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Personalidade, psicopatia corporativa e estilo de gestão: proposta de um

7 ESTUDO 3: PSICOPATIA CORPORATIVA, PERSONALIDADE E

7.2.3 Personalidade, psicopatia corporativa e estilo de gestão: proposta de um

Como mencionado, nesta oportunidade, tomou-se como referência inicial o modelo apresentado na figura 2 (modelo 1), em que a psicopatia corporativa foi inserida como mediadora entre as variáveis antecedentes (dark triad e big five) e a variável critério (gestão transformacional). Ao mesmo tempo, reconhecendo o caráter exploratório destas análises, buscou-se testar a adequação de mais dois modelos alternativos, considerados mais parcimoniosos e que foram pensados em função do referencial teórico adotado e das correlações entre os construtos: no modelo 2, excluíram-se da estrutura inicial os fatores abertura, extroversão e neuroticismo, ao passo que no modelo 3 essa variável foi totalmente desconsiderada. Os indicadores de ajuste desses modelos podem ser visualizados na tabela 10; como na maioria dos resultados deste estudo, os indicadores de ajuste dos modelos foram calculados separadamente para cada uma das amostras.

Tabela 10 – Comparação de indicadores de ajuste dos modelos explicativos

Modelo χ2 (gl) χ2/gl GFI AGFI CFI RMSEA (IC90%) Pclose CAIC ECVI

Autorrelato 1 101,20 (33) 3,1 0,86 0,77 0,74 0,13 (0,10 – 0,16) 0,00 229,1 1,19 2 36,21 (12) 3,0 0,92 0,82 0,86 0,12 (0,08 – 0,18) 0,05 129,2 0,56 3 6,10 (5) 1,22 0,98 0,94 0,99 0,04 (0,00 – 0,13) 0,46 64,22 0,21 Heterorrelato 1 118,27 (33) 3,58 0,82 0,70 0,90 0,13 (0,10 – 0,16) 0,00 246,14 1,33 2 43,30 (12) 3,61 0,91 0,79 0,95 0,14 (0,10 – 0,19) 0,00 136,30 0,62 3 14,79 (5) 2,96 0,96 0,87 0,98 0,13 (0,05 – 0,20) 0,04 72,91 0,28 Fonte: Elaborada pela autora.

Nas duas amostras, o modelo 3 foi o que mais apresentou os melhores índices de ajuste: para a primeira amostra, χ² (5) = 6,10, p < 0,001, χ²/g.l. = 1,22, GFI = 0,98, AGFI = 0,94, CFI = 0,99 e RMSEA = 0,04 (Intervalo de Confiança 90% = 0,00 – 0,13); e, para a segunda, χ² (5) = 14,79, p < 0,001, χ ²/g.l. = 2,96, GFI = 0,96, AGFI = 0,87, CFI = 0,98 e RMSEA = 0,13 (intervalo de confiança 90% = 0,05 – 0,20). Comparando os valores de Pclose, CAIC e ECVI, é possível pensar no modelo 3 como sendo o mais adequado para compreender a influência da personalidade no estilo de gestão transformacional. Na Figura 3, que expõe os parâmetros deste modelo, a linha superior faz referência aos resultados para

gestores (autorrelato) e a inferior, para colaboradores (heterorrelato). Nos dois casos, apresentam-se os pesos de regressão padronizados, sendo estes, com exceção do valor observado entre a psicopatia corporativa e o estilo de gestão, na amostra de gestores, estatisticamente diferentes de zero (z > 1,96, p < 0,05).

Figura 3 – Modelo explicativo: dark triad, psicopatia corporativa e gestão transformacional

Fonte: Elaborada pela autora.

7.3 Discussão parcial

Este estudo teve como escopo estimar em que medida a personalidade e os estilos de gestão estão relacionados à psicopatia corporativa. Especificamente, verificou-se o papel da psicopatia nos estilos de gestão, considerando-se o efeito dos traços de personalidade nessa relação.

