

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humano apresenta, portanto, uma espécie de sistema cerebral que controla e coordena muitas de suas funções físicas e mentais, embora possa apresentar falhas ou conflitos. Ainda que pesquisas clássicas não consigam descobrir indícios da existência de danos no lobo frontal dos psicopatas, Raine e Yang (20006) sugerem anormalidades no córtex pré-frontal, crescimento no corpo caloso, redução no hipocampo posterior, redução no volume da amígdala e redução na massa cinzenta pré-frontal. Em resumo, de um ponto de vista teórico, um comprometimento anatômico na parte pré-frontal do cérebro ajudaria a explicar o comportamento impulsivo do psicopata, sustentando as teorias que apostam em uma baixa excitação/destemor como responsável pelo prejuízo social e emocional causado pelo comportamento desse indivíduo.

Outra constatação interessante na área biológica é a observação de que o componente da antissocialidade (agressão, impulsividade, criminalidade) está relacionado a um comprometimento nos centros de serotonina (MINZENBERG; SIEVER, 2006). Os aspectos neuroquímicos da psicopatia, no entanto, permanecem desconhecidos.

Uma teoria que explica a psicopatia em função de bases biológicas, através da cognição humana e de mecanismos psicológicos, é a Reinforcement Sensitivity Theory, ou simplesmente “RST” (HAUCK FILHO; TEIXEIRA; DIAS, 2012). Esse modelo propõe que experiências emocionais e comportamentos podem ser explicados a partir do funcionamento de três sistemas: o Behavioral Inhibition System (BIS), o Behavioral Approach System (BAS) e o Fight-Flight-Freeze System (FFFS) (GRAY; MCNAUGHTON, 2000). Assim, as diferenças individuais ocorrem em função da sensibilidade e da ativação desses três sistemas neuropsicológicos. No caso específico da psicopatia, ela envolve uma combinação específica de cada um desses elementos, a saber: um elevado funcionamento do BAS e um reduzido funcionamento do BIS e do FFFS. Ao mesmo tempo, outras correntes defendem a baixa responsividade à punição e alta impulsividade (FOWLES; DINDO, 2006).

O BAS é responsável por fazer o organismo se movimentar em direção a reforçadores biológicos. Um alto nível de funcionamento desse sistema está relacionado a recompensas e impulsividade. O FFFS é responsável pelos comportamentos de luta, fuga ou congelamento. Um baixo nível desse componente envolve um temperamento pouco responsivo a estímulos de ameaça e perigo. Por fim, o BIS é um sistema que processa conflitos. Assim, um BIS deficitário pode acarretar falhas em processar adequadamente os estímulos, não gerando a ansiedade normalmente observada na maioria da população (CORR, 2010).

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Os sistemas de regulação das emoções, que operam controlando as diversas motivações e comportamentos, também podem estar entre as causas que explicam a psicopatia. Há indícios de que traços de frieza e insensibilidade, tão marcantes da condição, estejam ligados a déficits no soothing system, sistema responsável por restabelecer o equilíbrio depois de uma ameaça (DA SILVA; RIJO; SALEKIM, 2015).

Paralelamente à linha biológica, a literatura acerca do funcionamento cognitivo dos psicopatas revela uma variedade déficits. Os temas que mais emergem são dificuldade em acomodar informação secundária e processamento anormal dos hemisférios, o que pode, inclusive, ter relação com o processamento das emoções (HIATT; NEWMAN, 2006). Um estudo pioneiro realizado por Lykken (1957) revelou que prisioneiros com alto nível de psicopatia eram menos aptos a aprender a resolver uma tarefa que consistia em evitar apertar botões que culminavam em choque elétrico. A ideia central dessa hipótese é que a base da psicopatia envolve uma reduzida capacidade de processar estímulos que não estejam no foco atencional imediato do indivíduo. Tal déficit no processamento dos estímulos seria a base para a incapacidade de inibir comportamentos antissociais (HAUCK FILHO, 2013). Assim, o componente afetivo-interpessoal também estaria relacionado a um certo comprometimento neurocognitivo e/ou no processamento de informação de estímulos sociais e emocionais. O resultado de alguns experimentos utilizando instrumentos de ressonância magnética indicou que os psicopatas não apresentam o mesmo padrão neurobiológico de resposta a estímulos verbais e visuais. Enquanto as pessoas “normais” apresentam alteração cerebral entre imagens de conteúdo emocional negativo frente a estímulos neutros, psicopatas respondem igualmente, independentemente do conteúdo do estímulo apresentado (BABIAK; HARE, 2006).