Inicialmente, foi possível verificar as correlações diretas entre personalidade, psicopatia e estilos de gestão. Nessa direção, é perceptível a influência da personalidade na manifestação da psicopatia, indicando a pertinência de se utilizar traços da personalidade “normal” e sombria para entender a psicopatia corporativa. Tal como hipotetizado, foi verificado que pessoas com baixos níveis de amabilidade e conscienciosidade tendem a estar associadas à psicopatia, o que é consistente teoricamente, já que indivíduos com baixos escores nessas dimensões da personalidade costumam ser egoístas e pouco empáticos, irresponsáveis, descuidados e negligentes, algo frequentemente encontrado em outros estudos (BLAGOV et al., 2016; DECUYPER et al., 2009; VACHON, 2019).

Logo, é possível pensar que pessoas com determinados traços de personalidade (ou ausência deles) e que são socializadas em contextos que priorizam valores corporativos distorcidos são mais suscetíveis ao desenvolvimento da psicopatia. No mesmo sentido, é possível pensar que, se outros valores de ordem mais coletiva e cooperativa fossem endossados, poderia haver inibição da expressão da psicopatia corporativa.

Com respeito à associação entre a psicopatia corporativa e a dark triad, todas as hipóteses foram corroboradas, ratificando a interseção desses construtos que guardam características em comum, a exemplo de comportamento manipulador, senso grandioso de autoestima e uma tendência a explorar os outros em benefício próprio (MATHIEU; BABIAK, 2016; LANDAY; HARMS; CREDÉ, 2019). Esse padrão de correlações, ao mesmo tempo, contribui para a validade convergente da SRP-BR e EPPC, quer dizer, os instrumentos validados e construídos nesta tese apresentam equivalências compatíveis com os preceitos metodológicos de outras medidas, sendo ao mesmo tempo suficientemente diferentes delas.

Em relação às correlações que a psicopatia corporativa estabelece com os estilos, encontraram-se correlações negativas, conforme previsto, com o transformacional, corroborando pesquisa recente realizada por Landay, Harms e Credé (2019). Embora somente na amostra de subordinados a relação tenha se mostrado significativa, esses achados devem- se, provavelmente, ao tamanho da amostra. Quanto aos resultados inconsistentes do estilo laissez-faire, a explicação mais aceitável se pauta, realmente, nos conteúdos observados na versão brasileira do MLQ adotada. Para esse estilo, considerado tão nocivo por outros autores (MATHIEU et al., 2015; SKOGSTAD et al., 2007; SPENCER; BYRNE, 2016), o instrumento só disponibiliza três itens, que seguramente não abarcam a complexidade desses gestores. O instrumento é bastante utilizado em pesquisas sobre esses estilos de liderança, mas sofre algumas críticas quanto a suas propriedades psicométricas (HINKIN; SCHIESHEIM, 2008 apud FONSECA; PORTO, 2013). Portanto, outra opção seria formular novos itens para esse fator.

Nas hipóteses comparativas, os gestores pontuaram mais alto em psicopatia corporativa que pessoas da população geral; homens pontuaram mais alto em psicopatia corporativa do que mulheres; e não houve diferença na pontuação de psicopatia corporativa entre gestores de organizações públicas e privadas. Mesmo com todas as hipóteses confirmadas, devem-se ponderar algumas questões. A primeira delas aponta para o fato de que a diferença de pontuação entre gestores e pessoas da população geral não representa, de fato, a população geral. Seria necessária uma ampliação representativa dessa amostra para a generalização dos dados.

Com relação ao gênero do gestor, os homens se autodeclararam com maiores tendências psicopáticas do que as mulheres. Por outro lado, quando avaliadas pelos subordinados, às mulheres lhes foram atribuídas pontuações mais elevadas em psicopatia corporativa. Esses achados são interessantes e podem estar refletindo aspectos culturais marcantes. Os cargos de gestão vinham sendo ocupados historicamente por “líderes fortes e

ambiciosos”. No entanto, quando as mulheres adentram o mercado de trabalho de forma mais representativa, elas precisam incorporar algumas características mais “masculinas” para se mostrarem igualmente “úteis”. Nesse sentido, a psicopatia corporativa contribui para ser uma forma socialmente aceitável de ser profissionalmente bem-sucedido em corporações competitivas e individualmente orientadas. Além disso, não se considerou o gênero do respondente, o que também pode ter exercido influência no padrão de respostas. Sugere-se que outros estudos apreciem a relação que o gênero exerce na avaliação de psicopatia do gestor.

Quanto ao “nível” de psicopatia corporativa entre gestores, encontraram-se, de acordo com a classificação proposta, graves tendências entre aproximadamente 3,7% dos avaliados. Se se consideram os níveis moderado e grave, esse percentual sobe para 16,7%, dado que corrobora a literatura internacional com amostra de europeus e norte-americanos, cujo percentual varia entre 0,6% e 15% (BABIAK; HARE, 2006; BABIAK; NEUMANN; HARE, 2010; BODDY et al., 2015). Assim, é possível que indivíduos com níveis moderados de tendências psicopáticas possam, em geral, apresentar maior possibilidade de serem líderes eficazes do que aqueles com níveis de psicopatia muito altos ou muito baixos (LANDAY; HARMS; CREDÉ, 2019). Muito mais do que números, esses dados alertam para o fato de que basta um psicopata liderar uma organização para que a destruição tenha proporções exponenciais.

Em se tratando do método de avaliação (auto e heterorrelato), é interessante notar que, quando os construtos avaliados revelam características negativas do gestor, as pontuações em medidas de autorrelato são significativamente menores. Por outro lado, se os traços expressam elementos positivos (por exemplo, amabilidade e gestão transformacional) as pontuações em medidas de autorrelato tendem a ser maiores. Naturalmente, em algumas situações de pesquisa, itens com conteúdo pejorativo podem eliciar respostas socialmente desejáveis, isto é, de acordo com as expectativas sociais (SIMÕES; HAUCK FILHO, 2018), especialmente quando se trata da avaliação por meio dos inventários de autorrelato. Ao mesmo tempo, há apoio suficiente para a proposição de que, em ambientes de trabalho, as autoimpressões das pessoas são ampliadas por uma tendência comum de autoaperfeiçoamento e tendem a ser mais positivas do que avaliações de outras fontes (PODSAKOFF; ORGAN, 1986). Por todo o exposto, defende-se que, nessa amostra, os instrumentos de heterorrelato são mais eficazes para avaliação da psicopatia corporativa.

Por fim, este estudo objetivou verificar a adequação de um modelo explicativo em que a personalidade (normal e sombria) prediz psicopatia corporativa que, por sua vez, prediz

inversamente o estilo de gestão transformacional. O modelo 1, mais completo, considerou todas as variáveis implicadas na interação; no modelo 2, os big five foram representados somente por amabilidade e conscienciosidade, traços mais comumente relacionados à psicopatia; e no modelo 3, mais adequado, a personalidade “normal” foi totalmente excluída. Baseando-se nos resultados, é possível pensar que pessoas com características de personalidade antagonista, controladores, egocêntricos e indiferentes, são mais propensos a se dissimular no contexto organizacional contemporâneo e, consequentemente, a apresentar tendências psicopáticas.

Líderes psicopatas têm sido caracterizados por serem abusivos, hostis e rudes com seus subordinados, exatamente o oposto do que apregoa a liderança transformacional, cujo estilo representa líderes prossociais, respeitosos e empáticos (FURTNER; MARAN; RAUTHMANN, 2017). Optou-se por não incluir a liderança laissez-faire no modelo, dadas as baixas correlações encontradas no primeiro bloco de resultados e a deficiência de mensuração dessa dimensão, conforme esboçado previamente. Nessa direção, é possível pensar que, para atrair líderes transformacionais para as organizações, a personalidade deve ser avaliada. Ademais, os resultados indicam ser possível pensar em uma hierarquia em que a personalidade sombria não prediz diretamente a liderança transformacional, mas sim exerce efeito indireto sobre tal, cabendo-lhe o papel de preditor direto da psicopatia corporativa.

A explicação moderada da psicopatia corporativa sobre a gestão transformacional também recebe apoio da literatura, que sugere a importância do papel do gênero nessas interações (LANDAY; HARMS; CREDÉ, 2019). Portanto, sugere-se testar a invariância do modelo no que diz respeito ao gênero do gestor e sua influência na expressão da psicopatia corporativa e do estilo de gestão.

Finalmente, não se apresenta aqui um manual para solucionar a problemática da psicopatia corporativa nas organizações. Esse aspecto será retomado no próximo capítulo, quando se expõem as considerações finais desta tese.