Em síntese, Dawel et al. (2012) indicam, por meio de uma metanálise, que psicopatas podem ter um déficit no reconhecimento das emoções, o que parece ser uma disfunção cerebral. Estudos mais recentes mostram alterações tanto na estrutura quanto na função cerebral (HARE, 2017), sugerindo uma condição biológica a priori que compromete a capacidade de desenvolver controles internos e a própria consciência para fazer conexões emocionais (BABIAK; HARE, 2006). No entanto, o meio em que esse indivíduo se desenvolve também influencia bastante o tipo de expressão do fenômeno. Apesar desses discretos avanços, os resultados das pesquisas permanecem inconclusivos.

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Tal como acontece com outras diferenças individuais, é muito provável que a psicopatia tenha um componente hereditário (BLONIGEN et al., 2003; LARSSON; ANDERSHED; LICHTENSTEIN, 2006). Uma metanálise com gêmeos aponta para a natureza hereditária do comportamento antissocial e a provável contribuição de fatores ambientais compartilhados (WALDMAN; RHEE, 2006). Distúrbios do comportamento antissocial, dependência química e características de personalidade relacionadas à impulsividade e agressão formam parte de um “espectro de exteriorização” da personalidade, todos relacionados a um único fator genético que pode ser modelado pelo meio social (KRUEGER, 2006). Em uma amostra de gêmeos com idades entre 9 e 10 anos, Baker e colegas (2007) encontraram um fator comum relacionado a comportamentos antissociais (composto por traços de agressão e delinquência), observado entre familiares e, portanto, considerado fortemente hereditário (BAKER et al., 2007). Além disso, parece que as influências genéticas contribuem para que as diferentes facetas da psicopatia variem conjuntamente com um fator global de psicopatia latente, que também é influenciado pelos genes (LARSSON; ANDERSHED; LICHTENSTEIN, 2006). Porém, parece não haver estudos que avaliem o risco, para os filhos, de ter um dos pais psicopata.

Para a Psicologia Evolucionista, disciplina pouco explorada no Brasil, a mente e os comportamentos humanos se desenvolveram em resposta aos problemas ancestrais, que demandavam ajustes com o meio (fitness) e consequente sucesso evolutivo. Tais adaptações estariam essencialmente atreladas a mecanismos de propagação genética, ou seja, vinculam-se sempre à manutenção da vida. Nesse sentido, as diferentes tendências psíquicas são explicadas em termos das vantagens e desvantagens no que diz respeito àquilo que poderia ser entendido como “interesse genético” (HARPENDING; SOBUS, 1987; MEALEY, 1995; NICHOLSON, 1997). Contrária ao determinismo biológico, essa perspectiva não ignora a influência do meio social e da cultura. Alguns autores, como Glenn, Kurzban e Raine (2011), argumentam que a psicopatia é mais predominante em ambientes específicos, provavelmente onde apresenta mais vantagem para o indivíduo. Muitos dos comportamentos do psicopata (frieza, insensibilidade, capacidade de resistir à pressão sem ansiedade etc.), embora associados à patologia, são extremamente valorizados em nossa sociedade, principalmente em contextos específicos, como o laboral contemporâneo. Portanto, desde uma perspectiva evolucionista, a psicopatia pode ser compreendida não apenas como um problema psicossocial, mas pode ter sido perpetuada em função de uma estratégia adaptativa (GLENN; KURZBAN; RAINE, 2011). Isso não significa bem-estar psicológico ou comportamentos socialmente valorizados (DA SILVA; RIJO; SALEKIM, 2015), mas vantagem adaptativa

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para o indivíduo que apresenta determinados comportamentos. Nesse sentido, alguns pos-tulados dessa perspectiva são também elucidativos para uma melhor compreensão das origens da psicopatia.

O ser humano é um produto recente da evolução e, como tal, pode apresentar mecanismos que, embora socialmente inaceitáveis hoje (como, por exemplo, o estupro), apresentaram, e aqui não cabem julgamentos morais, vantagem reprodutiva em alguma medida. Autores sugerem que algumas variações genéticas são mantidas por seleção, de forma que um traço considerado psicopatológico (como a falta de culpa) pode ser adaptativo em situações específicas (BUSS, 2009; HARE, 2017). Por exemplo, características da sociedade contemporânea, como relações virtuais, fugazes e anônimas, evocam traços psicopáticos (GLENN; KURZBAN; RAINE, 2011).

Dentro da visão evolucionista, também há diferentes maneiras de compreender a etiologia e perpetuação da psicopatia. A teoria dos ciclos de vida (life history theory) propõe que o ser humano se move para sobreviver de maneira “rápida” ou “lenta”, de acordo com sua percepção da disponibilidade de recursos no ambiente. No primeiro polo do contínuo estão os indivíduos que buscam o benefício imediato, voltam-se para o curto prazo, são mais desapegados emocionalmente. Em contraste, os indivíduos que adotam um ciclo de vida “lento” investem na autopreservação e garantem recursos/benefícios para o futuro. Indivíduos com traços de psicopatia estariam no polo rápido, que, embora socialmente reprovável, é evolutivamente eficaz porque também contribui para reprodução e sobrevivência (JONASON; LI; BUSS, 2010).

Outro modelo difundido é a seleção dependente de frequência (frequency-dependent selection) (HARPENDING; SOBUS, 1987; MEALEY, 1995), que ocorre quando uma estratégia ou traço torna-se adaptativo apenas se aparece em uma pequena parcela da população. Por exemplo, o peixe-espada que apresenta tamanho maior para impressionar as fêmeas e defender territórios é o que tem mais chances reprodutivas/de sobrevivência. No entanto, aqueles de tamanho muito reduzido, ou seja, pouco frequentes na população, também conseguem se perpetuar através de copulações furtivas, passando despercebidos pelos outros machos do grupo (LALUMIÈRE; MISHRA; HARRIS, 2008). De maneira similar, em ambientes onde a maioria das pessoas adota estratégias de cooperação, honestidade e socialização, uma pequena parcela pode ser capaz de manter estratégias parasíticas e exploradoras de forma vantajosa (GLENN; KURZBAN; RAINE, 2011). Portanto, se a psicopatia fosse um mecanismo completamente disfuncional, muito provavelmente não teria sido selecionada ao longo da evolução (KRUPP et al., 2013). Por essa razão, autores afirmam

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que a psicopatia é mais predominante em alguns contextos, provavelmente devido à vantagem adaptativa dessas características em tais ambientes (DEL GIUDICE, 2013). No caso de uma atmosfera extremamente hostil, o baixo medo e a busca de sensações, por exemplo, podem representar uma forte vantagem adaptativa (DA SILVA; RIJO; SALEKIM, 2015).

É possível, ainda, que a psicopatia seja o resultado de um acúmulo de mutações que não reflete disfunção adaptativa e que foi passado de geração em geração porque não oferece risco direto ao sucesso reprodutivo do indivíduo (GLENN; KURZBAN; RAINE, 2011). A seguir, será feita uma elucidação com enfoque maior no campo das relações sociais.

2.3.3 Visão sociológica

Uma aproximação sociológica condena as explicações unicamente biológicas, justificando que o ser humano contemporâneo desenvolveu a capacidade representacional de conferir novas orientações para tendências que outrora foram o resultado exclusivo de regularidades fisiológicas. Portanto, na medida em que a humanidade alcança essa sofisticação cognitiva, deixa de ser aquilo que a genética determina, mesmo que nunca tenha parado de receber as suas influências (VASCONCELLOS; GAUER, 2004). Nesses termos, para Tripicchio (2007) a psicopatia pode ter decorrido, em um passado bastante remoto, exclusivamente de um determinismo biológico. No entanto, seu desenvolvimento foi fomentado pela própria convivência na esfera social. Convivência esta que também esteve encarregada de selecionar repertórios comportamentais que se mostraram mais adequados (TRIPICCHIO, 2007).

Para a teoria socioanalítica, modelo social moderno com viés evolucionista, as diferenças individuais são definidas de acordo com a capacidade das pessoas para: (1) adquirir aceitação e apoio social; (2) alcançar poder e controle de recursos; e (3) encontrar propósito e significado na vida (HOGAN; BLICKLE, 2018). Essa teoria fornece uma perspectiva sobre a natureza humana com base em insights de: Charles Darwin (1871) sobre a evolução humana; Sigmund Freud (1913) sobre motivação inconsciente; e George Mead (1934) sobre a dinâmica da interação social. Esses estudiosos assumem que, porque os seres humanos evoluíram como animais em grupo, os indivíduos têm necessidades profundas para a integração e aceitação social. Nesses grupos, há sempre um status e hierarquias, o que diferencia o acesso a recursos em geral e, consequentemente, o sucesso evolutivo; e, finalmente, postula que a religião é uma prática antiga e universal. Portanto, o que movimenta o ser humano evolutivamente são três motivos/intenções: sua capacidade para “se dar bem”

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(get along); “crescer” (get ahead); e “encontrar um sentido” (find meaning) (HOGAN; BLICKLE, 2018). Esses estudiosos observam que, em um nível profundo e muitas vezes inconsciente, as pessoas são motivadas pelas necessidades de atenção, aprovação e aceitação; status, poder e controle de recursos; e previsibilidade e ordem em suas vidas cotidianas. O delineamento principal da teoria socioanalítica propõe que os seres humanos carregam muito de seus ancestrais. Assim, o homem “moderno”, que só existe há cerca de 200 anos, considerando a sociedade pós-industrial, ainda carrega muitas características dos caçadores-coletores, que viveram cerca de 13 mil anos.

Para testar essa proposição, Judge e Kammeyer-Mueller (2012) mostraram, em um estudo ao longo de 30 anos com 717 participantes, que as diferenças individuais relacionadas à “ambição” predizem realização educacional, prestígio, renda e satisfação com a vida. Ao mesmo tempo, Blickle e Schütte (2017) sugerem que pessoas com altas pontuações tanto em psicopatia quanto em habilidade social têm sucesso nas organizações, ao passo que pessoas com altas pontuações em psicopatia e baixas pontuações em habilidade social possivelmente apresentam performance baixa (BLICKLE; SCHÜTTE, 2017). Para a teoria socioanalítica, não existem traços de personalidade, e sim metas, intenções, planos de vida. Assim, para entender a natureza humana recomenda-se também estudar as origens, porque, para Hogan e Blickle (2018), o sucesso evolutivo da nossa espécie é a chave para as incógnitas do comportamento moderno.

A conclusão que se faz desta subseção da tese é que nenhum fator, seja ele biológico, genético, evolutivo, químico, social ou comportamental, é exclusivo para explicar a psicopatia (DA SILVA; RIJO; SALEKIM, 2015). À continuação, serão descritos alguns modelos que compilam elementos etiológicos diversos buscando compreender a psicopatia.

2.3.4 Modelos em psicopatia

Fica claro que os modelos enfatizam elementos diferentes; alguns mais reducionistas/biológicos, outros mais complexos/psicológicos. Apesar de a convergência entre eles ser algo desejável, parece improvável que um único modelo capture todas as nuances teóricas e empíricas sobre o fenômeno, representando diferentes premissas acerca da personalidade humana. Vaillant (1975 apud BLACKBURN, 2006), por exemplo, sugeriu que a psicopatia não poderia existir fora das estruturas sociais, como em uma ilha deserta.

No modelo cognitivo-interpessoal de Blackburn (1998), o estilo coercitivo de relacionamento é um estilo pessoal e elemento central da desordem. Esse modelo implica que

Referências

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